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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

 

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Processo nº 99.1643-2- Classe 02000 - 3ª Vara.

Ação: Mandado de Segurança

Partes:

Impte: Antonio Carlos de Vasconcelos Lima

Impdo: Superintendente Regional do INSS em Sergipe

 

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. Contribuição instituída pela Lei n° 9.783/99. Incidência sobre proventos de aposentadoria e pensões. Inconstitucionalidade. Precedente do Supremo Tribunal Federal. Segurança Deferida.

 

 

SENTENÇA:

Vistos etc...

Antonio Carlos de Vasconcelos Lima, qualificado na petição inicial, advogando em causa própria e por seu patrono devidamente constituído, impetra Mandado de Segurança Preventivo, contra ato que rotula de iminente, a ser perpetrado pelo Superintendente do Instituto Nacional do Seguro Social, alegando que é servidor público aposentado no cargo de Procurador Autárquico Federal e, com o advento da Lei n° 9.783, de 28 de janeiro de 1999, foi instituída contribuição previdenciária, a ser cobrada dos inativos, estando o impetrado a providenciar o desconto do tributo nos seus proventos, a partir de 1° de maio de 1999. Aduz que tem o direito líquido e certo a perceber integralmente os proventos de sua aposentadoria, configurando inconstitucionalidade a incidência da contribuição previdenciária prevista na Lei acima mencionada, por ofensa ao processo legislativo constitucional, que reclama, na espécie, lei complementar; por desrespeito ao princípio do não confisco tributário; por violação das cânones constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, protegidos diante da retroatividade da lei; por agredir o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios previdenciários; por fraudar o princípio da igualdade jurídica, pois a exação é exigida apenas dos inativos do serviço público, ficando a salvo do seu pagamento aqueles que se aposentaram sob as regras do Regime Geral da Previdência Social.

Pede a concessão de medida liminar, no sentido de que seja suspensa a incidência da questionada contribuição, sobre os seus proventos, notificando a autoridade coatora para cumprir a decisão e apresentar as Informações que lhe aprouver, acolhendo, a final, a pretensão.

Junta a Procuração de fls. 14 e os documentos de fls. 15 usque 45.

Custas pagas, às fls. 46.

Às fls. 48, foi proferida decisão diferindo-se exame da medida liminar para momento posterior à colheita das Informações do impetrado, que às apresentou, às fls. 56, suscitando a necessidade de litisconsórcio passivo necessário do nominado coator com o Senhor Secretário de Estado da Administração e do Patrimônio do Ministério do Orçamento e Gestão, deslocando-se à competência para o foro da Justiça Federal do Distrito Federal. Argüi ausência ou insuficiência da causa de pedir. No mérito, refuta o pedido de concessão de medida liminar, por ser satisfativa e a denegação da segurança, face à inexistência de fundamentos fáticos e jurídicos do pedido.

Foi proferida decisão, fls. 64/68, deferindo a medida liminar, mediante depósito judicial da contribuição impugnada.

Noticia a petição de fls. 69/71, o desconto, nos proventos do impetrante, da contribuição previdenciária contestada e a petição de fls. 79/85 refuta as Informações do Impetrado, a quem atribui legitimidade para responder à demanda, manifestando-se, ainda, o impetrante acerca da querela, às fls. 89/93, onde positiva a inconstitucionalidade da exação discutida e a inexistência do depósito determinado na decisão concessiva da medida liminar.

O Ministério Público Federal oferta o douto parecer de fls. 104/106, argüindo a irrelevância da imtempestividade das Informações do impetrado, pois que não induz revelia, opinando pela rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva do impetrado, vez que a autoridade indicada é que deve responder ao writ, inclinando-se, no mérito, pela concessão da segurança, pois a cobrança da exação guerreada afronta os princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da igualdade tributária.

Petição do impetrante, fls. 108, reclamando, mais uma vez, do descumprimento da decisão proferida nos autos.

Petição do INSS, fls.114, comunicando o cumprimento da decisão judicial a partir do momento em que foi cientificado da concessão da medida liminar.

Petição de fls. 118/121, onde o impetrante reclama do descumprimento da decisão proferida nos autos.

O Ministério Público ratifica o Parecer já exarado nos autos, fls. 131.

Petição de fls. 133, em que o acionante pleiteia a prolação de sentença.

Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.

É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR.

A Preliminar de ilegitimidade passiva do impetrado para responder à demanda não merece agasalho, porque o nominado coator é o dirigente local da autarquia previdenciária, cuja Superintendência no Estado de Sergipe administra a folha de pagamento dos servidores e inativos a ela vinculados, conseqüência da autonomia de que são datadas as autarquias, sob os aspectos administrativos e financeiro, também não se justificando o pretendido litisconsórcio passivo necessário com o Secretário de Estado da Administração e do Patrimônio do Ministério do Orçamento e Gestão, cuja atribuição é apenas normativa, cabendo a execução das decisões da Administração aos órgãos locais e afirmando-se-me a competência deste Juízo para processar e julgar a causa.

Rejeição é o destino, também, da preliminar de ausência de causa de pedir, haja vista que os fatos e razões que autorizam o pedido estão evidenciados na exordial com a devida clareza e serão apreciados na análise do mérito da lide.

Irrelevante, como salientou o MPF, a questão da intempestividade das Informações esgrimidas pelo indigitado coator, à vista de que não ocorre a revelia em processo da natureza deste ora examinado em relação ao impetrado.

No mérito, a Lei n° 9.783, de 28.01.99, que instituiu contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas do serviço público federal, criando alíquotas progressivas para a mesma contribuição, exigida, também, dos servidores ativos, encontra-se infestada de inconstitucionalidades flagrantes, que a tornam imprestável para os fins a que se destina.

A primeira delas é de caráter formal, pois atinge o processo legislativo, vulnerando o disposto no § 5° do art. 60 e o art 67 da Constituição Federal, eis que a matéria de que cuida a referenciada lei foi objeto de Proposta de Emenda Constitucional n° 0033/L/95 rejeitada na Sessão Legislativa de 1998, o que somente permitiria o seu reexame em outra Proposta de Emenda Constitucional, a partir da Sessão Legislativa subsequente. Surpreendentemente, o Presidente da República apresentou Projeto de Lei Ordinária disciplinando a matéria, durante a convocação extraordinária do Congresso Nacional, sem observar o interstício constitucional e sem atentar para o poder de iniciativa legislativa previsto no art. 67 da Carta Política, com a agravante de que desrespeitou o principio da reserva constitucional da matéria, pois somente o constituinte, ainda que reformador, poderia autorizar a criação de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas ou implantar o princípio da progressividade das contribuições devidas pelos servidores em atividade.

Sob o aspecto formal, a inconstitucionalidade da lei fustigada também se revela no fato de que, instituindo nova fonte de custeio da seguridade social, deveria a matéria ter sido objeto de lei complementar, nos exatos termos do § 4° do art. 195, combinado com o art. 154, inciso I, do Estatuto Supremo.

Outras inconstitucionalidades são descortinadas na comentada lei, sob o ponto de vista material.

São agredidos os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, inscritos no inciso XXXVI do art. 5° da Lei Fundamental, eis que aqueles que reuniam as condições previstas na legislação pertinente obtiveram a sua aposentadoria ou pensão – direito adquirido – mediante o procedimento administrativo adequado – ato jurídico perfeito - não podendo lei posterior alcançar-lhes para impor-lhes exigência inexistente quando da concessão do benefício previdenciário, estabelecendo a insegurança jurídica repugnada pelo Estado Democrático de Direito.

Se não bastasse a invasão da lei ordinária em matéria reservada ao constituinte reformador – emenda constitucional – a malfadada lei também desrespeita normas contidas nas disposições transitórias da Emenda Constitucional n° 20/98, especialmente aquela contida no § 3° do seu art. 3°, que estatui:

"São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de publicação desta Emenda aos servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado o disposto no art. 37, XI da Constituição Federal." (que dispõe sobre a instituição do teto vencimental para todo e qualquer agente público).

A Emenda Constitucional n° 20/98, como traduz a sua própria ementa, "Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências.", ela mesma assegurando aos aposentados e pensionistas do serviço público federal a manutenção de todos os direitos e garantias fruídos de acordo com as disposições constitucionais vigentes quando de sua edição, dentre os quais se insere a imunidade da contribuição previdenciária sobre seus proventos, falecendo a uma simples lei ordinária poder para revogar regra dessa estatura legislativa.

A indigitada lei é também inconstitucional, porque desvirtua a natureza contributiva do Sistema Previdenciário Constitucional, porquanto institui isenções não autorizadas na Lei Maior, fazendo com que alguns se beneficiem dele sem contribuir.

Sob o prisma da contributividade do Sistema Previdenciário, a inusitada lei arranha o princípio da equidade no custeio das aposentadorias e pensões, posto que quebrou a proporcionalidade do ônus da contribuição em relação às respectivas faixas de remuneração, optando pelo sistema de alíquotas progressivas aos níveis de remuneração ou proventos, utilizando-se de um critério de tributação somente autorizado na Carta Republicana para o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, de forma geral e, especialmente, em relação a alguns impostos do Sistema Tributário Nacional, como instrumento de extrafiscalidade ou para atender a objetivos da política governamental na área econômica, principalmente.

A mácula da inconstitucionalidade também contamina a famigerada lei quando ofende o princípio da irredutibilidade dos vencimentos, proventos e pensões, como bem resumiu o Prof. Carlos Ayres Britto, em seu brilhante trabalho "A Lei Federal n° 9.783/99 e suas inconstitucionalidades", merecendo ser transcrito o respectivo texto para esta decisão:

5.12. Explica-se. Os percentuais progressivos de desconto previdenciário, se aplicados, terão o efeito prático de onerar mais quem ganha mais, ou onerar menos quem ganha menos (lógico), mas indo além da proporcionalidade que é própria da alíquota uniforme. É como dizer: se o percentual paritário já cumpre a função de onerar mais quem ganha mais e onerar menos quem ganha menos, mantendo a proporcionalidade das faixas remuneratórias (não pode ser diferente), o percentual do tipo crescente acarreta uma segunda e progressiva modalidade de oneração, esta, sim, de completa ruptura com a regra da proporcionalidade. A conseqüência é inevitável: os critérios técnico-administrativos em que a lei se baseou para hierarquizar estipendiariamente os cargos públicos deixam de operar, pelo fato evidente de que a lógica diferença entre uma remuneração e outra é reduzida ou até nulificada pelo desembolso em favor do sistema previdenciário. O que o sistema indevidamente ganha aqui ... o servidor indevidamente perde lá, fato que não se coaduna com a vontade constitucional da hierarquização estipendiária dos cargos públicos, a que as leis de conteúdo administrativo devem dar cotidiana aplicação.

5.13. E não é tudo. Há uma outra conseqüência fatal, traduzida na constatação de que, pelo viés da sobre-oneração percentual do desconto previdenciário, todo o pessoal do setor público tem quebrantada a sua garantia constitucional da irredutibilidade estipendiária. O que a lei não pode fazer diretamente (reduzir vencimentos, proventos e pensões), ela se atreve a fazer transversamente: a instituição de alíquotas crescentes de contribuição para o fundo comum de previdência social pública."

Por outro lado, emana do Sistema Previdenciário Constitucional o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, consagrado no § 5° do art. 195 da Lei Máxima, de onde decorre que o aludido Sistema deve observar a relação custo/benefício, com o que não se preocupou o legislador ordinário, pois não demonstrou, quer na Exposição de Motivos, quer no corpo da contestada lei a necessidade de criar nova contribuição ou majorar progressivamente alíquotas daquela já existente, para fazer face ao custeio da previdência administrada diretamente pela União Federal, em favor de servidores inativos e pensionistas. Resulta daí que a referida lei quebra a direta correspondência entre os benefícios que o Sistema Previdenciário concede e os recursos arrecadados para esse fim, caracterizando-se a parcela da contribuição relativa à sobre-oneração como verdadeiro confisco, vedado taxativamente, pelo art. 150, inciso IV, do Ordenamento Constitucional ou disfarçado adicional de Imposto de Renda, escancaradamente inconstitucional.

Note-se que, vilipendiando o princípio da isonomia, encastelado no Texto Maior, a lei comentada impõe contribuição previdenciária a aposentados e pensionistas do serviço público federal, quando a Emenda Constitucional n° 20/98 imunizou da exação aqueles servidores que já preenchessem os requisitos para aposentação, mas permanecessem na atividade.

A tudo isso se soma o fato de que as alíquotas progressivas (11% a 25%), previstas na Lei n° 9.783, de 28.01.99, são por demais elevadas, assumindo, por si só, caráter também confiscatório de remunerações, proventos e pensões, tanto mais quanto esses valores ficam ainda sujeitos à incidência do Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, ambas exações descontadas na fonte, reduzindo os estipêndio dos servidores, inativos e pensionistas em percentuais que chegam a atingir 50% (cinqüenta por cento) dos valores que teriam a perceber, numa flagrante insensibilidade governamental, sobretudo tendo-se em vista que esse mesmo governo congelou as remunerações e proventos há mais de quatro anos, pondo em risco a sobrevivência dos servidores, dos inativos, dos pensionistas e dos seus familiares, inclusive extinguindo ou reduzindo benefícios antes auferidos, patrocinando um processo de degradação e aniquilamento dos servidores públicos, eleitos como a causa de todos os males por que passa o Estado Brasileiro, esquecendo-se dos seus verdadeiros responsáveis.

Reporto-me, ainda, como razão de decidir, à brilhante decisão proferida pelo ilustre Juiz Federal Ricardo César Mandarino Barretto, titular da 1ª Vara, que, ao conceder antecipação de tutela na Ação Ordinária n° 99.571-6, ao lado dos respeitáveis fundamentos jurídicos que esposou, positivou, matematicamente, a suficiência da contribuição previdenciária, à alíquota de 11%, hoje cobrada, para o custeio do Sistema Previdenciária dos Servidores Públicos Federais, resultando estapafúrdia a instituição das suspeitas alíquotas progressivas e muito mais incompreensível a incidência da contribuição atacada sobre aposentadorias e pensões.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a matéria enfocada nos autos, ao apreciar a medida cautelar requerida na ADIN n°210 de 07.06.99, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, deferindo, em 30.09.99, a liminar requestada, nos seguintes termos:

"MEDIDA CAUTELAR. Para suspender, até a decisão final da ação direta, no caput do art. 1° da Lei n° 9.783, de 28/01/1999, a eficácia das expressões "e inativo, e dos pensionistas" e "do provento ou da pensão". O Tribunal, por maioria, vencidos os senhores ministros Nelson Jobim e Moreira Alves, também deferiu o Pedido de Medida Cautelar, para suspender a eficácia do art° 2° e seu Parágrafo Único da mesma Lei n° 9.783/99), e, por unanimidade, deferiu ainda a cautelar, para suspender a eficácia do art. 3° e seu Parágrafo Único da mencionada Lei (n° 9.783/99). Votou o Presidente, Plenário, 30.9.99.

Isto posto, comungando inteiramente com o pensamento dominante na Corte Suprema, concedo a segurança pleiteada, reconhecendo o direito líquido e certo do impetrado não se submeter à incidência da contribuição previdenciária guerreada, face às inconstitucionalidades de que está acometida.

Determino ao impetrado que restitua, imediatamente, sob pena de desobediência ou prevaricação, os valores porventura descontados do acionante após o ajuizamento da ação, bem assim o levantamento, mediante alvará, de eventuais depósitos da multicitada contribuição, efetuados em Juízo, pelo INSS.

Condeno o INSS a restituir as custas processuais suportadas pelo postulante.

Sem honorários, face ao que prescreve a Súmula 512 da Corte Constitucional.

P.R.I.

Cumpra-se.

Aracaju, 07 de outubro de 1999.

Juiz Edmilson da Silva Pimenta