PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
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Processo n.º 2001.85.00.004644-6 – 4.ª Vara
Classe 01000 – Ação Ordinária
Partes: Autor: LUIZ CARLOS OLIVEIRA SANTOS E OUTROS
Réu: UNIÃO FEDERAL
Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA. EMPREGADOS DA PETROBRÁS. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO CONSTITUCIONAL COM MANUTENÇÃO DAS HORAS EXCEDENTES TRABALHADAS. NATUREZA REMUNERATÓRIA DA VERBA AUFERIDA COMO PAGAMENTO DAS HORAS EXTRAS. SUBSUNÇÃO À NORMA DO ART. 43 DO CTN. TAXA SELIC. CUMULAÇÃO INDEVIDA COM CORREÇÃO MONETÁRIA. BIS IN IDEM. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PLEITO.
SENTENÇA
Vistos, etc.
Luiz Carlos Oliveira Santos, Adilson Gama, Genivaldo Mendonça Santana, Paulo Mota Moreira, Jorge Vieira Gama, Augusto César Silva Melo, Valfredo Silva Pinto e Gilson Messias Santos, qualificados na exordial e por patrono regularmente constituído, intentam contra a União Federal ação de rito ordinário no fito de excluir o crédito tributário relativo à indenização de horas extras, no valor de R$58.860,43.
Dizem haver recebido da empregadora (Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás) indenização trabalhista referente ao trabalho considerado como extraordinário, referentes aos anos de 1995 e 1996, sobre as quais cobra a ré a incidência do Imposto de Renda. Argumentam que referida verba, por resultar de convenção entre sindicato e empresa, não pode ser considerada remuneração, e sim indenização pela redução de jornada de trabalho e conseqüente supressão em seus salários, não se confundindo com as chamadas horas extras habituais, estas oneráveis pela aludida exação. Repgnam, ademais, a cumulação da taxa SELIC com correção monetária, no cálculo da verba exigida pela Receita.
A inicial veio acompanhada de procurações, documentos e comprovante de recolhimento de custas (fls. 10/90). Mais documentos juntados às fls. 64/101.
Citada, a União ofertou resposta, na forma de contestação (fls. 106/122), suscitando, preliminarmente, a irregularidade da representação, por ser o advogado dos autores empregado da Petrobrás, empresa cujo maior acionista é a requerida. No mérito, verbera a natureza salarial das horas extras em questão, porque efetivamente trabalhadas, não sendo albergada a sua isenção em qualquer norma legal, tampouco se aplicando o Enunciado n.º 291 do TST. Juntou documentos de fls. 124/150.
A parte autora, apesar de provocada, silenciou sobre a resposta (fl. 152). A seguir, procedeu à regulamentação da sua representação (fls. 155 usque 160).
Vêm-me os autos conclusos.
É O BREVE RELATO.
PASSO A FUNDAMENTAR E A DECIDIR.
Por primeiro, cuido ser a matéria de mérito, na presente lide, eminentemente de direito, ao que decido proferir julgamento antecipado da lide, na diretiva do art. 330, I, do CPC.
Sobre a preliminar argüida, reputo prejudicada, haja vista a regularização da representação dos autores, procedida conforme instrumentos de fls. 157 e 160.
Em análise mais aprofundada da quaestio juris em exame, tenho por bem rever posicionamento anteriormente adotado para concluir que existe confusão dos contribuintes a respeito da efetiva natureza da verba discutida. Senão vejamos.
O imposto sobre a renda tem sua hipótese de incidência agasalhada no art. 43 do Código Tributário Nacional, in verbis:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica:
I – da renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Malgrado conste do próprio artigo a definição dos termos adotados, convém trazer a lume a lição de De Plácido e Silva, segundo a qual renda é “(...) o produto do trabalho remunerado ou do vencimento do cargo ou emprego. Aliás, o Direito Tributário, no capítulo em que regulamenta o imposto sobre a renda, aplica-o nesta significação: é o rendimento, é a receita (...) qualquer espécie de recebimento em dinheiro como retribuição ou compensação a serviços de qualquer natureza”; enquanto proventos, diz o mesmo autor, “são os lucros ou ganhos obtidos em um negócio”. (Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 700 e p. 658, respectivamente).
Assim, uma vez auferido o rendimento como retribuição ou compensação de serviço prestado, integra-se ao patrimônio do trabalhador como renda tributável. De outro lado, se aquele montante, por exemplo, destinar-se à compensação por uma perda sofrida na esfera jurídica do empregado, por certo não se revestirá de caráter salarial, retributivo, mas de cunho indenizatório, fugindo à incidência da referida exação.
Controvertem as partes sobre a subsunção da receita auferida como pagamento de horas extras ao citado dispositivo, sendo que os demandantes defendem o não enquadramento, tratando-se, a seu ver, de indenização “pelo fato de, com a redução de suas jornadas de trabalho, terem sido suprimidas, de seus salários mensais, a verba referente às horas extras que lhe [sic] eram pagas habitualmente” (fl. 5).
Com relação às horas extras, tradicionalmente constituem retribuição por trabalho prestado – em excedente à hora normal, é certo, o que não lhe desnatura, porém, o viés salarial. Ora, se tal verba destina-se a remunerar o trabalho efetivamente exercido, não há negar-se constituir salário, ainda que paga a destempo, sujeitando-se, portanto, à incidência do tributo, nos termos previstos no art. 45, § 3.º, do Decreto n.º 1.041/94.
O Enunciado n.º 291 do c. Tribunal Superior do Trabalho merece especial atenção do intérprete:
A supressão pelo empregador, do serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos um ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas suplementares efetivamente trabalhadas nos últimos 12 (doze) meses, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão.
O verbete suso transcrito sequer pode ser aplicado à hipótese, pois a querela não envolve a prestação de horas extras supressas, é dizer, horas habituais posteriormente suprimidas pelo empregador, mas de redução de jornada advinda da Constituição. E, mesmo que se tratasse de tal supressão, com posterior incorporação pelo empregado, as horas extras habituais incorporadas constituiriam, ainda assim e com mais nitidez, salário. Pois, se incorporadas foram, desvestiram-se da condição de horas excedentes, passando a integrar em definitivo o patrimônio jurídico do trabalhador.
No caso presente, o pagamento da diferença de horas extras aos empregados da PETROBRÁS em turno ininterrupto de revezamento deu-se porque, submetidos ao regime da Lei n.º 5.811/72 – que previa a utilização de turnos de 8 ou 12 horas –, tiveram sua jornada máxima alterada pela Constituição de 1988 (art. 7.º, XIV), divisando a empregadora a necessidade de adequar-se aos parâmetros constitucionais, sem, contudo, poder reduzir a jornada dos turnos em curto espaço de tempo, por motivos diversos, entre os quais a dificuldade de contratação de mais mão-de-obra qualificada. Assim é que, desde a vigência da Carta da República até a criação da 5.ª Turma de trabalho, em julho de 1990, permaneceriam os empregados no regime de horas acima do limite constitucional, percebendo, em contrapartida, a chamada “indenização de horas trabalhadas”, consoante inscrito em acordo coletivo de trabalho em maio de 1990 (fl. 125):
Cláusula 4.ª – Indenização de Horas Trabalhadas
Por força da redução constitucional da jornada de trabalho, para os empregados em turno ininterrupto de revezamento, serão pagas as horas-extras devidas, observado o disposto na Cláusula 7.ª, entre 01.10.88 e até a implantação do regime pactuado neste Acordo, com remuneração de 100% com os adicionais de Trabalho Noturno, Tempo de Serviço, Periculosidade e Regional, os dois últimos onde e quando couber, e com o divisor (THM) de 180 horas até 31.08.89 e divisor (THM) de 168 horas a partir de 01.09.89 até a efetiva implantação.
Segue-se que o pagamento dessa verba, face à discordância de valores entre a empregadora e o sindicato profissional, somente veio a ocorrer em 1995, por força da assinatura de novo acordo, no qual se assentou (fls. 11, 22, 32, 70, 80):
“a) A PETROBRÁS procederá ao pagamento da diferença relativa a 60 horas extras mensais compensadas as 24 horas mensais já pagas (ou 47,36 horas mensais), retroativa a 05 de outubro de 1988, até a data da implantação do 5º grupo de turmas, em, [mês]/90, aos ex-empregados, por ter no período retromencionado, trabalhado em Regime de Turno Ininterrupto de Revezamento de 08 ou 12 horas, ou ainda, em Regime de Sobreaviso e também recebido naquele período a vantagem denominada “Indenização de Horas Trabalhadas”. [Grifei]
Está-se diante de retribuição paga por horas efetivamente trabalhadas. A própria epígrafe da Cláusula 4.ª o denuncia, embora contenha impropriamente a expressão “Indenização”. Nesse ponto, vale lembrar ser defeso ao intérprete utilizar-se de engenhos hermenêuticos, em torno de institutos de direito privado, que levem à inexigibilidade de tributos, imperativo que ressai do art. 109 do CTN. Por isso, no campo tributário, não há como escapar da tributação aquilo que se auferiu como renda, ou seja, como disponibilidade econômica auferida como produto do trabalho, ainda que em jornada majorada, ressalvando-se as previsões isentivas em lei própria, cujos dispositivos demandam interpretação restrita (art. 111, CTN).
Correta a premissa dos postulantes, ao atentarem à mudança na jornada de trabalho, que foi reduzida. Equivocada, todavia, a sua conclusão, pois, conquanto reduzido o limite máximo da jornada na Constituição, continuaram a laborar sob o regime anterior, não sofrendo decréscimo salarial e, ademais, recebendo a pecúnia correspondente ao excesso de horas. Assim, não perceberam indenização, mas salário, contraprestação qualificada pelo trabalho em sobrejornada (igualmente com base constitucional – art. 7.º, XVI), e tal fato não contém a idéia de prejuízo de qualquer natureza, mesmo porque restou assegurada a devida folga (fl. 125). Ocorreu, na espécie, a remuneração, pela PETROBRÁS, do labor em horas excedentes do limite traçado na Lei Maior, no período de 1988 a 1990, o que as faz enquadrar no conceito de renda inserto no art. 43, I, do CTN, sem que haja qualquer norma de isenção a respeito.
No mesmo sentido se manifestam as diversas Cortes Regionais Federais:
“TRIBUTÁRIO. VERBA RELATIVA A HORA EXTRA. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER INDENIZATÓRIO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. - A VERBA AUFERIDA SERODIAMENTE PELO EMPREGADO A TÍTULO DE HORA EXTRA NÃO TEM CARÁTER INDENIZATÓRIO, MAS SALARIAL. CONFIGURA RENDIMENTO PARA EFEITO DE TRIBUTAÇÃO. PRECEDENTE DA 3A TURMA DESTA CORTE. - AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.”
(TRF-5.ª Região, AG 37969/RN, Rel. Des. Fed. Castro Meira, 1.ª Turma, unânime, DJ 12/09/2002.)
“HORAS EXTRAS - PAGAMENTO POR DECISÃO DE ACORDO COLETIVO - INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA -PETROLEIROS. - O pagamento de horas extras não se caracteriza como verba remuneratória, mesmo que assim seja denominado em Acordo Coletivo. A peculiaridade de algumas profissões, como petroleiros, cujo número de horas ordinárias é reduzido, não tem o condão de modificar a natureza jurídica eminentemente salarial da sobrejornada.”
(TRF-4.ª Região, AMS 74525/RS, Rel. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria, 1.ª Turma, unânime, DJU 28/08/2002.)
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA SOBRE VERBA RECEBIDA A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO DEVIDA PELO NÃO PAGAMENTO DE HORAS-EXTRAS, ESTIPULADAS DE ACORDO COM A LEI 8906/94. 1. A hora extra, como verba decorrente de pagamentos atrasados de débito trabalhista, é prevista no art. 45, parágrafo 3º, do Decreto nº 1.041, de 11.01.94, como situação passível de incidência tributária. 2. Em matéria tributária não se pode dar interpretação larga. A interpretação é sempre restritiva (CTN, art. 111, II). 3. Apelação improvida.”
(TRF-1.ª Região, AMS 388051/DF, Rel. Juíza Selene Maria de Almeida, 4.ª Turma, unânime, DJ 30/04/1999.)
Devido é o imposto ora cobrado.
Com relação à taxa SELIC, considero seja plenamente passível de incidência quer nos créditos tributários federais (a partir de 1.º de abril de 1995), quer nos débitos da Fazenda (a partir de 1.º de janeiro de 1996), como forma de concretização do princípio da isonomia. Lastreada nas Leis n.os 9.065/95 e 9.250/95, já contempla fórmula de aplicação de juros de mora e correção monetária, sendo, pois, vedada a sua cobrança cumulativa com outras verbas da mesma rubrica, sob pena de bis in idem. Veja-se:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPENSAÇÃO. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. LEI N.º 9.250/95.
1. Agravo Regimental contra decisão que, com amparo no art. 544, § 2.º, do CPC, negou provimento a agravo de instrumento para fins de fazer subir recurso especial, sem, no entanto, apreciar a questão da incidência da Taxa SELIC.
2. Adota-se, a partir de 1o de janeiro de 1996, no fenômeno compensação tributária, o art. 39, § 4º, da Lei n.º 9.250, de 26.12.95, pelo que os juros devem ser calculados, após tal data, de acordo com o resultado da Taxa SELIC, que inclui, para a sua aferição, a correção monetária do período em que ela foi apurada.
3. A aplicação dos juros, tomando-se por base a Taxa SELIC, afasta a cumulação de qualquer índice de correção monetária. Este fator de atualização de moeda já se encontra considerado nos cálculos fixadores da referida taxa. Sem base legal a pretensão do Fisco de só ser seguido tal sistema de aplicação dos juros quando o contribuinte requerer administrativamente a compensação. Impossível ao intérprete acrescer ao texto legal condição nela inexistente.
4. Agravo regimental provido, para, apenas, apreciar a questão da incidência da Taxa SELIC, sem, contudo, modificar a conclusão da decisão agravada.”
(STJ, AGA 321740/RS, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, unânime, DJ, 2/4/2001 – grifei.)
Como, no caso, a data inicial do cômputo da correção monetária deu-se posteriormente a abril de 1995, uma vez aplicada a já então vigente tabela SELIC, descabe cumulação com qualquer outro índice de correção, qual o contido na Lei n.º 7.799/89, assistindo, nesse ponto, razão aos requerentes.
POSTO ISSO, extingo o processo com julgamento do mérito e julgo parcialmente procedente o pedido, apenas para determinar sejam excluídas, do débito cobrado dos autores, as parcelas referentes à correção monetária calculada fora da tabela SELIC, por consistir em cumulação indevida, mantendo-se todos os demais termos da autuação.
Aplicando o princípio da sucumbência mínima (art. 21, parágrafo único, do CPC), condeno os demandantes a arcarem com as custas processuais e com honorários advocatícios em favor da parte ré, que fixo, atendendo às diretrizes do art. 20, § 4.º, do CPC, em R$ 800,00 (oitocentos reais), pro rata.
Junte-se cópia desta sentença aos autos da execução fiscal n.º 2002.85.00.002868-0.
Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Aracaju/SE, 30 de maio de 2003.
Danielle Souza de Andrade e Silva
Juíza Federal Substituta da 4.ª Vara/SE