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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº. 99.557-0 - Classe 01000 - 1ª. Vara

Ação: Ordinária.

Autor: Samuel Maurício de Araújo Santos

Réu: União Federal.

Juiz: Ricardo César Mandarino Barretto.

 

Administrativo. Diárias por deslocamento. Direito não reconhecido, face ao pagamento de indenização de representação, de conteúdo mais abrangente, mormente que diárias são pagas em caráter eventual ou transitório. Inteligência dos arts. 24 e 29, da Lei 8.237/91. Ação improcedente.

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Samuel Maurício de Araújo Santos, qualificado na inicial de fls. 02, propõe a presente ação ordinária em face da União Federal, objetivando receber a quantia de R$ 12.494,15, a título de diárias por deslocamento, valor esse acrescido de juros e correção monetária.

Alega que, ocupando o posto de 3º sargento temporário nos quadros do exército, tivera que se deslocar, nos períodos que indica, para outras cidades e Estados a fim de integrar determinadas operações militares.

Entende que o militar deslocado para localidade diversa daquela em que está lotado faz jus ao recebimento das respectivas diárias, mas, a despeito disso, elas não lhe foram pagas.

Com a inicial, os documentos de fls. 06 a 26

Citada, a União Federal apresenta sua contestação, alegando, preliminarmente, ausência de interesse processual, por não ter sido formulado qualquer requerimento em âmbito administrativo.

No mérito, diz que, em relação à operação "Nossa Gente", o autor receber alimentação, transporte e alojamento às expensas da ré, razão pela qual, nos termos da legislação aplicável, não lhe seriam devidas as diárias. Caso não tivesse sido assim, caberia ao autor comprovar, nos termos do art. 333, I, do CPC, que arcara com tais despesas, coisa que não fez. Ainda quanto à essa operação, assegura que, na hipótese de ser acolhido o pedido, o autor teria direito apenas a 101 diárias, por força do que dispõe o parágrafo único, do art. 29, da Lei 8.237/91.

Afirma, em igual modo, que o autor teria recebido a quantia de R$ 274,20, a título de indenização de representação, verba essa que não seria acumulável com as diárias.

A respeito do pleito eleitoral de 1994, assevera que, das oito diárias a que o autor teria direito, este recebera cinco, sendo compensadas as restantes através de indenização de representação.

Por fim, em referência à missão da OM, sustenta que, conquanto alegue o demandante ser credor de quatro diárias, teria ele recebido, também como indenização de representação, o valor de R$ 517,93.

Pede a improcedência da postulação.

O autor manifestou-se sobre a contestação.

 

É o relatório.

Inicialmente, cumpre o exame da preliminar acerca de carência de ação, por falta de interesse processual, argüida pelo réu.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, ao eleger a indeclinabilidade da jurisdição como garantia fundamental, expurgou do nosso ordenamento jurídico a submissão à instância prévia como pressuposto de acesso às vias judiciais. Em outras palavras, a instância administrativa não pode ser tida como obstativa, material ou formalmente, da instância judicial. O princípio inserto naquele dispositivo constitucional dispõe, como regra, a livre e direta apreciação pelo Poder Judiciário, o contrário só se admite em situações excepcionalíssimas, como no caso do habeas data (STJ, súmula nº 2).

Além disso, o teor da defesa aqui apresentada configura a chamada "pretensão resistida", não se podendo negar, destarte, o interesse processual do autor em promover a demanda.

Rejeito, pois, a preliminar.

No mérito, verificando os limites em que a lide se desenvolveu, percebo que sua solução passa pelo estudo das condições legais para o recebimento de diárias, se essas podem ser supridas pela indenização de representação (aspecto que envolve a questão da acumulatividade) e, ao mesmo tempo, se há, nos autos, prova de quitação das verbas que a ré indicou.

Destaco, por oportuno, que, em atenção ao princípio de que o pedido deve ser interpretado restritivamente, minha apreciação estará relacionada, exclusivamente, com o período que o autor descreveu às fls. 03.

O instituto da diária, em referência aos servidores militares, está disciplinado no art. 29 da Lei nº 8.237/91. Da leitura desse dispositivo depreende-se que tal indenização é voltada para as ocasiões em que o militar precise fazer frente a despesas de pousada, alimentação e locomoção urbana, por força de serviço de caráter eventual ou transitório, em razão do qual tenha que deixar a localidade em que está lotado, dirigindo-se a outro ponto do território nacional. Claro, portanto, que a diária será devida se – e apenas se – todas essas condições (em destaque) restarem atendidas.

Em conseqüência, se o pedido do autor é a percepção de diárias que lhe seriam devidas, mas até hoje permanecem impagas e se a lei exige a configuração das circunstâncias acima ressaltadas para que sejam efetivamente devidas as diárias, por força da lógica, a comprovação de tais circunstâncias cabe exclusivamente ao autor, por ser fato constitutivo de seu direito, nos termos da legislação processual vigente.

Se é assim, não vale o argumento de que cabia à União provar que forneceu alimentação, alojamento e transporte aos militares que participaram da operação "Nossa Gente". Se a União diz que estes últimos não arcaram com as referidas despesas, porque lhes foram disponibilizados, pela própria organização militar, os itens que a lei visou suprir, faz alegação meramente negativa do direito autoral. Em outras palavras, a contestação não trouxe fato que implicasse em modificação, impedimento ou (ao menos em relação à operação Nossa Gente e às Eleições) extinção do direito postulado. A defesa enceta a tese de que "o autor não efetuara despesa com nenhuma destas atividades..." (fls. 37).

Além disso, o documento de fls. 40/48, sendo ato administrativo, tem como atributo a presunção de veracidade.

A presunção de veracidade relaciona-se com os fatos que a Administração espelha em suas certidões, atestados, declarações e até mesmo em informações (como é o caso) por ela fornecidas. Em decorrência desse atributo, opera-se até mesmo a inversão do ônus da prova. Evidentemente, semelhante inversão ocorre apenas de modo relativo, sem dar lugar para que se forme um juízo de convicção com base no princípio de que "na dúvida, a favor do Estado", mas, como já dito, o Direito confere aos atos administrativos a presunção de veracidade e seus consectários, mesmos que estes últimos em comedida extensão.

Aqui, o ônus da prova, no aspecto em análise, já recaiu diretamente sobre o autor, por força do que dispõe o art. 333, I, CPC. Isso significa dizer que, para refutar um ato administrativo capaz até mesmo de inverter esse ônus (o que, no caso, ressalto novamente, sequer é necessário), o demandante, forçosamente, deveria ter se amparado em um satisfatório conjunto probatório. Todavia, não é o que se constata da análise dos autos.

Em que pesem os argumentos do acionante, não trouxe ele qualquer elemento de prova que demostrasse que arcou com as despesas de transporte, alimentação e pousada, quando integrado à operação "Nossa Gente". Por outro lado, os documentos oferecidos pela ré revelam que a alimentação e o alojamento foram custeados pelo quartel (fls. 47), da mesma forma com o que ocorreu com o transporte (fls. 50).

Diante disso, percebo que no período indicado pelo autor (dias intercalados entre fevereiro e agosto de 1994), relativo à citada operação, não é devida, efetivamente, a percepção de diárias.

Quanto às Eleições de 1994, faz-se pertinente verificar se a indenização de representação pode ser utilizada em substituição das diárias.

Primeiro ponto relevante nesse sentido reside na especificação que a Lei 8.237/91 acerca da natureza de tais verbas remuneratórias. Cuidando do tema, o art. 2º, da citada lei, define as diárias e a indenização de representação como indenizações. Distinguem-se porque esta última é uma indenização regular, enquanto a primeira seria eventual, conforme se verá adiante.

Segundo o mesmo diploma legal, a situação jurídica que levaria à percepção de uma indenização em lugar de uma eventual não seria, a princípio, as características da atividade a ser desenvolvida, nem mesmo as despesas que visam cobrir. O fundamento básico para a percepção de uma ou de outra indenização reside na continuidade das condições fáticas que a justifiquem. É bom que se frise que não se confunde continuidaqde com permanência, pois tanto as indenizações regulares como as eventuais são marcadas pela transitoriedade, porém as primeiras são devidas em face de uma situação de maior duração temporal. A respeito, veja-se o art. 8º da Lei 8.237/91:

 

"Art. 8º Indenizações são parcelas remuneratórias regulares ou eventuais, devidas ao militar, para compensar despesas realizadas em decorrência do exercício de suas funções.

§ 1º Indenizações regulares são aquelas de natureza continuada, devidas, mensal e regularmente, ao militar, enquanto preencher ou estiver sujeito às condições que lhe dão direito à sua percepção.

§ 2º Indenizações eventuais são aquelas de natureza esporádica ou de freqüência não continuada.

§ 3º As indenizações não se incorporam aos proventos do militar, quando de sua passagem para a inatividade."

Diante disso, não há empecilho para que, em princípio, uma indenização regular possa ser utilizada para fazer frente ao mesmo tipo de despesa que uma indenização eventual.

A questão é saber se, especificamente, a indenização de representação pode ser utilizada para cobrir despesas de alimentação, alojamento e transporte, tal qual as diárias. A resposta parece-me afirmativa.

A definição legal de indenização de representação é de maior abrangência que a das diárias. Pode mesmo se afirmar que a indenização de representação satisfaz não só às despesas acima mencionadas, mas toda a gama de gastos excepcionais decorrentes da participação de atividades militares, desde que não compreendidos por outras indenizações regulares de destinação específica (indenização de moradia e de localidade especial), eis que, ao que interessa no presente caso, salta aos olhos que a indenização de representação é apropriada para fazer frente a despesas extraordinárias que o militar venha a assumir em compromissos de ordem social, inerentes ao desempenho de suas funções, em condições determinadas pelo Poder Executivo.

Ora, a definição de uma atividade, no seio militar, como eventual ou como continuada é matéria de mérito administrativo, manifestado através de poder regulamentar, aspecto esse tão tranqüilo que nem chega a ser objeto de discussão nos presentes autos. Com isso, se a indenização de representação pode suprir, em tese, as mesmas despesas atendidas pelas diárias, uma vez que, como visto, o único fator legal que determinará a aplicação de uma ou de outra será a eventualidade ou a continuidade da atividade e, se a definição de uma atividade militar como eventual ou continuada é matéria de mérito administrativo, a única conclusão possível é a de que, na hipótese, é possível a substituição das diárias pela indenização de representação.

Não se discute que a operação realizada em garantia ao pleito eleitoral é um compromisso com a ordem social, em que o militar, em razão de suas funções, exercidas sob as condições definidas pelo Poder Executivo, é levado a efetuar despesas extraordinárias, como o transporte, alojamento e alimentação, por se encontrar em localidade diversa daquela de sua lotação. A respeito, confira-se o art. 24 da Lei 8.237/91, que dispõe, in verbis:

 

"Art. 24. A Indenização de Representação destina-se a atender às despesas extraordinárias decorrentes de compromissos de ordem profissional, protocolar, social ou diplomática, inerentes ao desempenho da atividade militar em condições determinadas por ato do Poder Executivo."

 

Essa possibilidade de substituição torna-se irrefutável diante de uma análise sistemática do aludido diploma legal.

O art. 49, por exemplo, prevê, expressamente, a indenização de alimentação para as situações que especifica, inobstante o art. 29, que cuida das diárias, salientar que as mesmas devem cobrir despesas de alimentação, além de outras. Usando-se da lógica, não é difícil perceber que será uma ou outra a indenização devida a depender da verificação concreta de uma situação abstratamente prevista em lei. Semelhante verificação, tratando-se de indenização de representação e de diárias, reside no aspecto da continuidade ou eventualidade da atividade militar, cuja apreciação, torno a dizer, é matéria de mérito administrativo, daí porque, a princípio, não pode ser valorada judicialmente.

Após tais considerações, cumpre apenas analisar, agora, se há prova de quitação das verbas que a ré indica, para que seja possível definir se o autor tem alguma quantia a receber, tanto em relação às Eleições de 1994, quanto à operação da OM, em 1995.

Às fls. 62 e 64, a despeito do que entende o demandante, a União Federal apresenta a prova de que pagou todas as indenizações devidas em razão das Eleições.

Da mesma forma, a ficha financeira de fls. 51 revela, em seu campo "A-93", que o autor recebeu, em maio de 1995, a quantia de R$ 517,93, justamente o valor que seria devido em relação à operação da OM, que ocorrera naquela mesma época, conforme fora afirmado na contestação.

Por fim, assinale-se que todas as passagens da réplica autoral que citam trechos do ofício apresentado com a peça de defesa referem-se a 1993, período que não constou, nem explícita ou implicitamente, na causa de pedir esposada pela inicial e, assim, não pode ser considerado como contemplado pelo pedido, o qual, como já disse, deve ser interpretado restritivamente. Por força disso, mesmo que em nada favoreçam a tese do autor – ao contrário do que afirma -, os citados trechos não serão aqui objeto de qualquer consideração.

 

Isto posto, julgo improcedente o pedido.

Deixo de condenar o autor nas custas e em honorários por lhe reconhecer os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita.

 

P. R. I.

 

Aracaju, 02 de fevereiro de 2000.

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal – 1ª. Vara