Proc. JF/SS. Nº 99.0003985-8
- Classe
V - 3ª Vara.
Ação
: "DIVERSAS".
Partes:
... Fernando Teles da Costa e Outros.
... Caixa Econômica Federal- CEF .
E M E N T A:
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. CARACTERÍSTICAS. ALTERCAÇÕES. CONVERSÃO EM
CONTENCIOSA. EFEITOS. LEVANTAMENTO DE NUMERÁRIO. FGTS.
A jurisdição voluntária opera-se INTER
VOLENTES. A lei atribui a um órgão jurisdicional a tutela de interesses
privados, sem litígio e possibilidade de contraditório. Havendo resistência
ao pleito, converte-se a jurisdição em contenciosa, com os consectários a ela
ínsitos. Em observância à finalidade social que norteia a Lei 8.036/90,
admitem-se outras hipóteses ao saque do FGTS.
S
E N T E N Ç A.
I - RELATÓRIO.
1.1 - Suma do(s)
Pedido(s).
Alega(m) o(s) requerente(s) ter(em) prestado serviços para a Empresa Transguarda Bahia Vigilância e Transporte de Valores Ltda. Havendo saldo em sua(s) conta(s) do FGTS, e para retirá-lo há necessidade da apresentação do original da rescisão contratual, documento que não lhe(s) foi fornecido, assim como, também não mais existe a empresa empregadora, requer a expedição de alvará para levantamento dos valores existentes na sua conta vinculada do FGTS, depositados pela empresa acima mencionada.
1.2 - Suma da(s) Resposta(s).
Informa não ser possível a retirada do saldo do FGTS, sem a comprovação pelo autor dos requisitos essenciais, conforme o disposto na Lei 8036/90.
Requer a apresentação
de um acervo probatório capaz de sustentar a narração fática exposta pelo
autor e, por fim, o indeferimento do pleito autoral.
1.3 - Registro das
Principais Ocorrências.
Com a vestibular vieram documentos.[1]
Inicialmente o feito foi ajuizado perante a Justiça
Estadual, com houve a declinação da competência, a teor da Súmula 82, do
STJ.[2]
Deferido o benefício da justiça gratuita.[3]
A resposta se fez acompanhar de documentos.[4]
Não houve réplica.
Instado, o MPF requer o prosseguimento do feito sem
a sua participação.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
2.1 - Questões de Fato.
A matéria fática controvertida, qual seja o
cumprimento dos requisitos exigidos na lei para a liberação do FGTS, está de
tal sorte imbricada com o mérito, que juntamente com este será examinada.
2.2 - Questões de
Direito.
2.2.1 - Preliminares.
A resposta da CEF traz a informação sobre a
inexistência de pleito na órbita administrativa, o que implicaria na ausência
de interesse processual, com a conseqüente carência de ação. Está assente
que se prescinde o esgotamento da via administrativa para o manejo da busca
judicial. Em adendo, a contestação demonstra, QUANTUM
SUFFICIT, qual seria o resultado de um eventual pleito administrativo.
Processual Civil. Interesse de agir.
Inexigibilidade de prévio esgotamento da via administrativa. Apelo provido.[5]
Expurgo, pois, a preliminar.
2.2.2 - Mérito.
Ao contrário da jurisdição contenciosa, a voluntária
visa tutelar interesses não conflitantes. Lembramo-nos, pois, da afirmação de
POTHIER: JURISDICTIO VOLUNTARIA EST QUAE
INTER VOLENTES EXERCETUR.[6]
Esta afirmação coloca, justamente, a oposição encontrada na contenciosa, que
se exerce INTER NOLENTES,[7]
ou seja, que estão em conflito de interesses. Tanto que nem é correto falar em
partes, mas interessados. Aquela denominação seria privativa da contenciosa.
Muitos doutrinadores afirmam que neste caso não
existe, propriamente, uma jurisdição, mas mera administração de interesses
de particulares por um órgão jurisdicional. Seria uma intervenção do Poder
Judiciário, em objeto de gravidade a que a lei invoca-lhe a presença, por várias
razões como a independência, necessidade de uma boa aplicação da lei, ou
outros, assegurando da “paz jurídica”.
Em resumo, poderíamos afirmar que na jurisdição
voluntária não há lide, e, portanto, inexiste contraditório, não é momento
de se compor conflitos, mas proteger os interessados.
Entretanto, pode ser que surja o contraditório.
Então, temos a lição magistral:
Da
inexistência de conflitos segue-se que os interessados não têm o que
contrariar, o que contestar. Daí dizer-se que na jurisdição voluntária não
há contraditório, nem possibilidade de contraditório. Em certos casos, o fato
de surgir contraditório transforma a jurisdição voluntária em jurisdição
contenciosa.[8]
Admite-se, ainda, que há uma peculiaridade na
jurisdição voluntária que é a de não produzir a RES
JUDICATA. Parece-me que até se pode aceitar a assertiva, em que pese um
certo grau de petição de princípios, uma vez que justamente, o que se
pretende é saber quando se produz a coisa julgada, para esclarecer qual a
modalidade de jurisdição. De qualquer sorte, se surgiu o contraditório,
parece que a conversão em jurisdição contenciosa faz com que a decisão
judicial opere a coisa julgada.
Um ponto fulcral que não pode ser esquecido é o
consignado na norma:
O
juiz decidirá o pedido no prazo de dez (10) dias; não é, porém, obrigado a
observar o critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução
que reputar mais conveniente ou oportuna.[9]
Assim, o juiz poderá, nestes casos, vivenciar em
sua plenitude, a definição de CELSO: JUS
EST ARS BONI ET AEQUI.[10]
É que na jurisdição contenciosa está adstrito a
aplicar as normas legais,[11] e com a restrição:
O
juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.[12]
Com a impugnação do que foi requerido, e ainda
assim, o requerente insiste, há a transformação em jurisdição contenciosa,
em todos os seus consectários, como coisa julgada e sucumbência.
Se
o processo de jurisdição voluntária se torna contencioso, pela insistência
do requerente em que sua pretensão seja acolhida, embora impugnada nos autos,
os honorários se tornam devidos se ela for indeferida.[13]
Estamos diante de um pedido de levantamento de
numerário, de conta inativa do FGTS em nome do demandante
O pedido de alvará toma o procedimento de jurisdição
voluntária, quando se opera INTER
VOLENTES.
Aqui, porém, a matéria mereceu contestação,
donde se infere uma pretensão resistida, e por sua própria natureza, uma lide.
Embora a norma enumere as diversas modalidades onde
há possibilidade de saque do FGTS, somente três podem ser aplicadas ao pleito
formulado pelo requerente:
Ei-las:
A
conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes
situações:
I
- despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força
maior;
II
- extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus estabelecimentos,
filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades, ou ainda
falecimento do empregador individual sempre que qualquer dessas ocorrências
implique rescisão de contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita
da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada em
julgado;
VIII - quando o trabalhador permanecer 3 (três)
anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS,
podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do
titular da conta;[14]
Na primeira hipótese, não há nos autos qualquer
elemento que comprove que a demissão do demandante se tenha dado sem justa
causa, condição sine qua non para o
deferimento do pleito, inclusive na órbita administrativa.
Por outro lado, quanto a terceira hipótese,
inexiste nos autos notícia de celebração de novo vínculo empregatício antes
do decurso do lapso temporal ali previsto, nem com base neste fundamento foi
formulado o pedido.
Resta, portanto, verificar se é o caso de
aplicar-se a segunda hipótese, prevista na norma.
Nesta modalidade, a norma impõe algumas exigências,
entretanto, no caso sub judice, não
é razoável exigi-las dos requerentes. Conforme documentação carreada aos
autos, as CTPS dos autores foram baixadas em 14 de agosto de 1998. Contudo,
aduzem não terem sido confeccionados os respectivos termos de rescisão do
contrato de trabalho, em virtude da extinção de fato da empresa, sem qualquer
menção perante à Junta Comercial.
Verifica-se que os requerentes exercem a profissão
de vigilante, categoria profissional que passa por sérias dificuldades
financeiras, em virtude dos parcos vencimentos que, geralmente, recebe. Torna-se
impossível, desta forma, aos autores, reconhecidamente pobres, perseguir uma
empresa que não cumpriu com suas obrigações trabalhista.
Em observância à finalidade social que norteia a
Lei 8.036/90, deve ser autorizado o saque do FGTS dos demandantes.
Tem-se
amenizado os rigores da taxatividade do artigo 20, da Lei nº 8.036/90,
concedendo-se a benesse da movimentação da Conta fundiária, em situações
para as quais não havia previsão legal.[15]
Defiro, pois, o pleito formulado pelos autores.
2.3 - Sucumbência.
2.3.1 - Honorários
Advocatícios.
Por força de dispositivo dos arts. 20ss, do
Estatuto Civil de Ritos, a parte contra quem o resultado do conteúdo sentencial
for desfavorável deve arcar com o encargo da verba honorária. Até mesmo, se
vem plasmando o entendimento que tal cominação prescinde de qualquer menção
no pedido inicial. Opera-se OPE LEGIS.
A alíquota arbitrada deve incidir, em princípio,
e salvo disposição diferente, expressamente manifestada na sentença, sobre o
valor total da condenação, por força do art. 20, § 3º, do CPC.
2.3.2 - Despesas
Processuais.
No que concerne ao aspecto das custas, incide o
princípio geral de que a parte sucumbente arca com o ônus.
No entretanto, temos na lembrança a isenção
prevista no art. 4º, e incisos, da Lei 9.289/96, mas que onera as pessoas lá
mencionadas, quanto ao reembolso do que foi adiantado pelo vencedor. É a previsão
do parágrafo único, do art. 4º, do mesmo diploma legal. Também, o benefício
de que gozam os colocados sob a égide da assistência judiciária.
III - DISPOSIÇÃO.
Como Órgão do Judiciário,
Poder da União emanado e a serviço do povo:
Acolhido
o Pedido.
Extingo o processo com julgamento do mérito,
acolhendo o pedido da parte ativa.
Pela
simplicidade da demanda, inclusive quanto aos valores envolvidos, deixo de
aplicar a cominação da verba honorária.
Após
certificar-se a RES JUDICATA, expeça-se
alvará para levantamento do montante pleiteado, mais acréscimos legais.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Aracaju, 20 de fevereiro de 2002.
Carlos
Rebêlo Júnior
Juiz
Federal-3ª Vara.
[1]
- Fls. 06/12.
[2]
- Fls. 27.
[3]
- Fls. 31.
[4]
- Fls. 35/38.
[5] - TR5. T.02. AC 528458/93-PE., DJU 29.10.93, pág. 46.503.
[6] - A jurisdição voluntária é a que se exerce entre os que querem.
[7] - Entre os que não querem.
[8] - SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de Dir. Proc. Civil. São Paulo, Saraiva, 1978, pág. 68.
[9] - CPC, art. 1.109.
[10] - O Direito é a arte do bom e do equânime.
[11]
- CPC, art. 126.
[12]
- CPC, art. 127.
[13] - RTFR 113/142.
[14] - Lei 8.036/90, art. 20.
[15] - TRF3. T01. Rel Des. Fed. Roberto Haddad. AC. nº 547.113/SP. DJ. 10.04.2001. PG. 221.