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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 99.1811-7 - SPC – 1ª Vara – Classe 05020.

Ação: Declaratória.

Reqte(s): Ariovaldo Rocha Macedo e outros.

Reqdo: União Federal.

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto.

  

"Na primeira noite eles se aproximam, colhem uma flor de nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite já não se escondem: pisam nas flores, matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a Lua e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta, e porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada". Maiakovski.

 

 

SENTENÇA:

Vistos, etc.

Ariovaldo Rocha Macedo e outros, qualificados na inicial de fls. 02, propõem, em face da União Federal, a presente ação declaratória com pedido de antecipação de tutela, objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 9.783, de 29.01.99, no que tange à instituição de cobrança previdenciária do autores, a partir de 1º de maio do corrente ano.

Informam que são servidores públicos federais, integrantes dos quadros da Justiça Federal – Seção Judiciária de Sergipe, estando ameaçados pela norma retro citada de ter majorada a contribuição para a previdência, no sentido de ser imposto aos servidores, que não recebem reajuste há mais de cinco anos, um desconto de mais de 25%.

Entendem que a lei aprovada padece de vício de inconstitucionalidade material.

Para fundamentar a inconstitucionalidade material, tecem comentários acerca do princípio da contributividade, de equidade na forma de participação do custeio e do mecanismo das alíquotas uniformes.

Argumentam, ainda, que a citada lei fere o inciso IV, do art. 150, da Constituição, posto ser nítido o seu caráter confiscatório.

Pedem a concessão da tutela antecipada para que a ré abstenha-se de efetuar qualquer majoração do desconto, nos vencimentos dos autores, a título de acréscimo de contribuição prevista na Lei 9.783/99, e, ao final, sejam julgados procedentes os pedidos.

Custas iniciais pagas (fls. 23).

Nas fls. 25 a 32, concedi a antecipação da tutela.

A ré, às fls. 37, informa haver agravado a decisão que concedeu a tutela antecipada.

Citada, a União contesta o feito, alegando, preliminarmente, ser incabível a antecipação de tutela contra entes públicos, entendendo inexistir, na espécie, os requisitos autorizadores para a concessão da mesma. Lembra, ainda, a exigência de reexame necessário das sentenças contrárias à Administração pela instância "ad quem", o que é incompatível com a medida.

No mérito, esclarece que o advento da lei ora questionada, deu-se para combater um desequilíbrio das contas públicas, aduzindo que a imunidade tributária traçada pela Carta Magna refere-se, tão somente, àquelas aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de previdência, excluídos os servidores públicos, para os quais há previsão de regime próprio.

Sustenta a constitucionalidade da Lei nº 9.783/99, refutando as irregularidades enfocadas na inicial, onde argumenta pela observância do equilíbrio atuarial e pela não ocorrência de efeito confiscatório.

Pede, ao final, a improcedência dos pedidos.

É o relatório.

Analisando a preliminar levantada, rejeito-a, porque não há qualquer disposição legal que proíba antecipação de tutela contra entes públicos.

O fato da sentença estar sujeita a reexame não tem o condão de afastar a antecipação, até porque está pode ser atacada por outro recurso.

Se válidas fossem as alegações da União, toda sentença proferida contra entes públicos não poderia ser provisoriamente executada, afastando-se a idéia do recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, nas hipóteses que o Código admite.

Sobre a inexistência do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, valem os fundamentos expostos quando do deferimento da liminar.

No mérito, com efeito, a Lei 9.783, de 29.01.99 99 não é inconstitucional apenas quanto aos aspectos enfocados. Na verdade, o retro mencionado diploma legal constitui um verdadeiro rosário de inconstitucionalidades, que não requer grande esforço para ser demonstrado, tal a evidência.

A primeira e a mais absurda de todas é a que implica em instituir um verdadeiro confisco do patrimônio do servidor, seja ele aposentado ou ativo, decorrente, não só da progressividade instituída, como dos percentuais altíssimos, que chegam aos 25%.

Buscou o Governo, instituir contribuições progressivas, quando não comporta a espécie tributária, que não se destina à política extrafiscal de redistribuição de renda.

É que, contribuições previdenciárias destinam-se a constituir um pecúlio para o segurado, no caso, servidor público, dentro de um equilíbrio atuarial onde o valor da contribuição há que ser fixado, sempre, em um mesmo percentual, para preservar a proporcionalidade. Progressividade é própria de tributos que têm objetivo de redistribuição de rendas, com diminuição de desigualdades, como ocorre com o imposto de renda e outros tributos.

Quanto ao caráter confiscatório da majoração, trago à baila aspectos de natureza econômica, partindo de cálculos que encomendei ao Técnico Judiciário Carlos Roosevelt S. Menezes, com as diversas faixas de salários escolhidos, a título de exemplo, para demonstrar que, com uma alíquota de 11% sobre os seus vencimentos, o servidor público já terá pago muito mais do que deveria.

A título de exemplo, consideremos a hipótese de um funcionário público com um salário de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), contribuindo, durante 35 anos, com 11%. Sua contribuição mensal seria de R$ 550,00. Ao longo do tempo de contribuição, se, sobre esses valores mensais, fossem aplicados apenas juros de 0,5%, como ganho real mínimo, o resultado seria um acumulado de R$ 780.000,00 (setecentos e oitenta mil reais), o que lhe garantiria uma renda vitalícia de R$ 3.900,00, em uma aplicação que só lhe rendesse o mesmo 0,5%. Se os mesmos R$ 780.000,00 fossem aplicados em uma simples caderneta de poupança, o rendimento mensal saltaria para R$ 11.700,00, o que demonstra que a contribuição no percentual de 11% cobre, suficientemente, a aposentadoria de mais de um servidor, estando perfeitamente enquadrada nas regras atuariais.

Este é o cálculo mais modesto, porque, se a contribuição mensal dos mesmos R$ 550,00, durante 35 anos, fosse aplicada na caderneta de poupança, considerando-se a situação atual, de inflação ainda baixa e de rendimento mensal em torno de 1,51%, o resultado, ao longo do período indicado, seria da inacreditável soma de R$ 19.692.036,00 (dezenove milhões, seiscentos e noventa e dois mil e trinta e seis reais), o que significa dizer que o servidor público teria contribuído com R$ 46.885,82 mensais, para obter uma aposentadoria de R$ 5.000,00, tendo pago, a maior, durante o período, R$ 41.885,82, que correspondem a um percentual excedente de 737,73%.

Se esses mesmos R$ 19.692.036,00 fossem aplicados em uma caderneta de poupança, a renda mensal do servidor aposentado seria de R$ 295.380,54 (duzentos e noventa e cinco mil, trezentos e oitenta reais e cinquenta e quatro centavos), o que lhe garantiria uma velhice de fazer inveja.

Esses dados foram obtidos, considerando-se o montante de uma renda imediata, correspondente à soma dos depósitos (termos) individuais, durante n períodos, a uma taxa i de juros, utilizando-se a seguinte fórmula:

n

Fórmula : S = R * ( 1 + i ) - 1 / i

S = Valor presente da série.

R = Soma dos depósitos ( termos ).

n = período considerado.

i = taxa de juros adotada.

n

( 1 + i ) - 1 / i = fator de acumulação de capital = FAC ( i, n) .

 

Trabalhando com exemplos de servidores que ganham entre R$ 1.000,00 e R$ 8.000,00, que é o teto atual, e que contribuam por 35 anos, a fim de obter a aposentadoria integral, considerando a taxa oficial de juros, que é de 12% a.a., com um período de contribuição de 35 anos.

 

Com isso, i ( taxa ) passaria a ser de 1% a . m e n ( Período de contribuição ), seria de 420 meses, ou seja 35 * 12.

 

Cálculo do fator de acumulação de Capital

 

n

FAC ( i, n ) = ( 1+ i ) - 1 / i

420

FAC ( i, n ) = ( 1 + 0,01 ) - 1 / 0,01

FAC ( i , n ) = 6.430, 95

 

Conclusão. Durante os 35 anos ou 420 meses, trabalhando com uma taxa de 12 % a.a, ou 1% a.m, o depósito inicial será acumulado em 6.430,95 vezes.

 

Considerando-se um salário inicial de R$ 1.000,00

n = 420 meses ;

r = 11% * 1.000,00 = 110,00 ;

i = 12 % a . a = 1% a . m = 0,01

Aplicando a fórmula temos :

n

S = FAC = R * (1+i) - 1 / i

S = 110,00 * 6.430,95 = R$ 707.405.54 / 420

S = R$ 1.684,29

 

 

Construindo uma tabela, pode-se analisar o fato com mais clareza.

 

Salário

(R$)

I ( taxa )

A,m

N(período)

Meses

R ( termo )

(R$)

Benefício

Atingido

R$

Benefício

Necessário

R$

Fator

Acumulativo

1.000,00

0,01

420

110,00

1.648,29

1.000,00

68,43

2.000,00

0,01

420

220,00

3.368,59

2.000,00

68,43

3.000,00

0,01

420

330,00

5.052,88

3.000,00

68,43

4.000,00

0,01

420

440,00

6.737,18

4.000,00

68,43

5.000,00

0,01

420

550,00

8.421,48

5.000,00

68,43

6.000,00

0,01

420

660,00

10.105,77

6.000,00

68,43

7.000,00

0,01

420

770,00

11.790,07

7.000,00

68,43

8.000,00

0,01

420

880,00

13.474,37

8.000,00

68,43

 

Assim, pode-se concluir que um servidor que passou 35 anos contribuindo para a Previdência com um salário de R$ 1.000,00, no fim deste período, deverá fazer jus a um benefício de R$ 1.684,29, ao qual só necessitaria de R$ 1.000,00, que foi para o qual contribuiu durante sua vida. Está existindo uma contribuição adicional, ou a maior, de 68,43 %, que é a divisão de R$ 1.684,29/R$ 1.000,00 = 1,6843. Tudo isto, sem levar em consideração que, durante o período, não houve aumento salarial e que a economia permaneceu estável como atualmente.

Isso, dividindo-se todo o valor contribuído pelos mesmos 420 meses de contribuição o que, no plano imaginário, seria considerar uma sobrevida de 35 anos após a aposentadoria, o que vem a ser uma hipótese bastante otimista, para não dizer, irreal.

Por outro lado, com um salário de R$ 1.000,00, ao longo de 35 anos, o servidor acumularia R$ 707.405,54 que, em uma conta de poupança, asseguraria um rendimento mensal de R$ 10.681,82, quando só precisaria de R$ 1.000,00 ou se teria direito a R$ 1.000,00.

A Título de exemplo, no caso dos procuradores e juízes, cuja aposentadoria é assegurada aos 30 anos, utilizando-se a mesma fórmula abaixo, com um rendimento mensal de 1,51%, chegar-se-ia a um montante de poupança em torno de R$ 7.990.662,25 (sete milhões, novecentos e noventa mil, seiscentos e sessenta e dois reais e vinte e cinco centavos), que aplicados igualmente em uma conta de poupança, asseguraria uma renda mensal de R$ 120.658,99 (cento e vinte mil, seiscentos e cinqüenta e oito reais e noventa e nove centavos), considerando-se o mesmo percentual, e um salário de R$ 5.000,00.

 

n

Fórmula : S = R * ( 1 + i ) - 1 / i

S = Valor presente da série.

R = Soma dos depósitos.

n = período considerado.

n

( 1 + i ) - 1 = fator de acumulação de capital = FAC ( i, n) .

 

 

Ainda considerando o salário médio de um Procurador, que percebe R$ 5.000,00, durante 30 anos de contribuição, temos o seguinte resultado:

R = R$ 5.000,00 * 11% = R$ 550,00

i = 1,51% a.m. = 0,0151

n = 30 * 12 = 360 meses.

360

S = 550 * (1 + 0,0151) - 1 / 0,0151

360

S = 550 * (1,0151) - 1 / 0,0151

S = 550 * (220,38 – 1) / 0,0151

S = 550 * 219,38 / 0,0151

S = 550 * 14.528,47 é o fator de acumulação de capital.

S = 7.990.662,25

 

Desse modo, o benefício a que faria jus seria de R$ 22.196,28 (vinte e dois mil cento e noventa e seis reais e vinte e oito centavos), que é o resultado da divisão do acumulado por 360 meses, imaginando-se uma sobrevida de 30 anos, igualmente otimista.

Por outro lado, se considerarmos um rendimento mensal de 1% ao mês, durante 30 anos, o Procurador teria pago R$ 1.922.228,00 (um milhão, novecentos e vinte e dois mil e duzentos e vinte e oito reais), que, em conta de poupança, teria assegurado uma renda mensal de R$ 29.025,64 (vinte e nove mil e vinte e cinco reais e sessenta e quatro centavos), considerando-se 1,51% de rendimento mensal.

Evidentemente, que não está aí considerada parte das contribuições previdenciárias destinada ao atendimento médico do próprio servidor, mas, mesmo assim, haveria dinheiro de sobra. Não é por acaso que os fundos de previdência privada, ao lado do petróleo, indústria automobilística, informática e tráfico de drogas estão entre os cinco seguimentos mais fortes da economia mundial.

No entanto, o Governo passa a idéia falaciosa de que a sociedade é quem sustenta o aposentado servidor público, com essa conta simplória entre quantidade de servidores ativos e inativos.

É sabido que, se a previdência pública está quebrada, é porque jamais foi administrada como o é um fundo de pensão privado. Nos anos 50, o dinheiro que sobrava da previdência financiou a construção de Brasília e, nos anos 70, serviu para a construção da ponte Rio-Niterói, Hidrelétrica de Itaipu, a transamazônica, etc. Esta, nem existe mais.

Entretanto, a Lei nº 9.789, de 23.02.99, que estima a Receita e fixa a Despesa da União para o exercício financeiro de 1999, revela exatamente o contrário, isto é, que não há quebra da Previdência Pública.

É que referido diploma legal determina que se desloque a fabulosa soma de R$ 489.597.269,00 (quatrocentos e oitenta e nove milhões, quinhentos e noventa e sete mil e duzentos e sessenta e nove reais), do Orçamento da Seguridade Social, para a despesa total da União, conforme se vê das disposições do art. 4º, I e parágrafo único, "in verbis":

 

Art. 4º - A Despesa Orçamentária, no mesmo valor da Receita Orçamentária, é fixada em R$ 545.903.187.097,00 (quinhentos e quarenta e cinco bilhões, novecentos e três milhões e oitenta e sete mil e noventa e sete reais), desdobrada, nos termos do art. 47, § 1º, da Lei nº 9.692/98, nos seguintes agregados:

I – R$ 176.056.078.196,00 (cento e setenta e seis bilhões, cinquenta e seis milhões, setenta e oito mil, cento e noventa e seis reais) do Orçamento Fiscal, excluídas as despesas de que trata o inciso III, alínea "a";

....................................................................................................................

Parágrafo único. Do montante fixado no inciso I para o Orçamento Fiscal, parcela de R$ 489.597.269,00 (quatrocentos e oitenta e nove milhões, quinhentos e noventa e sete mil e duzentos e sessenta e nove reais) será custeada com recursos transferidos do Orçamento da Seguridade Social.

 

É o dinheiro destinado ao pagamento das pensões, em sua maioria, de beneficiários miseráveis, sendo desviado despudoradamente para a conta da União, tal como na época da construção de Brasília, da transamazônica, etc.

Um escândalo orçamentário, cruel e iníquo, que, na verdade, visa salvar a pele de sonegadores, especialmente os bancos, que nada pagam de imposto de renda.

Lamentável é que, em um País com a mais ampla liberdade de imprensa como o nosso, ninguém, especialmente advogados e juízes, tenham se dado conta da lei orçamentária. Talvez isso decorra da circunstância de ser inimaginável a criatividade desse Governo, quando deseja proteger os sonegadores, principalmente os financiadores das campanhas eleitorais.

Há, é verdade, os que se aposentam, como os parlamentares, com oito anos de serviço, e outros que se valem de regras de contagem ficta para obterem aposentadorias precoces. Ninguém discorda que essas distorções têm de ser corrigidas, mas não se pode fazê-las mediante generalizações, nem sacrificando aqueles que contribuíram durante o tempo correto, num cálculo atuarial mais do que perfeito. A inconstitucionalidade das contribuições progressivas é evidente, estando a caracterizar um manifesto confisco.

Não se imagine que, em um período de inflação alta, a situação seria diferente. Pelo contrário, seria mais vantajosa para o segurado, o que não significa dizer que se deseje a inflação. No período inflacionário, a caderneta de poupança tinha rendimento real de 3 a 4%, havendo meses em que alcançou 10%.

O confisco, no particular, é evidente, não só porque supera os cálculos atuariais, levando à absorção parcial, do patrimônio do servidor, como porque demonstra a majoração não apresentar característica de razoabilidade e justiça e porque atentatória ao princípio da capacidade contributiva.

O princípio da razoabilidade e da Justiça são irmãos siameses. Pode-se aferí-lo até por critérios objetivos, tal a magnitude que se encontram erigidos, como princípio, em diversos ordenamentos jurídicos.

Não é por acaso que o legislador isentou de pena o autor do favorecimento real, quando aquele é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso (art. 348, § 2º, do CP). Qualquer pessoa de bom senso é capaz de entender que não seria razoável exigir-se, das pessoas ali indicadas, um comportamento distante do tipo descrito no art. 348, do mesmo modo que não é razoável exigir-se compromisso de testemunhas até um determinado grau de parentesco, amigos ou inimigos das partes.

Até com relação ao Estado, não é razoável exigir-se-lhe, de imediato, certos deveres, daí porque ninguém, até hoje, pretendeu que o Estado brasileiro, de uma hora para outra, fornecesse educação, saúde e assistência social a todos, tal como dispõem os arts. 196, 203 e 205, da Constituição. Não seria razoável esse tipo de exigência e nenhum juiz imporia esse tipo de obrigação imediata, porque totalmente inexeqüível.

Não gosto de citações do "Pequeno Príncipe", porque a obra restou vulgarizada nos anos 60 e 70, pelas candidatas a concurso de "miss", mas a construção genial de Atoine de Saint-Exupéry continua atual e lá há uma passagem onde o critério da razoabilidade revela-se universal, inclusive na cabeça do rei, ao afirmar:

 

"É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares ao teu povo que ele se lance ao mar, farão todos revolução. Eu tenho direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis."

 

Contribuição progressiva, aliada ao imposto de renda progressivo, impedirá até que o servidor planeje o seu futuro, de modo a pretender uma complementação de sua aposentadoria através dos fundos de pensão privados, uma vez que a previdência pública é, hoje, uma iniquidade, em cujo futuro ninguém ousa apostar. Como bem salientou o Prof. Carlos Britto, em brilhante trabalho sobre "A Lei Federal 9.739/99 e suas inconstitucionalidades:

 

"A contributividade que recai sobre o funcionalismo é exigente de equidade na forma de participação no custeio das aposentadorias e pensões. E equidade, na acepção de que os servidores devem suportar o ônus da contribuição de modo proporcionado à remuneração de cada qual deles. É deduzir: quem recebe mais do Poder Público, mais expressivamente deve contribuir, mantidas, porém, as originárias diferenças estipendiárias; ou seja, preservadas as proporções entre os níveis de remuneração dos cargos públicos, tal como legalmente fixados, pois a contribuição previdenciária não se presta como instrumento de alteração de vencimentos, nem enquanto mecanismo redutor de distâncias sociais no âmbito do setor público (ao contrário do imposto de renda, este, sim, utilizado como ferramenta de política extra fiscal). Longe de desconfirmar diferenças de ganhos pelo exercício de cargos públicos, as alíquotas de desconto previdenciário devem primar, justamente, pela sua confirmação. Para isso é que elas existem, a custear, mês a mês, futuras aposentadorias e pensões também caracterizadas por diferentes valores."

 

Essas considerações estão na linha de pensamento de Sampaio Dória, citado por Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. em "Novo Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário à luz da nova Constituição" – 6ª edição – Renovar – pág. 226, nos seguintes termos:

 

"SAMPAIO DÓRIA escreve que o direito de propriedade se concilia e se subordina ao poder de tributar, "mas as restrições à plenitude dos direitos patrimoniais, sujeitos ao atendimento das necessidades fiscais, não podem ser distendidas ao ponto de importar a integral absorção da propriedade, rompendo-se totalmente o já de si precário equilíbrio entre os benefícios genéricos, propiciados pelo Estado, e os tributos que, em contrapartida, demanda dos cidadãos. Quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhe dá em troco, verifica-se exatamente o desvirtuamento do imposto em confisco, por ultrapassada a tênue linha divisora das desapropriações, a serem justa e equivalentemente indenizadas, e da cobrança de impostos, que não implica idêntica contraprestação. O poder tributário, legítimo, se desnatura em confisco, vedado quando o imposto absorva substancial parcela da propriedade ou a totalidade da renda do indivíduo ou da empresa."

 

Como se vê, sob qualquer aspecto que se analise a questão, mesmo aquele em que se considera o rendimento mínimo de 0,5% ao mês, praticado pelas economias mais sólidas do planeta, verifica-se que, com 11%, o servidor terá pago muito mais do que necessita para se aposentar. Na verdade 11% já se revelam excessivamente alto, constituindo qualquer alíquota acima deste valor uma perversidade fiscal, considerando-se um País como o nosso, onde a base de cálculo da movimentação financeira dos bancos é de quatro trilhões de reais e estes, legalmente, pagam zero de imposto de renda.

O eminente Juiz Federal Dirley da Cunha Júnior ao apreciar questão idêntica e em, exame sobre a vedação do confisco no Direito Constitucional Brasileiro, pontificou:

"Doutra banda, o malsinado desconto forcejado pelo Governo Federal viola importantes garantias definidas no texto constitucional. A vedação de confisco é a primeira delas. Com efeito, a progressividade instituída nos descontos (que vão de 11% a 25%) e a majoração desproporcional e desarrazoada da exação, revelam, sem dúvida, seu desiderato confiscatório, a comprometer a subsistência do servidor e de sua família. Decerto, se os servidores estivessem sujeitos unicamente ao pagamento dessa contribuição social, nenhuma palavra poderia ser dita quanto ao efeito confiscatório da exação. Mas essa contribuição é tão-somente um dos inúmeros tributos que o servidor está obrigado a recolher aos cofres públicos. Note-se que apenas a soma dessa Contribuição Social com a do Imposto de Renda chega a comprometer, na fonte, aproximadamente 50% (cinqüenta por cento) da renda do servidor que ganha acima de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), sem considerar a CPMF e uma série de tributos indiretos. A carga tributária, destarte, não pode ser sopesada mediante a análise de um único tributo isoladamente. Daí a razão de o ilustre tributarista Hugo de Brito Machado ter enfatizado, com o peso de sua autoridade, que "o caráter confiscatório do tributo há de ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto". Corolário desta, outra garantia resulta vilipendiada, a da irredutibilidade dos proventos." (Justiça Federal de Sergipe, processo nº 99.872-3 – 2ª Vara)

 

Em nome do ajuste fiscal, promove-se um verdadeiro "ôba-ôba" institucional, com a mídia por trás, a pretexto de se economizar quatro bilhões, do orçamento, quando bastaria, para tanto, que fossem afastadas algumas emendas de parlamentares, do Orçamento da União.

Observe-se que, com a crise cambial, toda essa pseudo-economia foi para o ralo, em função do crescimento da dívida interna, por força da desvalorização do real e do aumento dos juros, cabendo ainda afirmar que, na realidade, alguns deputados já denunciaram que a economia real, com o massacre dos servidores, não passa de três bilhões de reais.

Se houvesse realmente interesse em promover o ajuste fiscal, aprofundar-se-ia a reforma tributária, em que se priorizasse impostos menos artesanais, como o ICMS, e menos sujeitos à sonegação que, seguindo dados da Receita Federal, chega a trezentos e vinte bilhões de reais, bem maior que o dobro da arrecadação tributária de 1998, de cerca de 138 bilhões de reais, e em torno de um terço do nosso PIB, pouco maior que 900 bilhões de reais. O valor do montante sonegado é quase o mesmo da dívida interna que, no atual Governo, cresceu de 60 bilhões de reais para 360 bilhões de reais, devendo-se ressaltar ainda que, com base em informações do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, prestadas perante a CPI dos bancos, a base de cálculo sonegável, hoje, é de R$ 825.000.000.000,00 (oitocentos e vinte e cinco bilhões de reais), quase outro PIB nacional.

Como se vê, a economia é irrisória e se destina, na verdade, a inviabilizar a previdência para entregá-la ao capital financeiro internacional, já que se trata de uma das mais rentáveis atividades econômicas do mundo.

Tanto é verdade, tanto é confiscatória a majoração instituída, que a perversidade fiscal está prevista para durar quatro anos. Fosse indispensável para o equilíbrio atuarial, não poderia viger por prazo certo.

Por outro lado, se as dificuldades da previdência decorrem de haver sido estendida aos que jamais para ela contribuíram, trata-se de opção política de justiça social, cuja conta é da sociedade e não do servidor. No particular, o art. 195, da Constituição prevê que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, não podendo a conta do ajuste fiscal ser jogada, exclusivamente, nas costas do servidor público.

Como demonstrado, nos cálculos acima, nenhuma contribuição da sociedade entrou em sua base de cálculo. O que se buscou demonstrar é que o servidor pagou, sozinho, muito mais do que deveria pela sua aposentadoria.

O ajuste fiscal do Governo, assim, não pode recair de forma cruel sobre os servidores públicos, mas, também, sobre toda a sociedade.

Na "Folha de São Paulo" de 21.02.99, o ex-Ministro Roberto campos, liberal convicto desde tenra idade, demonstrou bem parte da origem do nosso déficit público, ao dizer que "Aqui, sob o olhar intelectualmente tolerante da equipe econômica, a coisa começou com a negociação para rolagem da dívida do Estado mais rico de todos, São Paulo, que ainda por cima refugava a privatização do BANESPA, por causa das preferências ideológicas do seu ilustre governador. Levou R$ 50 bilhões, a juros quase paternais – o que significou que São Paulo, de cara, começou imediatamente a ser subsidiado pelo resto do país com a diferença entre essa taxa e as do mercado. Dá para estranhar que houvesse imediata ‘formação de quadrilha’ dos demais Estados para tirar o que pudessem?" Palavras do insuspeito ex-Ministro Roberto Campos, vale repetir.

Há, por fim, outra questão, também abordada pelo Prof. Carlos Britto, na obra citada, relativa à irredutibilidade de vencimentos do servidores ativos que não apenas decorre do efeito confiscatório da lei. Vai mais além, avança despudoradamente, no sentido de diminuir as distâncias percentualmente estabelecidas nas diversas faixas salariais comuns ao servidor público, quase que nivelando por baixo.

É que , como bem observou o insigne doutrinador:

 

"Os percentuais progressivos de desconto previdenciário, se aplicados, terão o efeito prático de onerar mais quem ganha mais, ou onerar menos quem ganha mentos (lógico), mas indo alem daquele tipo de proporcionalidade que subjaz ao princípio da equidade, e, ipso facto, da alíquota uniforme. É como dizer: se o percentual paritário já cumpre a função de onerar mais quem ganha mais e onerar menos quem ganha menos, mantendo, porém, as proporções das faixas remuneratórias (não pode ser diferente), o percentual do tipo crescente acarreta uma segunda e progressiva modalidade de oneração, esta, sim, de completa ruptura com a regra dos descontos proporcionados. A conseqüência é inevitável: os critérios técnico-administrativos em que as leis ordinárias têm que se basear (por imperativo constitucional;, insista-se) para hierarquizar estipendiariamente os cargos público deixam de funcionar integralmente, pelo fato evidente de que a lógica diferença entre uma remuneração e outra é conspurcada ou até mesmo nulificada pelo desembolso em favor do sistema previdenciário. O que o sistema indevidamente ganha aqui o servidor indevidamente perde lá, fato que não se coaduna com a vontade constitucional da hierarquização estipendiária dos cargos públicos, a que as leis de conteúdo administrativo devem dar cotidiana e submissa aplicação."

 

Se bem observada, a famigerada lei contribui, também, para o desmantelamento da máquina administrativa, que outro não tem sido o objetivo do atual governo, incompetente que é e desprovido de vontade política para resolução dos graves problemas nacionais, ataca o servidor público como o vilão do país.

É a submissão total a uma política colonialista moderna onde o coturno é dispensável, face aos milagres operados pela globalização virtual que permite a transferência de recursos de um país a outro com a rapidez indispensável de um "clique" de um mouse.

Há, também, vício de natureza formal, em afronta às regras dos arts. 60, § 5º e 57, § 7º, da Constituição Federal.

Isto posto, julgo procedente a ação, tornando definitiva a antecipação tutelar concedida, declarando a inconstitucionalidade da majoração da contribuição para a Previdência Social dos autores, na forma instituída pela Lei 9.783/99.

Condeno a ré a ressarcir as custas e a pagar honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.

Sentença sujeita a reexame.

 

Aracaju, 07 de junho de 1999.

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal – 1ª Vara