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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 91.4893-3 - Classe 01000 - 1ª Vara

Ação: Ordinária

Autor: Flávio Gonçalves da Silva

Ré: União Federal

Juiz Federal: Dr. Ricardo César Mandarino Barretto.

 

 

Cível e Administrativo. Ação Ordinária visando reintegração ou pagamento de pensão de jovem acidentado durante o serviço militar. Direito ao recebimento de pensão enquanto se verificar a incapacitação para o trabalho, bem como obrigatoriedade da União prestar assistência médica necessária à recuperação. Ação procedente .

 

 

 

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Flávio Gonçalves da Silva, qualificado na inicial de fls. 02, propõe a presente ação ordinária, em face da União Federal, objetivando ser reintegrado às fileiras do exército brasileiro ou, em caráter subsidiário sucessivo, seja-lhe deferida uma pensão que corresponda às suas atividades e o tratamento médico de que necessita.

Assevera que sofreu dois acidentes quando prestava o serviço militar obrigatório, lesionando seu joelho esquerdo a ponto de levá-lo a intervenções cirúrgicas, sem lograr, contudo um resultado satisfatório.

Afirma ter sido licenciado sem alcançar uma recuperação plena, em uma atitude pela qual o exército revela tê-lo descartado, devolvendo-o à sociedade em estado de incapacidade, ainda que não permanente.

Junta os documentos de fls. 09/24.

Custas iniciais pagas (fls. 25).

Citada, a ré contesta, motivando o licenciamento do autor em conclusão de tempo de serviço, ocasião na qual fora submetido à inspeção de saúde que o considerou apto para os atos da vida civil, permanecendo, entrementes, relacionado como "reservista da 1ª Categoria".

Acentua não estar comprovada situação de incapacidade, entendendo ser incabível, na hipótese, a aplicação das disposições constantes do Código Civil referentes à indenização, pois a matéria deve ser submetida a legislação específica. Com lastro em tal legislação, aliás, assegura inexistir direito à reintegração, reforma ou pensão.

Trouxe documentos.

O acionante manifestou-se sobre a contestação.

Determinei a produção de prova pericial, apresentando as partes seus quesitos (fls. 80, autor; 95, ré).

O perito então nomeado às fls. 118 apresenta as respostas ao quesitos às fls. 121/123.

O demandante formulou quesitos complementares, respondidos às fls. 141/143, com o que pugnou aquele primeiro pela realização de nova perícia e o expert, por sua vez, solicitou os exames de fls. 153.

Diante das dificuldades para a realização dos exames solicitados, acrescidas dos fundamentos estampados às fls. 163, determinei a realização de nova perícia.

O novo perito apresenta seu laudo às fls. 190, respondendo quesitos às fls. 203 e 204.

O assistente técnico do autor apresenta parecer às fls. 214,215 e 216.

A União Federal manifestou-se às fls. 218/221.

Em audiência de instrução e julgamento, determinei que o requerente fosse submetido a uma avaliação pelo assistente técnico da ré, o que fora realizado às fls. 41/42.

Na continuação da referida audiência, o assistente técnico do autor foi instado a prestar esclarecimentos, designando-se, para nova data, a oitiva das testemunhas arroladas pelo autor (fls. 253).

Finalmente, às fls. 259, 260 e 261 foi produzida a prova testemunhal, apresentando as partes seus memoriais.

É o relatório.

Cuida-se de ação ordinária, onde o autor, alegando haver sofrido lesão em seu joelho esquerdo durante o serviço militar, pretende, contra a União, ser reintegrado no Exército ou ser-lhe fixada uma pensão, de vez que alega jamais haver se recuperado e estar impossibilidade de exercer atividade laborativa.

A demanda arrasta-se por 09 anos, lamentavelmente, mas, da leitura dos autos, verifica-se que os motivos do atraso decorrem, não só da dificuldade da prova, já que se trata de pessoa carente, que não dispunha de condições de custear a perícia e os necessários exames, para que a mesma fosse realizada com segurança.

Dessas circunstâncias, a Ré pretendeu tirar proveito, sempre dando-se por satisfeita com a prova e, em outros momentos, tentando desacreditá-la, quando lhe parecia desfavorável.

É de se ressaltar que o processo ficou paralisado durante alguns meses, no primeiro momento por força de uma medida provisória perversa que impôs a suspensão dos processos contra a União, até que sua advocacia fosse estruturada, já que o Ministério Público não mais poderia representá-la. Em um segundo momento, o atraso se deveu ao fato do Perito haver extraviado o exames específicos, com os quais embasou o seu laudo.

Todo esse discurso introdutório revela-se necessário, para que se divulgue que as regras processuais necessitam ser modificadas com urgência, para tornar mais efetiva a prestação jurisdicional, principalmente quando está em jogo o direito das pessoas mais necessitadas, como é o caso dos autos.

Mas, infelizmente, não é isso que ocorre. O Poder Legislativo, atendendo aos apelos dos Poderes Executivos da União e dos Estados, vem procurando modificar a Constituição Federal para prorrogar o pagamento dos precatórios por dez anos, cuja maiores vítimas serão os pobres velhos aposentados e os desvalidos deste país. O descrédito será, evidentemente, escriturado na coluna de débitos do Poder Judiciário.

O que mais assusta é que nada disso está sendo proposto porque as finanças públicas estejam em dificuldade. Apenas para que verbas destinadas a pagamento de precatórios sejam desviadas para emendas de parlamentares em ano de eleição. O pior de tudo isso, é que não se vê uma voz de indignação, seja do Judiciário, seja do Ministério Público, seja da OAB ou de qualquer outra organização não governamental.

Não fosse a obstinação da advogada do autor, em requerer, denunciar, insistir, este processo jamais chegaria a bom termo.

Mas, voltando ao tema, para o deslinde da demanda, três indagações haverão que ser respondidas. A primeira delas é saber se o autor acidentou-se ou não durante o serviço militar. A segunda, é se, do acidente, resultaram as lesões que alega e a terceira, qual a extensão e conseqüência das lesões.

Quanto à primeira indagação, em que pese o esforço desesperado da União, os documentos acostados e o e o depoimento de testemunhas idôneas revelam que o autor acidentou-se durante o serviço militar, tendo sido incorporado ao Exército em situação de perfeita saúde. Vejamos.

Os documentos de fls. 02 a 03, são boletins do 28 Batalhão Campo Grande revelando que o soldado Flávio Gonçalves da Silva submeteu-se a exames artroscópicos do joelho esquerdo (fls. 11), que foi dispensado de esforço físico por três dias (fls. 10), que foi declarado "incapaz temporariamente para o serviço do exército, necessitando retornar ao Hospital Geral de Salvador para reavaliação especializada" (fls. 12) e "talão de baixa para fins de reavaliação cirúrgica pós operatória para licenciamento" (fls. 15).

Os depoimentos das testemunhas arroladas, todas elas colegas de serviço militar do autor à época dos fatos, casam-se, perfeitamente, com os documentos analisados.

A testemunha Antônio Roberto Lázaro serviu ao Exército em l988 e saiu em 1991. Os fatos narrados ocorreram em 13 de fevereiro de l989. Disse a testemunha que "viu o resultado do acidente, isto é, o autor no chão. De lá, ele foi amparado e elevado à enfermaria do acampamento e depois encaminhado para Aracaju. Alguns dias depois, o Autor foi levado para o Hospital Geral de Salvador. Em conseqüência do acidente, o Autor ficou afastado da escala de serviços e de esforços físicos". Afirmou mais que "o autor teve lesionado um dos joelhos, sofreu uma cirurgia em Salvador e que antes do acidente desenvolvia atividades físicas normais dentro do Exercito" (fls. 259).

A testemunha Carlos Henrique Santana era cabo, quando o autor servia no Exército em 1989, no 28 BC, e "viu, em um dos exercícios físicos, o Autor atravessar pendurado numa corda, cair sobre um rio e bater com o joelho em uma superfície sólida"

Informou que "antes do acidente, o Autor desempenhava toda e qualquer tarefa, inclusive a que exigia esforço físico" (...) "que o autor chegou a ser submetido a uma cirurgia", "que normalmente uma pessoa presta serviço militar por um ano e que o autor passou mais de um ano, em função do acidente, pois estava fazendo tratamento" (fls. 261).

A testemunha Paulo Barreto Junior é dono Clínica Fisioterápica Ltda., informando "que atendeu ao autor, que trajava uma farda do Exército, eis que tinha um convênio com a FUSEX, para atendimento fisioterápico para o s dependentes ou segurados do Exército e que o Autor voltou à Clínica, mas já por conta do SUS".

A primeira pergunta está respondida. O Autor acidentou-se durante o serviço militar, havendo chegado íntegro ao Exército.

A segunda questão também está respondida, houve a lesão no joelho esquerdo do autor, restando apenas a terceira, que cuida de esclarecer a extensão da lesão e as conseqüência daí advindas.

Sob esse aspecto, vejamos o que dizem os laudos.

O Primeiro perito nomeado, Dr. José Marques de Oliveira Neto, em que pese dizer que as lesões não foram graves, ao responder o quesito 5, do autor, sobre a possibilidade de cura total, afirmou que "Nestes casos, já deveria ter ocorrido a recuperação total do paciente..."

Na resposta ao sétimo quesito, diz que "O paciente também deverá submeter-se a tratamento prolongado, devido a distúrbios neurovegetativos (alteração de comportamento do sistema nervoso central)"

Na resposta ao décimo quesito, informa que "Os operados de menisco apresentam condições de retornarem às suas atividades físicas plena, porém, a longo prazo, tenderá a desenvolver artrose desta articulação, ou seja, processo degenerativo articular".

Na resposta 3, do quesito, por mim formulado, o Perito esclareceu que "o periciado, até o presente momento, não voltou a exercer as atividades que tinha antes do acidente". (fls. 121 a 123).

Como se vê, o próprio Perito manifestou sua perplexidade, em face de, àquela altura dos acontecimentos, o Autor ainda não haver se recuperado. Observe-se que o laudo é de 25 de fevereiro de 1994 e o acidente ocorreu em 13 de fevereiro de l989, cinco anos antes, sinalizando que o autor caminhava "com passos firmes" para um estado de invalidez, para o exercício de atividade laborativa.

As respostas aos quesitos explicativos consignadas nas fls. 141 a 143, também não deixou dúvida, quanto ao destino do autor, de forma a legitimar a sua pretensão.

Embora sempre insistindo na possibilidade de recuperação, diz o perito que "No joelho, existem estruturas mais nobres do que os meniscos, como, por exemplo, os ligamentos, que, quando são lesados, tornam-se de difícil recuperação, podendo deixar seqüelas. Dentre estes, há os ligamentos cruzados, que tanto poderiam ter sido lesados no ato cirúrgico, como até também no próprio traumatismo que ocasionou a lesão meniscal.

Reafirmou o distúrbio neurovegetativo apresentado pelo periciado, baseando-se nos seguintes fatos: "tremores nas extremidades superiores com sudorese profusa , extremidades frias e um pouco cianótica, movimentos vacilantes contínuos, inquieto e principalmente pela grande apreensão que se conduzia, quando se tentava rapidamente tocar no seu joelho. Chegava a segurar a mão do examinador e, com a voz trêmula, dizer que doía demais, mesmo antes de ser tocado. Quando sentado na maca, foi solicitado do periciado, executar movimentos ativos do joelho afetado (sem a carga do corpo), o que fez com grande dificuldade, contraindo-se e referindo dor, contrastando com a amplitude de movimentos que executava, quando deambulava (com a carga do corpo), sem fisionomia de sofrimento. (fls. 142)

A descrição acima revela o desequilíbrio emocional do autor e, como se sabe hoje, se, ao deambular, não manifestava sinais de sofrimento, isso poderia ser atribuído à produção de endorfina pelo cérebro, fato divulgado pela ciência, como anestésico, fenômeno comum entre os atletas, que quando lesionados em atividades esportivas, como futebol, continuam a desempenhá-las, aparecendo as seqüelas, ao final da competição.

Em face do empenho da ré em demonstrar a improcedência do pedido, não me dei por satisfeito com o resultado do laudo, que apresentou conclusões um pouco vagas e inseguras, até porque não se valeu de exames laboratoriais adequados, daí porque atendi a apelo do Autor e determinei nova perícia, a fim de que me possibilitasse uma sentença segura e justa (fls. 163).

O resultado apresentado pelo novo Perito, em cotejo com o resultado do laudo acima, foi providencial para o deslinde do feito. Concluiu o Perito que "o autor tem discreta limitação dos movimentos do joelho, como também discreta atrofia dos músculos da coxa esquerda", embora afirmando que se trata de uma limitação recuperável, dependente de fisioterapia. (fls. 190).

Ao responder aos quesitos explicativos, entretanto, foi mais contundente. Concluiu, nas fls.204, que as lesões são graves "porque dificultam a deambulação" e que dificilmente o examinado pode obter cura total, "porque tais lesões, principalmente, no joelho – que sustenta a carga do corpo – evoluem sempre para a cronicidade e às vezes, à incapacitação" (respostas de fls. 204 aos quesitos de fls. 193).

A União requereu que o laudo do assistente do Autor fosse desentranhado. Assim não procedi. O Autor é pessoa carente e, com a boa vontade do Dr. Jimmy Henry Ricaldi Rocha, conseguiu uma avaliação de um técnico, que apresentou um laudo responsável, totalmente desinteressado, porque bem se sabe que o Autor não dispõe de recursos financeiros para "encomendar " laudos. O Dr. Jimmy, na fls. 216, não deixou dúvida de que "o paciente é portador de artrose articular progressiva, apresentando uma redução funcional de mais ou menos 60%".

O Laudo do Assistente da União não merece qualquer credibilidade. Diante de todos esses resultados, de três laudos, dois de Perito nomeados Pelo Juiz e um do assistente do Autor, admite a existência de artrose, porém incipiente, e diz que as lesões não são graves e que o autor pode se recuperar.

Os autos demonstraram que as lesões são graves, gravíssimas pode-se afirmar. O acidente correu em 1989, há doze anos. O primeiro laudo foi realizado em 1994, cinco anos após e autor ainda não havia se recuperado. O segundo laudo é de 1997, sete anos após, e o autor não apresentava qualquer melhora. Pelo contrário. Foi constatada artrose progressiva.

É verdade que nenhum dos peritos foi enfático em concluir que o autor seja totalmente inválido, mas o que se extrai dos laudos é que, desde que saiu do Exército, o autor encontra-se incapacitado para o trabalho, apresentando até distúrbio neurovegetativo proveniente, com certeza, de todo esse drama que vem vivendo há doze anos.

A Ré, como bem disse a Autora, recebeu, para o serviço militar obrigatório, um jovem sadio, com um horizonte e devolveu, ao seio da família, um rapaz incapacitado para a atividade laborativa. Destruiu-lhe o futuro, aniquilou os seus sonhos e, sem dó nem piedade, vale-se de argumentos sofismáticos para tornar definitiva a miséria pessoal do autor.

Condenar a União a reintegrá-lo às fileiras do Exército não faz sentido, até porque, se é inútil para atividades laborativas mais simples, muito mais o será para atividades militares. O que a Ré deve ao autor é uma pensão desde o momento em que dele quis livrar-se, após a lesão sofrida sob os seus cuidados, bem como tratamento médico adequado. A pensão há que ser fixada a partir do desligamento, porque esse fato decorre da lógica do pedido.

Isto posto, julgo procedente a ação para condenar a União a pagar ao autor uma pensão no valor correspondente ao soldo que recebia, quando em atividade no serviço militar, até a sua recuperação total, devendo , ainda dispensar-lhe tratamento médio adequado, nos moldes do que é dispensado aos militares.

O pagamento da pensão é da data em que o autor foi desligado do Exército, devendo as diferenças, corrigidas e acrescidas de juros, serem apuradas em liquidação.

Condeno a Ré a ressarcir o Autor as despesas processuais e a pagar honorários de advogado em 20% sobre o valor das diferenças que vierem a ser apuradas.

Sentença sujeita a reexame.

P. R. I.

Aracaju, 10 de agosto de 2000.

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal da 1ª Vara