PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
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PROCESSO Nº 2003.85.005847-0
CLASSE 05005 –EMBARGOS À EXECUÇÃO
EMBARGANTE: UNIÃO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
EMBARGADOS: VITÓRIA JORGE DOGHAIM TAIRA E OUTRO
SENTENÇA
EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. I – Tendo sido fixados juros moratórios em acórdão revestido pelo manto da res judicata, devidos a partir do trânsito em julgado do “decisum”, torna-se incabível a aplicação da Taxa SELIC, nos termos preconizados pela Lei nº. 9.250/95, porquanto este indexador é composto por taxa de juros reais e pela inflação do respectivo período, sendo inacumulável, a partir de sua incidência, com qualquer outro índice de atualização. II – A adotar-se entendimento contrário, restaria vulnerada a segurança das situações jurídicas, erigida em dogma constitucional pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88). III – Em juízo de proporcionalidade, razoabilidade e bom senso, há de se aplicar a UFIR e o IPCA-E para atualização do crédito exeqüendo, conforme regra definida pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, nos casos de liquidação de sentença nas ações condenatórias em geral. IV – Embargos parcialmente acolhidos.
1. RELATÓRIO:
Tratam-se de Embargos à Execução, propostos pela União Federal - Fazenda Nacional em desfavor de Vitória Jorge Doghaim Taira e da Caixa Econômica Federal.
A Embargante aduz que há excesso de execução, em face da utilização da Taxa SELIC nos cálculos da Contadoria, o que afrontaria a coisa julgada, eis que o acórdão lavrado pelo TRF da 5ª Região, ao determinar a incidência de juros moratórios, à alíquota de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado, tornou incabível a aplicação do aludido indexador, em razão deste último ser composto por taxa de juros reais e pela inflação do respectivo período.
Intimados, os Embargados oferecem impugnação aos Embargos do Devedor, refutando, em síntese, as alegações formuladas pela Fazenda Nacional (f. 11-12 e 13-14).
É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
A irresignação da Fazenda Nacional está fundada na aplicação, pelo Contador Judicial, da Taxa SELIC para fins de atualização do crédito exeqüendo, o que, ao seu entender, caracterizou-se como ofensa à res judicata.
Com o advento da Lei nº. 9.250/95, consagrou-se o entendimento de que, na repetição de indébito, seja a título de restituição ou de compensação tributária, os juros de mora, a partir de 1996, passaram a ser devidos pela Taxa SELIC, a partir da data do pagamento indevido. Inaplicáveis, na hipótese, os arts. 161 e 167, parágrafo único, do CTN e a Súmula 188 do STJ, porquanto, ao declarar-se a inconstitucionalidade de determinada exação, retira-se do indébito a natureza tributária que lhe era inerente.
Esse entendimento, inclusive, já restou pacificado na Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, cabendo transcrever os seguintes julgados:
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. DÉBITO FISCAL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. LEI Nº 9.065/95. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Embargos de divergência opostos em face de acórdão segundo o qual “a Taxa SELIC para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional e ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade correspectiva (cf. Incidente de Inconstitucionalidade no Resp nº 215.881/PR), permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer seja essa indigitada Taxa proscrita do sistema e substituída pelos juros previstos no Código Tributário (artigo 167, § 1º, do CTN)”. 2. O art. 13, da Lei nº 9.065/95 dispõe que “a partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea 'c' do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei n º 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea 'a' 2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC – para títulos federais, acumulada mensalmente”. 3. Havendo legislação específica determinando a cobrança dos juros de acordo com a referida Taxa e não havendo limite para os mesmos, devem eles ser aplicados ao débito exeqüendo e calculados, após tal data, de acordo com a referida lei, que inclui, para a sua aferição, a correção monetária do período em que ela foi apurada. 4. A aplicação dos juros, “in casu”, afasta a cumulação de qualquer índice de correção monetária a partir de sua incidência. Este fator de atualização de moeda já se encontra considerado nos cálculos fixadores da referida taxa. Sem base legal a pretensão do Fisco de só ser seguido tal sistema de aplicação dos juros quando o contribuinte requerer administrativamente a compensação. Impossível ao intérprete acrescer ao texto legal condição nela inexistente. Precedentes desta Corte Superior. 5. Embargos de divergência acolhidos”. (STJ. EREsp 419670/PR. Rel. Min. José Delgado. DJ 08.03.2004, p. 165)
“TRIBUTÁRIO - FINSOCIAL - COMPENSAÇÃO - TAXA SELIC – INCIDÊNCIA (ERESP. 162.914/PR) - ART. 39, § 4º, DA LEI Nº 9.250/95 - INCONSTITUCIONALIDADE - NÃO-CABIMENTO - RESP 215.881/PR - PRECEDENTES STJ. - A Corte Especial do STJ, julgando incidente de inconstitucionalidade arguido no REsp. 215.881-PR, acolheu, por maioria, a preliminar de não-cabimento da instauração do incidente suscitado, em acórdão publicado "in" DJ de 19.06.2000. - A eg. Primeira Seção assentou o entendimento no sentido de que incidem na compensação/repetição de tributos indevidos, recolhidos em consequência de lançamento por homologação, os juros equivalentes à taxa Selic, previstos no art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95. - Recurso especial conhecido e provido”. (STJ. REsp 313145/SP. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. DJ 05.05.2004, p. 136)
“RECURSO ESPECIAL - COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS - PIS - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - CORREÇÃO MONETÁRIA - IPC, INPC E UFIR - JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS, A PARTIR DO RECOLHIMENTO INDEVIDO - RESSALVADA A APLICAÇÃO DA TAXA SELIC - AUSÊNCIA DE RECURSO DA FAZENDA NACIONAL. (...) Os índices a serem aplicados na repetição de indébito são: o IPC para o período de outubro a dezembro de 1989, e de março de 1990 a janeiro de 1991; o INPC a partir da promulgação da Lei n. 8.177/91
até dezembro de 1991 e a UFIR a partir de janeiro de 1992, em conformidade com a Lei n. 8.383/91 (cf. REsp 216.261/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, in DJ 18.02.02), ressalvada a aplicação da Taxa SELIC. É inaplicável aos pedidos de compensação/restituição de tributos declarados inconstitucionais também o § 1º do artigo 167 do Código Tributário Nacional e, da mesma forma, a Súmula n. 188 desta egrégia Corte, uma vez que o indébito em questão já não mais possui índole tributária. Impõe-se, portanto, a reforma do julgado para a fixação dos juros de mora e da correção monetária desde o recolhimento indevido até o
advento da Taxa SELIC, ante a ausência de recurso da Fazenda Nacional. Uma vez aplicada a indigitada Taxa, que faz as vezes de juros moratórios, remuneratórios e correção monetária, é inviável sua incidência cumulada com os juros de mora do Código Tributário Nacional ou mesmo com correção monetária. Recurso especial provido em parte”. (STJ. REsp 438858/SP. Rel(a). Min(a). Eliana Calmon. DJ 05.05.2004)
Na hipótese dos autos, contudo, resta incabível a aplicação das regras preconizadas pela Lei nº. 9.250/95, sob pena de violação à coisa julgada.
Com efeito, a sentença proferida nos autos principais (f. 184-187), que restou integralmente confirmada pelo TRF da 5ª Região (f. 213), assim consignou:
“Isto posto, julgo procedente a ação para considerar indevida a retenção na forma acima e condenar a Fazenda Nacional a devolver os valores indevidamente retidos na fonte atualizados e acrescido de juros. Condeno a Fazenda a ressarcir as custas e a pagar honorários de advogado de 10% sobre os valores a serem devolvidos, rateados, meio a meio, em favor da autora e da CEF”.
Tendo sido reconhecido à Vitória Jorge Doghaim Taira o direito à repetição de indébito de valores retidos, a título de imposto de renda, sobre as parcelas indenizatórias vinculadas às verbas de licença-prêmio e abono pecuniário, o TRF da 5a. Região, em sede de embargos de declaração, determinou que houvesse a incidência de juros moratórios, à alíquota de 1% (um por cento) ao mês, a partir do trânsito em julgado do “decisum” (f. 213 e 224, respectivamente).
Dessa forma, não há como se aplicar, no caso, a Taxa SELIC para atualização do montante devido pela Fazenda Nacional.
A Taxa SELIC, instituída pela Resolução nº. 1.124/86 do Conselho Monetário Nacional, pode ser definida, nos termos das Circulares nºs. 2.868/99 e 2.900/99 do BACEN, como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia para títulos federais, calculada sobre o valor nominal e pago no resgate do título.
Regulada pelo Banco Central e jungida ao seu Comitê de Política Monetária, a Taxa SELIC revela-se conducente à negociação de títulos públicos, adotando, para tanto, duas sistemáticas próprias. A primeira refere-se ao mercado primário, que se baseia na emissão dos títulos públicos pelo próprio Estado, sendo verdadeira medida de estratégia econômica, porquanto visa estabilizar as intempéries das operações financeiras. No que pertine à segunda forma de negociação dos títulos públicos, esta subsume-se à negociação entre as instituições financeiras dos títulos emitidos pelo Estado. É o que se denomina mercado secundário ou “open market”. Nessas operações, o título é adquirido pelo investidor para a sua revenda no dia seguinte. A quantia paga, a título de juros, constitui o juro primário da economia, que passa a ser tido como parâmetro para todas as demais taxas de juros, inclusive, para a fixação da taxa mensal de juros que é obtida pela acumulação, no período de um mês, da taxa diária do “overnight”.
Tecidas tais considerações sobre a criação e sistemática da taxa SELIC, torna-se imprescindível perscrutar acerca de sua natureza jurídica.
É inegável que a aludida taxa, além de financiar o déficit do Estado (mercado primário), remunera o capital (mercado secundário), característica esta que se amolda, com exatidão, aos primados basilares inerentes à taxa de juros.
O § 4o do art. 39 da Lei nº. 9.250/95 dispõe, “in verbis”:
“Art. 39. A compensação de que trata o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação constitucional, apurado em períodos subseqüentes.
(...)
§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.” (GRIFO NOSSO).
Desse modo, exsurge patente a natureza dúplice da Taxa SELIC, porquanto inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real, não podendo ser cumulada, a partir de sua incidência, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros de mora.
Nesse diapasão, é pacífica a jurisprudência pátria:
“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. TAXA SELIC. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM JUROS DE MORA. 1. A taxa SELIC possui natureza dúplice, que inclui tanto os juros reais quanto a inflação do período considerado, sendo inacumulável, portanto, com qualquer outro índice, seja de juros ou de atualização monetária. 2. Agravo regimental provido”. (STJ. AGREsp 552781/CE. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. DJ 19.12.2003, p. 366)
“TRIBUTÁRIO. GORJETA. PIS. COFINS. IRPJ. CSLL . PRESCRIÇÃO. TAXA SELIC. (...) 5. A SELIC é composta de taxa de juros e correção monetária, não podendo ser cumulada com qualquer outro índice de atualização. 6. Recurso especial improvido”. (STJ. REsp 399596/DF. Rel. Min. Castro Meira. DJ 05.05.2004, p. 148)
Assim sendo, em razão de o acórdão lavrado pelo TRF da 5ª Região haver previsto a aplicação de juros moratórios, tão-somente, a partir do trânsito em julgado do “decisum” (junho de 2000 – f. 226), a utilização da taxa SELIC a partir de 01.01.1996, conforme preceituado pelo aludido diploma legal, implicaria verdadeira antecipação de incidência dos juros de mora. De igual sorte, a sua aplicação a partir do trânsito em julgado do acórdão também estaria proscrita pelo ordenamento jurídico, em razão de sua inacumulatibilidade com qualquer outro índice de atualização.
Por outro lado, ainda que se alegasse não ser a Taxa SELIC composta de juros de mora, por se tratar de mero indexador, tem-se que tal argumento não merece prosperar. É que, repita-se, a aludida taxa desempenha, a um só tempo, o papel de juros moratórios, remuneratórios e correção monetária, sendo inviável a sua incidência conjunta com os juros de mora, porquanto ensejaria a capitalização mensal de juros, de modo a configurar a prática de anatocismo, nos termos do art. 4º da Lei de Usura e da Súmula 121 do STF.
Sobre tal matéria, cabe colacionar os seguintes julgados:
“RECURSO ESPECIAL - COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS - PIS - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - CORREÇÃO MONETÁRIA - IPC, INPC E UFIR - JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS, A PARTIR DO RECOLHIMENTO INDEVIDO - RESSALVADA A APLICAÇÃO DA TAXA SELIC - AUSÊNCIA DE RECURSO DA FAZENDA NACIONAL.(...) Impõe-se, portanto, a reforma do julgado para a fixação dos juros de mora e da correção monetária desde o recolhimento indevido até o advento da Taxa SELIC, ante a ausência de recurso da Fazenda Nacional. Uma vez aplicada a indigitada Taxa, que faz as vezes de juros moratórios, remuneratórios e correção monetária, é inviável sua incidência cumulada com os juros de mora do Código Tributário Nacional ou mesmo com correção monetária. Recurso especial provido em parte”. (GRIFO NOSSO). (STJ. REsp 438858/SP. Rel(a). Min(a). Eliana Calmon. DJ 05.05.2004, p. 154)
“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA PLENA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. JUROS DE MORA. TAXA SELIC (ART. 4º, DA LEI Nº 9.250/95). INCIDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. JUÍZO DE VALOR. NECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. (...) 6. Cabimento da taxa SELIC — que, além da correção monetária, abriga os juros de mora —, instituída pela Lei nº 9.250/95, tão-somente a partir de 1º.1.1996.7. Precedentes iterativos do Superior Tribunal de Justiça. 8. Recurso especial da HDB Componentes Automotivos S/A provido, recurso da ELETROBRÁS não provido e da Fazenda Nacional não conhecido”. (GRIFO NOSSO). (STJ. REsp 554476/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. DJ 10.05.2004, p. 246)
“(...) Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por leis especiais, a capitalização mensal dos juros mostra-se admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei nº 4.595/64 o art. 4º do Decreto nº 22.626/33. Dessa proibição não se acham excluídas as instituições financeiras...” (STJ. REsp 525557/RS. Rel. Min. Barros Monteiro. DJ 17.11.2003, p. 337)
“(...) Em relação à capitalização dos juros, persistem as vedações, contidas no artigo 4º do Decreto 22.626/33 e na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, pois, no presente caso, não existe legislação específica que autorize o anatocismo. Agravo improvido”. (STJ. AGREsp 432159/RS. Rel. Min. Castro Filho. DJ 16.06.2003, p. 335)
Ademais, não há de se cogitar acerca de eventual substituição de índices especificados em comando sentencial, revestido sob o manto da res judicata.
O eminente Jurista Cândido Rangel Dinamarco[1], discorrendo sobre o assunto, assim preleciona:
“A função da coisa julgada tout court é a de proporcionar segurança nas relações jurídicas. (...) A imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a todo sistema processual.(...) Esse status, que transcende a vida do processo e atinge a das pessoas, consiste na rigorosa intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que foi decidido (Liebman): a garantia constitucional da coisa julgada consiste na imunização geral dos efeitos da sentença. (...) Poderia o legislador vir a reger de modo diferente as relações jurídico-materiais entre os sujeitos que litigaram, fazendo cair no nada o que o juiz decidira; poderia o vencido desconsiderar o julgado, comportando-se de modo diferente ao que fora decidido, ou levantar novos fundamentos contra a decisão, tentando demolir a situação criada ou declarada em sentença; e poderiam os juízes, quando provocados, rever as decisões do próprio Poder Judiciário. Para que nada disso aconteça e assim os efeitos da sentença resistam a todos essas possíveis pressões, é que a Constituição Federal garante a auctoritas rei judicatae e o Código de Processo Civil lhe dá disciplina técnico-processual. (...) A coisa julgada material tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro a situação jurídico-material das partes, relativa ao objeto do julgamento e às razões que uma delas tivesse para sustentar ou pretender alguma outra situação. Pelo que significa na vida das pessoas em suas relações com os bens da vida ou com outras pessoas, a coisa julgada material tem por substrato ético-político o valor da segurança jurídica, que universalmente se proclama como indispensável à paz entre os homens ou grupos”.
Nesse sentido, é o posicionamento dos Tribunais pátrios:
“PROCESSUAL CIVIL. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. CORREÇÃO MONETÁRIA. SUBSTITUIÇÃO DE ÍNDICES INFLACIONÁRIOS JÁ ANALISADOS NA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DOS PRIMEIROS CÁLCULOS, TRANSITADA EM JULGADA. OFENSA À COISA JULGADA. PRECEDENTES. 1. Transitada em julgado a sentença homologatória dos cálculos, torna-se inviável, em precatório complementar, a alteração de índices inflacionários de período por ela enfocado, sob pena de violação à coisa julgada. Precedentes. 2. Embargos de Divergência conhecidos e recebidos”. (STJ. EAG 466263/MG. Rel. Min. Edson Vidigal. DJ 03.05.2004, p. 86)
“PROCESSUAL CIVIL - CORREÇÃO MONETÁRIA - ÍNDICES - SUBSTITUIÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE. Após o trânsito em julgado, não pode haver substituição do índice aplicado na sentença, pelo IPC ou por qualquer outro índice, porque isso importaria em violação à coisa julgada. (...) Agravo improvido”. (STJ. AGA 299864/SP. Rel. Min. Garcia Vieira. DJ 04.09.2000, p. 134)
A utilização da Taxa SELIC, nos termos preconizados pela Lei nº. 9.250/95, não implicaria em violação ao princípio constitucional da coisa julgada somente se o decisum, ao contrário do que ocorrera no presente feito, tivesse sido prolatado em data anterior à entrada em vigor da aludida norma de regência, como se infere, a contrario sensu, da ementa que ora se transcreve:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. TERMO INICIAL. LEI Nº 9.250/95. 1. Os valores devem sofrer a incidência de juros de mora até a aplicação da TAXA SELIC, ou seja, os juros de mora deverão ser aplicados no percentual de 1% (um por cento) ao mês, com incidência a partir do trânsito em julgado da decisão. Todavia, os juros pela taxa Selic devem incidir somente a partir de 1º/01/96. Decisão que ainda não transitou em julgado implica a incidência, apenas, da taxa SELIC. 2. A incidência da taxa SELIC na execução de título judicial não ofende a coisa julgada na hipótese de a sentença, que especifica outros índices, ter sido prolatada antes da vigência da Lei 9.250/95, que instituiu a referida taxa. Precedente da Primeira Turma do STJ. 3. Agravo regimental desprovido”. (GRIFO NOSSO) (STJ. ADREsp 513598/RS. Rel. Min. Luiz Fux. DJ 03.05.2004, p. 105)
Na hipótese dos autos, considerando-se incabível a aplicação da Taxa SELIC para correção do crédito exeqüendo, sob pena de violação à coisa julgada, mostra-se de todo pertinente optar por uma solução dotada de lógica, razoabilidade e bom senso, não deixando em verdadeiro “limbo jurídico” a situação litigiosa em exame.
Para tanto, entende-se perfeitamente razoável, em juízo de proporcionalidade, a adoção, na hipótese vertente, da regra definida pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 242/2001 do CJF, aplicada aos casos de liquidação de sentença nas ações condenatórias em geral.
Conforme dispõe o aludido Manual, o índice de correção a ser utilizado é a UFIR, a partir de janeiro de 1992, e o IPCA-E, a partir de janeiro de 2001, tendo em vista a extinção daquele indexador, por força do disposto na MP n. 1.973-67, art. 29, § 3o.
Logo, restando inviável a aplicação de regra específica preconizada para liquidação de sentença de indébito tributário (aplicação da taxa SELIC, a partir de 01.01.1996, sem a incidência de juros moratórios), há de se utilizar, indubitavelmente, a regra prevista para as hipóteses de ações condenatórias em geral, na forma acima exposta, a fim de se possibilitar a incidência dos juros moratórios fixados no acórdão de f. 224 dos autos principais.
3. DISPOSITIVO:
Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos, para determinar que os valores do crédito exeqüendo sejam corrigidos, no período de outubro de 1992 a dezembro de 2000, pela UFIR e, a partir de janeiro de 2001, pelo IPCA-E, devendo ser acrescidos de juros moratórios, à alíquota de 1% (um por cento) ao mês, a partir do trânsito em julgado do “decisum” (junho de 2000 – f. 226) até a data do efetivo pagamento.
Havendo as partes sucumbido reciprocamente, não há que se falar em condenação em honorários advocatícios (art. 21, CPC).
Deixo de determinar o reexame necessário, tendo em vista que o STJ, por sua corte especial, firmou entendimento no sentido de que a da regra do art. 475, II, do CPC só tem aplicação para as sentenças proferidas em embargos opostos em execução de dívida ativa (ERESP 241959/SP, Rel. Min. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. DJU: 18.08.2003, p. 149; RESP 504580/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO. DJU: 09.06.2003, p. 193).
P.R.I.
Aracaju, 14 de junho de 2004.
JÚLIO RODRIGUES COELHO NETO
Juiz Federal Substituto – 1a Vara/Se
[1] In Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pp. 296 e 302-304.