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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo n.º 2003.82.00.002303-0 – 4.ª Vara

Classe 05020 – Ação Sumária

Partes: Autor: JAIR LIMA DO NASCIMENTO

          Réu:   UNIÃO FEDERAL

 

Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA. EMPREGADO DA PETROBRÁS. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO CONSTITUCIONAL COM MANUTENÇÃO DAS HORAS EXCEDENTES TRABALHADAS. NATUREZA REMUNERATÓRIA DA VERBA AUFERIDA COMO PAGAMENTO DAS HORAS EXTRAS. SUBSUNÇÃO À NORMA DO ART. 43 DO CTN. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA MANTIDA. PEDIDO IMPROCEDENTE.

  

 

SENTENÇA

  

Vistos, etc.

 

Jair Lima do Nascimento, qualificado na exordial e por advogada regularmente constituída, promove contra a União Federal ação anulatória da inscrição em Dívida Ativa tombada sob o n.º 51.1.02.000079-80, cumulada com repetição dos valores indevidamente exigidos e pedido de tutela antecipada, a fim de ser suspensa a exigibilidade do aludido crédito e sustada a negativação do seu nome nos cadastros de inadimplentes.

 

Diz haver recebido da empregadora (Petrobrás) indenização trabalhista referente às horas extras prestadas com habitualidade e não pagas, referentes aos anos de 1995 e 1996, sobre as quais cobrou a ré o Imposto de Renda não declarado, inscrevendo em dívida o montante de R$9.146,44. Argumenta que referida verba, por força do Enunciado n.º 291 do TST, não pode ser considerada remuneração, e sim indenização, à semelhança do que ocorre com o abono de férias não gozadas, não se enquadrando, por conseguinte, na hipótese de incidência prevista no art. 43 do CTN.

 

A inicial veio acompanhada de procuração e documentos (fls. 20/40). Custas processuais iniciais pagas (fl. 41).

 

Decisão deferitória da antecipação da tutela às fls. 43/45, contra a qual interpôs a requerida recurso de agravo (fls. 58/86), recebido no duplo efeito (fls. 89/90).

 

Designada data para audiência preliminar (art. 277 do CPC), transcorreu esta conforme reproduzido no termo de fl. 96. Frustrada a tentativa conciliatória, apresentou a demandada resposta na modalidade de contestação escrita (fls. 97/185), sustentando a natureza salarial das horas extras em questão, porque efetivamente trabalhadas, não sendo albergada a sua isenção em qualquer norma legal. Sobre os documentos juntados com a resposta, falou a parte autora. Na oportunidade, anunciou-se o julgamento antecipado da lide.

 

Vêm-me os autos conclusos, no prazo consignado no art. 281 do CPC.

 

É O BREVE RELATO.

PASSO A FUNDAMENTAR E A DECIDIR.

 

De primeiro, cuido rechaçar o pleito de repetição de indébito, pois, atacando o autor a cobrança de parcelas do IRPF que lhe teriam sido restituídas a maior, segundo a União, não haveria mesmo como repetir o que sequer foi pago aos cofres públicos. A se concluir pela não incidência do imposto, nada haverá de ser devolvido, simplesmente desconstituindo-se o título executivo.

 

Com relação à matéria sub examinem, em análise mais aprofundada, tenho por bem rever posicionamento anteriormente adotado para concluir que, a despeito de insistir o contribuinte na aplicação do Enunciado n.º 291 do TST ao caso, confunde-se quanto à efetiva natureza da verba discutida. Senão vejamos.

 

O imposto sobre a renda tem sua hipótese de incidência agasalhada no art. 43 do Código Tributário Nacional, in verbis:

 

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica:

I – da renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

 

Se bem conste do próprio artigo a definição dos termos adotados, convém trazer a lume a lição de De Plácido e Silva, segundo a qual renda é “(...) o produto do trabalho remunerado ou do vencimento do cargo ou emprego. Aliás, o Direito Tributário, no capítulo em que regulamenta o imposto sobre a renda, aplica-o nesta significação: é o rendimento, é a receita (...) qualquer espécie de recebimento em dinheiro como retribuição ou compensação a serviços de qualquer natureza”; enquanto proventos, diz o mesmo autor, “são os lucros ou ganhos obtidos em um negócio”. (Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 700 e p. 658, respectivamente).

 

Assim, uma vez auferido o rendimento como retribuição ou compensação de serviço prestado, integra-se ao patrimônio do trabalhador como renda tributável. De outro lado, se aquele montante, por exemplo, destinar-se à compensação por uma perda sofrida na esfera jurídica do empregado, por certo não se revestirá de caráter salarial, retributivo, mas de cunho indenizatório, fugindo à incidência da referida exação.

 

Controvertem as partes sobre a subsunção da receita auferida como pagamento de horas extras ao citado dispositivo, sendo que o autor defende o não enquadramento, porquanto se trataria de “mero ato reparador do dano causado aos empregados, pelo exercício do trabalho/serviço além do limite estabelecido” (fl. 15).

 

As horas extras tradicionalmente constituem retribuição por trabalho prestado – em excedente à hora normal, é certo, o que não lhe desnatura, porém, o viés salarial. Ora, se tal verba destina-se a remunerar o trabalho efetivamente exercido, não há negar-se constituir salário, ainda que paga a destempo, sujeitando-se, portanto, à incidência do tributo, nos termos previstos no art. 45, § 3.º, do Decreto n.º 1.041/94.

 

O Enunciado n.º 291 do c. Tribunal Superior do Trabalho merece especial atenção do intérprete:

 

A supressão pelo empregador, do serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos um ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas suplementares efetivamente trabalhadas nos últimos 12 (doze) meses, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão.

 

O verbete suso transcrito sequer pode ser aplicado à hipótese, pois a querela não envolve a prestação de horas extras supressas, é dizer, de horas habituais posteriormente suprimidas pelo empregador. E, mesmo que se tratasse de tal supressão, com posterior incorporação pelo empregado, as horas extras habituais incorporadas constituiriam, ainda assim e com mais nitidez, salário. Pois, se incorporadas foram, desvestiram-se da condição de horas excedentes, passando a integrar em definitivo o patrimônio jurídico do trabalhador.

 

No caso presente, o pagamento da diferença de horas extras aos empregados da PETROBRÁS em turno ininterrupto de revezamento deu-se porque, submetidos ao regime da Lei n.º 5.811/72 – que previa a utilização de turnos de 8 ou 12 horas –, tiveram sua jornada máxima alterada pela Constituição de 1988 (art. 7.º, XIV), divisando a empregadora a necessidade de adequar-se aos parâmetros constitucionais, sem, contudo, poder reduzir a jornada dos turnos em curto espaço de tempo, por motivos diversos, entre os quais a dificuldade de contratação de mais mão-de-obra qualificada. Assim é que, desde a vigência da Carta da República até a criação da 5.ª Turma de trabalho, em julho de 1990, permaneceriam os empregados no regime de horas acima do limite constitucional, percebendo, em contrapartida, a chamada “indenização de horas trabalhadas”, consoante inscrito em acordo coletivo de trabalho em maio de 1990 (fl. 166):

 

Cláusula 4.ª – Indenização de Horas Trabalhadas

Por força da redução constitucional da jornada de trabalho, para os empregados em turno ininterrupto de revezamento, serão pagas as horas-extras devidas, observado o disposto na Cláusula 7.ª, entre 01.10.88 e até a implantação do regime pactuado neste Acordo, com remuneração de 100% com os adicionais de Trabalho Noturno, Tempo de Serviço, Periculosidade e Regional, os dois últimos onde e quando couber, e com o divisor (THM) de 180 horas até 31.08.89 e divisor (THM) de 168 horas a partir de 01.09.89 até a efetiva implantação.

 

Segue-se que o pagamento dessa verba, face à discordância de valores entre a empregadora e o sindicato profissional, somente veio a ocorrer em 1995, por força da assinatura de novo acordo, no qual se assentou (fls. 27/28):

 

“a) A PETROBRÁS procederá ao pagamento da diferença relativa a 60 horas extras mensais compensadas as 24 horas mensais já pagas (ou 47,36 horas mensais), retroativa a 05 de outubro de 1988, até a data da implantação do 5º grupo de turmas, em, veja relação anexa, aos ex-empregados, por ter no período retromencionado, trabalhado em Regime de Turno Ininterrupto de Revezamento de 08 ou 12 horas, ou ainda, em Regime de Sobreaviso e também recebido naquele período a vantagem denominada “Indenização de Horas Trabalhadas”. [Grifei]

 

 

Está-se diante de retribuição paga por horas efetivamente trabalhadas. A própria epígrafe da Cláusula 4.ª o denuncia, embora contenha impropriamente a expressão “Indenização”. Nesse ponto, vale lembrar ser defeso ao intérprete utilizar-se de engenhos hermenêuticos, em torno de institutos de direito privado, que levem à inexigibilidade de tributos, imperativo constante do art. 109 do CTN. Por isso, no campo tributário, não há como escapar da tributação aquilo que se auferiu como renda, ou seja, como disponibilidade econômica auferida como produto do trabalho, ainda que em jornada majorada, ressalvando-se as previsões isentivas em lei própria, cujos dispositivos demandam interpretação restrita (art. 111, CTN).

 

Correta a premissa do postulante, ao descrever que “no momento em que o empregado, por necessidade do empregador, vem a ser obrigado a prestar serviços de forma extraordinária, deve ser devidamente indenizado pela lesão sofrida, qual seja, a impossibilidade de usufruir do descanso que lhe é garantido, essencial para a manutenção do seu bem-estar” (fl. 9).

 

Equivocada, todavia, a sua conclusão, pois, se laborou horas extras, não é indenização que recebe, e sim salário, contraprestação qualificada pelo trabalho em sobrejornada (igualmente com base constitucional – art. 7.º, XVI), e tal fato não implica a idéia de prejuízo de qualquer natureza, mesmo porque restou assegurada a devida folga (fl. 166). Ocorreu, na espécie, a remuneração, pela PETROBRÁS, do labor em horas excedentes do limite traçado na Lei Maior, no período de 1988 a 1990, o que as faz enquadrar no conceito de renda inserto no art. 43, I, do CTN, sem que haja qualquer norma de isenção a respeito.

 

No mesmo sentido se manifestam as diversas Cortes Regionais Federais:

 

“TRIBUTÁRIO. VERBA RELATIVA A HORA EXTRA. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER INDENIZATÓRIO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. - A VERBA AUFERIDA SERODIAMENTE PELO EMPREGADO A TÍTULO DE HORA EXTRA NÃO TEM CARÁTER INDENIZATÓRIO, MAS SALARIAL. CONFIGURA RENDIMENTO PARA EFEITO DE TRIBUTAÇÃO. PRECEDENTE DA 3A TURMA DESTA CORTE. - AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.”

(TRF-5.ª Região, AG 37969/RN, Rel. Des. Fed. Castro Meira, 1.ª Turma, unânime, DJ 12/09/2002.)

 

“HORAS EXTRAS - PAGAMENTO POR DECISÃO DE ACORDO COLETIVO - INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA -PETROLEIROS. - O pagamento de horas extras não se caracteriza como verba remuneratória, mesmo que assim seja denominado em Acordo Coletivo. A peculiaridade de algumas profissões, como petroleiros, cujo número de horas ordinárias é reduzido, não tem o condão de modificar a natureza jurídica eminentemente salarial da sobrejornada.”

(TRF-4.ª Região, AMS 74525/RS, Rel. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria, 1.ª Turma, unânime, DJU 28/08/2002.)

 

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA SOBRE VERBA RECEBIDA A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO DEVIDA PELO NÃO PAGAMENTO DE HORAS-EXTRAS, ESTIPULADAS DE ACORDO COM A LEI 8906/94. 1. A hora extra, como verba decorrente de pagamentos atrasados de débito trabalhista, é prevista no art. 45, parágrafo 3º, do Decreto nº 1.041, de 11.01.94, como situação passível de incidência tributária. 2. Em matéria tributária não se pode dar interpretação larga. A interpretação é sempre restritiva (CTN, art. 111, II). 3. Apelação improvida.”

(TRF-1.ª Região, AMS 388051/DF, Rel. Juíza Selene Maria de Almeida, 4.ª Turma, unânime, DJ 30/04/1999.)

 

Devido é o imposto ora cobrado.

 

POSTO ISSO, extingo o processo com julgamento do mérito, para julgar improcedente o pedido, revogando expressamente a tutela antecipatória antes concedida, subsistindo a execução fiscal pelo valor apontado no título (fls. 3 e 4 do processo apenso).

 

Condeno a parte demandante a arcar com as custas processuais e com honorários advocatícios que arbitro em R$500,00 (quinhentos reais, atendendo às diretrizes do art. 20, § 4.º, do CPC.

 

Junte-se cópia desta sentença, bem assim da decisão de fls. 93/95, aos autos da execução fiscal n.º 2002.85.00.002866-7.

 

Ofiicie-se ao egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, enviando cópia deste decisório ao Exmo. Desembargador Federal Relator do Agravo de Instrumento noticiado nos autos.

 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

 

Aracaju/SE, 30 de maio de 2003.

 

 

Danielle Souza de Andrade e Silva

Juíza Federal Substituta da 4.ª Vara/SE