PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
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Processo nº 2002.85.00.000974-0 – Classe 01000 – 2ª Vara
Ação Ordinária
Partes: ... Jomery Pereira de Souza
... União
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS COM ATRASO. INCIDÊNCIA.
I – Os valores pagos a título de horas extras trabalhadas, e não remuneradas a seu devido tempo, constituem auferimento de renda, uma vez que se consubstanciam no próprio pagamento da remuneração, no caso, efetivado de forma tardia.
II – O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tendo como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica do produto do trabalho, incidirá sobre a totalidade dos rendimentos auferidos pelo contribuinte.
III – Pedido improcedente.
S E N T E N Ç A:
(Relatório)
Jomery Pereira de Souza ingressa com ação ordinária contra a União, alegando que é funcionário da empresa Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, na qual exerce as funções de técnico em química, em regime de turno ininterrupto de revezamento. Aduz que, por conta da aplicação do art. 7º, inciso XIV da Constituição Federal, a empresa obrigou-se a implementar a jornada de trabalho na forma como disciplinado na Carta Magna, reduzindo a mesma – que era anteriormente de 08 (oito) horas diárias – para 06 (seis) horas diárias. Diz que, em razão desse fato, teve reduzida sua remuneração, levando-o a ingressar com ação trabalhista, com a finalidade de ser indenizado por essas ‘horas extras’, resultando em acordo com a empresa, para pagamento em 25 (vinte e cinco) parcelas. Afirma que, muito embora a verba paga tenha natureza indenizatória, não estando sujeita, portanto, à incidência do Imposto de Renda – como se verá adiante – a PETROBRÁS efetuou indevidamente a retenção da exação em tela. Tece considerações acerca da natureza indenizatória da mencionada verba, invocando o Enunciado nº 291 do TST, bem como julgados em favor de sua tese. Requer a antecipação de tutela, e, ao final, a procedência do pedido para o fim de anular o débito fiscal indevido em razão de não incidência do tributo e determinar a repetição da quantia indevidamente depositada na esfera administrativa.
A tutela antecipada foi indeferida (fls. 94/95).
Comunicada a interposição de agravo de instrumento (fls. 100/111).
A demandada ofereceu contestação, alegando que a verba recebida pela parte autora não se encontra sob o amparo de norma isentiva, bem como a mesma representa um produto obtido da relação de emprego, possuindo natureza salarial. Invoca o disposto na Lei n. 7.713/88, bem como julgados dos tribunais pátrios em defesa de sua tese. Afirma que é inaplicável no caso o Enunciado n. 291 do TST, requerendo, por fim, a improcedência do pedido.
Réplica às fls. 178/185.
À fl. 188, consta decisão interlocutória, a qual indefere a produção de outras provas, além das que já se encontram acostadas aos autos.
Deferido pedido de efeito ativo no recurso de agravo, conforme cópia da decisão que se avista às fls. 207/209.
(Fundamentação)
1 – Do julgamento antecipado da lide:
As partes, intimadas, não se irresignaram quanto à decisão de fl. 188. Assim, o caso é de julgamento antecipado da lide, na forma do art. 330, inciso I do CPC.
2 – Do mérito:
O caso dos autos pertine à situação dos trabalhadores que laboravam na empresa Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, sob o regime de 08 (oito) horas diárias, em turnos ininterruptos. A Constituição Federal de 1988, no seu art. 7º, inciso XIV dispôs que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
Como afirmado pela própria parte autora, a situação existente teve de se adequar ao comando constitucional, importando na redução da jornada, no caso do requerente, para seis horas diárias. Confirma, ainda, o demandante que, por força dessa diminuição de jornada e conseqüente redução da remuneração, ingressou com ação para ver-se indenizado, obtendo êxito na Justiça Trabalhista, com o pagamento em 25 (vinte e cinco) parcelas.
Cabe inferir, então, se tal verba recebida configura acréscimo patrimonial para que haja a incidência de imposto de renda. Com efeito, o fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, conforme previsão contida no art. 153, III da Constituição Federal, é definido no art. 43 do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:
Art. 43. O imposto de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Sem embargo, há de se observar que os valores pagos ao requerente representam o valor de parte do seu salário pelas horas extraordinárias trabalhadas, mas apenas recebidas posteriormente. É o que se deduz dos termos do acordo encartado às fls. 16/18:
a) A PETROBRÁS procederá ao pagamento da diferença relativa a 60 horas extras mensais compensadas as 24 horas mensais já pagas (ou 47,36 horas mensais), retroativa a 05 de outubro de 1988, até a data da implantação do 5º grupo de turmas, em, veja relação anexa, aos ex-empregados, por ter no período retromencionado, trabalhado em Regime de Turno Ininterrupto de Revezamento de 08 ou 12 horas, ou ainda, em Regime de Sobreaviso e também recebido naquele período a vantagem denominada “Indenização de Horas Trabalhadas”. (fl. 16).
Vê-se, assim, que o pagamento realizado decorreu de horas trabalhadas em período superior ao exigido pela legislação. Desimportante é a denominação. Dizer-se que se trata de indenização não retira a sua característica eminentemente salarial, e, portanto, passível de tributação.
Importante ressaltar, ademais, que sequer tal ‘indenização’ consistiu em uma parcela a ser aderida, permanentemente, à remuneração do autor. A dita verba correspondeu ao pagamento das horas extras já trabalhadas, simplesmente. Tanto isso é verdade que o pagamento se deu em 25 (vinte e cinco) parcelas, conforme consta do item ‘b’ do acordo (fl. 17).
Incide, pois, o imposto de renda pessoa física. Não é outro o entendimento da jurisprudência pátria, consoante se depreende dos julgados abaixo:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. HORAS EXTRAS. NATUREZA SALARIAL. IRRELEVÂNCIA DA DENOMINAÇÃO ATRIBUÍDA À PARCELA PARA DEFINIR SUA NATUREZA JURÍDICA.
1. A denominação é irrelevante para definir a natureza jurídica de parcela integrante da remuneração;
2. Horas extras, mesmo que sob o nome de indenização de horas trabalhadas, tem natureza salarial e sofre a incidência de imposto de renda pessoa física;
3. Agravo de instrumento improvido.
(Origem: TRIBUNAL – QUINTA REGIÃO, Classe: AG - Agravo de Instrumento-39244, Processo: 200105000426009 UF: RN, Órgão Julgador: Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data da decisão: 04/06/2002, Documento: TRF500066078DJ - Data: 15/04/2003 - Página: 622).
IMPOSTO DE RENDA - HORAS EXTRAS - NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA
1. Verbas recebidas a título de horas extras trabalhadas não têm caráter indenizatório, mas salarial, sendo nítido fato gerador do imposto de renda.
2. O pagamento efetuado em virtude de acordo trabalhista, pago a todos os empregados sem aferição das horas-extras prestadas individualmente não têm o condão de alterar sua natureza, posto que se caracterizam como débito pago em atraso, assim estipulado em acordo entre as partes.
(Origem: TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO, Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 81882, Processo: 200271000028400 UF: RS, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Rel. JUIZA MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data da decisão: 28/11/2002, Documento: TRF400086343, DJU DATA: 18/12/2002, PÁGINA: 643, DJU DATA: 18/12/2002).
Ademais, mesmo se se tratasse de uma nova parcela remuneratória permanente (o que não é o caso dos autos, como já visto acima), em substituição às horas extras prestadas, incidiria o imposto de renda, conforme se vê do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. HORAS-EXTRAS RECEBIDAS HABITUALMENTE. REDUÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO VALOR DA REMUNERAÇÃO. CRIAÇÃO DE UMA NOVA PARCELA NOMINADA INDENIZATÓRIA. LEGALIDADE DA INCIDÊNCIA.
1. Se o trabalhador, que vinha recebendo remuneração pela realização de horas-extras habituais, tem a sua remuneração reduzida em razão da redução do horário de trabalho, a instituição pela empresa de uma nova parcela salarial para compensar aquela perda não tem natureza indenizatória, mas, sim, remuneratória.
2. Apelação improvida.
(Origem: TRF – PRIMEIRA REGIÃO, Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 32000000299, Processo: 200132000000299 UF: AM, Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Data da decisão: 14/05/2002, Documento: TRF100130767, DJ DATA: 07/06/2002, PÁGINA: 145).
Frise-se, por oportuno, que não houve in casu a supressão de horas extras. O que ocorreu foi que, em virtude da necessidade de adaptação à jornada ininterrupta de 6 (seis) horas diárias, a empresa teve de pagar as horas trabalhadas a maior, como sendo horas extras. Pode-se, até mesmo, dizer que fora feito o pagamento a destempo da verba, o que, de sua parte, não obsta a incidência do imposto de renda. Nesse sentido, é o seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. VALORES PAGOS SERODIAMENTE A TÍTULO DE HORA EXTRA. VERBA DE NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO. ARTIGO 43, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
1. As parcelas pagas serodiamente pelo empregador ao empregado, por decorrência de acordo coletivo, e a título de hora extra, não têm natureza indenizatória, mas sim, salarial. Configuração do fato gerador do imposto de renda, que incide sobre a renda decorrente do trabalho.
2. Nada obstante figurar no acordo "como indenização", a parcela paga referente às horas extras, tal iniciativa não se reveste do condão de transmutar o pagamento feito a destempo, em indenização, pois as convenções particulares não podem ser opostas à fazenda pública (artigo 123, do CTN).
3. Apelação e remessa oficial improvidas.
(Origem: TRIBUNAL – QUINTA REGIÃO, Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 62243, Processo: 9705429014 UF: PE, Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA, REL. JUIZ GERALDO APOLIANO, Data da decisão: 20/05/1999, Documento: TRF500034658, DJ DATA: 18/06/1999, PÁGINA: 811).
Assim, tal recebimento configura acréscimo ao patrimônio do requerente, da mesma forma que o recebimento da remuneração pelo trabalho desenvolvido na data adequada o seria. Não se trata de uma compensação pela privação de um direito, não sendo, assim, verba indenizatória.
3 – Dos honorários advocatícios:
Considerando a inexistência de condenação, aplicável a regra do § 4º do art. 20 do CPC, para a fixação da verba honorária. Sendo assim, cabe verificar os requisitos legais para tanto.
O local da prestação do serviço foi de fácil acesso. O trabalho do procurador da requerida consistiu na feitura da peça contestatória, não tendo havido, sequer, audiência no feito, sendo que a petição de fl. 189 inexigiu qualquer esforço adicional. Ademais, o trâmite do processo não foi demorado, havendo transcorrido pouco mais de um ano e meio do ajuizamento do pedido, até a prolação desta decisão.
Por outro lado, a defesa da demandada demonstrou zelo e dedicação ao processo, manifestando-se, dentro dos prazos legais e rebatendo, ponto a ponto, as alegações contidas na inicial. Ademais, embora não se possa dizer que se trata o caso de questão complexa, a argumentação trazida pela parte autora demanda uma análise mais acurada.
(Dispositivo)
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios, que arbitro em R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais), com assento nos fundamentos acima expostos (item 3 da fundamentação).
Comunique-se ao eminente Relator do Agravo de Instrumento nº 42.463/SE, enviando-lhe cópia do presente decisum.
P.R.I.
Aracaju, 23 de setembro de 2003.
Ronivon de Aragão
Juiz Federal Substituto