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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Proc. JF/SS. Nº 98.0005767-6 - Classe V - 3ª Vara.

Ação : "DECLARATÓRIA".

Partes: ... Rosa Maria Guimarães Sátiro.

... Caixa Econômica Federal - CEF.

(Arquivo: Dcivil64.doc

 

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO SÉRIE GRADIENTE. REAJUSTE PES/CP. COMPROMETIMENTO DA RENDA INICIAL. PARCELAS INTEGRANTES. RESÍDUO. TR. INAPLICABILIDADE. No sistema de amortização série gradiente há uma redução percentual na primeira prestação, que deve ser recuperada financeiramente. O valor resultante da prestação nunca pode ultrapassar o comprometimento percentual inicial, sem a redução, e nem extrapolar o redutor, observada sempre a relação entre este resultado e a remuneração do mutuário, à força do Plano de Reajuste PES/CP. As parcelas remuneratórias incluídas para a obtenção do financiamento, devem ser consideradas para efeito de atualização do valor da prestação. Se a renda inicial incluía remuneração de duas fontes, ambas devem ser atraídas para a apuração da proporção de comprometimento, para manter a paridade com a situação quando da prestação inicial. O reajustamento do saldo devedor, assim como ocorre com as prestações, deve obedecer ao Plano de Equivalência Salarial. As prestações pagas devem ser abatidas do saldo devedor antes da correção deste.

S E N T E N Ç A.

I - RELATÓRIO.

1.1 - Suma do(s) Pedido(s).

A autora celebrou com a Suplicada um instrumento contratual particular de compra e venda, mútuo com obrigações e quitação parcial.

Então, estabeleceu-se o preço do imóvel, objeto do contrato, o valor da poupança, bem como o valor do financiamento. A este fixou-se um prazo de reembolso, e prorrogação, bem como o valor da prestação inicial.

Ocorre que a Suplicada arvorou-se no direito de majorar unilateralmente o valor do encargo mensal, fazendo que com a autora assuma um valor superior ao comprometimento inicial da renda, desequilibrando a seu favor aquele percentual.

Por outro lado, o saldo devedor está sendo corrigido pela TR, contrariando decisão do STF, desta forma a cláusula que determina tal correção deve ser excluída do contrato, pois além de ilegal, inviabiliza que se possa quitar o débito.

A Suplicada afasta-se do princípio da comutatividade, levando ao sacrifício inaceitável uma das partes celebrantes do contrato.

Pede que as prestações sejam calculadas de forma a manter o comprometimento inicial da renda, assim como seja revista a cláusula leonina, retirando-a, posto que o saldo devedor resulta da forma ilegal de corrigí-lo, uma vez que a demandada primeiro corrige o saldo devedor para depois abater o valor das prestações pagas, quando deveria ser o contrário, cominando-se à requerida custas e honorários.

Há, ainda, um pedido para que o índice da TR seja afastado como fator de reajuste das prestações do mútuo.

1.2 - Suma da(s) Resposta(s).

A peça contestatória traz a invocação de preliminares de:

a) impropriedade da ação, e conseqüente carência da ação declaratória;

b) inépcia da inicial, porque a Autora não dá a conhecer com clareza a causa de pedir, e porque os fatos narrados não levam à conclusão pretendida.

No mérito, lembra que o contrato celebrado fez opção pelo sistema de Amortização série Gradiente, em que há uma redução inicial no preço da prestação e, posteriormente, há uma recuperação gradativa, à razão de uma progressão mensal.

Dentro do mecanismo acima especificado, houve uma redução no valor da prestação inicial, e as demais haveriam de sofrer um acréscimo recuperatório, conforme cláusula contratual.

Acrescenta que o comprometimento da renda está mantido, da forma como pactuado, como se observa do(s) comprovante(s) de rendimento(s) anexado(s) à inicial.

Ademais, a Autora não ofereceu seus comprovantes de rendimentos desde a contratação do mútuo, nem declinou sobre a eventual perda de fonte de renda.

De fato, parece que a autora investe na usual demora do processo para morar de graça, pois, simplesmente, parou de pagar as prestações.

Quanto à tentativa de expurgar o saldo residual, não pode ser aceito, uma vez que o contrato só se altera, ou por força de lei, ou por acordo, ou por fato superveniente que altere o equilíbrio inicial. Sem ocorrer qualquer das hipóteses, persistem as cláusulas contratuais.

Defende a legalidade da utilização da TR como índice de reajustamento do saldo devedor, afirmando que entender de forma diferente é negar vigência a expressas disposições de leis federais, que enumera, prequestionando-as e sobre elas requerendo manifestação sentencial,

Pede o acolhimento das preliminares, e, se ultrapassadas, a improcedência do pedido, cominando-se à parte ativa, em qualquer caso, as verbas da sucumbência.

1.3 - Registro das Principais Ocorrências.

Com a vestibular vieram documentos.

Custas iniciais honradas.

Determinada a citação.

A peça contestatória se fez acompanhar de documentos.

Houve réplica.

Instadas, as partes não indicaram provas a serem realizadas em audiência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

2.1 - Questões de Fato.

VIDETUR QUOD, inexiste questão fática controvertida a dirimir. Há uma altercação a respeito do comprometimento percentual da renda, mas o assunto está de tal sorte imbricado com o mérito, que em conjunto com este será examinado.

2.2 - Questões de Direito.

2.2.1 - Preliminares.

Examinemos as preliminares:

Quanto à carência por impropriedade da via eleita, ao ter denominado a parte ativa de ação declaratória, não me parece ensejador da coima que pretende o argüente. O NOMEM JURIS atribuído à medida judicial, ainda que com impropriedade, é aspecto acidental que não pode fulminar de morte a ação. Neste tópico, lembro o apotegma DA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS, onde pode o Poder Judiciário decidir, independentemente da nomenclatura dada à ação, e, até mesmo a outro fundamento. JURA NOVIT CURIA.

Por outro lado não vislumbro a inépcia, uma vez que a parte ativa descreveu os acontecimentos, assim como dos mesmos fez resultar um pedido conseqüente e exposto de forma hialina, quanto ao debate sobre o valor das prestações. Neste tópico, o exame da integralidade dos fatos, há de decorrer das exposições oriundas do contraditório. Tanto que à Suplicada propiciou-se elementos para produzir defesa, a contento.

Antoja-me, pois, que devem ser expurgadas as preliminares.

2.2.2 - Mérito.

O pedido se prende a vertentes pontuais cuja resenha se desdobra em:

    1. manutenção das prestações nos valores percentuais decorrentes do comprometimento inicial da renda;
    2. revisão do contrato, com fito a retirar do mesmo a cláusula que trata do resíduo;
    3. imprestabilidade da TR como fator de reajuste das prestações do mútuo.

 

AD PRIMUM SIC PROCEDITUR.

Detecta-se que, quando da celebração contratual:

    1. o contrato foi celebrado em 01.02.95;
    2. a prestação inicial montava a R$ 353,57;
    3. a composição da renda, para efeito de comprometimento considerou total da remuneração percebida e declarada, abrangendo duas fontes;
    4. o somatório dos rendimentos apresentados, referente ao mês anterior ao da celebração contratual: R$ 1.119,71.

Decorre de simples levantamento matemático que, na primeira prestação, comprometeu 31,58% das parcelas consideradas de suas rendas para efeito de aquisição do financiamento.

Há ponto a ponderar. Vemos que, para a obtenção do crédito, a autora demonstrou auferia rendimentos de duas fontes, e agora, para pedir a reavaliação de sua prestação apresentou apenas uma, o que torna espúrio o cálculo do comprometimento da renda, na proporção levantada com a prestação inicial. Observa-se, ainda, que houve incorporação de prestações atrasadas ao saldo devedor, gerando acréscimo no valor da prestação.

Além do princípio de que as alegações da vestibular e contestação fecham os lindes da demanda, salvo expressos permissivos legais, nenhum elemento trouxe a parte ativa que comprovasse um extrapolamento, quer do comprometimento inicial do percentual da renda, quer de que estivesse sendo considerada uma vertente remuneratória diferente ou suplementar.

Alega a demandada que o sistema de amortização seguiria o sistema Série em Gradiente, do qual resulta uma redução percentual no valor da prestação inicial, mas com recuperações financeiras através de acréscimos mensais cumulativos.

Pelos termos contratuais, a redução foi de 50%, na prestação inicial.

Com a amortização Série em Gradiente, deve haver uma recuperação financeira mensal. Esta recuperação está prevista com uma "Razão de Progressão", também, prevista, no pacto.

O que se pergunta é se é possível, neste sistema de amortização, haver um aumento de prestação superior à proporção de comprometimento inicial em relação à renda.

Como o plano de reajuste é o PES/CP, adoto a postura de que não é possível, mesmo na amortização pela Série em Gradiente.

O que se deve então verificar é que a prestação nunca ultrapasse o comprometimento percentual inicial, sem a redução deste sistema de amortização, e observada a "razão de progressão" que não pode ser extrapolada, assim como a aplicação da "razão de progressão" nunca poderia ultrapassar o percentual de redução a ser recuperado.

Diante destes critérios, é possível alcançar, através de regra de três simples, se o percentual da prestação inicial condiz com a "razão de progressão".

Eis o teor da cláusula sobre a espécie:

A recuperação financeira... será obtida através de acréscimo mensal e cumulativo, calculado matematicamente segundo "serie em gradiente", representado pela Razão de Progressão inicial ..."

Pois bem, tanto faz a utilização da fórmula matemática de progressão aritmética, quanto a de juros compostos (pois há "acréscimo mensal e cumulativo"), observa-se que o resultado não alcança o percentual de redução inicial, e nem que haja uma recuperação financeira superior a esta, no valor da prestação cobrada.

Donde se conclui, que ainda há recuperação financeira a ser feita, e que esta pode ser implementada, desde que não avance sobre o comprometimento inicial, sem a redução inicial do sistema gradiente. Este seria o limite máximo da mencionada recuperação.

De fato, há uma fina sintonia a ser detectada, pois, a parte ativa não considerou que sua prestação inicial fora inicialmente reduzida, e que haveria de se processar uma recuperação, dentro dos lindes pactuados.

 

AD SECUNDUM, SIC PROCEDITUR.

Em tese, é possível uma revisão contratual:

Acentua-se, contudo, modernamente, um movimento de revisão do contrato pelo juiz; conforme as circunstâncias, pode este, fundando-se em superiores princípios de direito, boa-fé, comum intenção das partes, amparo do fraco contra o forte, interesse coletivo, afastar aquela regra, até agora tradicional e imperativa.

Eis a teoria da imprevisão, oriunda da obra dos canonistas e glosadores medievais, na fórmula:

 

CONTRACTUS QUI HABENT TRACTUM SUCESSIVUM ET DEPENDENTIAM DE FUTURO REBUS SIC STANTIBUS INTELLIGUNTUR.

A cláusula ficou resumida em: REBUS SIC STANTIBUS.

Entende-se que o vínculo obrigacional fica vinculado a que se mantenha idêntica a situação fática, àquela vigente à época em que fora estipulada.

Diante do que, remetendo-nos aos princípios fundamentais que se espraiam a pairar sobre todo o arcabouço contratual:

 

a) autonomia de vontades;

b) supremacia da ordem pública;

    1. obrigatoriedade das convenções - PACTA SUNT SERVANDA;
    2. relatividade das convenções - efeitos operam entre as partes.

Salvo a escusa de caso fortuito ou força maior, ou ainda, de pacto CONTRA LEGEM, persistem, como princípio, a imutabilidade e a intangibilidade da avença.

Sem falar, é claro, na teoria da imprevisão ou superveniência, que seria uma "cláusula revisionista", ínsita e presumida e tácita, em todos os contratos.

É um tema de amplos e inconciliáveis antagonismos, havendo autores como ARNOLDO DE MEDEIROS a afirmar que seria um estudo fadado a constituir assunto de erudição histórica, não fora a ocorrência de esporádicas decisões judiciais.

De fato, é um tópico em que não se pode invocar a COMMUNIS OPINIO DOCTORUM. No entretanto, parece que há uma maioria:

A nosso ver, a razão está com a maioria, quando sustenta que em nosso direito não teve acolhida, como regra, a noção da imprevisão.

Sem embargo, parece que estamos diante de disposição normativa:

A impossibilidade da prestação não invalida o contrato, sendo relativa ou cessando antes de realizada a condição.

Retorne-se à citação de CARVALHO SANTOS, onde o mesmo afirma a rejeição da cláusula revisionista, "em regra". Haveria, portanto, alguma possibilidade de exceção. Tanto que já fiz referência às decisões judiciais, admitindo a teoria da imprevisão. Como, ainda, o próprio Código Civil traz, cá e lá, admissão da superveniência, como nos arts. 1.059 e 1.250. Exsurge, pois, como prova maior de que, em regra, nosso Código Civil não a tolera.

 

CONTRACTUS EX CONVENTIONE LEGEM ACCIPERE DIGNOSCUNTUR.

Estamos diante da refrega entre os vexilários das posturas antagônicas, com os argumentos de parte a parte. Tenho me posicionado por admitir a possibilidade de incidência da revisão contratual, verificados requisitos que demonstrem um desequilíbrio imprevisível entre os objetos das prestações assumidas. Com remissão à riqueza do dispositivo legal:

Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Destarte, cada caso deve ter sua análise cuidadosa e peculiar.

Eis como veio o pedido sobre este tópico:

Seja determinada a REVISÃO DO CONTRATO, para retirar do mesmo a CLÁUSULA LEONINA,...

O pedido é de quase impossível compreensão. Pretende a autora a retirada pura e simples da cláusula? Quer que fique estacionado e sem reajuste o saldo devedor? Quer que os mecanismos de reajustes do resíduo sejam modificados? Neste caso, por qual outro? Com uma apreensão severa e ortodoxa, talvez estivéssemos diante de uma ineptidão. Tanto mais, à luz da interpretação restritiva dos pedidos, como lá pretende o art. 293, do CPC.

Todavia, com a invectiva contra a incidência da TR sobre o saldo devedor, parece que é a retirada deste indexador que pretende a parte ativa, para efeito de atualização. A réplica menciona decisão do excelso pretório sobre a TR.

 

HIC ET NUNC, há de se verificar que o reajuste do saldo devedor é feito pelos mesmos índices de atualização empregados para as cadernetas de poupança, donde se infere que se estas são atualizadas pela TR, também o é aquele.

O saldo devedor deste financiamento será atualizado mensalmente, no dia correspondente ao da assinatura deste contrato, com base no coeficiente de atualização aplicável. ... II – aos depósitos em caderneta de poupança com data de aniversário no dia que corresponder ao da assinatura deste contrato, nos demais casos.

Ao lado disso, eis a dicção normativa:

Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:

– como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD,...

Em que pese anterior e diferente postura, e ao refletir sobre o assunto, adoto o recente entendimento jurisprudencial que inadmite a utilização da TR como indexador dos contratos vinculados ao plano de equivalência salarial, regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, mesmo para aqueles pactos firmados após a edição da norma instituidora da TR.

Nos contratos vinculados ao PES, o reajustamento das prestações deve obedecer à variação salarial dos mutuários, a fim de preservar a equação econômico-financeira do pactuado.

Declarada pelo STF a inconstitucionalidade da TR como fator de correção monetária (ADIN 493-0), o reajustamento do saldo devedor, a exemplo das prestações mensais, também deve obedecer ao Plano de Equivalência Salarial.

E mais:

O Plano de Equivalência Salarial, adotado e incluído nos contratos, tem de ser respeitado e cumprido sem alterações posteriores. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo de acordo com o entendimento de que o reajuste das prestações da casa própria deve ser feito de acordo com o Plano de Equivalência Salarial. Não prevalece a cláusula contratual que estabelece a atualização do saldo devedor pelo coeficiente de remuneração básica aplicável às contas vinculadas do FGTS. A exemplo das prestações mensais, também o saldo devedor há de ser reajustado pelo Plano de Equivalência Salarial. Recurso improvido.

No mesmo sentido, em relação aos contratos firmados após a edição da norma instituidora da TR:

Nos contratos de financiamento da casa própria, estipulados com base no Sistema Financeiro da Habitação o índice de correção monetária teve como limite aquele aplicado no reajuste sofrido pelo salário do aderente financiado.

Percebe-se na nova postura, uma sensibilização à invocação constitucional sobre o direito de moradia. Por sinal, com matriz de direito humano inalienável:

Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, seu bem-estar e o de sua família, especialmente para alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e serviços sociais necessários;

Em um quadro social como o nosso, o benefício dos recursos públicos deve se dirigir aos milhões de brasileiros excluídos e escorraçados de um patamar mínimo de dignidade, mantidos que são como degredados em sua própria pátria. Só Deus sabe como conseguem sobreviver.

O Ministro José Delgado, ao fundamentar voto proferido em assunto semelhante, após enumerar os princípios e regras, nos quais se firmam a existência, validade, eficácia e efetividade dos contratos regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, assim se manifestou, com bastante propriedade:

Além desses princípios e regras, que os tenho como gerais, devem os discutidos ajustes se submeterem, ainda, aos ditames específicos que passo a alinhar:

    o de que o princípio da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas ajustadas devem imperar na formação do referido negócio jurídico;

    o de que as regras impostas pelo Sistema Financeiro de Habitação para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação, sem afetar a sua dignidade, saúde e segurança jurídica;

    o de que a Política Nacional de Habitação se desenvolve por meio de atividades vinculadas à lei, com o objetivo de proteger os interesses econômicos e financeiros dos mutuários, proporcionado-lhes melhoria em sua qualidade de vida, bem como impondo uma harmonia na relação negocial desenvolvida com base nos princípios gerais e específicos que lhe cercam;

    o de que a vulnerabilidade do mutuário na transação imobiliária, não só decorrente da sua fragilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria, há de ser considerada na execução da Política Habitacional, não só pelo legislador a elaborar a norma, mas, também, pelo Executivo ao regulamentá-la e fiscalizar o seu cumprimento e ao Judiciário quando for chamado a aplicá-la;

    o de que a proteção efetiva do mutuário, como parte economicamente mais fraca, se constitui em uma obrigação do Estado, inserindo-se nessa função a atuação do Poder Judiciário;

    o de que não devem prevalecer nos contratos firmados sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação as cláusulas que se apresentem incompatíveis com a boa-fé, esta conceituada como sendo a ação produzida com pureza de intenção, sem qualquer manifestação dolosa, com obediência aos padrões normais de conduta legal e sem vontade de produzir qualquer dano a alguém;

    o de que são nulas, também, as cláusulas contratuais que se apresentem incompatíveis com a eqüidade, entendendo-se esta como sendo a lei aplicada de modo que produza a integridade dos efeitos nela contidos e que reflitam uma justiça seguida com base na igualdade, mesmo que seja necessário contrariar a expressão gramatical da lei;

    o de que é de significativa importância a aplicação do princípio da eqüidade nas relações contratuais do Sistema Financeiro de Habitação, por permitir que o julgador, ao apreciar cada caso concreto, não observe o critério da legalidade estrita, pelo que lhe é permitido adotar solução que, a seu juízo e em decorrência das circunstâncias, lhe pareça mais conveniente e oportuna para fazer justiça;

    o de que as normas do Sistema Financeiro de Habitação possuem uma forte carga de ordem pública e se apresentam, em regra, cogentes, imperativas e de aplicação imediata, quando favorecem os mutuários;

    o de que, na interpretação do contrato, deve ser imposta uma postura que imponha modificação cogente, obrigatória, de qualquer cláusula contratual que estabeleça prestações desproporcionais, fazendo prevalecer o princípio da proporcionalidade das obrigações no negócio firmado.

Destarte, neste ponto prospera o pleito da demandante.

Outra vertente pedida diz respeito à forma de amortização do saldo devedor, onde primeiro há atualização monetária, para posteriormente abater-se o valor da prestação paga.

Vejamos o que determina a norma:

ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluam amortizações e juros;

 

IN CLARIS CESSAT INTERPRETATIO. Infere-se da norma que atualização monetária do saldo devedor só pode ser efetivada após abatimento do valor da(s) prestação(ões) paga(s).

A peça contestatória traz um pedido de um pronunciamento no bojo sentencial a respeito de presquestionamento, através de normas que menciona.

Observe-se que esta exigência não é mero apego à forma, mas uma sedimentação para o perfeito enquadramento ao recurso pretendido.

Portanto, ao deferir ou indeferir a lide, o juiz não está adstrito aos fundamentos jurídicos das partes, mas, também, a pronunciar-se por outra vertente. É a incidência do apotegma DA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS.

2.3 - Sucumbência.

2.3.1 - Honorários Advocatícios.

Por força de dispositivo dos arts. 20ss, do Estatuto Civil de Ritos, a parte contra quem o resultado do conteúdo sentencial for desfavorável deve arcar com o encargo da verba honorária. Até mesmo, se vem plasmando o entendimento que tal cominação prescinde de qualquer menção no pedido inicial. Opera-se OPE LEGIS.

A alíquota arbitrada deve incidir, em princípio, e salvo disposição diferente, expressamente manifestada na sentença, sobre o valor total da condenação, por força do art. 20, § 3º, do CPC.

2.3.2 - Despesas Processuais.

No que concerne ao aspecto das custas, incide o princípio geral de que a parte sucumbente arca com o ônus.

Entretanto, temos na lembrança a isenção prevista no art. 4º, e incisos, da Lei 9.289/96, mas que onera as pessoas lá mencionadas, quanto ao reembolso do que foi adiantado pelo vencedor. É a previsão do parágrafo único, do art. 4º, do mesmo diploma legal.

III - DISPOSIÇÃO.

Como Órgão do Judiciário, Poder da União emanado e a serviço do povo:

Acolhido o Pedido, em parte.

 

Expurgo as preliminares.

Extingo o processo com julgamento do mérito e acolho, em parte, o pedido da demandante para:

    1. que o reajustamento do saldo devedor do mútuo, assim como ocorre com as prestações, obedeça ao Plano de Equivalência Salarial, nos termos da fundamentação;
    2. que a correção do saldo devedor, a ser efetuada nos moldes explicitados no item anterior, somente ocorra após o abatimento do valor da(s) prestação(ões) paga(s).

Honorários pela demandada em 5% sobre o valor da causa, com atualização a partir do ajuizamento. Atenuada a alíquota em virtude da sucumbência parcial.

Custas pelas partes, em face da sucumbência parcial, sendo as da demandante na parte já adiantada.

Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.

Aracaju, 04 de dezembro de 2000.

Carlos Rebêlo Júnior
Juiz Federal-3ª Vara