PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Processo nº 99.117-6- Classe 01000 - 1ª Vara
Ação: Ordinária
Autor: Daniele dos Santos
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social
Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto
Previdenciário. Pensão por morte. Direito do neto criado pela avó, como se filho fora e designado em vida. Inteligência do art. 226, §3º, II, da Constituição e do art. 33 da Lei 8.069/90. Ação procedente..
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Daniele dos Santos, qualificada na inicial de fls. 02, representada neste ato por sua genitora, propõe, em face o Instituto Nacional do Seguro Social, a presente ação ordinária, objetivando receber pensão por morte desde a data do óbito de sua avó, em 22/10/97, contando-se juros de mora.
Diz que desde seu nascimento vivia sob a dependência econômica de sua avó, situação essa reconhecida perante o réu, conforme prova a correspondente anotação na CTPS. Finaliza, invocando dispositivos do Decreto 611/92.
Com a inicial, os documentos de fls. 05 a 11.
Em audiência, o INSS apresenta contestação, alegando, preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido, porque ao pretensão autoral não encontraria amparo no ordenamento jurídico vigente. No mérito, entende que o pedido deve ser julgado improcedente, eis que a Lei nº 9.032/95 excluiu a figura da pessoa designada do rol de beneficiários do RGPS e o óbito da segurada ocorreu em momento posterior à vigência da referida lei, inexistindo, na hipótese, direito adquirido.
Convertido o rito em ordinário, a autora fora intimada, manifestando-se sobre a contestação.
Procedendo-se à instrução, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela autora, conforme termos de fls. 42 e 43.
Aduziram as partes razões finais, de conteúdo reiterativo..
Com vistas, o MPF opina pela procedência do feito.
É o relatório.
A preliminar, nos termos argüidos, confunde-se com o mérito da questão, uma vez que pode ser resumida na assertiva de que a autora, nos termos da legislação aplicável, não faz jus à pensão por morte. Ora, a impossibilidade jurídica do pedido tem lugar quando uma determinada pretensão, abstratamente considerada, passa à margem do ordenamento jurídico, que a veda. Saber se a autora merece ou não perceber a referida pensão é matéria para ser solucionada com a acolhida ou não do pedido. Assim, passo ao mérito para melhor analisá-la.
No mérito, inexiste direito adquirido.
Com efeito, quando se fala em benefícios previdenciários, há que se ter em mente que os mesmos são regidos pela legislação vigente à época em que todos os elementos necessários para sua obtenção mostraram-se configurados.
Exemplificando, a aposentadoria por tempo de serviço, por exemplo, é regida, a princípio, pela lei aplicável à data em que se completou o período de trabalho exigido para tanto. Antes disso, o direito do beneficiário de obtê-la com uma determinada quantidade de anos trabalhados fica submetido à uma condição suspensiva, do que resulta inexistir direito adquirido (LICC, art. 6º, § 2º c/c CC, art. 118). Em outras palavras, enquanto não completado o tempo de trabalho previsto em lei, se esta vier a ser modificada e passar a exigir um maior período para a aposentadoria, não haverá qualquer direito à sua obtenção pelas regras anteriores.
No caso dos autos, que versam acerca de pensão por morte, a condição suspensiva consiste no óbito da segurada. Seguindo o raciocínio retrodescrito, enquanto este último não ocorrer, não há direito adquirido quanto à obtenção do benefício, que será regido pela lei então vigente. Pois bem. Aqui, a avó da autora, segurada do réu, só veio a falecer em momento posterior à vigência da Lei 9.032/95, que deixou de contemplar a "pessoa designada" como beneficiária da pensão por morte.
Entender que, pelo fato de ter ocorrido a designação sob a égide de legislação que a permitia, haveria direito adquirido à percepção do benefício, seria o mesmo que, retomando o exemplo anterior, defender que o trabalhador tem seu direito à aposentadoria vinculado à lei vigente no momento em que este adentra no mercado de trabalho, o que, desnecessário dizer, carece de qualquer fundamento jurídico.
Todavia, a solução da lide não se circunscreve apenas a tais aspectos.
Estamos diante de um caso em que a autora fora criada como verdadeira filha por sua avó. A prova é robusta nesse sentido, pois além dos documentos que instruem a inicial, as testemunhas foram uníssonas em afirmar que "(...) a menor Daniele dos Santos foi criada por D. Maria Izabel desde pequena, que ela sustentou e moravam sozinhas (...)", bem como "(...) que a menor era criada por D. Izabel, na residência desta. Que D. Izabel residia sozinha com a menor. Que D. Izabel dava tudo à menor (...)" (SIC) (fls. 42 e 43, respectivamente). Ressalto, de antemão, que o ré não impugnou a existência de semelhante relação de dependência entre a demandante e sua avó. Restringiu sua defesa à inexistência de direito adquirido, o que já fora analisado.
Da situação fática que restou demonstrada, percebo que D. Maria Isabel exercia a guarda de fato sobre a requerente, de onde emerge o direito desta última em ser equiparada à condição de filha, inclusive para fins previdenciários, conforme art. 33 do ECA (Lei 8.069/90), que, em seu § 3º, prescreve, verbis:
"Art. 33. ________________________________
§ 3º. A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários."
Poder-se-ia objetar que a guarda deve ser estabelecida judicialmente e, por isso, mais uma vez, não haveria amparo legal à pretensão da requerente. Penso eu, todavia, que deve ser levado em consideração o aspecto teleológico da legislação que assegura os direitos da criança e do adolescente, a qual assume nitidamente um caráter tutelar desde a matriz constitucional (CF, art. 203, I e II).
Se é assim, parece-me equivocado entender que, diante das circunstâncias presentes, a ausência de provimento judicial concessivo da guarda possa representar óbice à pretensão da requerente, até porque a guarda, deferida judicialmente, não tem outro fim senão regularizar a posse de fato sobre o menor. Acontece que a dita posse de fato sempre coube à avó da autora.
Do mesmo modo, a pensão por morte tem uma natureza alimentar, de subsistência, voltada à assegurar a sobrevivência daquele que vive sob a dependência econômica de outrem. Enfim, a pensão por morte tem, como princípio, o escopo de suprir a referida dependência econômica, fartamente comprovada nos autos, daí porque é assegurada aos filhos.
Sendo neta, como é o caso da autora, e tendo, todo o tempo sido sustentada pela avó, há que ser equiparada à filha. Essa é a única conclusão possível, tendo em vista que, laços familiares de descendência tão próximos revelam uma realidade comum, em nossa sociedade, que é a de netos criados pelos avós. Tem, aqui, plena aplicação, o princípio do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que, em conteúdo, é Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.
Com isso, a negativa da pretensão autoral representaria uma verdadeira e infame ofensa aos princípios informadores do Direito, pois estar-se-ia subvertendo a essência tutelar da legislação que ampara a criança e o adolescente e, ao mesmo tempo, ignorando o fim visado pelo instituto da pensão por morte, tudo porque o formalismo não fora respeitado tal qual um ente sagrado. A forma pode ser concebida como o veículo do conteúdo, mas não de modo a condicionar, em termos absolutos, a efetividade deste último. Trata-se de uma questão de bom senso, que, acredito, ainda se aplica ao Direito, mormente porque aqui restou demonstrado que D. Maria Isabel efetivamente arcou com todos os encargos que incumbem a quem detém a guarda de uma criança ou adolescente (ECA, art. 33, caput).
Saliento, novamente, que a requerente era neta da segurada do réu. Ora, se a lei atribui a qualquer menor que esteja sob a guarda de outrem, independentemente de relação de parentesco, a condição de dependente, tanto mais tem razão a proteção legal quando se trata de avó e neta, como na hipótese. E tal proteção., nos termos da própria lei, deve ter interpretação extensiva. Só para exemplificar, com base nisso, a avó da requerente, caso tivesse rendimentos suficientes, poderia tê-la declarado como sua dependente para aferição do IR.
Em suma, somando-se o caráter alimentar da pensão por morte com a condição de dependente (equiparada ao status de filha) da autora, deve ser acolhida a pretensão ora deduzida. Ressalto, para finalizar, que negar a assistência previdenciária ao menor protegido pela guarda traduz-se em medida que afronta a Carta Magna (art. 227, § 3º, II), conforme já me manifestei em Ação Civil Pública motivada pelos efeitos da Lei 9.528/97, nos seguintes termos:
"No mérito, a inconstitucionalidade da regra da Lei 9.528/97, que retirou, da proteção previdenciária, o menor sob a guarda judicial, afronta a regra do art. 227, § 3º., II e art. 6º., da Constituição, de forma insofismável, a desmerecer maiores considerações. Quem quer que leia, ainda que superficialmente, a regra constitucional, não chegará a outra conclusão, senão a manifesta inconstitucionalidade.
Por outro lado, a Lei 9.528/97 ofende o art. 26 da Convenção Internacional sobre Direitos Humanos da Criança, que o Brasil ratificou, e cuja regra é a seguinte:
"Art. 26 Os Estados Partes reconhecerão a todas as criancas o direito de usufruir da previdência social, e adotarão as medidas necessárias para lograr a plena consecução desses direitos, em conformidade com sua legislação nacional."
Ora, se houve ofensa à regra de um tratado internacional firmado pelo nosso País, agrediu a lei, por via de consequência, também à regra do § 2º, do art. 5º. da Constituição, que elegeu, como fonte de direito, a nível constitucional, "os tratados internacionais em que a República Federativa seja parte".
Isto posto, julgo procedente a ação, tornando definitiva a liminar na forma concedida."
Isto posto, julgo procedente o pedido, condenando réu a conceder à autora a pensão por morte deixada por sua avó, desde a data de seu óbito, 22/10/97, atualizando-se, em liquidação, os valores referentes às parcelas em atraso, contando-se juros e correção monetária.
O benefício deverá ser regido pelas mesmas regras aplicáveis à pensão por morte devida aos filhos, por força da equiparação do art. 33, § 3º, do ECA.
Condeno o réu, ainda, nas custas processuais e em honorários advocatícios, que arbitro em 10%(dez por cento) sobre o montante que for apurado.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
P. R. I.
Aracaju, 07 de dezembro de 1999.
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal