Processo nº 2003.85.00.004412-4 - Classe 01000 - 2ª Vara
Ação Ordinária
Partes: ... José Eudo Góes e Outros
... Caixa Econômica Federal - CEF
EMENTA. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. FGTS. CEF. LEGITIMIDADE. UNIÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESCABIMENTO. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. CORREÇÃO DOS SALDOS DAS CONTAS. ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STJ. ENUNCIADO 252.
I – Como gestora do FGTS, incumbida de centralizar e controlar seus recursos e proceder à correção monetária das contas a ele vinculadas, a Caixa Econômica Federal é parte legítima nas ações referentes à atualização dessas contas.
II – Assente este entendimento, não há como deferir-se pedido de denunciação da lide da União.
III – A prescrição para cobrar qualquer parcela relativa ao FGTS, por parte do empregado, é de trinta anos.
IV – “Os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto às perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7 RS)”.
(Relatório)
Trata-se de ação interposta por José Eudo Góes e Davi Bispo de Jesus contra a Caixa Econômica Federal, que tem por objeto a aplicação dos índices de correção monetária incidentes sobre os saldos existentes em sua conta fundiária em abril/90 (44,80%) e janeiro/89 (42,72%), depositando-se as quantias decorrentes na conta fundiária do autor, por não terem sido os respectivos saldos corrigidos na forma da real corrosão inflacionária ocorrida naqueles períodos.
A Caixa Econômica Federal apresenta defesa na qual alega, em sede de preliminar, a sua ilegitimidade passiva, bem como a impossibilidade jurídica do pedido, argüindo, destarte, a denunciação da lide da União. No mérito, requer, a título de prejudicial, seja declarada a prescrição dos créditos ora cobrados, em virtude de não se aplicar, às contas fundiárias, o lapso trintenário. Aduz ainda: a) inexistir vinculação legal entre os índices a serem aplicados às contas fundiárias e o real desgaste inflacionário verificado no período, pugnando pela utilização do índice inflacionário aplicado para as contas de poupança, a teor do art. 13 da Lei nº 8.036/90; b) não ser o INPC o índice que efetivamente reflete a corrosão inflacionária verificada em determinado período no país, vítima de grandes variações de preços e possuidor de diversos índices de recomposição de preços fruto da aplicação de diversas metodologias; c) serem de caráter público as normas reguladoras do FGTS, insuscetíveis de livre disposição das partes no que tange às regras aplicáveis, mormente por se tratarem de regras de direito econômico, e não cláusulas de convenção particular; d) a inexistência de vínculo contratual entre o regime do FGTS e o trabalhador optante, eis que não há qualquer escolha por parte do trabalhador, e sim uma submissão às suas regras; e) o excepcional método de confecção do índice IPC referente ao mês de janeiro de 1989, de forma a não mensurar a efetiva inflação concretizada naquele mês; f) inocorrência de prejuízos financeiros em virtude da não utilização do IPC em janeiro-1989, pois entre a variação do IPC, apurada no semestre compreendido entre dez/88 a maio/89, e os índices praticados pela CEF no mesmo período, houve apenas a diferença mínima de 5% (cinco por cento); g) compensação das perdas verificadas em fevereiro-1989 (por não ser utilizado o IPC naquele mês na contas fundiárias) com a superioridade alcançada pelos índices praticados pela CEF nos meses posteriores; h) ser indevida a cobrança atinente ao IPC de março-1990, a ser creditada em 01.04.1990, em virtude de terem sido tais saldos, à época, corrigidos no percentual de 84,32% e, portanto, já creditados os valores; h) inexigência de utilização do IPC de abril-1990 em maio-1990, pois não ocorreu a consolidação do direito àquele índice, em face da edição da MP nº 168/90; i) a ausência de direito adquirido, uma vez que as contas de FGTS sempre tiveram seus saldos atualizados em conformidade com a legislação vigente. Cita julgados em favor de sua tese para, ao final, pugnar pela total improcedência dos pedidos formulados pela parte requerente.
Réplica à fl. 56.
(Fundamentação)
1 – Do julgamento antecipado da lide:
A hipótese dos autos guarda correspondência com a previsão legal do art. 330, inciso I do CPC, eis que a questão de mérito prescinde de produção de prova em audiência, razão pela qual deve a lide ser julgada antecipadamente.
2 – Da denunciação da lide:
No que pertine a esse aspecto, é de se salientar que o fato de a União ter competência para legislar sobre a matéria não significa, por si só, ter legítimo interesse econômico e moral na demanda.
Neste ponto, correto o entendimento do eminente Juiz Federal Ricardo César Mandarino Barretto, da 1ª Vara desta Seção Judiciária, nos seguintes termos:
Se acolhido esse entendimento da ré, a União, Estados e Municípios haveriam, sempre, conforme o caso, que figurarem no pólo passivo de toda relação processual.
É verdade que, hoje, já se admite a responsabilidade civil do Estado por atos legislativos, mas, isso, em caso especialíssimo, como, a título de exemplo, leciona Canotilho, quando o "Poder Legislativo não emite normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente." (em "Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º vol. - Maria Helena Diniz, Saraiva, 5ª edição, pág. 422).
Na hipótese, o que se discute é se a determinação que mudou o cálculo da remuneração das contas do FGTS está ou não consoante a lei e a Constituição.
Nesse caso, o Estado não pode ser responsabilizado, pois, se inválidos os critérios estabelecidos, afastam-se, do mundo jurídico, as disposições que o elegeram.
Quanto ao fato de terem as contribuições para o FGTS natureza parafiscal, trata-se de circunstância ocorrente apenas na relação jurídica entre o empregador e o Estado.
A obrigação, por parte do empregador, de recolher, sobre a folha dos seus empregados, os valores que alimentam o FGTS, é, de fato, tributária, mas, no momento em que o depósito é creditado na conta de cada empregado, nasce uma outra relação jurídica, completamente distinta, entre o empregado e o Banco depositário.
Uma, é a relação jurídica entre o Estado e o empregador, obrigado a depositar os valores do FGTS, outra é a relação jurídica privada, entre o empregado e a instituição financeira.
Depositado em sua conta vinculada, passa o empregado a ser proprietário dos valores, embora não tenha, sempre, a disponibilidade total dos mesmos.
Sendo assim, a circunstância abordada pela ré não tem o efeito de acarretar a denunciação da lide da União.
Efetivamente, a jurisprudência é assente no sentido de inadmitir tal intervenção, conforme se vê dos julgados abaixo colacionados:
PROCESSUAL CIVIL. FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. CEF. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. UNIÃO FEDERAL E BANCOS DEPOSITÁRIOS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ILEGITIMIDADE. INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
I – Tratando-se de correção de depósitos do FGTS, a legitimidade é exclusiva da Caixa Econômica Federal. Precedentes.
II – Recurso Especial a que se nega provimento. (REsp. nº 115728, rel. min. José de Jesus Filho, DJI-I 23.06.1997, p. 29058).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FGTS. CORREÇÃO DO SALDO. LEGITIMIDADE DA CEF. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA UNIÃO. DESCABIMENTO. PRECEDENTES.
1. Como gestora do FGTS incumbida de centralizar e controlar seus recursos e proceder à correção monetária das contas a ele vinculadas, a Caixa Econômica Federal é parte legítima nas ações referentes à atualização dessas contas.
2. Assente este entendimento, não há como deferir-se pedido de denunciação da lide da União Federal.
3. Recurso não conhecido. (REsp. nº 102462, rel. min. Peçanha Martins, DJU-I 26.05.1997, p. 22511).
Descabe, pois, a denunciação da lide pretendida.
3 – Das preliminares:
3.1 – Ilegitimidade passiva ad causam:
Argüi a demandada ser parte ilegítima na presente lide.
A condição da ação, que se traduz pela legitimidade de parte, encontra-se ligada primordialmente à titularidade dos interesses afirmados na pretensão deduzida em juízo, de modo que, no pólo passivo da relação processual, deverá figurar aquele a quem toca resistir ao pedido formulado.
Ora, a Caixa Econômica Federal é, por força de lei, gestora do FGTS, portanto firme exsurge o liame subjetivo que a remete à posição passiva nas contendas que versem acerca das contas vinculadas ao mencionado fundo.
3.2 – Da impossibilidade jurídica do pedido:
Em relação à impossibilidade jurídica do pedido, cabe salientar que esta condição corresponde à viabilidade abstrata da pretensão formulada, em consonância com os dispositivos do ordenamento jurídico, não se exigindo que o direito pleiteado efetivamente exista. Ressalte-se, ainda, que a impossibilidade jurídica somente deve ser declarada, em última hipótese, na eventualidade de o julgador se encontrar diante de pedido vedado, expressamente, pelo sistema jurídico vigente.
De igual forma, deve ser rejeitada dita argüição.
3.3 – Da prescrição:
Neste ponto, descabem maiores considerações, eis que a Súmula 210 do STJ é expressa: A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos. Tratando-se o caso de ação para reaver eventuais diferenças não creditadas, é evidente que se enquadra na moldura trazida pelo referido enunciado.
Rejeito, dessa forma, a prescrição argüida.
4 – Mérito:
O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida, pacificou o entendimento acerca da questão. De sua parte, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou a matéria discutida nestes autos, inclusive com entendimento sumulado na forma do Enunciado nº 252 daquela corte, verbis:
Os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto às perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7 RS).
Assim, as correções das contas de FGTS restaram fixadas da seguinte forma:
1) junho de 1987, com o índice de 18,02%;
2) janeiro de 1989, com o índice de 42,72%;
3) abril de 1990, com o índice de 44,80%;
4) maio de 1990, com o índice de 5,38%;
5) fevereiro de 1991, com o índice de 7,00%.
Neste caso, a parte requerente postula a correção dos períodos de abril/1990 (44,80%), com reflexos a partir do mês de maio/1990 e janeiro de 1989 (42,72%), com reflexos a partir do mês de fevereiro/1989. Os demais índices são, efetivamente, os que foram determinados com a edição da mesma súmula.
No que se refere aos juros, tal incidência é possível, desde quando as correções não foram feitas no tempo devido, gerando a mora da requerida. Aliás, os julgados do STJ são pacíficos neste sentido, conforme se observa abaixo:
FGTS. CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS. JUROS DE MORA. PRECEDENTES. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. Pacífico o entendimento desta Corte no sentido de serem devidos os juros moratórios pelo atraso no pagamento correto da atualização dos depósitos do FGTS, desde quando isso ocorreu. Contudo, mantém-se o acórdão no particular devido à impossibilidade da “reformatio in pejus”.
2. Quanto à sucumbência, aplica-se a regra esculpida no art. 21, caput, do CPC.
3. Recurso especial conhecido e parcialmente
provido. (Origem: STJ - SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 518150
Processo: 200300067243 UF: RN Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, rel. Min. FRANCISCO
PEÇANHA MARTINS, Data da decisão: 05/06/2003, Documento: STJ000495218DJ,
DATA:30/06/2003, PÁGINA: 234).
FGTS. EXTRATOS DAS CONTAS. JUROS DE MORA. JURISPRUDÊNCIA ITERATIVA.
É prescindível a juntada dos extratos das contas vinculadas à inicial.Esta Corte já pacificou o entendimento sobre a incidência dos juros moratórios na atualização monetária dos depósitos das contas vinculadas ao FGTS.
Recurso especial não conhecido.
(Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 487086
Processo: 200201691311 UF: PE Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Rel MIN. FRANCISCO
PEÇANHA MARTINS, Data da decisão: 03/04/2003, Documento: STJ000495058, DJ
DATA:30/06/200, PÁGINA:220).
De sua parte, não assiste razão à requerida quanto à condenação da parte autora no pagamento do valor não ressalvado, em face da compensação. É que não se lhe pode aplicar tal pena, tanto porque inexistiu má-fé na sua conduta. Ademais, a ressalva quanto à compensação será feita, de qualquer modo, no dispositivo desta sentença.
(Dispositivo)
Ante o exposto, extingo o feito, com apreciação do mérito, para acolher a pretensão autoral, determinando à demandada que proceda à correção nas contas vinculadas da parte autora, aplicando-se os índices de 42,72% e 44,80%, relativos aos meses de janeiro de 1989 e de abril de 1990, respectivamente, abatendo-se os percentuais já creditados anteriormente, acrescidos de correção monetária devida desde a data que deveriam incidir os expurgos inflacionários e juros moratórios, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação.
Sendo a conta vinculada da parte autora com data posterior à Lei n. 5.705/71, defiro a capitalização de juros à razão de 3% (três por cento) ao ano.
Condeno a requerida em honorários advocatícios que ficam arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor apurado das diferenças a creditar.
Sem custas, nos termos do art. 24-A da Lei n. 9.028/95, com as alterações processadas pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001.
P. R. I.
Aracaju, 02 de fevereiro de 2004.
Juiz Federal Substituto.