PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Processo nº 2003.85.00.008705-6 - Classe 2000 - 3ª Vara
Ação: MANDADO DE SEGURANÇA
Partes:
Impte: Cheyenne Angélica Dantas Natureza
Imptdo: Gerente Executivo do Instituto Nacional do Seguro social em Sergipe.
MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO PAI. CARÁTER ALIMENTAR. PRORROGAÇÃO DO MARCO FINAL DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ATÉ OS 24 (VINTE E QUATRO) ANOS DE IDADE. APLICAÇÃO DOS ARTS. 4º E 5º DA LICC. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
SENTENÇA:
Vistos etc...
CHEYENNE ANGÉLICA DANTAS NATURESA, devidamente qualificada na exordial, e por conduto da Defensora Pública da União, impetra MANDADO DE SEGURANÇA contra ato do GERENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL NO ESTADO DE SERGIPE, visando a continuidade do recebimento da pensão por morte, que passou a receber em face do falecimento de seu genitor, Sr. GILDO CARDOSO NATURESA, ocorrido em 02 de outubro de 2002, benefício este cancelado por haver completado 21(vinte e um anos) de idade, em 13 de outubro de 2003.
Relata as agruras por que tem passado, desde o falecimento também de sua mãe, prematuramente, aos 46 (quarenta e seis) anos, em fevereiro de 2000, sofrendo as dificuldades com a queda abrupta da renda familiar, haja vista que, com a maioridade de sua irmã, passou a ser a única beneficiária das pensões por morte deixadas pelos seus pais, benefícios que somados atingem algo em torno de 2,3 (dois ponto três) salários mínimos.
Acrescenta que, inobstante todas as adversidades passadas, conseguiu, graças aos referidos rendimentos, arcar com o próprio sustento e manutenção, obter aprovação no concorrido vestibular para ingresso no Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe.
Aduz que a suspensão deste benefício, em novembro de 2004, foi justificada em face da inexistência de dependentes válidos, conforme demonstra extrato emitido pelo sistema DATAPREV trazido aos autos, em decorrência de haver a impetrante atingido a idade de 21 (vinte e um) anos, o que, nos termos dos arts. 16 e 77 da Lei nº 8.213/91 e do que consta do Regulamento Geral da Previdência Social, seria causa suficiente para extinção do benefício.
Alega que o ato da autoridade é contrário ao direito, por ter a impetrante direito líquido e certo à manutenção de seu benefício previdenciário, visto que o ato impugnado possui fundamento legal inadequado, por basear-se na Lei 8.213/91, que dispõe que a dependência econômica para fins de percepção de pensão por morte cessa com o alcance de 21 (vinte e um) anos de idade.
Afirma que este diploma normativo teve dispositivos derrogados pela Lei nº 9.250/95, que designa como dependente, para fins de imposto de renda, o filho universitário de até 24 (vinte e quatro) anos de idade, aplicando-se, por conseguinte, tal norma para efeito de pagamento de benefício previdenciário.
Requer a concessão da medida liminar para que reste observado o direito da impetrante à percepção do benefício previdenciário de pensão por morte, em razão do falecimento de seu genitor, Gildo Cardoso Naturesa, até que a demandante conclua sua formação universitária ou alcance a idade de 24 (vinte e quatro) anos.
Pugna pela concessão do benefício da Justiça Gratuita.
Junta os documentos de fls. 25/35.
Às fls. 38 usque 42, o MM. Juiz Federal Carlos Rebelo Júnior proferiu decisão concedendo a medida liminar requestada, determinando o imediato restabelecimento do pagamento do benefício, até ulterior deliberação judicial.
A autoridade coatora apresentou suas Informações às fls. 48/59, argüindo a sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da demanda, haja vista que o ato hostilizado não foi por si praticado.
Ressalta a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante, porquanto não demonstrada a configuração de ato inquinado como abusivo, estando ausente a prova pré-constituída do fato alegado.
No mérito, pede a denegação da segurança, afirmando que, nos termos do art. 16, III, da Lei nº 8.213/91, conforme redação dada pela Lei nº 9.032/95, e do art. 17, III, do Decreto nº 3.048/99, a impetrante perdeu a condição de dependente do segurado no momento em que atingiu a idade de 21 (vinte e um) anos de idade.
Acrescenta que o fato puro e simples da impetrante ser universitária não lhe assegura o percebimento do benefício, já que as prestações, em geral, da Previdência Social tem caráter securitário.
Esclarece que a Administração Pública ao proceder o cancelamento do benefício, fé-lo em obediência ao artigo 37, caput, da Constituição Federal, que trata dos princípios que norteiam a atividade administrativa, dentre eles o princípio da legalidade, haja vista que a impetrante não preenche as condições legais para a percepção do benefício.
Diante da petição de fl. 61, informando que o benefício da autora não foi restabelecido, determinei, à fl. 62, o imediato cumprimento da decisão de fls. 38/42, vindo aos autos as petições de fls. 70/76 e 78/79, informando o cumprimento da decisão judicial concessiva da medida liminar deferida.
Às fls. 52/54, o Ministério Público Federal emite seu Parecer, opinando pela concessão da segurança, sob o argumento de que, o benefício da pensão por morte é devido ao filho maior até 24 (vinte e quatro) anos, que esteja cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, pela mesma razão em que é ele é considerado dependente para fins de imposto de renda: a dependência econômica enquanto não completada a formação profissional.
Vieram-me os autos conclusos para sentença.
É O BREVE RELATO.
DECIDO.
Os presentes autos trazem matéria amplamente debatida, na qual a jurisprudência costuma se dividir entre estender ou não o benefício até que o dependente/beneficiário da pensão por morte complete 24 (vinte e quatro) anos ou conclua o curso superior.
Entretanto, ao decidir uma demanda posta em Juízo, o julgador deve ter em mente não só o estrito cumprimento da lei e do rito processual, mas, também, o alcance e a força que tal decisão terá ao decidir sobre vidas e destinos.
Segundo a lição do Min. Sálvio de Figueiredo:
"A interpretação das leis não deve ser formal, mas, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando 'contra legem', pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum."RSTJ 26/378.
Deve-se observar, ainda, o preceituado no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC, em que o juiz deve aplicar a lei, atendendo aos fins sociais a que ela se dirige, e como a finalidade do direito previdenciário é essencialmente assistencial, a retirada dos proventos que a autora percebe pode contrariar a sua essência, pois levará ao desamparo e quem sabe até ao desespero de ter que abandonar os estudos para ter que ingressar imediatamente no mercado de trabalho jovem universitária que necessita concluir os seus estudos acadêmicos para que possa iniciar-se na vida profissional.
Destarte, norteado pelo princípio da razoabilidade, penso que a situação que ora se apresenta, com todas as dificuldades e sofrimentos a que fora submetida a impetrante, enquanto estudante e dependente, ao perder sua mãe, funcionária pública municipal, e, posteriormente, seu genitor, servidor público federal, exige um tratamento jurídico diferenciado e solidário, que assegure sua dignidade como cidadã e ser humano, garantido em nossa Carta Magna, no art. 1º, inciso III, que estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como diretriz do Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil.
Por sua vez, pela vertente da Lei Maior, a educação foi erigida a um patamar elevado, constituindo-se em um direito de todos. Como a extensão pleiteada visa a assegurar a continuidade dos estudos da demandante, impedir o prolongamento temporal do benefício, no caso dos autos, implica o descumprimento de um preceito de ordem constitucional.
Assim determina o art. 205 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A maioridade, por si só, não retira a condição de dependente econômico; apenas a independência financeira teria o condão de alterar tal situação, status esse alcançado através do trabalho, que exige qualificação, e inegavelmente, resulta da educação obtida durante a vida - o indivíduo com mais tempo na escola tem suas alternativas profissionais ampliadas.
A idade de 24(vinte e quatro) anos é o limite razoável para o beneficiário, na condição de dependente de segurado, perceber a pensão por morte que lhe permita concluir o nível superior, uma vez que os universitários brasileiros, em regra, não encerram seus estudos aos 21(vinte e um) anos de idade.
Nesse sentido, já decidiu o Egrégio TRF da 4ª Região:
“MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHA MENOR. UNIVERSITÁRIA. DEPENDÊNCIA DO PAI. PRORROGAÇÃO DO MARCO FINAL ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. APLICAÇÃO DOS ARTS. 4º E 5º DA LICC. 1. A Administração Pública deve observar o Direito, nele compreendido, entre outros, além da legalidade, in casu, deve também ser obedecido os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e interesse público. 2. O benefício previdenciário devido aos filhos do segurado da Previdência Social, tem por finalidade suprir a carência econômica deixada pela ausência do mantenedor da prole. 3. A pensão de filha menor deve ser prorrogada até os 24 anos de idade, quando cursando nível superior, porquanto não se mostra razoável interromper o desenvolvimento pessoal e a qualificação profissional da Impetrante, em detrimento da verba econômica que a administração deverá dispor, sob pena de ferir direito líquido e certo à educação. (TRF - 4ª Região, 6ª Turma, AMS nº 77359-PR, rel. Juiz Tadaaqui Hirose, DJU in 22.01.2003, p. 238) “
O Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu, em ações de indenização – dano material, razoável a fixação do limite de 24 (vinte e quatro anos) para que o dependente se beneficie da pensão por morte, quando, presumivelmente, terá concluído sua formação, conforme transcrevo:
“DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – MORTE DO PAI – PENSÃO DEVIDA AO FILHO – TERMO FINAL.
I – Tratando-se de ressarcimento de dano material, a pensão será devida enquanto razoável admitir-se, segundo o que comumente acontece, subsistisse vinculo de dependência. Fixação do limite em vinte e quatro anos de idade, quando, presumivelmente, os beneficiários da pensão terão concluído sua formação, inclusive, em curso universitário. Precedentes do STJ.
II – Recurso conhecido e provido” (RESP 56.705 – RJ, Relator: Ministro Waldemar Zveiter, in DJ 02.12.96).” (grifei)
“DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – PENSÃO DEVIDA A FILHO MENOR, EM CASO DE MORTE DO PAI (DANO MATERIAL). TERMO FINAL.
Finda aos vinte e cinco (25) anos de idade do beneficiário, segundo voto do Relator (vencido), e aos vinte e quatro (24) anos de idade, segundo o voto da maioria, a obrigação de pensionar. Presume-se que em tal idade terá ele completado a sua formação escolar, inclusive universitária. 2º recurso especial conhecido pelo dissídio e provido em parte. 2. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PUBLICO COMO FISCAL DA LEI. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE, QUE NÃO FOI ACOLHIDA. SUMULAS 282 E 356/STF, E SUMULA. 7/STJ. 1. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO” (RESP 94.538 – RO, Relator: Ministro Nilson Naves, in DJ 04.08.1997).” (grifei).
De nada adianta se falar em dignidade, em direito à educação e ao trabalho se não se assegura ao cidadão, com atitudes, tal direito, pois, levando-se em conta todas as dificuldades que um jovem encontra, nos dias atuais, para ingressar no mercado de trabalho portando diploma de curso superior, e com o apoio de seus pais, podemos antever o agravamento dessas dificuldades com a ausência destes e sem o preparo devido.
Inquestionável também o caráter alimentar do benefício pretendido e a sua origem - a relação de parentesco, aplicando-se aos benefícios previdenciários a exegese utilizada na pensão alimentícia, que temporiza a maioridade civil para o fim de formação universitária, posicionamento encontrado no julgamento do Colendo TRF da 2ª Região, abaixo transcrito:
“PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR DE IDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO.DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CARÁTER ALIMENTAR. I - Filho de segurado da previdência social faz jus à pensão por morte até os vinte e quatro anos de idade, desde que comprovado o seu ingresso em universidade à época em que completou a maioridade e a dependência econômica, a fim de assegurar a verdadeira finalidade alimentar do benefício, a qual engloba a garantia à educação. II - Devido à natureza alimentar, não há argumento que justifique conferir à pensão por morte uma aplicação diversa da que é atribuída aos alimentos advindos da relação de parentesco, regulada pelo Direito Civil, sendo certo que nesta seara vigora o entendimento segundo o qual o alimentando faz jus a permanecer nesta condição até os 24 (vinte e quatro) anos de idade se estiver cursando faculdade. III - É preciso considerar o caráter assecuratório do beneficio, para o qual o segurado contribuiu durante toda a sua vida com vistas a garantir, no caso de seu falecimento, o sustento e o pleno desenvolvimento profissional de seus descendentes que, se vivo fosse, manteria com o resultado de seu trabalho, por meio do salário ou da correspondente pensão. IV - Recurso provido.(TRF - 2ª Região, 6ª Turma, AC nº 197037-RJ, rel. Juiz André Fontes, DJU in 21.03.2003, republicado em 05.05.2003, p. 168) “
Vê-se que a solução apresentada encontra ressonância em diversos Tribunais, assim como no Douto TRF da 5ª Região, consoante o julgado a seguir transcrito:
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. EXTENSÃO ATÉ 24 (VINTE E QUATRO) ANOS. POSSIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS. CONCESSÃO DA CAUTELAR. 1. CUIDANDO DE PENSÃO PERCEBIDA POR ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO E PRESUMINDO-SE QUE ATÉ A CONCLUSÃO DE SUA FORMAÇÃO PROFISSIONAL ENCONTRAR-SE-IA SOB A DEPENDÊNCIA DO DE CUJUS, É DE GARANTIR-LHE A PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ A IDADE DE 24 (VINTE E QUATRO) ANOS; 2. PRESENTES O FUMUS BONI JURIS E O PERICULUM IN MORA, MANTÉM-SE A DECISÃO SINGULAR QUE JULGOU PROCEDENTE A CAUTELAR DETERMINANDO O RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PERCEBIDO PELA REQUERENTE. 3. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.(TRF - 5ª Região, 2ª Turma, AC nº 235254-RN, rel. Des. Fed. Petrucio Ferreira, DJ in 21.02.2003, p. 465)
Posto Isso, e em face das razões aqui esgrimidas e, considerando presente direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante, concedo a segurança requestada, determinando à autoridade coatora que mantenha a pensão por morte deixada pelo genitor da impetrante, até que se dê a sua colação de grau ou complete 24 (vinte e quatro) anos de idade, conforme a condição que primeiro se implementar.
Sem honorários advocatícios, consoante entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal na Súmula n.º 512.
Sem condenação em custas processuais.
Sentença sujeita ao reexame necessário, ex vi do disposto no artigo 12, parágrafo único da Lei nº. 1.533, de 31 de dezembro de 1951.
P.R.I.
Aracaju, 31 de Maio de 2004.
Juiz Edmilson da Silva Pimenta