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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2003.85.00.003474-0 – Classe 02000 – 2ª Vara

Mandado de Segurança

Partes: ... Laura Ferreira da Silva

            ... Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal de Sergipe - UFS

 

 

 

 

 

EMENTA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. DEPENDENTE DE MILITAR TRANSFERIDO EX OFFICIO. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO INCIDÊNCIA DA LEI N. 9.536/97. CONCESSÃO DO WRIT.

I – O dependente de militar removido ex officio, e no interesse da Administração Militar, tem direito à matrícula em estabelecimento público superior, mesmo que proceda de uma instituição particular e haja na nova localidade de trabalho faculdade privada.

II – Aos militares e respectivos dependentes não se aplica o termo ‘congênere’ contido no art. 99 da Lei n. 8.112/90, que é restrito aos servidores públicos civis. Àqueles, aplica-se o disposto no art. 1º da Lei n. 9.536/97. 

III – A diferença de tratamento justifica-se e encontra fundamento na natureza diferenciada das atribuições. As restrições aos militares são muito mais evidentes que aos servidores públicos civis, sendo que a própria Constituição Federal confere suporte às normas infraconstitucionais que estabelecem tais critérios distintivos.

IV – A razão para o tratamento diferenciado também encontra fundamento na intensa mobilidade, própria das Forças Armadas, o que inocorre em relação aos servidores públicos civis. Tal movimentação que ocorre em várias unidades no território nacional também acarreta aos dependentes do militar mudanças sucessivas de endereço.

V – O princípio da igualdade não se revela absoluto, como, aliás, nenhum outro princípio, por mais fundamental que seja.

VI – Segurança concedida.

 

 

                                                                                                                                S E N T E N Ç A:

 

(Relatório)

 

Laura Ferreira da Silva interpõe mandado de segurança contra ato da Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal de Sergipe - UFS, Lucymar de Souza Leite, alegando que o seu consorte, sendo militar integrante do Comando da Aeronáutica, foi transferido ex officio do DPVMN de Manaus/AM para o DST de Proteção ao Vôo de Aracaju/SE. Afirma que cursava Ciências Contábeis no Centro Universitário Nilton Lins, havendo requerido vaga no Curso de Ciências Contábeis da UFS, o que lhe foi negado, sob o argumento de que a impetrante não estudava em instituição congênere, razão pela qual deveria buscar vaga em uma instituição de ensino particular. Tece considerações acerca da disciplina específica relativa aos militares e a seus dependentes, mormente o que dispõe a Lei n. 9.536/97, citando decisões dos tribunais pátrios favoráveis à sua tese e requerendo a concessão de liminar e, ao final, a procedência do mandamus.

Deferi a liminar, conforme decisão de fls. 31/32.

A autoridade apontada como coatora presta as informações, fls. 34/40, defendendo o ato impugnado, no sentido de que o direito à transferência e matrícula deve ser efetivado entre instituições congêneres. Cita julgados em favor de sua tese, requerendo, ao final, a denegação da segurança.

A representante do Ministério Público Federal, Procuradora da República Eunice Dantas Carvalho, opina pela concessão do writ, em parecer acostado às fls. 46/50.

 

(Fundamentação)

 

A questão em exame merece algumas considerações, cujos fundamentos se encontram ancorados na problemática do princípio da igualdade. A argumentação trazida pela autoridade impetrada, nas informações, tende a desembocar na igualdade que deve existir entre os regimes jurídico-administrativos pertinentes aos servidores públicos civis e aos militares.

É bem verdade que o art. 99 da Lei n. 8.112/90 assim dispõe:

“Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independente de vaga”.

De sua parte, contudo, verifica-se o disposto no art. 1º da Lei n. 9.536/97, nos seguintes termos:

“Art. 1º. A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do artigo 49 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas à qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independe de existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o Município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta”.

Ora, não se pode aplicar a restrição contida no art. 99 da Lei n. 8.112/90 para os militares e os seus dependentes.

É que a Lei n. 8.112/90 rege, expressamente, os servidores públicos civis da União, estabelecendo o que se chama, comumente, de regime jurídico único, preconizado pela redação originária da Constituição Federal de 1988; é o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. É certo que, atualmente, com o advento da Emenda Constitucional n. 19/98 sequer se há de falar em regime jurídico único, uma vez que se passou a admitir a contratação de servidores, inclusive, sob as regras da CLT, através de processo seletivo mais simplificado e bem menos ritual que o concurso público de provas ou de provas e de títulos.

Mas, em relação aos militares, mesmo quando a previsão de regime jurídico único possuía matriz constitucional, existiam regras diferenciadas. Com efeito, a corporação dos militares sempre foi regida à parte. No que pertine às pensões, vige a Lei n. 3.765/60, recentemente alterada; quanto ao regime jurídico, disciplinar e funcional, há a Lei n. 6.880/80, denominada, com propriedade, de Estatuto dos Militares. Aliás, a própria Constituição Federal foi enfática ao distinguir servidores públicos civis dos militares. Àqueles concedeu o direito à sindicalização e à greve; a estes negou ambos os direitos. Àqueles concedeu estabilidade funcional, diretamente, em seu texto; a estes, deixou à lei a incumbência de fazê-lo, sendo que a norma infraconstitucional só a concede, quando praça com 10 (dez) anos ou mais de tempo de efetivo serviço, nos termos da alínea ‘a’, inciso IV, art. 50 da Lei n. 6.880/80.

Sem embargo, poder-se-iam enumerar diversas distinções existentes, não só com matriz constitucional, mas também infraconstitucional, entre os servidores civis e os militares. Até mesmo a forma de ingresso no exercício das funções é diferenciada. Os militares se estruturam sob os princípios da hierarquia e da disciplina, negando a Constituição Federal, até mesmo, a possibilidade de habeas corpus, para discutir o mérito das punições disciplinares; os servidores civis, não obstante o dever de lealdade para com a Administração Pública, não estão submetidos a tal regime.

Não se discute, aqui, (e nem é este o momento adequado) acerca da finalidade de tais distinções. A Constituição Federal as previu. E isso é o bastante. Se há diferenças no texto normativo, é porque nas atividades desempenhadas por cada categoria estas existem.

E nisso é que reside a necessidade de distinção. A igualdade não é um princípio absoluto, como, aliás, nenhum o é, por mais característica fundamental de que seja detentor. A igualdade absoluta somente pode ser vislumbrada por um prisma meramente formal. A vida, porém, demonstra-se diferenciada, múltipla, heterogênea, razão pela qual tais diferenças devem ser consideradas.

E a lei serve justamente para caracterizar as distinções, senão a norma restaria sem qualquer sentido. É que se o mundo fosse uniforme, se as situações fossem homogêneas, não haveria necessidade de leis feitas pelos homens para regulá-las. Quedariam inúteis. A lei existe para distinguir, claro, desde que guardada a correlação lógica com as diferenciações existentes no mundo real.

 Remonta a Aristóteles tal preocupação, eis que, aí, reside o próprio conceito de justiça. Abstrai-se, nesse momento, e por razões óbvias, a discussão acerca de justiça distributiva e justiça corretiva. No caso desse processo, há de se evidenciar o caráter de proporcionalidade a que alude o pensamento aristotélico no livro V da obra “Ética a Nicômano”, no seguinte sentido:

 

“Ora, igualdade implica pelo menos duas coisas. O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo (isto é, para certas pessoas). E, como intermediário, deve encontrar-se entre certas coisas (as quais são, respectivamente, maiores e menores); como igual, implica em duas coisas e, como justo, o é para certas pessoas.

(...)

E a mesma igualdade se observará entre as pessoas e entre as coisas em causa; pois a mesma relação que existe entre as segundas (as coisas) também existe entre as primeiras. Se não são iguais, não receberão coisas iguais;...

Eis, aí, o que é o justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção”. (Textos de filosofia geral e de filosofia do direito. {Coletânea organizada por} Aloysio Ferraz Pereira. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, pp. 43-44).

Dissertando sobre o conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello assim leciona:

 

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fato erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.

Na introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferençadora quando é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecidos e a desigualdade de situações correspondentes.

De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.

Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia.

Segue-se que o problema das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da igualdade não se adscreve aos elementos escolhidos como fatores de desigualação, pois resulta da conjunção deles com a disparidade estabelecida nos tratamentos jurídicos dispensados.

Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., São Paulo; Malheiros, 2001, pp. 37-38).

O critério de discrímen a que alude o ilustre jurista citado, no caso dos autos, encontra-se por demais evidenciado, conforme antes exposto. Acrescenta-se, ainda, que uma outra justificação para o tratamento diferenciado pode ser dada. É que os militares, em decorrência de aspectos peculiares de sua carreira, não possuem um posto fixo na prestação de suas atividades. O deslocamento de uma unidade para outra é procedimento rotineiro, sendo que alguns militares percorrem toda a extensão do território nacional, servindo em instalações diversas. Isto é quase improvável com o servidor público civil que, não raro, exerce seu mister, até a aposentadoria, em uma mesma localidade. Os seus dependentes, por uma razão óbvia, vêem-se compelidos, também, a efetuar constantes mudanças de sua localidade.

Assim, em relação aos militares e aos seus dependentes, e em matéria de transferência e matrícula em instituição de ensino quando removidos ex officio, aplica-se a regra contida no art. 1º da Lei n. 9.536/97, isto é, sem a exigência de que ambas as instituições sejam congêneres. De outra parte, não se pode acolher a interpretação de que, mesmo inexistindo na Lei n. 9.536/97 a exigência de ambas as instituições serem congêneres, esta subsiste, por força de uma suposta interpretação sistemática do sistema nacional de educação. É que, em se tratando de restrição esta deve vir expressa, conforme se extrai dos ensinamentos da melhor hermenêutica.

Com efeito, por ocasião da concessão da liminar, assim consignei:

 

“Demais disso, no caso em exame, trata-se de esposa de militar que pretende a obtenção da vaga. A prova da transferência ex officio do citado militar encontra-se às fls. 16/17. Não se discute ser a mesma dependente, uma vez que se trata de regra expressa contida na Lei n. 6.880/80 (Estatuto dos Militares), art. 50, § 2º, inciso I.

Também nessa situação, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela possibilidade de concessão da vaga, conforme os seguintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL - MEDIDA CAUTELAR – EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL – ENSINO SUPERIOR – TRANSFERÊNCIA – DEPENDENTE DE MILITAR. Presentes os requisitos da aparência do bom direito e do perigo da demora, este Superior Tribunal de Justiça tem deferido liminar em medida cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso especial já interposto. A transferência ex officio de militar no interesse do serviço, dá a seu filho, dele dependente, o direito de transferir-se para instituição vinculada a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga. Medida cautelar procedente. (STJ – 1ª  Turma, MC 2952-DF, rel. Min. Garcia Vieira)”.

Referido entendimento encontra-se expresso com mais nitidez em outro julgado, verbis:

“ADMINISTRATIVO – TRANSFERÊNCIA DE ESTUDANTE MILITAR.

1. Dentre as restrições à transferência, uma delas desgarra-se da Lei 9.536/97 para sedimentar-se na Lei 8.112/90.

2. A lei que disciplina a situação jurídica do servidor público, permitindo a transferência do mesmo quando estudante na hipótese de mudança de domicílio em razão do serviço, exige que sejam os estabelecimentos congêneres.

3. Não estando os servidores militares sujeitos ao regime da Lei 8.112/90, mas sim ao Estatuto dos Militares, não se pode estender a norma restritiva do art. 99 para atingi-los.

4. Os militares e seus dependentes, em matéria de transferência de estabelecimento de ensino, sujeitam-se exclusivamente às restrições da Lei 9.536/97.

5. Atendidas as exigências legais, é de ser deferida a transferência.

6. Recurso especial improvido. (STJ – REsp 409.373/RS, rel. Min. Eliana Calmon)”. (grifado).

Ademais, a impetrante prova estar matriculada no Curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário Nilton Lins em Manaus”.

Inexistem razões supervenientes à impetração que me façam alterar o posicionamento adotado, havendo, pois, direito líquido e certo a amparar a pretensão da autora.

 

(Dispositivo)

 

Ante o exposto, concedo a segurança requerida, para o fim de determinar que a autoridade, apontada como coatora, proceda à matrícula da impetrante no curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Sergipe, no período letivo de 2003/1, confirmando, na sua totalidade, a liminar deferida às fls. 31/32.

Custas pela impetrada. Sem honorários advocatícios, em conformidade com o enunciado da Súmula 512 do STF.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.C.

 

Aracaju, 22 de julho de 2003.

 

                      Ronivon de Aragão

                      Juiz Federal Substituto