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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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PROC. Nº : 98.2406-9/2ª VARA

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU : DER/SE E OUTROS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

EMENTA -

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE ESTRADA DE RODAGEM EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, LOCALIZADA EM ZONA COSTEIRA. NECESSIDADE DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL E APRESENTAÇÃO DE RESPECTIVO RELATÓRIO. PARÁGRAFO 2º, ART. 6º, DA LEI Nº 7.661/88, C/C O ART. 2º, INCISO "I", DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001/86 E PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 1º, DO DECRETO FEDERAL Nº 750/93. OBRA JÁ CONCLUÍDA. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA E JURÍDICA DE SEU DESFAZIMENTO, CUJAS CONSEQÜÊNCIAS PODERIAM SER PIORES QUE AS DE SUA REALIZAÇÃO. DANOS AMBIENTAIS VERIFICADOS, OCORRENTES EM VEGETAÇÃO DE RESTINGA E DUNAS REPRESENTATIVAS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA, DE NATUREZA SOLIDÁRIA, DE TODOS AQUELES QUE CONTRIBUÍRAM, POR AÇÃO OU OMISSÃO, PARA O RESULTADO DANOSO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. A Constituição de 1988, ao consagrar como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente e ao estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida e vital para as presentes e futuras gerações, agasalha, sem dúvida, a teoria do desenvolvimento sócio-econômico sustentável.

2. E para garantir a efetividade dessa consagrado desenvolvimento sustentado, impõe a Carta Magna ao Poder Público exigir, na forma da lei, o estudo prévio de impacto ambiental, nas obras ou atividades que, potencialmente, causem significativa degradação ambiental.

3. A construção de estrada de rodagem, com duas faixas de rolamento, com uma extensão aproximada de 2 Km, em área de preservação permanente, localizada em zona costeira, próxima à linha do preamar, além de, potencialmente, causar significativa degradação ao meio ambiente, em face da amplitude da obra, a reclamar, per se stante, a elaboração e apresentação, por parte do empreendedor, e a exigência, por parte dos órgãos responsáveis pela preservação ambiental, do estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental, carece, ex vi lege, desses mencionados instrumentos, como prevêem a Lei nº 7.661/88 (art. 6º, § 2º), a Resolução CONAMA nº 001/86 (art. 2º, inciso I) e o Decreto Federal nº 750/93 (art. 1º, parágrafo único).

4. O Licenciamento da obra, in casu, sem exigir o EIA/RIMA, é nulo de pleno direito.

5. Impossibilidade do desfazimento da obra, já concluída, cujas conseqüências do desfazimento poderiam ser piores que as de sua realização. Os reflexos e conseqüências, quer sociais, quer ambientais, jamais recomendariam o desfazimento da obra, resolvendo-se a contenda, em atenção ao princípio poluidor-pagador, com a indesejável reparação pecuniária do dano, a cargo solidário dos Réus.

6. As condutas dos demandados, ativas e omissivas, causaram dano ambiental, pela supressão comprovada de vegetação de restinga e dunas representativas, a descortinar a responsabilidade objetiva dos mesmos, e a reclamar a reparação pecuniária, por todos devida solidariamente.

 

 

- SENTENÇA -

 

1. Cuida-se de Ação Civil Pública, com súplica de provimento liminar, em cujos autos figuram como partes as pessoas acima nominadas.

 

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do ilustre Procurador da República Dr. PAULO VASCONCELOS JACOBINA, propõe demanda coletiva, em resguardo do meio ambiente, em face do DER/SE, UNIÃO FEDERAL, IBAMA, ADEMA e ESTADO DE SERGIPE, aduzindo, em suma, que:

 

      1. O Estado de Sergipe, pelo seu Departamento de Estradas de Rodagens, visando concretizar projeto de ligação rodoviária entre a praia de Atalaia com a Rodovia José Sarney, passou a realizar, por volta de julho de 1997, independentemente de licença ambiental devida, movimentações de máquinas em área, de propriedade da União Federal, e mais, de preservação ambiental permanente.
      2. Em face disso, o MPF oficiou a Delegacia do Patrimônio da União, solicitando informações. Em resposta, o DPU informou que tomara conhecimento de alterações na área mencionada, em 09 de julho de 1997 e que houvera oficiado o Sr. Governador do Estado, solicitando informes sobre o que estaria acontecendo no local, mas que tal ofício fora ignorado, não havendo nenhuma resposta. Informou, ainda, que também oficiou o DER/SE, IBAMA, SEMA e a EMURB, mas que, igualmente, não obteve respostas. E que, inobstante reiterados, os ofícios não foram respondidos.
      3. Em vistoria realizada pelo DPU, ficou constatado que as obras já se haviam iniciadas, sem que o DER/SE houvesse elaborado e apresentado seu plano de manejo ambiental. Quer dizer, em julho de 1997, sem qualquer plano ambiental, a estrada já estava estaqueada pelo DER, cortando área de propriedade da União, de preservação permanente, em total descompasso com o art. 19 do Decreto Federal nº 99.274/90, que determina que é necessária a expedição de licença ambiental prévia "na fase preliminar de planejamento de atividade, contendo os requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais e federais sobre o uso do solo". Este Decreto regulamenta a Lei nº 6.938/81, que, em seu art. 9º, inciso IV, determina que o licenciamento ambiental é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.
      4. Preocupado com o agravamento da situação, o MPF oficiou o IBAMA, solicitando informações, que, em resposta, encaminhou um memo nº 17/97, elaborado por técnicos da referida autarquia, sobre a área em questão, onde, entre outras coisas, afirmam aqueles técnicos que "as dunas ocorrentes são representativas, fixadas por cobertura vegetal característica, e encontra-se na área de preservação permanente (lei 4.771/65 art. 3º, incisos b e c e lei 7.661/88, art. 6º e resoluções CONAMA 04/85 e 04/93) fato esse que incorreria provavelmente na elaboração do EIA/RIMA". Só que, em seguida, no mesmo documento, pondo-se acima da Constituição Federal, os técnicos consideram desnecessária a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental e apontam três ou quatro providências para diminuir os impactos.
      5. Ocorre que a obra retornou seu curso e, atualmente, os tratores e escavadeiras estão funcionando a todo vapor, com a destruição de toda a vegetação fixadora das dunas e com o corte das próprias dunas, sem que o MPF ficasse ciente das decisões dos órgãos ambientais envolvidos.
      6. O MPF, portanto, oficiou a todos os órgãos envolvidos para que informassem o que estava ocorrendo na área. Em resposta da DPU, ficou claro que houve a concessão de uma licença de instalação ao DER/SE, pela ADEMA, contra a legislação pertinente, porque não precedida nem de EIA/RIMA, nem de procedimento ambiental prévio; que a cessão realizada pela União Federal perfez-se como cessão provisória (nula, porquanto inexistente no nosso direito), e decorrente de intervenção pessoal do Governador do Estado, responsabilizando o Estado de Sergipe pela conseqüência da obra; que o IBAMA caracterizou a supressão de restingas e dunas, inobstante tratarem-se de vegetação de preservação permanente, como "limpeza de terreno", como se, para o IBAMA, meio ambiente fosse lixo; que a União autorizou provisoriamente o prosseguimento da obra em área federal e a conseqüente destruição de dois quilômetros de dunas e restingas significativas, resultando sua responsabilidade solidária, nos danos causados, nos termos do art. 14 da lei nº 6.938/81.
      7. A ADEMA licenciou a obra, sem exigir o EIA/RIMA, por considerar os impactos gerados de "pequenos impactos".
      8. Que a presente demanda prende-se a quatro aspectos muito objetivos: 1) a destruição de dois quilômetros de restingas preservadas, elemento constituinte de mata atlântica e ecossistema em extinção no Estado de Sergipe; 2) a destruição de cordão dunar significativo e a demarcação da rodovia próximo demais à linha do preamar, causando alteração ilegal na Zona Costeira, sem que haja plano de gerenciamento costeiro no Estado de Sergipe e com ofensa a lei nº 7.661/88; 3) a invasão e deterioração de propriedade federal, posteriormente homologada ilicitamente pela União e 4) procedimento de licenciamento nulo, por ausência de disciplinamento específico, ausência de previedade, erros grosseiros quanto à localização da obra e ausência de publicidade.
      9. Apesar de inexistir autorização específica do IBAMA para a supressão da vegetação de restinga e protetora de dunas, mas apenas uma autorização para limpeza de terreno, o DER/SE já exterminou a maior parte da vegetação local, como demonstra a minuta do parecer do técnico pericial do MPF.
      10. Quanto à União Federal, sua responsabilidade reside no fato de haver autorizado, ilicitamente, a obra, através de sua Secretaria de Patrimônio.
      11. A obra guerreada localiza-se em área de preservação permanente de zona costeira, sendo, mencionada área, duplamente protegida, quer por ser mata atlântica, quer por se situar em zona costeira.
      12. A lei nº 7.661/88 determina que "para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração de estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei". Não podia, pois, haver a dispensa do EIA/RIMA.
      13. Combinando-se o art. 6º, § 2º, da lei nº 7.661/88, com o art. 1º, parágrafo único, do decreto 750/93, conclui-se que a obra dependia de EIA/RIMA, a ser processado perante o ADEMA, com anuência prévia do IBAMA, para a concessão de licenciamento, e a supressão de vegetação de preservação permanente somente poderia ser autorizada diretamente pelo IBAMA, anteriormente, porém, a essa destruição e à vista dos elementos científicos levantados pelo EIA/RIMA, sendo possível, portanto, dentro desse quadro, a realização da obra, que, decerto, não teria o perfil de destruidor do meio ambiente.
      14. Assim, requer: a) que a estrada seja desfeita e a área recuperada ambientalmente, mediante apresentação de projeto ambiental a ser custeado, de forma solidária, pelo DER/SE, Estado de Sergipe e União Federal; b) que seja declarada a nulidade do procedimento licenciatório póstomo, por desatendimento a toda legislação pertinente; c) que seja determinado ao IBAMA e à ADEMA que exijam EIA/RIMA em empreendimentos que impliquem em supressão de restinga, dunas, floresta atlântica primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, ou vegetação em área de preservação permanente em zona costeira, e d) condene-se os Réus, solidariamente, ao pagamento de indenização pelos danos causados aos interesses difusos, a serem liquidados na forma da lei, indenização essa a ser recolhida ao fundo mencionado no art. 13 da lei nº 7.347/85. Antes, contudo, pleiteia provimento liminar de suspensão das obras.

 

3. Conclusos os autos, o MM. Juiz Federal Dr. VLADIMIR SOUZA CARVALHO, em r. despacho de fls. 411, a fim de melhor apreciar o pleito liminar, designou inspeção local, determinando a intimação das partes, para, querendo, acompanharem o ato. Na data aprazada, logrou-se realizada a inspeção, conforme se depreende do auto de fls. 421.

 

4. Em r. decisão de fls. 483/485, a postulação liminar restou indeferida, o que ensejou recurso de Agravo de Instrumento, interposto pelo MPF, consoante se observada de cópia de fls. 488/494.

 

5. Devidamente citados, contestaram os Réus. O Estado de Sergipe (fls. 508/513), alegando que não iniciou as obras na data indicada na inicial, pois que a empresa vencedora da licitação somente foi contratada em 19.12.97, que a autorização para o início das obras foi emitida em 14.04.98, após o cumprimento de todas as exigências legais e que a obra impugnada não causa degradação ambiental significativa, a exigir o EIA/RIMA. A União Federal (fls. 516/522), no mesmo tom, alega a inexistência de atividade potencialmente causadora de relevante impacto ambiental, acrescentando, assim, que a cessão da área ao Estado de Sergipe foi regular. O IBAMA (534/536), comentando que jamais olvidou de suas funções constitucionais de defender o meio ambiente e aduzindo, no mais, que a obra em apreço não causou significativa degradação ambiental. A ADEMA (fls. 552/556), sustentando a desnecessidade do EIA/RIMA, alega que concedeu a licença de instalação nº 06/98, embasada em parecer técnico resultante da análise do plano de manejo apresentado pelo DER/SE. E, finalmente, o DER/SE (fls. 557/563), respondendo que não iniciou nenhuma obra no ano de 1997, até porque o procedimento licitatório só se ultimou em 12.11.97 e que, se máquinas e tratores existiram no local, não eram de propriedade dela, aduzindo, ademais, que a obra ora censurada é de grande relevância para a comunidade local.

 

6. Ouvido sobre as contestações, o MPF pugna pela indenização dos danos causados, com base na responsabilidade objetiva, bem como pelo saneamento do feito com produção de provas.

 

7. Em decisão de fls. 610, irrecorrida, foi admitido e anunciado o desate antecipado da lide.

 

8. Em cota de fls. 611v., o eminente representante do Parquet Federal desabafa seu descontentamento com o estado da causa, registrando, segundo suas próprias palavras, seu cansaço com "- leis que não são cumpridas. – regulamentos que não são levados a sério por autoridades administrativas. – polícia sem recursos para investigação. – obras feitas à margem de toda a legislação. – salários baixos e altos impostos".

 

9. Conclusos, vieram-me os autos. Relatados e tudo ponderado, tecidas vão as considerações abaixo, fundamentos da sentença exaranda:

 

9.1. Cuidam os presentes autos de demanda coletiva, perseguidora de tutela judicial do meio ambiente, supostamente afetado por obra desencadeadora de estrada de rodagem, executada em área de preservação permanente, localizada em zona costeira, causadora de destruição de cerca de 2 Km de vegetação de restinga e dunas representativas, algumas destas chegando a aproximados 3,10 metros de altura, sem que se exigisse o devido Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

 

9.2. Questiona o Ministério Público Federal, através de um de seus mais ilustres e competentes membros, o expedito e incansável Dr. PAULO VASCONCELOS JACOBINA, que, combinando-se o art. 6º, § 2º, da Lei nº 7.661/88, com o art. 1º, parágrafo único, do Decreto nº 750/93, conclui-se que a ferretada obra dependia de EIA/RIMA, a ser processado perante o ADEMA, com anuência prévia do IBAMA, para a concessão de licenciamento, e que a supressão de vegetação de preservação permanente somente poderia ser autorizada diretamente pelo IBAMA, anteriormente, porém, à destruição ambiental já consumada e à vista dos elementos científicos levantados pelo EIA/RIMA, sendo possível, portanto, dentro desse quadro, a realização da obra, que, decerto, não teria o perfil de destruidor do meio ambiente.

 

9.3. Por outro lado, desconsideram os Réus a necessidade da exigência do EIA/RIMA, argumentando, entre outros, tratar-se a questionada obra de intervenção de pouco monta no meio ambiente. Alegam, ainda, que o licenciamento procedeu à vista, apenas, de projeto de manejo apresentado pelo DER.

 

Eis, pois, o thema decidendum.

 

9.4. A Constituição de 1988, decerto refletindo toda uma preocupação nacional e, mais do que isso, ousaria dizer, mundial, instituiu como princípio conformador da ordem econômica brasileira, pela vez primeira, a defesa do meio ambiente, exigindo, com isso, que toda atividade sócio-econômica executada no espaço brasileiro mantenha e conserve os recursos naturais, objetos de sua apropriação, dominação e transformação. Trata-se de princípio constitucional impositivo, que cumpre dupla função, qual seja, de instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. Neste última sentido, assume a feição de diretriz (RONALD DWORKIN) – norma objetivo – dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas. Some-se a isso, a tutela específica dispensada pelo texto constitucional ao meio ambiente, o que só vem corroborar com essa afirmação. Outrossim, afirme-se que é impossível abordar e imaginar a atividade sócio-econômica sem ter os olhos voltados aos preceitos consignados no art. 225 da Carta Magna. A realidade destes preceitos ordenados no capítulo do meio ambiente é indissociada dos princípios conformadores da ordem econômica, uma vez que aquele capítulo relativo ao meio ambiente trata de um fator básico da produção e desenvolvimento sócio-econômico: o fator natureza.

 

 

9.5. Ao consagrar como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente e ao estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida e vital para as presentes e futuras gerações, a Constituição de 1988, sem dúvida, agasalha a teoria do desenvolvimento econômico sustentável

 

9.6. A idéia de desenvolvimento sustentável foi apresentada, inicialmente, como um princípio diretor para o planejamento do desenvolvimento econômico pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development - WCED), em documento elaborado sobre estratégias do desenvolvimento em 1987. Consoante este documento, desenvolvimento é sustentável, quando satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer suas próprias necessidades. Ainda na conformidade deste documento, "mesmo no sentido mais estreito do termo, o desenvolvimento sustentado pressupõe uma preocupação de eqüidade social entre as gerações, preocupação que deve estar presente, logicamente, numa mesma geração".

 

9.7. Em um estudo de alternativas para o desenvolvimento e o meio ambiente, solicitado pela Assembléia Geral da ONU, em 1983, foi elaborado o denominado "informe Brundtland", em o qual consta a seguinte definição, que mereceu consagração geral:

 

"o desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do presente sem comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações".

9.8. A necessidade da factibilidade de um desenvolvimento econômico sustentável reside exatamente na constatação da impossibilidade de continuidade do desenvolvimento econômico nos moldes até então empreendidos, por acarretarem um acelerado e, não raro, irreversível, decrescimento dos recursos ambientais. Quer dizer, "no fundo do debate está a questão se o mundo pode suportar um crescimento econômico ilimitado, uma intervenção ilimitada e inopinada do homem na natureza, ao lado de um crescimento exponencial da população humana e uma ampliação irrefreada da esfera de suas necessidades, até os níveis luxuriosos das ‘sociedades do desperdício’ ". Reconhecendo que sustentabilidade é condição indispensável para o crescimento econômico, DAVID W. PEARCE declara que o estoque do "capital natural" deve, no mínimo, ser mantido constante (e preferencialmente aumentado) enquanto a economia possa cumprir os objetivos de satisfação social.

 

9.9. A teoria do desenvolvimento sustentável reclama uma ação responsável na exploração e no manejo correto dos recursos ambientais, de modo a permitir, também naturalmente, a recomposição dos elementos utilizados. Daí se conclui, com REHBINDER, que a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos renováveis. Para com os recursos não renováveis ou para atividades capazes de produzir danos irreversíveis este princípio não se aplica.

 

9.10. Desenvolvimento sustentável, na precisa dicção de RAMÓN MARTÍN MATEO, é um processo pelo qual a exploração de recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se harmonizam e coordenam a fim de que nosso potencial atual e futuro satisfaça as necessidades e aspirações humanas.

 

Mas não é só. A implementação do desenvolvimento sustentável requer – além de uma interação dos valores sociais, onde se relacionam interesses particulares de lucro e interesses de bem-estar coletivo - uma justa distribuição de riqueza, nos países e entre os países. Se o desenvolvimento não elimina a pobreza absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaça às necessidades essenciais da população em geral, ele não pode ser qualificado de sustentável.

 

9.11. Em pelo menos onze, dos vinte e sete Princípios da DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO/92 - a ECO-92 -, encontramos a utilização do conceito de desenvolvimento sustentável. Em seu Princípio nº 3 está dito que: O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer as necessidades relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente das gerações presentes e futuras.

 

Destarte, concluindo com JOSÉ AFONSO DA SILVA, desenvolvimento sustentável

 

"consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras",

podendo também ser empregado com o significado de

"melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas".

9.12. A concepção do desenvolvimento sustentável, pois, tem em vista exatamente isto, quer dizer, a tentativa de conciliar a preservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento sócio-econômico. Pretende-se que, sem o esgotamento desnecessário dos recursos naturais, haja a possibilidade de garantir um condição de vida mais digna e humana para milhões e milhões de pessoas, cujas atuais condições de vida são absolutamente inaceitáveis.

 

9.13. Para que isso ocorra, urge imperiosa atenção aos princípios do Direito Ambiental, que, sem dúvida, estão voltados para a finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresente, e garantir um padrão de existência digno para os seres humanos desta e das futuras gerações, bem como de conciliar os dois elementos anteriores com o desenvolvimento econômico ambientalmente sustentado.

 

9.14. Tratam-se de construções teóricas que objetivam a melhor orientar a formação e aplicação do Direito Ambiental, procurando atribuir-lhe uma certa lógica de desenvolvimento, uma base comum presente nos instrumentos normativos. Citando WERNER HOPPE, CRISTIANE DERANI refere-se a estes princípios como concepções básicas, "instruções para ações políticas visando a uma política ambiental racional".

 

9.15. Dentre os inúmeros princípios apontados pelos autores, destaco, com base na doutrina alemã, os dois princípios que considero fundamentais para a dirimência da presente causa: o princípio da prevenção ou precaução (Vorsorgeprinzip) e o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (Verursacherprinzip).

 

Ressalte-se, por oportuno, que nenhum desses princípios é exclusivamente do Direito Ambiental. Inobstante orientarem a formação e, sobretudo, a prática do Direito Ambiental, tais princípios podem ser encontrados, também, em outros ramos do Direito, em especial – o que não é pura coincidência – no Direito Econômico. A evidência de tais princípios no Direito Econômico mostra áreas onde é fundamental uma prática de interpretação e aplicação conjunta destas disciplinas do Direito, sobretudo quando está em pauta o desenvolvimento de políticas econômicas e ambientais.

 

9.16. O princípio da prevenção é um dos princípios, senão de todos, mais importantes, porque corresponde à essência mesma do Direito Ambiental, cujos objetivos maiores residem na prevenção do dano ambiental e não na sua simples reparação. Aliás, tecnicamente falando, os danos ambientais são irreversíveis e irreparáveis. Assim, diante da impotência do sistema e da impossibilidade lógico-jurídica de fazer voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, adota-se, com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente, como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.

 

FERNANDO ALVES CORREIA, ilustre autor português, com base em SCHMIDT, oferece-nos, com maestria, o seguinte significado deste princípio

 

"Pode ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. Utilizando os termos da alínea a do artigo 3o da Lei de Bases do Ambiente, as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente".

Com base nesse princípio, busca-se uma "precaução contra o risco", uma "prevenção" em face de uma "suspeição de perigo" decorrente da implementação de determinada atividade econômica. Por isso mesmo,

 

"Precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica".

Há, assim, inúmeros mecanismos legais postos à disposição para a efetividade deste princípio, como, por exemplo, sem pretender exauri-los, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o manejo ecológico, o zoneamento ambiental, o licenciamento ambiental, o tombamento, os embargos administrativos e outras sanções administrativas correlatas, as liminares judiciais, etc..

 

9.17. De referência ao Princípio poluidor-pagador, segundo o magistério de FERNANDO ALVES CORREIA,

 

"O princípio indica, desde logo, que o poluidor é obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente. Além disso, aponta para a assunção, pelos agentes, das conseqüências, para terceiros, de sua ação, direta ou indireta, sobre os recursos naturais (art. 3o, h, da Lei n. 11/87)".

9.18. O princípio em comento, antes de funcionar como medida repressora do dano já acarretada, atua, fundamentalmente, como medida inibidora à prática de tal dano, eis que age como estimulante negativo àquele potencial poluidor do meio ambiente. Neste particular, muito se identifica este princípio com aqueloutro, designado de prevenção.

 

 

9.19. Pelo princípio poluidor-pagador, o causador da poluição arca com os custos necessários à diminuição, eliminação ou afastamento do dano, ou seja, está obrigado a reparar os danos causados pelo seu comportamento anti-ambiental.

 

 

9.20. De tão importante, esse princípio foi acolhido na nossa Constituição Federal, que, no art. 225, mais precisamente no seu § 3o, determina a sujeição dos poluidores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Decorre, pois, da própria Carta Magna o dever a cargo do poluidor de reparar o dano ambiental causado. Cuida-se de uma inovação constitucional, eis que a Carta anterior nada dizia a respeito.

 

9.21. Outrossim, a legislação ordinária, através de já citada Lei 6.938/81

 

"Art. 4o – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

.....................................................................................................

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos" (grifei).

9.22. A Declaração do Rio/92, em seu Princípio no 16, também adotou esse princípio

 

"As autoridades nacionais devem procurar assegurar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de que quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais".

9.23. Essa obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente, decorrente do princípio do poluidor-pagador, insere-se no âmbito da responsabilidade civil objetiva do poluidor, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para a atribuição do dever de indenizar. Assim, pontifica FERNANDO ALVES CORREIA que

 

"uma das conseqüências mais salientes daquele princípio é a responsabilidade civil objetiva do poluidor constante do art. 41 da Lei de Bases do ambiente: Existe obrigação de indenizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos ao ambiente, em virtude de uma ação especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável".

9.24. A conseqüência desse princípio – responsabilidade civil objetiva, também está consignada na Lei 6.938/81, no art. 14, § 1º

 

"Art. 14 – omissis

.......................................................................................

§ 1o – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente" (grifei).

9.25. "Em termo de responsabilidade ambiental" – assevera JORGE ALEX NUNES ATHIAS, com o nosso aplauso -, "sustenta a maioria dos autores que se trata de responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral. Embora não utilizem a expressão, muitas vezes pode-se deduzir isso pelos aspectos que consideram irrelevantes para exclusão de responsabilidade. Enumeram especificamente a irrelevância de licenciamento pelo Poder Público, irrelevância da licitude ou normalidade da atividade; irrelevância da existência de pluralidade dos agentes poluidores; não invocação do caso fortuito e da força maior e pela atenuação da prova do vínculo de causalidade, inversão do ônus da prova."

 

De feito, a relevância e importância do meio ambiente imperam ante pretendidas hipóteses excludentes de responsabilidade, de sorte que, verificado o dano ambiental, a responsabilidade subsiste, ainda que a atividade que o produziu seja lícita, esteja licenciada pelo Poder Público ou ainda que o dano causado, compreendido no processo causal da atividade, seja efeito de caso fortuito ou força maior. Se assim é, a simples relação de causa e efeito, isto é, a relação entre a conduta do agente e o dano experimentado, é suficiente para que se concretize o dever de indenizar. Logo, deduz-se, como conseqüência lógica, que a emissão de autorização ou permissão ou de qualquer outra forma de licenciamento pelo Poder Público, ainda que de acordo com a legislação vigente, apenas trará para este, solidariamente, a obrigação de indenizar. Destarte, a licitude da atividade, assim como o caso fortuito e a força maior, não é excludente da responsabilidade civil objetiva de reparar o dano ambiental.

 

9.26. Releva observar, demais disso, que, em caso de pluralidades de agentes poluidores, prevalece entre eles o vínculo da solidariedade, porquanto não seria razoável que, por não se poder estabelecer com precisão a qual deles cabe a responsabilidade isolada, se permitisse que o meio ambiente restasse indene. Aliás, a responsabilidade solidária, nestes casos, é imperativo legal, insculpido no art. 1.518 do Código Civil, in verbis:

 

"Art. 1.518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação." (grifei)

Com efeito, o fenômeno da poluição é complexo e difuso, fazendo com que, não raro, seja difícil, senão impossível, especificar a conduta poluidora, bem como a individualização dos agentes responsáveis e a prova da relação de causalidade. Daí a razão de o art. 1.518 do Código Civil dispor sobre a solidariedade passiva na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, que aproveita, sem dúvida, à hipótese de responsabilidade ambiental. Assim, havendo mais de um causador do dano ambiental, todos são solidariamente responsáveis pela indenização, independentemente, registre-se, de ajuste ou concerto prévio.

 

9.27. Ainda no que pertine à reparação do dano ambiental, deve-se, no nosso sentir, priorizar a reparação específica, com o restabelecimento da coisa ambiental ofendida ao status quo ante. Somente quando impossível o ressarcimento específico, é que deve recair a condenação sobre um quantum pecuniário. Aliás, este entendimento é recomendado pela própria Lei 6.938/81, no seu art. 4o, inciso VI

 

"Art. 4o – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

.......................................................................................

VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida" (grifei).

Assim, afigura-se-nos que, no princípio do poluidor-pagador, o termo pagador não se refere, necessariamente, a pagamento em pecúnia, aproximando-se a idéia muito mais do teor de reparação específica do dano, do que propriamente com o seu equivalente em dinheiro. Impossibilitada a restauração do bem lesado, resolve-se a demanda ambiental pela condenação de uma soma monetária que, econômica ou idealmente, substitua o bem. Ainda assim, obstáculos intransponíveis podem surgir. Não são raros os casos em que a Economia não consegue valorar adequadamente o bem ambiental e, a partir daí, o dano ambiental. Conseqüentemente – denuncia, com razão, o grande ANTONIO HERMAN V. BENJAMIN – "uma visão exclusivamente reparatória do princípio poluidor-pagador está condenada ao fracasso. Administradores, juízes – especialmente no momento de concessão de liminares – e juristas não podem disso se esquecer." Não sem razão "que a grande maioria das ações civis públicas propostas no Brasil está absolutamente parada exatamente na fase de cálculo do dano causado."

 

9.28. Finalmente, concluindo com o eminente jusambientalista,

 

"O princípio poluidor-pagador não pode ser enxergado como criando um ‘direito de poluir’, desde que o poluidor se predisponha a pagar pelos recursos que utilizou ou danificou. Seu objetivo principal não é a reparação ou mesmo a repressão do dano ambiental. Estas, como se sabe, são fundamentalmente, retrospectivas.

Sua aplicação, muito ao contrário, deve ser uma alavanca efetiva de prevenção do dano ambiental, fazendo com que a atividade de preservação e conservação dos recursos ambientais seja mais barata que a de devastação. O dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena para o poluidor.

O princípio não visa, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, procura evitar o dano ambiental."

9.29. Todo esse discurso, talvez enfadonho, pareceu-nos necessário, a fim de delimitarmos os pontos a serem desatados, em face do estado presente da causa. Explico: quando ajuizada a presente ação, a estrada impugnada estava em construção. Como não foi concedida a medida liminar pretendida, objetivando a paralisação da obra, esta prosseguiu, restando, atualmente, concluída. Se assim é, dos princípios acima torneados, basta-nos, lamentavelmente, invocar o princípio poluidor-pagador, porquanto estamos a reconhecer, nesta sentença, a prática de um dano ambiental, pela supressão de vegetação de restinga e dunas representativas, de responsabilidade solidária de todos os Réus, causado em área de preservação permanente (alínea f, art. 2º, e alíneas b e c, art. 3º, da Lei nº 4.771/65), localizada em zona costeira, licenciado, é bem verdade (o que não legitima o dano), pelos órgãos ambientais competentes (ADEMA e IBAMA), que na hipótese agiram com absoluta incompetência, sem exigência do necessário e indeclinável EIA/RIMA, conforme será objeto de análise abaixo.

 

9.30. Sem dúvida, o homem precisa intervir no meio ambiente para sobreviver. Por mais ambientalista que seja, ele não poderá viver sem consumir recursos naturais. Logo, o homem está condenado a viver dos recursos ambientais.

 

Qualquer ação humana, portanto, repercute na natureza. Esta intervenção, entretanto, pode ser positiva ou negativa. Bem verdade, o homem pode interagir com o meio ambiente, visando a adequá-lo às suas necessidades sem que este venha a ser prejudicado e, em muitos casos, pode haver uma melhoria das condições do próprio meio ambiente. O impacto ambiental é, justamente, o resultado da intervenção humana sobre o meio ambiente. Pode ser positivo ou negativo, dependendo da qualidade da intervenção desenvolvida. Na conformidade do art. 1o da Resolução n. 01, de 23 de janeiro de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA,

 

"Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas no meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança, e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos naturais."

Assim, toda e qualquer forma de intervenção no meio ambiente que cause alteração de seus atributos, como o corte de uma árvore, a execução de obras que envolva a remoção de terra, terraplenagem, aterros, extração de minérios, escavações, erosões, desbarrancamentos, construção de rodovias, etc., constitui impacto ambiental. Já o Estudo de Impacto Ambiental seria exatamente uma avaliação dos aspectos positivos e negativos dessa intervenção, proporcionando alternativas adequadas, minimizadoras ou supressoras dos prováveis resultados desfavoráveis ao meio ambiente.

 

9.31. Qualifica-se o Estudo de Impacto Ambiental, pois, de relevante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, com atuação preventiva, que objetiva exatamente evitar danos ao meio ambiente em face da instalação de alguma obra ou atividade potencialmente degradadora. Sem dúvida, objetiva conciliar o desenvolvimento econômica com a conservação do meio ambiente. Funciona, por isso mesmo, como pressuposto indeclinável para o licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades capazes de causar degradação ambiental. Quer dizer, se a obra ou atividade for, em tese, suscetível de acarretar dano ambiental, a autoridade pública exigirá, sob pena de responsabilidade funcional e penal, estudo de impacto ambiental, previamente à concessão da licença.

 

9.32. Seu objetivo é evitar que um projeto, referente a obra ou atividade, justificável sob o ponto de vista econômico, se revele posteriormente nefasto ou prejudicial ao meio ambiente. Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental, extraída do princípio da prevenção.

 

9.33. Foi precisamente para prever – e, a partir daí, prevenir – o dano, antes de sua manifestação, que se instituiu o EIA. Daí a necessidade insuperável de que o estudo seja prévio, ou seja, elaborado antes do início da execução, ou mesmo de atos preparatórios, do projeto. Não sem razão que a própria Constituição Federal resolveu rebatizar o instituto, passando de avaliação de impactos ambientais para estudo prévio de impacto ambiental.

 

9.34. Em excelente monografia sobre o assunto, SÍLVIA CAPPELLI conceitua o Estudo de Impacto Ambiental como o

 

"conjunto de atividades científicas e técnicas que incluem o diagnóstico ambiental, a identificação, a previsão e medição dos impactos, sua interpretação e valorização e a definição de medidas mitigadoras e de programas de monitorização destes."

9.35. O Estudo de Impacto Ambiental, em síntese, consoante acentua R. K. JAIN, nada mais é que

 

"um estudo das prováveis modificações nas diversas características sócio-econômicas e biofísicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto."

9.36. O Estudo de Impacto Ambiental manifesta-se, assim, como um processo que comporta um planejamento para a sustentabilidade das atividades econômicas, integrado por um conjunto de ações estratégicas visando uma melhoria e melhor distribuição da qualidade de vida. Consiste, em síntese, no planejar para um desenvolvimento sustentável.

 

9.37. Como um instrumento de direito ambiental de intervenção na atividade econômica, indeclinável, portanto, à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, não pode o EIA - concordamos - erigir-se em entrave à liberdade de empreender. Esse, sem dúvida, o sentido da legislação brasileira, ao exigi-lo apenas em face de significativa degradação ambiental. Mas, em face disso, surgem tormentosas indagações: que se entende por significativa degradação? como saber se uma obra ou atividade será potencialmente causadora de significativa degradação ambiental sem ter antes um estudo de impacto ambiental?

 

9.38. O legislador brasileiro, é bem verdade, através da Resolução CONAMA nº 001/86, tentou enumerar as obras e atividades que podem causar significativo impacto no meio ambiente, a reclamar, conseqüentemente, o estudo prévio de impacto ambiental. Inobstante isso, o problema permanece, eis que, mencionada Resolução, apresentou um elenco meramente exemplificativo. Confira-se:

 

"Art. 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como (grifos nossos):

I – Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento;

II – Ferrovias;

III – Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos;

IV – Aeroportos, conformes definidos pelo inciso I, artigo 48, do Decreto-lei n. 32, de 18.11.66;

V – Oleodutos, gasodutos, minerodutos,, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários;

VI – Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230 Kv;

VII – Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragens para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para a navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques;

VIII – Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão);

IX – Extração de minério, inclusive os da classe II, definidos no Código de Mineração;

X – Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;

XI – Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW;

XII – Complexos e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recurso hídricos);

XIII – Distritos industriais e zonas estritamente industriais – ZEI;

XIV – Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental;

XV – Projetos urbanísticos, acima de 100 há., ou em área consideradas de relevante interesse ambiental a critério do IBAMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes;

XVI – Qualquer atividade que utilizar carvão vegetal, derivados ou produtos similares, em quantidade superior a dez toneladas por dia;

XVII – Projetos agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 há. ou menores, quando se tratar de áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental;

XVIII - Nos casos de empreendimentos potencialmente lesivos ao patrimônio espeleológico nacional."

9.39. Além dessa Resolução, outros instrumentos legislativos exigem, para as obras e atividades que mencionam, o referido estudo de impacto ambiental. Veja-se, a propósito, a Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, mais especificamente o seu art. 6º, § 2º:

"Artigo 6º - O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.

§ 1º - omissis

§ 2º - Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei." (grifos nossos).

Confira-se, outrossim, o Decreto Federal nº 750, de 10 de fevereiro de 1993, que dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, notadamente seu art. 1º, parágrafo único:

 

"Art. 1º - Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.

Parágrafo único – Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, informando-se ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, quando necessário à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental." (grifos nossos).

9.40. Haverá, assim, duas situações a se considerar para a constatação da significação do impacto. A primeira diz respeito àquelas atividades e obras elencadas pela legislação como produtoras de impacto significativo. Nesse caso, milita uma presunção absoluta (juris et de jure) da gravidade do impacto, devendo o Poder Público exigir o EIA/RIMA. A segunda, modo inverso, compreende as obras e atividades não previstas na legislação, deixando ao poder discricionário – mas não irresponsável ou arbitrário – do órgão de gestão ambiental exigir ou não o mencionado estudo, sujeitando-se a decisão final, é obvio, ao controle judicial.

9.41. Sem embargo disso, no que toca a esta última situação, é fundamental esclarecer que a Carta Política, deveras preocupada com o bem jurídico meio ambiente, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, determina ao Poder Público exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. Verdadeiramente, já se disse, a Carta Magna somente impõe ao Poder Público a exigência do EIA, nas obras ou atividade que, potencialmente, causem significativa degradação ambiental. A verdade é que, ao mencionar a expressão potencialmente, a Constituição se contenta, para o reclamo do EIA, que a atividade ou a obra possa causar aquela degradação significativa. Que haja, apenas, uma probabilidade de ocorrer aquela circunstância. Nesse caso, em havendo dúvida, mínima que seja, deve o Poder Pública exigir o mencionado estudo prévio de impacto ambiental.

9.42. Concluindo com o mestre PAULO AFFONSO LEME MACHADO, registre-se que a Constituição de 1988,

"é a primeira Constituição no mundo que prevê o estudo de impacto ambiental, o que é uma conquista, pois o legislador ordinário (e, via de conseqüência, o Poder Executivo e o Poder Judiciário) não poderão abrandar as exigências constitucionais. Acentuamos que a legislação ordinária validamente já exige o EPIA não só para a instalação, como para a operação de obra ou atividade. ‘Significativa’ é o contrário de insignificante, podendo-se entender como a agressão ambiental provável que possa causar dano sensível, ainda que não seja excepcional ou excessivo." (grifos nossos).

9.43. Destarte, de observar-se que, além da obra construída - consistente, nada mais, nada menos, que 2 Km aproximados de estrada de rodagem com duas faixas de rolamento, cortando e suprimindo dunas representativas e restingas – qualificar-se, sem dúvida, como potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, exigem o EIA/RIMA para sua instalação e execução, também nada mais, nada menos, a Resolução CONAMA nº 001/86, art. 2º, inciso "I"; a Lei nº 7.661/88, art. 6º, § 2º e Decreto nº 750/93, art. 1º, parágrafo único, todos transcritos acima. Precisa mais, para fazer com que o Poder Público cumpra a Constituição do Pais, as Leis da República, os Regulamentos ambientais pertinentes e possa, finalmente, preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações?! É inegável – e tanto isso é verdade que o próprio combativo ilustre representante do MPF, que jamais deveria se cansar, concorda - que a estrada era indispensável para o desenvolvimento sócio-econômico da região aracajuana, sedutora do turismo, porque rica em beleza e natureza, mas, em nome dessa mesma beleza e natureza, resta indagar porque não foi feita a mencionada estrada como determina a precaução ambiental?! Porque não se exigiu o necessário EIA/RIMA, instrumento da mais alta relevância para se ter evitado ou, ao menos, minimizado o impacto no meio ambiente afetado? O licenciamento ambiental concedido, seja porque não gera direitos para o requerente, seja porque irrelevante em sede de responsabilidade civil objetiva, como não precedido do indispensável EIA/RIMA, é nulo de pleno direito, e a nulidade pode ser pronunciada tanto pela própria Administração Pública ou como pelo Judiciário.

 

9.44. Estando a estrada concluída, inobstante a pau e pedra, atropelando a ordem jurídica, não é prudente que, embora possível, seja a mesma desfeita, de vez que, caso assim se determinasse, agravaria, ainda mais, a situação danosa ora denunciada. Os reflexos e conseqüências, quer sociais, quer ambientais, jamais recomendariam o desfazimento da obra, resolvendo-se a contenda, em atenção ao princípio poluidor-pagador, com a indesejável reparação pecuniária, a cargo solidário dos Réus.

9.45. Ao DER/SE, porque executou a obra e provocou diretamente o dano; Ao ESTADO DE SERGIPE, porque determinou a obra; A ADEMA, porque licenciou a obra, sem exigir o devido EIA/RIMA; Ao IBAMA, porque, da mesma forma, autorizou o licenciamento, sem a elaboração e apresentação, por parte do empreendendor, do mencionado EIA/RIMA, omitindo-se de seu dever funcional e, finalmente, a UNIÃO FEDERAL, porque cedeu, de forma irregular, área de sua propriedade, sem exigir o multicitado Estudo de Impacto Ambiental. Todos, pois, partícipes no processo causal danoso.

9.46. Quanto ao valor do dano ambiental a ser reparado, por ser imprescindível a correta especificação da área degradada e o valor – quantum debeatur – do dano gerado pela obra, faz-se necessário, neste particular, a liquidação por artigos (CPC, art. 608), a fim de ficarem demonstrados esses fatos.

10. Assim, julgo PROCEDENTE, em parte, o pedido, para, anulando o licenciamento concedido à execução da obra, CONDENAR os Réus a repararem, solidariamente, o dano ambiental causado pela construção da estrada, em valor a ser apurado em liquidação por artigos, acrescido de juros de mora (a partir do evento danoso – súmula 54 do STJ) e correção monetária (contada da data do trânsito em julgado desta sentença), que deverá ser recolhido ao fundo gerido pelo Conselho Federal a que alude o art. 13 da Lei nº 7.347/85 e para DETERMINAR ao IBAMA e à ADEMA que exijam EIA/RIMA em todos os empreendimentos que impliquem em supressão de restinga, dunas, floresta atlântica primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, ou vegetação em área de preservação permanente em zona costeira.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Aracaju, 28 de junho de 1.999.

Dirley da Cunha Júnior

JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO