small_brasao.jpg (4785 bytes)
PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

wpe20.jpg (2542 bytes)

bt-constitucional.jpg (3021 bytes)


 

Processo nº 2003.85.00.005408-7 – Classe 02000 – 2ª Vara

Mandado de Segurança

Partes: ... Noel Barbosa de Jesus

            ... Gerente Regional do Patrimônio da União em Sergipe

 

 

 

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COBRANÇA. LAUDÊMIO. TRANSFERÊNCIA DE BEM IMÓVEL. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL. CARÁTER ONEROSO DA OPERAÇÃO.

I – A transferência de bem imóvel de sócio, para fins de integralização de capital em sociedade constituída, caracteriza operação onerosa, podendo, pois, ser exigido o pagamento de laudêmio, por se tratar de imóvel sob o regime de enfiteuse.

II – Segurança denegada.

 

 

 

                                                                                                                                S E N T E N Ç A:

 

(Relatório)

 

Noel Barbosa de Jesus impetra mandado de segurança contra ato do Gerente Regional do Patrimônio da União em Sergipe, alegando que a autoridade apontada como coatora recusou o fornecimento de certidão autorizativa de transferência de domínio útil de um terreno de marinha de sua propriedade, sem o pagamento de laudêmio, a fim de utilizar o mesmo como integralização de capital, quanto à sociedade na empresa NB – Participações e Empreendimentos Ltda. Aduz que tal conduta viola o disposto nos arts. 683 e 686 do Código Civil, bem como o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.398/87, uma vez que, por inferência dos dispositivos transcritos, o fato gerador do laudêmio ocorre somente com a transferência onerosa do domínio pleno e de suas benfeitorias (grifado no original). Afirma haver ofensa aos princípios do livre exercício da atividade econômica e da legalidade, invocando as disposições constitucionais pertinentes. Requer o deferimento de medida liminar e, ao final, a concessão do writ.

A liminar foi indeferida, conforme decisão de fls. 36/37.

A autoridade, apontada como coatora, presta as informações, alegando que não há direito líquido e certo em favor do impetrante.

A representante do Ministério Público Federal, Procuradora Regional da República Gicelma Santos do Nascimento, em parecer acostado às fls. 46/49, manifesta-se pela denegação da segurança.

 

(Fundamentação)

 

O imóvel do impetrante caracteriza-se como terreno de marinha, como se deduz da documentação acostada.

Inicialmente, é preciso consignar que o instituto jurídico da enfiteuse – desnecessário nesse âmbito a referência a conceituações gerais –, no que pertine aos terrenos de marinha, comporta algumas regras diferenciadas da enfiteuse de bens particulares. Neste ponto, deve-se transcrever lição do sempre lembrado Orlando Gomes:

Os terrenos-de-marinha são bens públicos dominiais pertencentes à União. Constituídos pela faixa de terra que vai até certa distância, a partir da preamar máxima, são objeto de aforamento a particulares. Mas esse aforamento se rege por lei especial.

Tratando-se de direito sobre bens públicos, seu estudo pertence ao Direito Administrativo. Não obstante, as particularidades que o singularizam o não desnaturam, apresentando-se, por conseguinte, como especial modalidade da enfiteuse. (Direitos Reais. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 279).

Assim, embora em linhas gerais não desnature o instituto da enfiteuse, há peculiaridades que a distingue da enfiteuse sobre bens particulares. Não se pode, pois, simplesmente, invocar os dispositivos do Código Civil, eis que estes apenas conceituam o instituto. As características específicas quanto à enfiteuse sobre bens públicos devem ser inferidas da legislação própria.

Com efeito, o art. 3º, caput, do Decreto-Lei n. 2.398, de 21 de dezembro de 1987, assim dispõe:

Art. 3º. Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terrenos de União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.

Neste aspecto, afigura-se-me que há, no caso, transferência onerosa, sendo exigível, dessa forma, o pagamento do laudêmio. A autoridade impetrada, em suas informações, assevera, com correção:

O laudêmio é receita patrimonial devida nas transações imobiliárias onerosas de direitos de terreno da União. Constitui fato gerador, a transferência de domínio útil, bem como qualquer cessão de direitos relativos ao imóvel, ainda que não importe transmissão do domínio (grifado no original).

Aliás, como disse por ocasião da análise da liminar requestada, não obstante as razões elencadas pelo causídico na bem escrita peça inicial, vislumbro a ocorrência de onerosidade no fato de o imóvel vir a ser utilizado como integralização do capital na empresa constituída pelo requerente. E mais: Com efeito, vale dizer que dita transferência do imóvel importará, ao menos o que se mostra neste estado dos autos, na mudança de seu domínio útil.

Ainda é do ilustre civilista baiano, antes citado, a enumeração de hipóteses de transferências não-onerosas, lição inteiramente aplicável ao caso em exame, verbis:

O laudêmio é obrigação que incumbe ao enfiteuta cedente ou alienante, e não ao cessionário ou adquirente.

Tem cabimento apenas nas cessões onerosas, tornando-se exigível unicamente nas transferências que comportam o exercício do direito de opção do senhorio direto, porque essencialmente, é “uma compensação à sua desistência de exercer o direito de transferência”. Conseqüentemente, o foreiro não está obrigado a pagar laudêmio nas cessões gratuitas, como nos casos de doação, ou de dote. Também não se exige na hipótese de troca ou permuta por coisa não fungível. Descabe, por igual, quando o prédio enfitêutico é transmitido por herança. É intuitivo, finalmente, que o foreiro não está obrigado a pagar laudêmio quando é compelido a transferir o bem enfitêutico, como no caso de desapropriação por utilidade pública. (Ob. cit., p. 275).

Vê-se que não se pode inferir, a partir dos exemplos citados, possa a transferência de um imóvel, para fins de integralização de capital social de uma empresa, estar incluída nas hipóteses de transferência não-onerosa. Não obstante os exemplos citados sejam referentes à enfiteuse sobre bens particulares, as conclusões acerca da transferência onerosa são perfeitamente aplicáveis no caso da enfiteuse de bens públicos.

É preciso advertir – como feito por ocasião da denegação da medida liminar – que os julgados trazidos pelo impetrante não se enquadram, especificamente, na questão tratada neste feito. É que, nesses arestos, inexiste sequer referência à transferência de imóvel para efeito de integralização de capital social de uma determinada empresa.

Aliás, a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região vem manifestando o entendimento exposto nesta decisão, consoante se depreende do julgado abaixo transcrito:

ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. TRANSFERÊNCIA DE BEM DE SÓCIO PARA FINS DE INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. CARÁTER ONEROSO.

- Agravo contra decisão que indeferiu liminar visando o não pagamento de laudêmio, incidente sobre a transmissão de bens imóveis, a título de integralização do capital social efetuado por um dos sócios da agravante.

- Em exame prefacial, cabível em sede de agravo de instrumento, é plausível a tese, segundo a qual ocorreu alienação onerosa do domínio útil do bem enfitêutico, mostrando-se razoável a percepção, pelo senhorio direto, de quantum referente ao laudêmio.

- Agravo de instrumento improvido. (TRF – 5ª Região, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Castro Meira, AG 39.228/SE, Data da decisão: 23/05/2002, DJ data: 01/08/2002, p. 550).

É preciso deixar assinalado que a argumentação do impetrante de que a Fazenda do Município de Aracaju não lhe exigiu o pagamento do ITBI não pode ser utilizada como parâmetro para a presente demanda. Primeiro, é que a municipalidade detém competência tributária própria, regulada por Código específico. Segundo é que, por decorrência da própria diferenciação de tais esferas de competências, os entes políticos tributantes gozam de autonomia, inclusive legislativa, de maneira que inexiste relevância, no tocante à esfera federal, a não exigibilidade do ITBI pelo Município de Aracaju.

Sequer há de falar-se em ofensa ao princípio do livre exercício da atividade econômica, uma vez que, como é sabido, tal livre exercício não impede a incidência normal dos tributos e das tarifas exigíveis legalmente. De sua parte, o princípio da legalidade restou observado, eis que, como acima se disse, a exigência do pagamento do laudêmio na operação encontra-se albergado na legislação pátria.

 

(Dispositivo)

 

Ante o exposto, denego a segurança requerida.

Custas pelo impetrante.

Sem honorários advocatícios, em conformidade com o enunciado da Súmula 512 do STF.

P.R.I.C.

 

Aracaju, 30 de setembro de 2003.

 

                      Ronivon de Aragão

                      Juiz Federal Substituto