PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Ação: Ordinária
Autor: Luiz Carlos do Nascimento
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social.
Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto.
Previdenciário. Concessão de aposentadoria por tempo de serviço. Conversão de atividades desenvolvidas em condições especiais. Comprovação. Procedência.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Luiz Carlos Nascimento, qualificado na inicial de fls. 02, propõe, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a presente de ação conhecimento, com pedido de antecipação da tutela, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, com o pagamento das diferenças daí decorrentes, acrescidas de juros e correção monetária.
Alega que laborou em diversas empresas, exercendo em algumas delas atividade sujeita à exposição a agentes nocivos e, munido da respectiva documentação, solicitou ao INSS a concessão do benefício previdenciário indicado, tendo o seu pleito sido indeferido em face do não reconhecimento da contagem especial de tais vínculos, além de não haver sido reconhecido o exercício da atividade de pescador.
Pede a concessão da gratuidade judiciária, a antecipação da tutela e, ao final, a procedência do pedido.
Trouxe os documentos de fls. 26 a 90.
Reservei-me quanto ao pleito antecipativo e determinei que o INSS apresentasse a cópia integral do processo administrativo que resultou no indeferimento do pedido de aposentadoria.
Citado, o INSS contesta, aduzindo que o autor não comprovou o exercício de atividade laborativa, permanentemente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física, além de não ter trazido o início de prova material necessária à comprovação da atividade de pescador.
Nas fls. 104, o INSS requereu a suspensão do prazo para apresentação do processo administrativo, em função da greve dos servidores da autarquia.
Em decisão de fls. 106-107, o MM. Juiz Júlio Rodrigues Coelho Neto deferiu o pedido do INSS.
O Autor manifestou-se sobre a contestação, ratificando os termos da inicial.
É o relatório.
Destaco, inicialmente, ser desnecessário o acostamento do processo administrativo, uma vez que os elementos constantes dos autos já são suficientes ao deslinde da causa. Desta forma, configurada a hipótese do art. 330, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide.
Trata-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia previdenciária não reconhece as condições especiais em que foi prestado.
Antes de adentrar no mérito, cumpre-me analisar a presença dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria, em face das disposições trazidas com o advento da Emenda nº 20/98.
Sobre a questão, valho-me, como razão de decidir, de trecho de sentença[1] proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto Júlio Rodrigues Coelho Neto, que assim se manifestou:
“ Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, as normas regentes da previdência social foram significativamente modificadas, estabelecendo-se novos preceitos e critérios para a sua organização e administração.
A Emenda Constitucional nº 20, deu nova redação ao § 1º do artigo 201, vedando a adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral da previdência social, e ressalvando os casos daqueles que desempenham atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.
Foram estabelecidos requisitos etários e de tempo de contribuição para a concessão do benefício previdenciário, contudo foi resguardado o direito de opção para aqueles segurados que já se encontravam inscritos no Regime Geral de Previdência Social quando de sua edição, na forma do artigo 9º da EC nº 20/98. Assim dispôs o referido artigo:
‘Art. 9º. Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I – contar com cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II – contar com tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de :
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior’
Verifica-se que o “caput” acima transcrito permite que o segurado filiado anteriormente à promulgação da Emenda opte pelas normas de transição ou por aquelas agora estabelecidas. Estes novos requisitos estão disciplinados no artigo 201 § 7º da Constituição, da seguinte forma:
‘Art. 201.
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.”
No caso em apreço, o Autor, ao tempo da edição da EC nº 20/98, já era filiado ao regime geral da previdência social (f. 74), o que o habilita a discernir entre as duas formas de inativação estipuladas pela Emenda.
O Autor nasceu em 09.09.1954, contando, ao tempo de entrada do requerimento administrativo, com quarenta e quatro anos de idade, o que, de logo, exclui a opção prevista no artigo 9º da Emenda Constitucional. Assim o é, em razão da cumulatividade dos requisitos, na qual a regra de transição fixou idades mínimas para a aposentadoria integral do homem e da mulher, tempo mínimo de contribuição e período adicional de contribuição.
Resta, dessa forma, a opção prevista no parágrafo 7º do artigo 201, da Constituição. Nesta, não há cumulatividade de requisitos, devendo o segurado preencher uma das condições estipuladas, idade ou tempo de contribuição.
Efetuada essas observações, passo à análise do pedido do Autor.
A aposentadoria especial é uma espécie do gênero aposentadoria por tempo de serviço, para a qual o segurado deve laborar em local onde fique exposto a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos, capazes de ocasionar danos à saúde ou integridade física, em razão de sua natureza, concentração, intensidade e exposição.
A Constituição Federal, ao disciplinar a previdência social, assim estatuiu quanto a aposentadoria:
“Art. 201.
(...)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.”
Assim o fez para assegurar a justiça social àqueles que militem em situações excepcionais, resguardando-os das seqüelas que advirão de suas atividades.
A Lei n.º 8.213/91, definindo os planos de benefícios da previdência social disciplinou a aposentadoria especial nos seus artigos 57 e 58. Nestes, após as alterações advindas com a Lei n.º 9.032/95, estão previstos os períodos de exposição a agentes agressivos além dos requisitos necessários para a sua concessão.
No caso dos autos, o Autor afirma ter desenvolvido a atividade de pescador no período de 03.01.70 a 30.01.74, fato esse não reconhecido pelo INSS. Além disso, afirma que prestou serviços ao Posto São Francisco, no período de 01.02.74 a 12.04.76, à Sergipe Industrial, no período de 13.07.77 a 27.09.77 e à Energipe – Empresa Energética de Sergipe, no período de 01.09.80 a 30.11.97, sustentando que todas essas se enquadram no rol daquelas previstas como especiais.
A questão relativa ao exercício da função de pescador encontra-se devidamente demonstrada nos autos, conforme se vê dos documentos de fls. 30-43 e que não foram impugnados pelo INSS. Tais documentos atestam que o Autor está inscrito na Colônia de Pescadores de São Cristóvão desde 03.01.70 permanecendo associado, pelo menos, até 24.07.98 (f. 31).
Desta forma, não tendo a autarquia previdenciária trazido qualquer elemento para afastar a comprovação do exercício da atividade, é de se considerar como válidas as alegações do autor, admitindo-se o tempo de serviço respectivo para fins de aposentadoria.
Nestes termos, como à época dos fatos vigia o Decreto n.º 53.831/64, que em seu item 2.2.3 considerava como especial a atividade de pescador, o tempo de serviço deverá ser contado de forma especial (fator 1,4).
Superada essa questão, pode-se montar o seguinte quadro representativo dos demais vínculos contratuais, reconhecidos até 15.12.98, com base nos documentos trazidos aos autos (f. 44-71) e resumo de documentos elaborado pelo INSS (f. 74-75).
EMPRESA
PERÍODO
FUNÇÃO
Posto São Francisco
01.02.74 a 12.04.76
Ajudante
José Menezes Prudente Cia Ltda.
01.05.76 a 24.04.77
Servente
Sergipe Industrial S/A
13.07.77 a 27.09.77
Servente de Tecelagem
Clínica Infantil de Aracaju
01.02.78 a 02.01.79
Sucam/SE
16.11.78 a 31.12.79
Guarda de Endemias
Energipe
01.09.80 a 03.11.97
Auxiliar de Eletricista/Operador de Subestação
Contribuinte Individual
01.12.97 a 30.07.98
Como já dito anteriormente, a resistência do INSS, quanto à natureza especial de suas atividades, circunscreve-se aos períodos em que laborou para o Posto São Francisco, Sergipe Industrial e Energipe. Entende que o Autor não se encontrava em situação de habitual e permanente exposição aos agentes agressivos.
Analisando-se os documentos acostados aos autos, verifica-se, contudo, que, nos períodos indicados, o Autor esteve efetivamente exposto a agentes tipificados como agressivos à sua saúde.
Explico.
No que pertine ao Posto São Francisco Ltda., os documentos de f. 45-47 atestam que no exercício de suas atividades o Autor esteve exposto à umidade, prevista como agente nocivo no item 1.1.3 do Decreto n.º 53.831/64 e à Gasolina, Diesel e Etanol, em cuja composição encontram-se os agentes químicos previstos no item 1.2.11 da mesma norma, todos considerados nocivos, o que resulta na contagem especial do tempo de serviço pelo fator 1,4.
Por seu turno, quanto ao serviço prestado na Sergipe Industrial S/A, verifica-se que o Autor esteve exposto ao agente físico ruído, com média equivalente superior a 98 decibéis (f. 54), estando tal atividade prevista no item 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, o qual fixa o tempo mínimo para a aposentadoria em 25 anos.
Quanto ao vínculo mantido com a Energipe as provas trazidas aos autos permitem afirmar que o Autor ficou exposto, durante o período de 01.09.80 a 03.11.97, ao agente nocivo ‘eletricidade’, com tensão de trabalho entre 13.8 KV e 69 KV, uma vez que: “ajudava nas tarefas em serviços de construção e manutenção de linhas e redes de distribuição de energia elétrica, na instalação ou substituição de acessórios dos postes de energia elétricas” (f. 61) e “operava equipamentos em subestação de transformadores e distribuição de energia elétrica, acionando painéis de comando, sinalização e alarme; efetuava manobras em disjuntores, reguladores, transformadores, chaves seccionadores, etc., e verificava e completava o nível de água em banco de baterias” (f. 63).
Disso decorrem algumas conseqüências. A primeira, não deixa dúvida, pela descrição das tarefas, tratar-se de atividade insalubre e perigosa, que foi o objetivo do legislador proteger, para efeito de concessão de aposentadoria especial.
A segunda, é que, com a inegável comprovação das condições especiais de trabalho, corroborada por laudo técnico, o Autor supera as exigências contidas na Lei 9.032/95 e tem o direito à contagem especial até 05.03.97, vez que a partir daí vige o Decreto 2172/97, o qual, ao fixar, em seu anexo IV, os agentes nocivos que dariam ensejo ao cômputo diferenciado, não contemplou, sequer implicitamente, a exposição à eletricidade.
O enquadramento de sua categoria profissional como eletricista possibilita a conversão do seu tempo de serviço pelo fator 1,40 (art. 70, parágrafo único do Decreto nº 3.048/99).
Desta forma, procedendo-se à conversão dos tempos de serviços aqui reconhecidos como especiais e adicionando-os àqueles de natureza comum, verifica-se que o Autor atinge o tempo de serviço de 35 anos 06 meses e 15 dias, suficientes para a concessão da aposentadoria integral nos termos do art. 52 da Lei n.º 8.213/91, desde a data do requerimento (23.03.99) e com a observância da regra contida no art. 6º da Lei n.º 9.876/99, uma vez que, na data de edição desse diploma, o segurado já tinha tempo suficiente à obtenção do benefício.
O acolhimento do pedido implica no pagamento de parcelas vencidas e não pagas, às quais deve ser acrescida a correção monetária, nos termos da Lei nº. 6.899/81, até o dia 10.01.2003, aplicando-se, a partir daí, a disposição constante do art. 406, do Novo Código Civil, isto é, atualizando-se exclusivamente com a incidência da Taxa SELIC, que é a taxa utilizada pelo Fisco para a mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional e absorve a correção e os juros.
Em relação aos juros, estes serão contados com a citação, conforme Súmula 204, do STJ, no patamar de 1% ao mês, nos termos de entendimento também consolidado naquela Colenda Corte, reiterado em diversos julgados (veja-se, por exemplo: RESP nº 233.380/RN – rel. Min. Gilson Dipp, RESP nº 297.244/CE – rel. Min. Edson Vidigal, RESP nº 297.058/SE – rel. Min. Jorge Scartezzini, RESP nº 298.309/CE – rel. Min. Vicente Leal, RESP nº 302.099/CE – rel. Min. Félix Fischer), sobre o valor do débito corrigido, calculados até o dia 10.01.2003. A partir daí, valem as observações acima quanto à aplicação da Taxa SELIC.
Isto posto, julgo procedente o pedido para reconhecer o exercício da atividade de pescador no período de 03.01.70 a 30.01.74, atividade esta que enseja contagem especial, reconhecendo, ainda, como especial, o tempo de serviço prestado pelo Autor no Posto São Francisco Ltda., no período de 01.02.74 a 12.04.76; na Sergipe Industrial S/A, no período de 13.07.77 a 27.09.77 e na Energipe, no período de 01.09.80 a 05.03.97, todos a serem convertidos mediante utilização do fator 1.4.
Por conseguinte, condeno o INSS a conceder a aposentadoria por tempo de serviço ao Autor, desde a data do requerimento e com a observância da regra contida no art. 6º da Lei n.º 9.876/99.
Condeno, ainda, o INSS no pagamento das parcelas vencidas até o implante do benefício do Autor, devidamente corrigidas e acrescidas de juros na forma acima indicada, tudo a ser apurado em liquidação.
Condeno, finalmente, o réu no pagamento de honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor dos atrasados.
Por fim, atento aos termos do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, e, conforme entendimento do próprio STF, sumulado através de seu repertório de jurisprudência de n.º 729, antecipo os efeitos da tutela pretendida, determinando que o INSS implante, no prazo de 30 dias, o pagamento da prestação mensal referente ao benefício.
Comino, em caso de descumprimento, multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais).
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 475, I CPC).
Decorrido o prazo para a propositura de eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5a Região.
P. R. I.
Aracaju, 26 de fevereiro de 2004.
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal da 1ª Vara