Processo
nº 99.1641-6 - Classe 05005 - 1ª Vara
Ação:
Embargos à Execução
Embgte: Rubem Montenegro do Nascimento e Outro.
Embgdo:
Caixa Econômica Federal - CEF.
Juiz
Federal: Dr. Ricardo César Mandarino Barretto.
Processual Civil. Embargos
à Execução acolhidos apenas para
afastar a TR como índice de atualização do saldo devedor.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Rubem Montenegro do Nascimento e Maria Telma Falcão do
Nascimento, qualificados na inicial de fls. 02, opõem os presentes embargos
à execução que lhes move a Caixa Econômica Federal, objetivando, em caráter
principal, seja indeferida a inicial da ação executiva, por impossibilidade
jurídica do pedido. Subsidiariamente, requerem a extinção daquele feito, por
ausência de título hábil, ou, em último caso, o reconhecimento de excesso de
execução.
Estando impossibilitados, segundo alegam, de adimplir as obrigações
advindas de contrato travado com a embargada, regido pelo Sistema Financeiro da
Habitação, lançaram mão de três ações com o fito de discutir
judicialmente a lisura da avença.
No entanto, a CEF persistiu na execução do pacto com o escopo único
de compeli-los a pagar o débito, penalizando-os por baterem às portas do
Judiciário, inobstante o valor cobrado careça dos requisitos de liquidez e de
certeza, em vista das demandas que lhe foram endereçadas.
Sob nova ordem de argumentos, entendem ser excessivo, de toda a sorte, o
montante exigido, considerando notória a disparidade entre a dívida real e a
pleiteada pela exeqüente.
Enumeram, em abono de suas teses, dispositivos constitucionais e acórdãos
do STJ.
Com a exordial, os documentos de fls. 15 a 44.
Intimada, a embargada pugna pelo reconhecimento de preclusão quanto ao
excesso de execução, vez que não demonstrado na inicial.
Por outro lado, nega existam empecilhos à execução judicial do
contrato, sob pena de, forma inversa, quedar vulnerada a garantia constitucional
do direito de ação. Nesse teor de idéias, aos embargantes, além de
apresentar adequada defesa, caberia apenas invocar a reunião da ação de
conhecimento por eles intentada com os presentes embargos, visando obter decisão
única a respeito da controvérsia.
Diz, finalizando, que a jurisprudência indicada pelos demandantes
tratam de execução extrajudicial, situação estranha ao caso.
Manifestaram-se os embargantes.
Designei a produção de prova pericial em decisão que, embora
contrastada pela petição da CEF de fls. 67/69, não foi objeto de qualquer
recurso.
Apenas a embargada apresentou quesitos.
O laudo foi anexado nas fls. 78/88, seguido dos pronunciamentos dos
autores (fls. 96/97) e da CEF (fls. 99/100).
Lavrou-se, às fls. 108, certidão pertinente às demais ações
titularizadas pelas partes quanto ao contrato sob litígio.
É o relatório.
A última petição dos embargantes força-me, em medida vestibular ao deslinde da ação, a aferir o cabimento de nova perícia.
Questionaram eles, na derradeira etapa da instrução, parâmetros até então jamais mencionados nestes autos.
Verdade terem alegado na inicial, embora de forma genérica, excesso de execução, mas permaneceram inertes quando da produção da prova, deixando de apresentar quaisquer quesitos. Agora, praticamente ao fim da marcha procedimental, inseriram indagações cujo feitio não é outro senão o de tentar ampliar, a destempo, o âmbito das matérias a serem elucidadas pelo expert, que bem cumpriu seu munus neste feito.
Deveras. A perícia fora pautada, face o silêncio dos embargantes, apenas pelo despacho de fls. 76 e pelos quesitos da embargada, às fls. 68/69, bastando uma atenta leitura do laudo para firmar a certeza de que todos os pontos controversos obtiveram resposta clara e precisa.
A metodologia de cálculo, por seu turno, está suficientemente estampada nas planilhas de fls. 86/88.
Tracejado tal panorama, percebe-se que os fatores eleitos pelos requerentes, a fim de compor a nova perícia, não foram especificados na causa de pedir dos embargos, nem constaram dos fatos transportados à fase instrutória.
Constituem, pois, circunstâncias sufocadas pela preclusão e carentes do pressuposto básico para a repetição do exame técnico, qual seja, a identidade de objetos entre a primeira e a segunda perícia[1]. Desrespeitam, portanto, a disciplina do art. 438, do CPC.
Fosse pouco o quanto dito, o STJ, consoante noticiam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery[2], endossa o entendimento de que a feitura de nova perícia é faculdade do juiz. Vejamos:
“Como
conseqüência do princípio da não adstração do juiz ao laudo na formação
de seu convencimento (CPC 436), a lei processual o autoriza, como diretor do
processo, mas não lhe impõe, determinar a realização de nova perícia.”
(STJ.
RESP nº 24035-2- RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – unânime. DJ de
04.09.1995. Grifei).
Por outro lado, sendo impossível tomar a petição dos autores a título de quesitos suplementares, porque só oferecida após a perícia, nem podendo enxergá-la como pedido de esclarecimentos, porque totalmente dissociada do objeto daquela prova, o caminho restante é o indeferimento dos pedidos constantes das fls. 96/97.
Ressalvo, no entanto, a oportuna apreciação do fato de ter sobrevindo, no curso do feito, sentença determinando a substituição, no contrato sob foco, da TR pelo INPC como índice de atualização do resíduo, cujas eventuais implicações dispensam, ver-se-á, a dilatação do conteúdo probatório aqui coligido.
Superada a matéria prefacial, o julgamento da demanda propriamente dita, no qual agora adentro, conduzir-se-á segundo a ordem sucessiva dos pleitos enumerados na exordial.
Pois bem. O pedido principal reporta ao indeferimento da inicial executiva, calcado no alegação de sua impossibilidade jurídica, esta ocasionada pelas ações voltadas a discutir o contrato que serve de título extrajudicial.
Falta, à semelhante argumento, o ânimo da mera plausibilidade, pois a Constituição Federal assegura, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, a inafastabilidade da prestação jurisdicional.
Utilizando-se os embargantes daquela prerrogativa, ao ajuizarem as prefaladas ações, não podem, em vista do norte interpretativo preconizado pelos princípios da harmonização e da convivência das liberdades públicas, supor embaraçado seu exercício por parte da Caixa Econômica Federal, quando esta vem requerer tutela judicial, ainda que se trate de um processo de execução.
A distinção entre processo de conhecimento, de execução e cautelar opera somente no interior da função constitucional confiada ao Poder Judiciário. Vale dizer, portanto, que, para fins do art. 5º, XXXV, da CF/88, concebe-se a jurisdição no seu aspecto unitário, substancial, ficando ínsita e conceitualmente abrangidas todas as formas pelas quais ela atua.
A jurisprudência não destoa desse pensar:
PROCESSUAL CIVIL. LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR PARA IMPEDIR CREDOR DE
EXECUTAR TITULO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÕES DIVERSAS DA LEI
FEDERAL.
O
poder geral de cautela do juiz não é ilimitado ao ponto de impedir o exercício
de um direito genericamente assegurado pela constituição e especialmente
previsto no ordenamento jurídico, possibilitando ao credor de titulo liquido,
certo e exigível, o ajuizamento da respectiva ação de execução.
(STJ. RESP:19217/ES; Rel. Min. Cláudio Santos. Decisão de 30.06.1992)
PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR INOMINADA. DEFERIMENTO PARA IMPEDIR A
RETIRADA DA POSSE DA DEVEDORA DE BENS DADOS EM ALIENAÇÃO FIDUCIARIA.
IMPOSSIBILIDADE NA ESPECIE. RESTRIÇÃO AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE BUSCA E
APREENSÃO. ART. 3º. DO DECRETO-LEI 911/69. ACESSO A JUSTIÇA. RECURSO PROVIDO.
-
O poder cautelar geral atribuído ao juiz não pode ser absoluto, de molde a
inviabilizar o princípio constitucional de acesso a tutela jurisdicional.
(STJ. RESP:34211/SC; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Decisão de 06.08.1996)
EXECUÇÃO. CAUTELAR COM DEPÒSITO DE PRESTAÇÕES. LIMITAÇÃO AO
DIREITO DO CREDOR DE INGRESSAR COM A EXECUÇÃO. PRECEDENTES.
1.
Precedentes da Corte mostram que não é possível "obrigar o credor a
aguardar o desfecho da ação de conhecimento para exercer sua pretensão executória",
com o que não pode o Juiz, deferindo liminar em ação cautelar para depósito
de prestações, impedir o credor de executar o seu título.
2.
Recurso especial conhecido e provido.
(STJ.RESP:235909/PE;Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Decisão de 31.08.2000)
Deixe-se
assentado jamais ter sido concedido, em favor dos postulantes, qualquer
provimento no sentido de salvaguardá-los da execução judicial da avença.
Modo oposto, no processo cautelar de nº 98.835-7, corrigi equívoco material da
sentença, às instâncias de ociosos embargos de declaração, para esclarecer
o óbvio: a decisão restringia-se a impedir a CEF de percorrer a execução extrajudicial
do título (vide certidão de fls. 108, item 01).
Penso
ter declinado motivos bastantes a fim de repelir o primeiro pedido.
Melhor
desfecho não aguarda o segundo.
Veja-se
o art. 585, § 1º, do CPC. Dada a redação elástica do dispositivo, há de
permanecer, em princípio, incólume a vis
executiva dos títulos, ameaçados que sejam por toda a espécie de ação
judicial.
A
norma tem sua razão de ser. A tutela de execução não visa o acertamento de
relações controvertidas, mas a efetivação da regra de direito aplicada,
pressupondo solvida a controvérsia, desde quando autorizada a fazê-lo mediante
a apresentação de um título que preencha todos os requisitos legais. Tal
perfil redunda, necessariamente, em adjetivar referido documento, formalmente
perfeito, de uma presunção, embora relativa, de validade e, consectariamente,
de eficácia.
Havendo
sobredita presunção, elementar que prevaleça até ser suprimida por julgado
definitivo, dotado de efeitos retroativos (v.g.,
declaração de nulidade) ou não (v. g., anulação).
Esse raciocínio, indubitavelmente, inspirou o legislador, ao formular a regra
inserta no art. 520, V, do Diploma Processual Civil.
Ao
lado dos embargantes, por isso, não se engaja poder jurídico algum para
retirar a certeza, liquidez e exigibilidade do título extrajudicial ostentado
pela embargada, se seus argumentos para tanto estacionam na discussão, em juízo,
do montante do crédito.
Mais
uma vez, o meu entendimento alinha-se ao do STJ:
EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
Pretensão
de suspensão, "ante a procedência, em primeira instância, da ação
declaratória de nulidade dos contratos subjacentes ao título executivo".
Impossibilidade,
até porque se não sabe se se garantiu o juízo.
Inexistência
de ofensa a texto de lei federal. Dissídio não configurado.
Agravo
regimental desprovido.
(STJ.AGA:249777/SP; Rel. Min. Nilson
Naves. Decisão
de 18.04.2000)
EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. DEFESAS NÃO
DEMONSTRADAS. MULTA. REDUÇÃO PARA 2%.
-
A existência de ação anulatória do título não impede seja promovida a sua
execução, sendo que, no caso, a suspensão foi obtida com o oferecimento dos
embargos de devedor.
-
Demais defesas não demonstradas. Súmula 7/STJ.
-
Multa. Redução para 2%, por falta de pagamento.
(STJ.
RESP 281653/MG; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
Decisão de 14.12.2000).
PROCESSO CIVIL –EXECUÇÃO-SUSPENSÃO (ART. 791 DO CPC) –
AJUIZAMENTO DE AÇÕES PARALELAS.
1.
A enumeração das hipóteses de suspensão da execução, previstas no art. 791
do CPC é praticamente exaustiva, porque são raríssimas as hipóteses em que
se pode fugir à regra processual.
2.
Ações paralelas ajuizadas na tentativa de paralisar a execução não têm a
forma para o efeito desejado.
3.
Jurisprudência firmada neste Tribunal, com inúmeros precedentes, seguindo a
esteira do direito pretoriano do STF.
4.Recurso
especial não conhecido.
(STJ.RESP:171190/SP;
Rel. Min. Eliana Calmon. Decisão
de 15.03.2001)
Arrematando
este ponto, traga-se a lume a total impertinência de se conferir ao contrato de
mútuo habitacional do SFH tratamento análogo ao que é dispensado ao contrato
de abertura de crédito, almejado pelos autores nas fls. 51/56.
São
extremamente díspares as características de um e de outro.
O
primeiro, já se identifica, é um empréstimo de grandeza e destino
determinados, certos. O último, no mais das vezes adjunto a uma conta corrente
bancária, individualiza-se por disponibilizar, em favor do correntista, quantia
de utilização eventual e de inimagináveis destinos possíveis, sendo toda a
operação unilateralmente documentada pelo banco. Impossível, destarte, o
tratamento igualitário de situações tão diversas.
O
título jungido à execução ora embargada é, em suma, hábil.
Chego,
finalmente, ao terceiro – e último – pedido dos embargantes.
A
tônica do debate, nessa circunscrição, responde pelo excesso de execução,
consoante denotam os embargantes, ao afirmarem, candidamente, ser “notório
que os valores exigidos pela CEF nunca correspondem à dívida do mutuário,
haja vista a astrônomica e abissal distância entre a dívida e o valor ora
exigido, o que se constata com a mera leitura da peça executória”(sic
– fls. 07).
A
defesa alvejou tais argumentos contrapondo-lhes preclusão, pois indemonstrado,
na exordial destes embargos, o quantum cobrado
a maior. No entanto, ponderei tratar-se de matéria cuja complexidade
recomendava a adoção de perícia (espécie probatória requerida expressamente
pelos autores), fugindo à razoabilidade, nesse contexto, impor a pormenorização
do suposto excesso já na inicial. Assim, deferi a prova técnica, sem sofrer a
censura de recurso nenhum.
Do
laudo advindo nas fls. 79/88, vislumbra-se, com larga margem de segurança, a
postura da embargada quanto à avença, conduzindo-se, escorreitamente, nas
raias contratuais.
Satisfazendo
as indagações do Juízo e da própria demandada, o experto certificou,
reiteradamente, o zelo desta empresa pública para com as cláusulas envoltas na
disciplina da obrigação estabelecida entre as partes. Ao caminhar dessa
trilha, a evolução do crédito amolda-se, com perfeição, aos termos
convencionados.
Mantidos
íntegros os liames contratuais, ordem seria concluir, portanto, pela não
configuração de excesso de execução.
A
despeito disso, no correr do presente feito, uma das ações encabeçadas pelos
embargantes recebeu sentença comandando a revisão do pacto, de forma que a TR
cedesse lugar ao INPC no cálculo do resíduo (vide certidão de fls. 108, item
02).
Depara-se,
por força de semelhante notícia, com um caso típico de aplicação do art.
462, do CPC, porquanto, na retratada conjuntura de modificação do teor
contratual, sobressai fato superveniente investido do condão de reduzir os
valores cabentes à CEF.
Cotejando-se
as variações mensais daqueles índices, no período compreendido desde o
aperfeiçoamento da avença originária, em abril de 1993, até a propositura da
ação executiva, em março de 1999, a TR, no cômputo global, expressa
patamares pouco mais elevados. Cuida-se, agora sim, de fato notório, de público
domínio, independendo de maiores esforços sua comprovação.
Atadas
as assertivas supra ao eixo do método dedutivo, teremos:
a)
O cálculo do crédito deve ser composto pelo INPC;
b)
Utilizou-se, entrementes, a TR, fator de grandezas superiores;
c)
Logo, o montante em execução experimentou um acréscimo indevido, ensejando o
excesso aqui aventado.
Para
encerrar, advirta-se, por cautela, não dimanar daí qualquer prejuízo à
liquidez do título, porque a exata dimensão dos valores pode ser obtida através
de simples cálculos aritméticos.
Isto
posto, julgo improcedentes os pedidos
das alíneas ‘c’ e ‘d’ da inicial, nas fls. 11, referentes à extinção
da execução, por impossibilidade jurídica e ausência de título hábil,
respectivamente. Quanto ao pedido da alínea ‘e’, acolho os embargos, para
reconhecer o excesso de execução.
Como
os embargantes decaíram da principal medida dos pedidos, condeno-os em honorários,
no importe de R$ 300,00 (trezentos reais),
pro rata.
P.
R. I.
Aracaju, 18 de julho de 2001
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal – 1ª Vara
[1] Nesse sentido, cf. Ernane Fidélis dos Santos. Manual de Direito Processual Civil. 5ª ed. pg. 488. São Paulo: Saraiva, 1997.
[2] Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 10.03.1999. 4ª ed. pg. 894. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.