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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 98.4324-1 - Classe 10000 - 1ª Vara

Ação: Sumária

Autor: Maria Eunice Santos

Réu: União Federal e Outro

Juiz Federal: Dr. Ricardo César Mandarino Barretto

  

Administrativo e Previdenciário - Pensão especial de ex-combatente. Possibilidade de acumulação com outro benefício previdenciário. Inteligência do art. 53, II e III, do ADCT. Precedentes dos Tribunais. Termo de opção. Coação caracterizada. Anulação. Ação Procedente em parte, em face do efeito ‘ex nunc’ da anulação.

 

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

 

Maria Eunice Santos, qualificada na inicial de fls. 02, propõe, em face da União Federal e do Estado de Sergipe, a presente ação sumária, objetivando que, a partir de agosto de 1994, seja reconhecido o direito de perceber a pensão especial de que trata o art. 53, II e III, do ADCT, acumulada com a pensão paga pelo INSS e pelo Estado de Sergipe.

Diz que é viúva do Sr. Manoel Barbosa Santos, ex-combatente que teria paricipado de operações bélicas por ocasião da 2ª Guerra Mundial, recebendo a correspondente pensão.

Sendo também aposentada pelo Estado de Sergipe e pensionista do INSS, assegura que, para que fosse deferida sua habilitação à citada pensão militar, obrigaram-na a assinar um documento declinando sua renúncia à aposentadoria paga pelos cofres estaduais. Diante disso, afirma que sofrera verdadeira coação irresistível, revelando-se nulo, portanto, o ato.

Entende que as disposições mencionadas do ADCT asseguram, ao ex-combatente e à sua viúva, o direito à percepção da pensão especial com os benefícios previdenciários.

Requer Antecipação de Tutela e junta os documentos de fls. 09 a 35.

Citados, os réus compareceram à audiência.

O Estado de Sergipe impugnou o valor da causa e ofereceu contestação, alegando, preliminarmente, falta de interesse de agir, por entender que não se opôs a qualquer pretensão da autora.

No mérito, entende que a pensão de ex-combatente é inacumulável com quaisquer rendimentos percebidos dos cofres públicos, exceto benefício previdenciário, não sendo possível entender como benefício previdenciário toda e qualquer aposentadoria, em especial porque a postulante recebia sua aposentadoria diretamente do tesouro do Estado, que a afasta do regime Geral da Previdência Social.

Salienta, por fim, que, se acolhida a tese autoral, a hipótese seria de mera anulação do ato jurídico de renúncia. Por este viés, acrescendo-se a circunstância de que o Estado de Sergipe agira de boa-fé, não pode advir condenação senão a verbas futuras, sendo incabível, ainda a antecipação de tutela.

A União Federal, em sua peça de defesa, reitera os mesmos argumentos de mérito do Estado de Sergipe, destacando inexistir a alegada coação.

O autor, ao se manifestar sobre a contestação, ratifica os termos da exordial.

 

 

É o relatório.

Configurada aqui a hipótese do art. 330, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide.

Cumpre, de início, o exame da preliminar argüida pelo Estado de Sergipe.

Não há ausência de interesse processual. Como bem admite o referido réu, a via administrativa não é obstativa da via judicial e sua contestação revela a chamada "pretensão resistida", elemento que evidencia a questionada condição da ação.

Rejeito, pois, a preliminar.

No mérito, a solução da lide consiste em se aferir se é possível a acumulação da pensão prevista no art. 53, II e III, do ADCT, com uma aposentadoria paga diretamente pelos cofres públicos e, a partir dessa aferição, verificar se o termo de opção, com renúncia em escritura pública, assinado pela autora, está ou não eivado por uma suposta coação.

De logo, esclareça-se que os réus não impugnam o direito da autora ao percebimento da pensão por morte de seu ex-marido, na qualidade de ex-combatente, admitindo essa circunstância de resto demonstrada pela documentação de fls. 10 a 12, onde consta, por certidão do antigo Ministério do Exército , que o institudor participou de operações bélicas, cumprindo missões de vigilância e segurança do litoral do Estado.

O art. 53, II, do ADCT estabelece a inacumulabilidade de pensão especial aqui discutida com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários.

Isso significa dizer que a pensão especial não pode ser acumulada com vencimentos percebidos pelos cofres públicos, mas é possível a acumulação com outros benefícios previdenciários, entendendo-se estes como toda e qualquer pensão.

É verdade que o parágrafo único, do mesmo dispositivo legal, estabelece que a pensão especial do inciso II substitui qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente, o que praticamente, torna letra morta a regra do inciso II, a se admitir a sua prevalência.

O texto, no particular, parece-me incoerente, fruto de algum equívoco do legislador, devendo prevalecer a regra geral que admite a acumulação, mesmo porque quem quer que se debruce sobre as leituras dos debates na época da Constituinte de 1988 observará que a pensão especial de ex-combatente foi instituída como uma vantagem a mais àqueles que arriscaram suas vidas na 2ª. Guerra Mundial.

Se não fosse possível a acumulação, a pensão deixaria de ser um prêmio em reconhecimento ao sacrifício dos que participaram da Guerra.

Na hipótese, o direito de opção a que se refere o inciso II, não diz respeito à pensão especial com outro benefício previdenciário, mas, sim, com rendimentos outros recebidos dos cofres públicos.

Ressalte-se, no particular, que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais, "ex vi" , das decisões seguintes:

 

"4 - É legítima a acumulação da pensão especial de que trata o art. 53, II, do ADCT da CF de 1988, com aposentadorias pagas diretamente pelos cofres da União, dos Estados ou dos Municípios. Tais aposentadorias se enquadram no conceito de benefícios previdenciários, estando a cumulação, assim, expressamente autorizada pela própria norma constitucional."

(TRF 5ª. Região/ Apelação Cível 583590-95/ UF:PE/ 1ª. Turma/ Rel. Juiz Hugo Machado/ pub. DJ 29.09.95/ pág.:66263).

"Ementa: Previdenciário - Ex-combatente - Pensão militar - Cumulatividade.

A atual legislação pertinente, além do art. 53, inciso 2 e inciso 3 do Ato das Diposições Constitucionais Transitórias, permitem a cumulatividade da pensão militar com a aposentadoria previdenciária. Apelação provida.

(TRF 4ª. Região/ Apelação Cível 417796-89/ UF:SC/ 1ª. Turma/ Rel. Juiz Cal Garcia/ pub. DJ 09.05.90).

Constatada a possibilidade de acumulação, necessário agora é analisar se a renúncia da autora à aposentadoria paga pelo Estado-réu foi obtida ou não através de coação.

A coação pode ser conceituada como qualquer pressão física ou moral exercida sobre a própria pessoa, seus bens ou sua honra, para obrigá-la ou induzi-la a efetivar um ato jurídico.

No caso, deparo-me com uma hipotética situação de pressão moral (vis compulsiva), razão pela qual, de olhos postos no art. 98 do Código Civil, passo a apreciar a ocorrência de seus requisitos carcaterizadores, a saber: 1) a coação deve ser a causa determinante do ato jurídico; 2) deve ela incutir na vítima um temor justificado; 3) o temor deve dizer respeito a um dano iminente; 4) o dano deve ser considerável, ou grave; 5) o dano deve ser igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido.

A União Federal, condicionando, em verdade exigiu que a autora assinasse o termo de opção e renunciasse à aposentadoria paga pelo Estado de Sergipe para que pudesse perceber a pensão prevista no art. 53 do ADCT. Ora, se não tivesse feito semelhante imposição, a autora jamais teria praticado o ato de renúncia, porque ninguém, em sua sã consciência, abre mão espontaneamente de valores no mais da vezes essenciais à subsistência, como os pagos a título de aposentadoria. Como bem admite a UF, abriu mão em favor de uma pensão maior, mas abriu mão por força de uma atitude injusta, visto que era lícito à autora acumular os referidos benefícios. Configurado, pois, o requisito nº 1 da coação moral.

O temor incutido pela exigência condicionante é mais do que justificado, pois fez com que a autora acreditasse que, se não agisse conforme lhe era imposto, perderia o direito à pensão especial de seu ex-marido, maior que a sua aposentadoria e, assim, indispensável. Satisfeito, assim, o requisito nº 2.

Quanto ao requisito nº 3, é notório que o dano era iminente, assertiva essa que dispensa maiores comentários para que seja demonstrada.

Os requisitos de nº 4 e 5 consubstanciam-se na circunstância de que o dano ameaçado implicava em grande redução da renda de que dispunha a autora, quando vivo seu marido, assumindo dimensões que claramente poderiam influenciá-la, como de fato influenciou, a ponto de assentir com a exigência, visto que o contrário poderia resultar em prejuízos não apenas iguais, mas muito maiores.

Não se diga que houve uma ameaça de exercício normal de um direito, a excluir, pois a coação. Não há direito, como visto, a amparar a imposição da União Federal, pois a acumulação é lícita, repito. É em razão de situações como essa que o dever da Administração Pública de obediência ao princípio da legalidade é instrumentalizado por diversas formas, dentre elas, para exemplificar, a garantia de escusa do subordinado em cumprir uma ordem manifestamente ilegal.

Por fim, único reparo a se fazer na pretensão da demandante reside na data em que seria devido o reimplante da aposentadoria paga pelos cofres estaduais. É que a coação é causa de mera anulação (não nulidade) do ato jurídico e, dessa forma, sua decretação tem efeito ‘ex nunc’, apenas, ou seja, não pode retroagir.

Isto posto, julgo procedente, em parte, o pedido, pelo que, decretando a anulação do termo de opção e renúncia feito pela autora em relação à sua aposentadoria estadual, condeno a União Federal a admitir a acumulação da pensão especial de que trata o art. 53, II c/c o III, do ADCT, com a aposentadoria que percebia do Estado de Sergipe e com a pensão que recebe do INSS.

Condeno o Estado de Sergipe a reimplantar o pagamento da aposentadoria a que faz jus a autora, a partir da data desta sentença, computando-se correção monetária e juros de mora, estes a partir do trânsito em julgado.

Condeno, ainda, os réus em honorários de advogado, que arbitro em R$ 300,00 (trezentos reais), a serem suportados pro rata.

Por fim, atento aos termos do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, e, não se aplicando ao caso a ADC nº 04, conforme entendimento do próprio STF, antecipo os efeitos da tutela pretendida, determinando que o Estado de Sergipe retome, no prazo de 10 dias, o pagamento da aposentadoria da autora, devendo a União Federal abster-se de qualquer prática que, em razão da presente decisão, embarace o normal e periódico pagamento de aludida pensão especial.

Comino, em caso de descumprimento, multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais).

Sentença sujeita a reexame.

 

 

P. R. I.

 

Aracaju, 22 de março 2000.

 

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal da 1ª Vara