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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2004.115-4 - Classe 02000 - 3ª Vara.

Ação: Mandado de Segurança

Partes:

         Impetrante: Salomão Santos Oliveira

         Impetrado:  Reitor da Universidade Tiradentes

 

  

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. ART. 5º, INCISOS VI E VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VESTIBULANDO ADVENTISTA DO 7º DIA. GARANTIA DE PARTICIPAÇÃO NO EXAME VESTIBULAR. PROVA REALIZADA EM HORÁRIO ESPECIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTE NO INCISO II, DO ART. 7º DA LEI Nº 1.533/51. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. SEGURANÇA CONCEDIDA.

 

  

SENTENÇA:

                  

          

Vistos etc...

 

SALOMÃO SANTOS OLIVEIRA, qualificado na petição inicial e por seu advogado constituído, impetra MANDADO DE SEGURANÇA contra ato do Magnífico Reitor da Universidade Tiradentes, alegando que se inscreveu no Concurso Vestibular UNIT 2004/1, tendo uma das provas sido marcada para o dia 31/01/2004, um sábado, causando-lhe um grande transtorno, haja vista que professa o Cristianismo sendo membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que determina, em seu quarto mandamento, a guarda do sábado para atividades ligadas à Bíblia, exclusivamente.

 

Fundamenta seu pedido no artigo 5º, incisos VI e VIII, da Constituição Federal, dispositivos estes que lhe asseguram a liberdade de consciência e de crença e em diversos trechos bíblicos, nos quais constam referências a este preceito.

 

Salienta que a realização da prova no dia de Sábado, sem que lhe seja oferecida uma alternativa, fere o texto constitucional e cerceia o seu direito de participar do certame para o qual se inscreveu, em virtude de sua profissão de fé.

 

Acrescenta o impetrante que o oferecimento de horário alternativo para que seja feita a prova marcada para o dia do Sábado não implica quebra do interesse público nem oferece prejuízo aos demais vestibulandos, haja vista que se propõe a ficar enclausurado e incomunicável até o pôr do sol – 18hs, quando se dará início às provas, procedimento já usualmente adotado em todo o país.

 

Ressalta a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, a patentear o direito líquido e certo à liberdade de crença do Impetrante a ser assegurada por este Juízo.

 

Requer: a) a concessão de medida liminar, inaudita altera pars, determinando-se à Comissão do Processo Seletivo da UNIT, na pessoa do impetrado, que seja realizada a prova marcada para às 8hs do dia 31 de janeiro de 2004, para o impetrante, somente a partir das 18 hs, ficando o mesmo incomunicável e devidamente vigiado por fiscais, no horário das 8 às 18hs, garantindo-se, assim, o necessário sigilo e incomunicabilidade; b) a notificação da autoridade coatora, para, no prazo legal, prestar informações; c) a intimação do representante do Ministério Público Federal; d) seja concedida a segurança em definitivo; e) provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, sendo a prova pré-constituída composta pela documentação anexa.

 

Junta a procuração de fl. 19, os documentos de fls. 20/52 e a guia de recolhimento de custas de fl. 53.

 

Às fls. 56/64, foi proferida decisão deferindo a medida liminar requestada, determinando ao impetrado que aplique a prova a que será submetido o impetrante, no dia 31/01/2004, a partir das 18h (dezoito horas), devendo cuidar para que não haja qualquer contato entre o demandante e os demais candidatos a fim de que seja mantido o sigilo das questões da prova.

 

 

Notificada, a autoridade coatora oferta suas Informações às fls. 71/73, argumentando que o dia de Sábado é considerado pelo calendário acadêmico da Instituição como dia integrante da semana letiva, no qual várias atividades são desenvolvidas durante todo o semestre, a fim de cumprir as regras gerais estabelecidas para a Educação Superior no Brasil no que concerne ao número de horas-aula.

 

Sustenta que não houve por parte da Instituição de Ensino qualquer atitude de cunho discriminatório, seja de natureza racial, sexual, religiosa, política ou filosófica, apenas a observância ao seu calendário acadêmico.

 

Requer a denegação da segurança.

 

Junta a procuração de fl. 74.

 

Às fls. 76/78, o Ministério Público Federal ofertou o douto Parecer, opinando pela concessão da segurança, sob fundamento de que não se vislumbra qualquer conflito entre o direito individual do Impetrante de liberdade de crença com o interesse público de selecionar os mais aptos candidatos, tendo em vista que ele se submeteu à avaliação de mesmo conteúdo programático que os demais concorrentes, não havendo que se falar em quebra de isonomia entre os candidatos, haja vista que o Impetrante não logrou qualquer vantagem por ter prestado o vestibular em horário diverso dos outros, uma vez que ficou incomunicável no período das 8 às 18 horas do dia 31 de janeiro de 2004.

 

Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.

 

 

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

 

 

Trata-se de Mandado de Segurança no qual o impetrante, membro da Igreja Adventista do 7º dia, visa obter provimento judicial que lhe assegure o direito de submeter-se ao Concurso Vestibular UNIT 2004/1, cuja prova foi marcada para o dia 31 de janeiro de 2003, um sábado, às 8 horas, em horário diverso dos demais candidatos, às 18 horas, sob o argumento de que o princípio constitucional insculpido no artigo 5º, incisos VI e VIII, ao conferir ao cidadão o direito à liberdade de crença, não pode permitir que aqueles que professam essa fé sejam violados em sua consciência religiosa,   desrespeitando o preceito basilar da religião, que é a guarda do sábado – mais precisamente entre os crepúsculos da sexta-feira e do sábado quando se dedicam a atividades voltadas à oração e à adoração a Deus.

 

 

A liberdade religiosa está assegurada expressamente pela Constituição Federal de 1988, conforme se infere do art. 5º, incisos VI e VIII, in verbis:

 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;  

 

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”

 

A liberdade de religião afeta a todos, porque a crença religiosa é de enorme importância na vida de cada pessoa e, no mundo de hoje, raramente a população de um país pertence toda a mesma confissão religiosa, ou a uma só etnia e cultura.

 

Nesse diapasão, o constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria diversidade espiritual.  Ressalte-se que a liberdade de convicção religiosa abrange, inclusive, o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo.

 

Por ser o Brasil um estado laico, nenhuma religião pode exercer pressão ideológica junto aos cidadãos livres, nem imprimir sua marca ou papéis do Estado, porque não há verdadeira democracia sem liberdade religiosa, isto é, sem igualdade dos cidadãos perante a lei, também no domínio das crenças religiosas.

 

A Carta Magna, malgrado haver assegurado a liberdade de crença, estabeleceu que tal direito individual não pode ser invocado para a isenção de obrigação legal a todos imposta e a recusa de cumprir prestação alternativa prevista em lei.

 

No caso presente, é de se observar que o impetrante no propósito firme de respeitar os dogmas da sua crença, não pretende eximir-se da obrigação de prestar o vestibular para ingressar no Ensino Superior, nem visa violar norma do Estado de Direito, mas, tão-somente a realização da prova em horário diferenciado, solicitando, inclusive, sua incomunicabilidade, pleito sensatamente atendido em sede de liminar.

 

Não vislumbro, portanto, qualquer conflito existente entre o interesse público e o direito individual do impetrante, nem sequer quebra do princípio constitucional da isonomia, concordando neste aspecto com o lúcido parecer do “Parquet” Federal, haja vista que todos os concorrentes submeteram-se a mesma prova, contendo o mesmo conteúdo programático, respeitado que foi também o sigilo das provas em face da incomunicabilidade a que foi submetido o demandante no período das 8 às 18 horas do dia 31 de janeiro de 2004.

 

O ordenamento jurídico acautela e assegura o pleito do impetrante que está respaldado também nos elucidativos arestos jurisprudenciais a seguir colacionados:

 

“PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. INCISO VI DO ARTIGO 5º DA CF/88. VESTIBULANDOS. ADVENTISTAS DO 7º DIA. LIMINAR PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO EM EXAME VESTIBULAR. PROVAS REALIZADAS EM HORÁRIO ESPECIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES NO INCISO II DO ARTIGO 7º DA LEI Nº 1.533/51. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR. I - Adventistas do 7º dia. Vestibular realizado em horário compatível com os preceitos religiosos dos impetrantes/agravados. Presença de relevância na fundamentação jurídica sustentada. Precedentes desta Corte Federal (V.g. AMS 1997.01.00.040137-5/DF, publicado em 28.09.2001). II - No Agravo de Instrumento deve ser aferida a presença dos pressupostos aptos a justificarem a concessão da medida liminar, o que ocorre in casu. Logo, neste pormenor, não merece censura a decisão recorrida. III - Agravo de Instrumento desprovido (TRF – 1ª Reg – AGTR 01000504364 – PI - 2ªT

DJU 09/09/2002, p. 41)”

 

 

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO DE PRESTAR PROVA EM HORÁRIO DIVERSO DO DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE. - A Constituição Federal, em seu art. 5º, VIII, estabelece que "ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se os invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, prevista em lei". - Se o impetrante compareceu ao local determinado, ficando em sala reservada, mas sob fiscalização, e iniciou o exame às 18h21min, facultado a qualquer interessado o acompanhamento da realização da sua prova, interesse público e direito individual do impetrante à liberdade de crença e consciência preservados, sem prejuízo aos demais candidatos. - Medida liminar  que produziu seus efeitos de forma definitiva, cabendo atender ao dever do Estado de assegurar a estabilidade das relações jurídicas constituídas por força de decisão judicial. - Remessa oficial improvida. (TRF 4ª Região - REO - REMESSA EX OFFICIO 14599

- PR – Relª Juíza Silvia Goraieb – 3ª T

DJU  14/01/2004 –  p. 296)”

 

 

A pretensão do impetrante está igualmente apoiada no direito ao acesso à educação, devendo o Estado zelar pela sua observância, não permitindo que tal prerrogativa seja obstada em decorrência de comportamentos desrespeitosos e banalizantes do credo religioso escolhido pelo acionante. 

 

Em um mundo globalizado, pretensamente sem fronteiras, e diante das crescentes tensões existentes entre os grupos étnicos, é do interesse de todos que a liberdade religiosa seja promovida e que o diálogo entre as religiões possa desenvolver-se, para o bem comum de toda a família humana.

 

Para tanto, tolerância e espírito de reverência, reverência pela diversidade, reverência pelas crenças alheias e o profundo respeito mútuo pode conduzir-nos à paz.

 

Isto posto, e ante os argumentos expendidos, concedo a segurança reqüestada, pois vislumbro o direito líquido e certo do impetrante em submeter-se a prova em horário diferenciado dos demais vestibulandos, em respeito ao preceito religioso de sua crença que orienta a guarda do sábado, confirmando a medida liminar antes deferida.

 

 

Sem honorários advocatícios, consoante entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal na Súmula n.º 512.

 

Sentença sujeita ao reexame necessário, por força do art. 12, parágrafo único, da Lei 1.533/51.

 

                   P.R.I.

 

                   Aracaju, 24 de março de 2004.

 

         Juiz Edmilson da Silva Pimenta