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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2002.85.00.003284-1 – Classe 01000 – 2ª Vara

Ação Ordinária

Partes: ... Empresa Municipal de Serviços Urbanos - EMSURB

            ... Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA

 

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AVES SILVESTRES. ZOOPARQUE EM PRAÇA PÚBLICA. LOCAL DE VISITAÇÃO FREQUENTE E COM SINAIS DE POLUIÇÃO SONORA E DO AR. IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DAS ESPÉCIES EM SITUAÇÃO QUE CONFIGURA DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO. ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA DO IBAMA. CORREÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

I – Constatando-se, pela prova acostada aos autos, que as aves silvestres encontram-se em local que, além de não possuir autorização de funcionamento pelo IBAMA, de fato, situa-se em localidade irregular, é de se julgar improcedente o pedido da parte autora que pretende impedir o IBAMA de exercer a sua atividade fiscalizatória.

II – Não obstante improcedente o pedido inicial, a singularidade da situação dos autos não permite ao juiz a determinação de remoção imediata dos animais. No exercício do poder geral de cautela do julgador, deve-se, ao tempo em que se reconhece a improcedência do pleito da parte autora, determinar que o IBAMA, em prazo assinalado, resolva em definitivo o destino das aves apreendidas.

III – Pedido improcedente.

 

                                                                                                                                S E N T E N Ç A:

 

(Relatório)

 

A Empresa Municipal de Serviços Urbanos – EMSURB ingressa com ação anulatória de ato administrativo em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, alegando que na manhã do dia 28 de junho de 2002, o requerido apreendeu todos os animais silvestres que eram mantidos pela EMSURB no Zooparque localizado Praça Tobias Barreto, havendo transferido os mesmos para o zoológico do Parque Gov. José Rollemberg Leite, em cujo local inexistem recintos definitivos e adequados para o abrigo das espécies.

Afirma que dita ação ocorreu, por considerar o IBAMA que as instalações do zooparque da Praça Tobias Barreto são inadequadas, o que não corresponde à realidade, eis que as mesmas foram construídas, segundo os critérios estabelecidos pela Instrução Normativa da lavra do próprio IBAMA. Informa que o dito zooparque possui profissional da área de veterinária, além de funcionário capacitado para o trato com as aves ali existentes, bem como alimentação adequada para as diferentes espécies, o que não ocorre com o zoológico do Parque Gov. José Rollemberg Leite.

Invoca em seu amparo o disposto no art. 225 da Constituição Federal, requerendo a antecipação de tutela e, ao final, que seja concedido em definitivo o retorno dos animais apreendidos para o Zooparque da Praça Tobias Barreto, tendo em vista as melhores acomodações oferecidas que asseguram o bem estar e a integridade física dos animais.

A tutela antecipada foi deferida pelo Juiz Edmilson da Silva Pimenta, conforme decisão de fls. 31/33.

À fl. 38, o Ministério Público Federal intervém no feito, requerendo vista dos autos, na forma do art. 83 do CPC.

Citado, o requerido apresenta contestação, alegando que o Zooparque não possui autorização de funcionamento do IBAMA, nem licenciamento ambiental, funcionando irregularmente, contrariando a legislação ambiental pertinente à matéria, tendo sido objeto de denúncia, conforme cópia xerox do processo administrativo nº 02001.001642/96-85, anexo, tendo o IBAMA/BSB, se posicionado pela retirada imediata das espécies silvestres daquele local. Argumenta que o Zooparque da Praça Tobias Barreto nunca possuiu e nem possui instalações adequadas para o abrigo dos animais ali expostos, sendo que a pretensão trazida na inicial colide com o disposto na Lei n. 9.605/98, mormente o seu art. 29, além de afrontar o Decreto n. 3.179/99. Diz que, mesmo se o zoológico do Parque Gov. José Rollemberg Leite não tivesse condições de receber os animais – o que ressalta não ser verdadeiro –, estes não poderiam ficar no local em que se encontram, devendo ser encaminhados para os seus centros de triagem. Requer a improcedência do pedido.

Às fls. 204/209, vê-se que foi interposto agravo de instrumento.

A parte autora manifesta-se, às fls. 246/253, acerca dos documentos juntados com a peça contestatória.

O Ministério Público Federal oferece cota nos autos, à fl. 317.

O agravo de instrumento foi improvido à unanimidade, como se deduz do informe contido às fls. 322/325.

Designada audiência de instrução, foi a mesma realizada, consoante termos de fls. 347/353.

As partes apresentaram razões finais escritas, conforme documentos de fls. 456/459 (parte autora), fls. 463/465 (requerido) e fls. 468/469 (MPF).

(Fundamentação)

 

Não há preliminares a solver, razão pela qual passo ao exame do mérito da demanda.

1 – Mérito:

A questão trazida nos presentes autos não diz respeito a um aspecto simples, não obstante possa parecer à primeira vista. É que, aqui, não se está decidindo acerca das próprias partes litigantes. Os verdadeiros seres que serão atingidos por esta decisão sequer se encontram nos autos, não porque este juiz negligenciou no chamamento dos mesmos à lide, mas porque se trata de aves silvestres, cujo destino final não pode se traduzir na insegurança de decisões provisórias.

De início, é preciso registrar o aspecto, certamente sintomático deste feito, referente ao trato do homem com o próprio ambiente em que vive. Com efeito, o homem apreende o animal, que, por natureza, nasceu para a liberdade – total e sem regras de conduta escritas –, e, depois, ainda o vilipendia, na medida em que resiste para restituir, ao menos parcialmente, ao status quo ante.

Pudessem as aves que se encontram apreendidas falar, as mesmas certamente diriam que o melhor que nós, ditos humanos, deveríamos fazer era permitir-lhes viver, sem as interferências indevidas, sem os aprisionamentos. Dir-se-ia que a situação do ambiente, na atualidade, decorre da própria característica irreversível da revolução industrial. Há, não obstante o acerto do diagnóstico, um certo aspecto trágico. O homem ocupa, destrói a natureza, polui o ar e, depois, busca refúgio em parques e centros que supostamente estrutura para a preservação de espécies. É, efetivamente, uma contradição em si.

Buscando, porém, conciliar os diversos aspectos do problema e almejando um ambiente equilibrado, a Constituição Federal de 1988 demonstrou apreço pelo tema, tendo sido inserido em seu texto todo um capítulo destinado ao meio ambiente. Assim dispõe o art. 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

E, a seguir, em um extenso rol de incisos e parágrafos, delineia o programa mínimo para a realização dessa diretriz. A legislação infraconstitucional, de sua parte, estruturou órgãos e entidades para a defesa do ambiente, sendo o IBAMA, notadamente no que se refere ao ambiente dito natural o Órgão fiscalizador, por excelência.

No caso em exame, inexiste controvérsia acerca deste ponto. Não se contesta a possibilidade de o IBAMA exercer a sua atividade de polícia administrativa ambiental. O que se discute, no feito, é se a apreensão feita no zooparque da Praça Tobias Barreto fora efetivada dentro dos critérios estabelecidos na legislação.

Da prova dos autos exsurge, primeiramente, que o zooparque mantido pela parte autora não possui autorização para funcionamento, uma vez que o próprio IBAMA não o permitiu. É que, conforme assinalado, a dita autorização somente poderia ser dada se o fosse na categoria de zoológico, sendo que na Praça Tobias Barreto, tal seria impossível. É o que se deduz das informações prestadas pela bióloga responsável pelo aludido Órgão:

Que, em 1996, a prefeitura de Aracaju solicitou ao IBAMA fosse autorizada a criação de aves na categoria de criadouro conservacionista; que esta categoria pertine ao fato de o responsável, sem intuito comercial ou de exposição freqüente dos animais, abrigar espécies com intuito de facilitar a reprodução e devolução dos animais à natureza; (...) que o IBAMA, à época, respondeu à solicitação da prefeitura, informando que o seu pedido somente poderia ser enquadrado na categoria zoológico; que o IBAMA respondeu dessa forma, tendo em vista o ambiente da praça ser de visitação pública; (...) que na Praça Tobias Barreto, inexiste possibilidade de autorização para categoria zoológico. (fl. 350)

A ausência de autorização sequer é contrariada pela parte autora, que se limita na alegação de que, de igual forma, também o zoológico do Parque Gov. José Rollemberg Leite também não possui autorização específica do IBAMA.

Há de se ressaltar, neste ponto, como alertado pelo Ministério Público Federal, a mora procedimental do IBAMA no que pertine ao processo administrativo referente ao zooparque da Praça Tobias Barreto, que, até a presente data, não apresentou solução.

Mas, além da ausência de autorização para funcionamento, constata-se, pela prova bastante dos autos, que o zooparque referido não é local adequado para abrigar as aves silvestres em questão.

Com efeito, extrai-se das declarações prestadas em Juízo o seguinte:

a) Gláucia Maria Lima Bispo (fls. 350/351):

Que, em regra, em todos os zoológicos há uma observância quanto ao fechamento da visitação pública em determinado dia da semana, servindo para manutenção e procedimentos internos; que há uma função biológica a respeitar-se no que pertine a esses períodos “de descanso”, uma vez que especificamente em relação às aves, ao anoitecer as mesmas se recolhem; que, em relação às aves, no que refere ao seu metabolismo, há uma interferência direta da iluminação; que não é aconselhável existir iluminação artificial no habitat das aves no zoológico; que, em relação especificamente ao zooparque da Praça Tobias Barreto, a declarante constatou que há no mesmo iluminação artificial no período noturno, bem como poluição sonora pelo ruído dos veículos e de eventos realizados na praça e poluição em decorrência da descarga dos veículos.

b) Joubert Santana Pimentel (fls. 352/353):

Que o espaço específico das aves é “espetacular”, mas localizado em ambiente impróprio, eis que estão os animais submetidos às intempéries, não somente naturais, como também artificiais.

c) Até mesmo o médico veterinário e sanitarista João Farias Figueiredo, responsável pelo zooparque citado, assim consigna em suas declarações:

Que, embora todo ruído interfira na ambientação das aves, existe um processo de adaptação, sendo que as existentes no zooparque já se encontram plenamente adaptadas ao ambiente, não tendo sido constatado alterações no estado emocional das mesmas. (grifado).

Ora, não obstante afirme o médico veterinário João Farias Figueiredo que já há um processo de adaptação, não esconde que no local do zooparque existe ruído que interfere na ambientação das aves silvestres. Mantê-las em tal ambiente é o mesmo que afirmar que, mesmo impróprio, já se trata de fato consolidado, como se fosse natural e jurídico que uma situação irregular possa se perpetuar, somente porque já existe de há muito tempo.

Ressalte-se que as declarações prestadas nos autos o foram por profissionais das áreas da Biologia e da Medicina Veterinária.

Vê-se, pois, que inexiste controvérsia de que o zooparque da Praça Tobias Barreto não se traduz em ambiente propício para o abrigo das aves silvestres em questão, ainda mais quando o próprio Órgão fiscalizador – IBAMA – assim o constata.

Nem se há de acolher o argumento da parte autora, no sentido do questionamento do local para onde devem ser levados os animais. Tal aspecto refoge à discussão por parte da requerente, cujo limite do seu pleito é, meramente, se detém possibilidade para manter as aves sob sua guarda ou não.

Da prova colacionada, como já dito acima, tem-se que o zooparque da Praça Tobias Barreto não possui os requisitos ambientais necessários para a manutenção das aves silvestres que ali existem.

O pedido inicial é de ser, então, julgado improcedente.

Com a improcedência do pedido, nega-se o pleito da autora de que sejam as aves silvestres mantidas, em definitivo, no zooparque criado pela mesma.

Ocorre que este juiz não pode ficar alheio à realidade e as decisões judiciais não podem restar sem eficácia social. Não basta, apenas, julgar-se improcedente o pedido. Há de se admitir, de logo, que a conseqüência imediata da decisão, mesmo que o seja após o seu trânsito em julgado, será a permissão para que sejam removidas as aves silvestres referidas.

Neste ponto, há de se acolher o opinamento emanado do Ministério Público Federal, uma vez que o mesmo atende, principalmente, o escopo principal deste feito. Assim se pronunciou Sua Excelência:

Manifesta-se o MPF, então, no sentido de que a douta sentença julgue improcedente o pedido da exordial, diante da impossibilidade jurídica de determinar a manutenção pura e simples de animais em criadouro ilegal, mas que, utilizando-se do poder geral de cautela, determine que os animais sejam  formalmente apreendidos e relacionados pelo IBAMA e entregues à EMSURB em depósito, para que o órgão municipal aponte seu veterinário como fiel depositário sob as penas da lei, e cuide dos animais até que o IBAMA decida, de modo definitivo, o processo administrativo de regularização, determine o fechamento do zooparque e remova, também em caráter definitivo, os animais para o seu centro de triagem ou outra destinação perfeitamente regular e adequada na forma da lei.

Apenas uma ressalva há de ser feita. A presente decisão não pode restar condicionada a uma atividade administrativa do IBAMA. Sendo assim, é razoável que, não obstante o julgamento improcedente do pedido inicial, se conceda um prazo ao vencedor – IBAMA para que esse órgão regularize a situação dos animais, mantendo-os, até que tal providência seja tomada, devidamente relacionados e em depósito com a responsabilidade expressa da EMSURB.

O que ocorre, então, com este decisum é que se protrai, no tempo, o seu cumprimento, para que se possa dar definitividade à transferência dos animais.

 

2 – Da sucumbência:

No caso, inexistiu condenação, razão pela qual os honorários advocatícios devem ser arbitrados na forma do art. 20, § 4º do CPC.

A causa, muito embora a matéria fática a enfrentar, não se revelou complexa. O lugar da prestação do serviço foi de fácil acesso. Ademais, o tempo decorrido do ajuizamento do feito até a prolação desta sentença foi de pouco mais de um ano e três meses.

Todavia, o trabalho da procuradora da parte requerida foi acentuado, eis que apresentou contestação, recurso de agravo de instrumento, petições nos autos, além da juntada de farta documentação. De outra parte, ainda houve a designação de audiência. A referida procuradora ainda se portou com zelo e dedicação no desempenho do seu mister.

 

(Dispositivo)

 

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial.

Outrossim, concedo, de logo, um prazo máximo de 06 (seis) meses ao IBAMA, contado do trânsito em julgado desta sentença, para que transfira as aves silvestres em questão do zooparque da Praça Tobias Barreto para local que atenda as especificações legais. Determino, ainda, que até a transferência definitiva, a ser acompanhada pelos técnicos responsáveis, deve o IBAMA relacionar todos os animais que serão transferidos, deixando-os sob a responsabilidade da EMSURB, através de depositário constituído formalmente, a ser escolhido dentre profissionais médicos veterinários.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), com base na fundamentação acima exposta.

Sentença publicada em audiência, designada para esse fim, conforme Termo de fl. 347 e despacho de fl. 460, dos quais restaram intimadas as partes.

Registre-se.

 

Aracaju, 13 de novembro de 2003.

 

                      Ronivon de Aragão

                      Juiz Federal Substituto