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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

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PROC. Nº : 99.1718-8/2ª VARA

IMPTE : HÉLIO ROBERTO SILVEIRA PAES

IMPDO : DELEGADO DE ADMINSTRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NO ESTADO DA BAHIA

 

MANDADO DE SEGURANÇA

CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS, ATIVOS E INATIVOS, E DOS PENSIONISTAS. LEI Nº 9.783/99. INCONSTITUCIONALIDADE.

- Por ofender as garantias constitucionais da eqüidade; vedação de instituição de tributos com efeitos confiscatórios; irredutibilidade de vencimentos, proventos e pensões; direito adquirido; ato jurídico perfeito; equilíbrio financeiro e atuarial; e vedação do imposto adicional sobre a renda, ressente-se a Lei nº 9.783/99 do vício supremo da inconstitucionalidade material.

- Não obstante, por ofender a vedação formal de reapresentação de matéria rejeitada na mesma sessão legislativa e a exigência de Lei Complementar, a Lei nº 9.783/99 padece, ainda, de visceral inconstitucionalidade formal.

- Direito líquido e certo à não sujeição aos inconstitucionais efeitos da Lei nº 9.783/99. Inconstitucionalidade declarada, incidenter tantum.

- Sentença concessiva da segurança.

- SENTENÇA -

1. Cuida-se de Mandado de Segurança Preventivo, com súplica de liminar, em cujos autos figuram como partes as pessoas acima nominadas.

2. HÉLIO ROBERTO SILVEIRA PAES, requer, em Mandado de Segurança Preventivo impetrado em face de ato potencial do DELEGADO DE ADMINSTRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA no Estado da Bahia, representado no Estado de Sergipe pelo Chefe da Representação da DAMF/BA, ordem judicial impeditiva de descontos com alíquotas superiores a 11% a, decerto, incidirem nos seus subsídios, a título de contribuição social, instituída pela Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999. Antes, contudo, aduz súplica liminar, no sentido de que "seja mantida a atual alíquota da contribuição previdenciária do impetrante no patamar de 11% sobre o seu salário...".

3. Alega, em síntese, a inconstitucionalidade da referida exação, por assumir o papel do Imposto sobre a Renda e por tornar a carga tributária insuportável, assumindo, assim, feição confiscatória, além de outros vícios.

4. Liminar deferida às fls. 13/17.

5. Notificada para as informações, prestou-as o Impetrado, no decêndio legal, suscitando preliminares de ilegitimidade passiva ad causam e impetração contra lei em tese. No mérito, defende o ato atacado, pugnando pela denegação da ordem.

6. Com vistas, o MPF, em pronunciamento de lavra do d. Procurador Regional da República Dr. VALDIR TELES DO NASCIMENTO, opinou pela concessão da ordem.

7. Conclusos, vieram-me os autos. Relatados e tudo ponderado, tecidas vão as considerações abaixo, fundamentos da sentença exaranda:

7.1. Sob múltiplos fundamentos, todos consentâneos ao objeto do pleito, pretende o Impetrante, com o presente writ, escoimar-se da nova sistemática introduzida pela Lei nº 9.783/99, no regime de previdência social dos servidores públicos civis federais, ativos e inativos, e dos pensionistas, invocando a tutela judicial para assegurar-se do direito de recolher as contribuições previdenciárias a seu cargo, nos moldes outrora fixados, sem a sujeição às alíquotas progressivas. Acerca desta pretensão, resiste o Impetrado, defendendo a novel sistemática legal.

Eis o thema decidendum.

7.2. Suscita o Impetrado, contudo, empeços preliminares, os quais rejeito com as bem lançadas razões ministeriais, verbis:

"As preliminares levantadas devem ser rejeitadas.

Apesar de sustentar que não pode figurar no pólo passivo do ‘mandamus’, a autoridade indigitada coatora confessa em suas informações que está tomando todas as providências administrativas cabíveis para cumprir a medida liminar, ou seja, detém meios para fazer cumprir uma eventual concessão da segurança, pelo que detém legitimidade para responder aos termos da segurança.

A via eleita, por seu turno, é perfeitamente adequada, porquanto o impetrante se insurge contra os efeitos concretos de uma lei que estabelece a majoração das alíquotas das contribuições previdenciárias, que pode lhe ocasionar, assim, um desconto maior em seus vencimentos."

7.3. Afastados os óbices processuais e de olhos para a pretensão deduzida, afigura-se-me, sem dúvida, escorreita a tese de inconstitucionalidade, quer material, quer formal, da Lei nº 9.783/99.

7.4. Deveras, a majoração de descontos, a título de acréscimo de contribuição previdenciária, nos subsídios da combalida classe dos servidores públicos, além de se revelar medida injusta e arbitrária, a deslegitimar o Estado social (welfare state) na sua finalidade de promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, ressente-se de visceral nódoa da inconstitucionalidade, a comprometer a coerência, unidade e incolumidade da ordem constitucional brasileira.

7.5. Como medida injusta e arbitrária, desacredita o Estado dualista e deslustra o Estado Democrático de Direito, malferindo a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político, fundamentos do Estado brasileiro, revelando, pois, a perniciosa onipotência estatal, de se arvorar como senhor absoluto de todos e de todas as coisas, aniquilando os direitos humanos fundamentais e sua respectivas garantias constitucionais.

Acrescente-se, em reforço a isto, a instituição de uma progressividade nos descontos e a fixação de altíssimos percentuais, que chegam a 25%!!

7.6. A propósito, a ferretada progressividade, instaurada pela Lei nº 9.783/99, fere a garantia da eqüidade na forma de participação no custeio (CF/88, art. 194, VI). Ora, a exigência constitucional da eqüidade reside na consideração de que os servidores públicos devem suportar o ônus da contribuição previdenciária de modo proporcional à remuneração de cada qual deles. Quer dizer, aquele servidor que recebe mais, mais expressivamente deve contribuir, mantidas, porém, as originárias diferenças estipendiárias; ou seja, preservadas as proporções entre os níveis de remuneração dos cargos públicos, tal como legalmente fixados, pois a contribuição previdenciária não se presta como instrumento de alteração de vencimentos, nem enquanto mecanismo redutor de distâncias sociais no âmbito do setor público. Logo, o único meio de efetivação dessa garantia, malferida pela Lei nº 9.783/99, é a alíquota uniforme de contribuição mensal.

Se assim o é, os percentuais de descontos previdenciários têm que ser paritários. Entrementes, já se disse, a mencionada Lei instituiu alíquotas progressivas, na medida em que tanto mais elevadas quanto mais altos os patamares de remuneração a que ela própria se referiu (de R$ 601,00 a R$ 1.200,00, 11% de desconto mensal, cuidando-se de inativos e pensionistas; de R$ 1.201,00 a R$ 2.500,00, a contribuição já sobe para 20%; e de R$ 2.501,00 em diante, o percentual cresce ainda mais, uma vez que chega aos 25 percentuais). Isso significar dizer, que a referida Lei não se contenta com a natural diferenciação das bases de cálculo (remuneração) das alíquotas previdenciárias, fazendo crescer as próprias alíquotas. Assim procedendo – como de fato procedeu -, o diploma em tela usurpou um critério de exação que a Constituição somente admitiu para o imposto de renda. A progressividade é própria de tributos que têm objetivo de redistribuição de rendas, com diminuição de desigualdades, como ocorre com o imposto de renda.

7.7. Por outro lado, a majoração implementada pela Lei 9.783/99 viola a exigência constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial (CF/88, art. 40), consistente na compatibilidade entre custos e benefícios, que bem se traduz na regra constitucional insculpida no § 5º do art. 195, da CF: Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio.

A propósito, na ação ordinária nº 99.571-6, o eminente Juiz Federal titular da 1ª vara desta Seção Judiciária, Dr. RICARDO CÉSAR MANDARINO BARRETTO, em judiciosa decisão antecipatória de tutela ali requerida, bem demonstrou, com precisos cálculos exemplificativos, que o servidor público em atividade, com o desconto de 11% sobre seus vencimentos, já paga muito mais do que deveria, revelando que a majoração encetada pela Lei não observou aquele equilíbrio financeiro e atuarial. Mas, inobstante isso, vem o Estado, com sua sanha arrecadadora, exigir mais e mais, impondo, além do arbitrário aumento progressivo do desconto, a continuidade deste em desfavor dos inativos, que passaram toda uma vida contribuindo.

Uma injustiça e uma arbitrariedade!!!

Demais disso, a regra segundo a qual nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio, corresponde a relativa à exigibilidade de causa suficiente para a majoração, sob pena de esta última discrepar do móvel que lhe é próprio, ligado ao equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios, implicando, aí sim, um adicional sobre a renda do trabalhador (STF, ADIN 790-4/DF, Min. MARCO AURÉLIO, DJ 23.04.93, pp. 06918).

7.8. Doutra banda, o malsinado desconto forcejado pelo Governo Federal viola outras garantias definidas no texto constitucional, não menos importantes que as anteriormente mencionadas. A vedação de confisco é a primeira delas. Com efeito, a progressividade instituída nos descontos (que vão de 11% a 25%) e a majoração desproporcional e desarrazoada da exação, revelam, sem dúvida, seu desiderato confiscatório, a comprometer a subsistência do servidor e de sua família. Decerto, se os servidores estivessem sujeitos unicamente ao pagamento dessa contribuição social, nenhuma palavra poderia ser dita quanto ao efeito confiscatório da exação. Mas essa contribuição é tão-somente um dos inúmeros tributos que o servidor está obrigado a recolher aos cofres públicos. Note-se que apenas a soma dessa Contribuição Social com a do Imposto de Renda chega a comprometer, na fonte, aproximadamente 50% (cinqüenta por cento) da renda do servidor que ganha acima de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), sem considerar a CPMF e uma série de tributos indiretos. A carga tributária, destarte, não pode ser sopesada mediante a análise de um único tributo isoladamente. Daí a razão de o ilustre tributarista Hugo de Brito Machado ter enfatizado, com o peso de sua autoridade, que "o caráter confiscatório do tributo há de ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto".

Corolário desta, outra garantia resulta vilipendiada, a da irredutibilidade dos subsídios. Bem a propósito, o Prof. CARLOS AYRES BRITTO, num raciocínio que só comprova sua excelência e autoridade na ciência do Direito Constitucional, assim pontificou:

"Há uma outra conseqüência fatal para a validade da Lei 9.783/99, traduzida na constatação de que, pelo viés da sobre-oneração percentual do desconto previdenciário progressivo, todo o pessoal do setor público tem quebrantada a sua garantia constitucional da irredutibilidade estipendiária. O que a lei não pode fazer diretamente (reduzir vencimentos, proventos e pensões), ela se atreve a fazer transversalmente: a instituição de alíquotas crescentes de contribuição para o pecúlio ou fundo comum de previdência social pública."

Mas não é só.

A objurgado majoração progressiva do desconto previdenciário - denuncia, com razão, o eminente constitucionalista - não se contentou em malferir a garantia da irredutibilidade estipendiária dos servidores públicos, indo mais e mais longe, para ofender, também, a exigência imposta pelo inciso X do art. 37 da Lex Fundamentalis, consistente na necessidade de lei específica para qualquer fixação ou alteração da remuneração ou subsídio dos servidores públicos.

7.9. Não bastassem esses vícios materiais de inconstitucionalidade, outros, agora de natureza formais, resultam da ferretada lei instituidora e majoradora do desconto em tela. O primeiro deles, a evidenciar o total desprezo do Estado para com a legítima ordem constitucional, decorre da circunstância de que a matéria constante na lei 9.783/99 houvera sido objeto do PEC – 0033/L/95 e rejeitada na sessão legislativa ordinária de 1998. Assim, por força da vedação contida no § 5º do art. 60 da Magna Carta, não podia ser objeto de reapresentação antes da sessão legislativa ordinária subsequente. Mas foi.

7.10. Manifesto, pois, o direito do Impetrante, com as peculiaridades de liquidez e certeza, a ensejar a proteção mandamental.

8. Isto posto, declaro, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da majoração e progressividade instituídas pela Lei nº 9.783/99 e CONCEDO a segurança requestada para assegurar ao Impetrante, em definitivo, o direito de recolher as contribuições previdenciárias a seu cargo em alíquota não excedente dos atuais 11%, proibindo a autoridade coatora, destarte, de efetuar qualquer majoração de desconto na remuneração do Impetrante, a título de acréscimo de contribuição social previsto no artigo 2º da Lei nº 9.783/99.

As custas processuais devem ser ressarcidas ao Impetrante, na forma legal.

Sem honorários advocatícios (súmulas 512 do STF e 105 do STJ).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

Publique-se, registre-se e intime-se.

Aracaju, 25 de maio de 1999.

Dirley da Cunha Júnior

JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO