PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Proc. JF/SS. Nº 98.0001703-8 - Classe X - 3ª Vara.
Ação : "Sumária".
Partes: ... Maria José Vieira.
... Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
E M E N T A
: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. ARRIMO DE FAMÍLIA. CANCELAMENTO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPRESCINDIBILIDADE. TUTELA ANTECIPADA. MOMENTO DE EXAME. A administração pode rever seus atos, inclusive, para desfazê-los em caso de irregularidade. Ao atingir o administrado, no caso o beneficiário da previdência social, esta revisão não pode engendrar o cancelamento do benefício, sem a observância do devido processo legal. É ilegítimo o cancelamento baseado em pressuposição de que o beneficiário não é arrimo de família. O pedido de tutela antecipada pode ser examinado e deferido, ao ensejo da sentença.S E N T E N Ç A
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I - RELATÓRIO.
1.1 - Suma do(s) Pedido(s).
A autora aposentou-se pelo FUNRURAL, em 03/06/1991, após preencher o requisito idade. Entretanto, em 20/01/1994, teve suspenso o pagamento de seu benefício sob alegação de suposta fraude, pois estaria enquadrada no art. 399, do Decreto-lei n.º 83.080/79, II, a.
Explica que, após conceder o benefício, o INSS promoveu várias auditorias e, em algumas das quais, ouvira depoimentos da requerente. Em suas indagações, a autarquia-ré simplesmente desconsiderou tratar-se de pessoa idosa e analfabeta, pertencente a uma cultura diferente daquela em que se inserem os inquisidores. Conseqüentemente, obtiveram algumas respostas interpretadas como contraditórias.
Ilustra a afirmativa com dois exemplos, a saber: indagada a respeito de seu estado civil, a autora respondera ser casada, numa primeira entrevista e, noutra ocasião, afirmou que era solteira. Explica-se: ela convive maritalmente com o seu companheiro há mais de quarenta anos. Contudo não casou civilmente. Em outro momento, informara haver trabalhado para o sr. José Titico. Posteriormente, disse haver trabalhado para o sr. Edilson Titico. Explicação: trata-se de pai e filho, respectivamente, para quem a autora trabalhara, por serem, ambos, donos de terrenos vizinhos, que compõem uma única fazenda.
Não houve, portanto, vontade de fraudar a lei. Além disso, a autora houvera recebido o benefício por dois anos e meio, inclusive por haver comprovado o seu tempo de serviço por mais de cinqüenta anos.
Requer os benefícios da justiça gratuita.
Requer a tutela antecipada, por tratar-se de verba destinada à alimentação da autora, cujo avanço da idade justifica o pedido.
Pede, ao final, que se restabeleça o pagamento de seus proventos; além de indenização pelo tempo que deixou de perceber o benefício suspenso e a condenação do INSS nas verbas de sucumbência
1.2 - Suma da(s) Resposta(s).
A suplicada argüi preliminar de ausência de implementação do ônus da prova, uma vez que a autora não apresenta documentos comprobatórios de suas alegações.
Contesta o pedido de tutela antecipada por não vislumbrar, nos fatos explanados na inicial, os pressupostos para sua concessão.
Quanto ao mérito, alega que o INSS , realizando auditoria no município de Poço Verde, encontrara várias irregularidades na concessão de benefícios, inclusive no da autora, algumas das quais elenca: primeiro, o benefício fora habilitado e concedido pelo então representante local do INPS, contrariando a legislação; segundo, a requerente não era arrimo de família; terceiro, como o seu companheiro era lavrador, deduziu-se que ele sim, era o chefe e arrimo da família.
Lembra que a administração pública está adstrita ao princípio da legalidade, em cujo estrito cumprimento o benefício foi suspenso.
Além disso, visando à instauração de inquéritos policiais, o INSS já informou a polícia federal dos processos administrativos concernentes à apuração das irregularidades encontradas naquelas auditorias.
Requer a improcedência total da ação e a condenação da autora em verbas honorárias, bem como em despesas processuais.
JF/SE .
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1.3 - Registro das Principais Ocorrências.
Com a inicial vieram documentos.
Exame diferido de tutela antecipada.
O Suplicado trouxe sua contestação.
Realizada a audiência, para a qual as partes não indicaram provas a serem realizadas..
II - FUNDAMENTAÇÃO.
2.1 - Questões de Fato.
Realmente, a matéria fática alegada é dissonante. A peça proemial aponta umas razões para o cancelamento do benefício, e a autarquia previdenciária outras, bem diferentes.
De qualquer sorte, parece-me que nos autos há subsídios para que se alcance uma disposição.
2.2 - Questões de Direito.
2.2.1 - Preliminares.
O ONUS PROBANDI, está de tal sorte imbricado com os aspectos jurídicos, que ao lado destes será examinado.
2.2.2 - Mérito.
Como afirmado antes, o desencontro de razões entre demandante e demandado para o cancelamento do benefício é patente.
Como se deduz dos termos da contestação, nenhuma das alegações invocadas pela autora, como causadoras do cancelamento de sua aposentadoria, foram utilizadas pela autarquia previdenciária, mas sim outras, de aspectos preponderantemente jurídicos.
Entretanto, somente a partir dos argumentos da demandada, podemos concluir que houve a concessão do benefício, e em revisão administrativa, decorreu o seu cancelamento.
Diz a demandada que:
- o benefício foi concedido em desacordo à legislação:
- a autora não tinha a qualidade de arrimo ou chefe de unidade familiar;
- o seu companheiro era lavrador o que pressupõe que este, sim, era que detinha a condição de chefe ou arrimo de unidade familiar.
Vê-se, então, que a autarquia cancelou o benefício em cima de uma pressuposição.
Não pode ser assim. Haveria de se oferecer à demandante o devido processo legal. E, se há a presunção da legitimidade do ato administrativo, tanto esta valeria para a concessão quanto para o cancelamento. E, em qualquer dos casos, haveria de haver um procedimento regular, INTERNA CORPORIS, da autarquia previdenciária. Nenhum destes elementos vieram aos autos.
Questionada a legalidade do cancelamento, caberia, no caso, pelo princípio probatório da carga dinâmica, à autarquia comprovar que ofereceu o devido processo legal, inclusive, porque se o fizera, consigo está a prova. Jamais, porém, dizer que o fez por mera afirmação de que "se pressupõe" tal ou qual fato.
O que não se imagina admissível, é que seja cancelado o benefício de uma anciã septuagenária, porque alguém "pressupôs" algo.
A apuração de irregularidades porventura existentes em benefícios previdenciários deve se submeter aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
No que concerne ao pedido de tutela antecipada, entendo, se ela pode ser examinada e concedida logo após a resposta, tanto mais o será no momento da sentença, em que concluída a instrução, com muito mais embasamento de argumentos e provas produzidos nos autos.
Sobre o assunto, temos a disposição legal:
O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1º - Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento.
§ 2º - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3º - A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.
§ 4º - A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º - Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
De logo, pela localização no arcabouço legislativo de ritos, e pelo conteúdo material da dicção normativa, podemos inferir que a antecipação do provimento não guarda identidade com a liminar de ações cautelares. onde a finalidade é meramente instrumental. Ainda assim, podemos vislumbrar pontes de intersecção, como a provisoriedade.
Aqui, trata-se de antecipação do conteúdo meritório da RES IN JUDICIUM DEDUCTA. Portanto, não há vedação a que se expunja o cunho satisfativo, salvo em caso de irreversibilidade do provimento.
Ao verter a vista sobre o texto, vemos que está a desabrolhar pressupostos cumulativos e disjuntivos. Aqueles: prova inequívoca e verossimilhança de alegações, no CAPUT, e perigo de irreversibilidade, com registro no § 2º. Estes: receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou abuso de direito de defesa de defesa ou propósito protelatório.
Destarte, os três pressupostos cumulativos devem estar presentes, juntamente com um ou outro dos disjuntivos. Conclui-se, então, que para o deferimento da antecipação da tutela, há, pelos menos de aflorar quatro requisitos.
E o quadro o demonstra, com especial gravidade, uma vez que se trata de um benefício para uma pessoa do mundo rural, septuagenária, onde, sabidamente, o valor que lhe foi retirado pode lhe representar um mínimo de dignidade humana, se tanto o fizer.
Por outro lado, se trata de um pedido de tutela antecipada, pela própria acepção das palavras, entende-se que o é para um momento processual anterior à sentença. Se é possível antes, ao crivo de um exame perfunctório do conteúdo jurídico e prático altercado, tanto mais no momento sentencial, em que tais aspecto são examinados e dirimidos LONGE LATEQUE.
Ainda, a legislação invocada pela demandada no sentido de que há vedação à concessão da tutela antecipada, não se aplica ao presente caso, em que a ação não é de natureza cautelar ou preventiva, e, ainda, o parágrafo $º do art. 1º da Lei 5.021, tem um destino vocabular próprio, "vencimentos e vantagens pecuniárias", terminologia específica de servidores públicos.
Mencione-se que, cá e acolá, ouvem-se de vozes a apontar-lhes inconstitucionalidades.
2.3 - Sucumbência.
2.3.1 - Honorários Advocatícios.
Por força de dispositivo dos arts. 20ss, do Estatuto Civil de Ritos, a parte contra quem o resultado do conteúdo sentencial for desfavorável deve arcar com o encargo da verba honorária. Até mesmo, se vem plasmando o entendimento que tal cominação prescinde de qualquer menção no pedido inicial. Opera-se OPE LEGIS.
A alíquota arbitrada deve incidir, em princípio, e salvo disposição diferente, expressamente manifestada na sentença, sobre o valor total da condenação, por força do art. 20, § º, do CPC.
Em caso de sucumbência da parte favorecida por assistência judiciária, a cobrança da verba honorária fica na dependência de comprovar o credor a perda pelo beneficiário da condição de pauperidade legal.
2.3.2 - Despesas Processuais.
No que concerne ao aspecto das custas, incide o princípio geral de que a parte sucumbente arca com o ônus.
No entretanto, temos na lembrança a isenção prevista no art. 9º, I, da Lei 6.032/74, mas que onera as pessoas lá mencionadas, quanto ao reembolso do que foi adiantado pelo vencedor. É a previsão do art. 10, § 4º, do mesmo diploma legal.
2.3.3 - Correção Monetária.
Está assente que a correção monetária não é um apêndice ou um PLUS ao débito principal. Nada acrescenta ao débito. O aviltamento do poder aquisitivo da moeda encontra neste mecanismo uma simples oportunidade de recomposição ao valor pecuniário originário.
Inafastável a incidência da correção monetária como único meio hábil a recompor o patrimônio desfalcado e, bem assim, evitar o enriquecimento sem causa.
É ressabido que o reajuste monetário visa exclusivamente a manter no tempo o valor real da dívida, mediante a alteração de sua expressão nominal. Não gera acréscimo ao valor nem traduz sanção punitiva. Decorre do simples transcurso temporal, sob regime de desvalorização da moeda.
A correção monetária consulta o interesse do próprio Estado-juiz, a fim de que suas sentenças produzam - tanto quanto viável - o maior grau de satisfação do direito cuja tutela se lhe requer.
Dentro deste princípio, outro não é o caminho a não ser admitir que a data-base para o seu cálculo opere desde a época em que surgiu a obrigação ao pagamento, ID EST, quando a mesma deveria ter sido honrada.
2.3.4 - Juros de Mora.
Entre os cinco efeitos da citação, temos a menção no artigo 219, do CPC, a constituição em mora do devedor. Salvo, portanto, outros parâmetros explicitados em legislação extravagante, temos aí indicado o princípio para aplicação geral.
Limitando-se a sentença a reconhecer "devidos juros de mora", está implícito que a fluência se fará a partir da citação.
Após algumas divergências, o STJ sumulou idêntico entendimento:
Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da citação válida.
Destarte, neste caso, a citação válida é o momento inicial para se fazer incidir os juros de mora, ao percentual 0,5% ao mês.
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III - DISPOSIÇÃO.
Como Órgão do Judiciário, Poder da União emanado e a serviço do povo:
Acolhido o Pedido.
Extingo o processo com julgamento do mérito, acolhendo o pedido da autora para que lhe seja restabelecido o benefício, com pagamento dos atrasados, a partir da sua cessação, com juros e correção monetária, nos termos da fundamentação.
Concedo a antecipação da tutela, para que seja, incontinenti, restabelecido o pagamento do benefício.
Honorários advocatícios pela demandada em 10% sobre o total das parcelas atrasadas, com atualização até o efetivo pagamento.
As partes estão isentas de custas.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Aracaju, 11 de fevereiro de 1999.
Carlos Rebêlo Júnior
Juiz Federal - 3ª Vara.