PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
PROCESSO N° 2001.85.00.005329-3
CLASSE 01000 — AÇÕES ORDINÁRIAS
REQUERENTE: Edinaldo Elias dos Santos
REQUERIDO: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
SENTENÇA
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. I – Demonstrada a prestação laboral sob condições especiais é possível a sua conversão em tempo comum. II – A prova documental é suficiente para a comprovação de prestação de atividades rurais em regime de economia familiar. III – Suficiência de tempo para obtenção do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço. IV – Ação procedente.
1. RELATÓRIO:
Edinaldo Elias dos Santos ajuíza a presente ação de conhecimento em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço, computando-se período em que laborou como trabalhador rural, em regime de economia familiar, e, ainda, um período posterior, no qual trabalhou exposto a condições especiais, em especial ao agente físico ruído.
Alega que laborou na condição de trabalhador rural, no período de 25.08.1968 a 23.12.1979.
Aduz que, nos períodos de 08.05.85 a 04.11.85 e 15.01.86 a 05.04.2001, prestou serviços às empresas Construtora Celi Ltda. e Sergipe Industrial S/A, onde exerceu atividades de natureza insalubre, estando de modo habitual e permanente exposto a agentes nocivos.
Com a inicial, acostou os documentos de f. 16-69.
Citado, o INSS oferece resposta, em forma de contestação, na qual alega que o Autor não se enquadra na categoria de segurado especial, não preenchendo os requisitos mínimos necessários à aposentadoria especial.
Requer, ao final, a improcedência do pedido.
Pelo INSS foi acostada cópia do processo administrativo indeferitório do pleito autoral (f. 84-138).
Antecipação de tutela negada pelo MM. Juiz Vladimir Souza Carvalho (f. 139).
Intimado, o Autor ofertou réplica à contestação (f. 141-148).
Instadas sobre produção de provas, as partes nada requereram.
É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
Cuida-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, no qual o Autor pretende o cômputo de período em que trabalhou como trabalhador rural e, ainda, a conversão em tempo comum da fase em que laborou sob condições especiais.
Para o melhor deslinde da questão, serão analisadas separadamente as quadras pretendidas pelo Requerente.
2.1 - Do exercício de atividade rural
Com efeito, a prova apresentada pelo autor satisfaz, mormente se considerarmos a realidade rural de nosso País, onde os trabalhadores não têm carteira assinada e desempenham suas atividades da maneira mais informal.
Os documentos apresentados pelo Requerente, como a Certidão de Casamento (f. 45), no qual consta a sua profissão como sendo lavrador, a Cédula de Identidade expedida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso (f. 47), onde também se encontra lançada a profissão de lavrador, além da Declaração de exercício de atividade rural do Sindicato dos trabalhadores rurais de Gararu/SE (f. 51) e a declaração do proprietário do terreno (f. 53), sustentam que exerceu atividades rurais no período indicado na exordial.
É sabido, por outro lado, que a situação fática é bastante corriqueira, especialmente nas cidades do interior do Estado, nas quais a atividade agrícola, entre as camadas populacionais mais humildes, é quase uma unanimidade.
As exigências da legislação previdenciária, verdadeiro fetiche pelas provas ditas materiais, de há muito venho reputando-as dissociadas da realidade social do País, merecendo uma interpretação contemporizadora, de modo a impedir que se transformem em uma “camisa de força” para o juiz, ferindo o princípio do livre convencimento. O art. 106 e seguintes, da Lei 8.213/91, foram redigidos, naturalmente, para um país imaginário, supostamente plantado no primeiro mundo, onde o trabalhador simples tem educação altamente desenvolvida, capaz de um senso de organização pessoal perfeito.
De outro lado, sabiamente, a jurisprudência assim vem entendendo quanto à interpretação das mencionadas exigências:
“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA. 1. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91). 2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados, devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função exercida pelo trabalhador(...)”. (STJ. REsp 425380. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJ 12.05.2003, p. 364).
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. LEI N. 8.213/91. PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI. REQUISITOS. PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. PERIODO DE CARENCIA. DESNECESSIDADE. 1. Requisito de idade mínima para a obtenção do beneficio comprovado através da carteira de identidade e do respectivo CIC da requerente. 2. A jurisprudência vem admitindo a validade da prova exclusivamente testemunhal para comprovação do efetivo exercício da atividade rural, bem como o seu respectivo tempo de serviço a zona rural, quando aquela constitui prova idônea e hábil a convencer o magistrado acerca da veracidade e da contemporaneidade dos fatos alegados. 3. O nosso ordenamento jurídico consagrou o princípio da persuasão racional (CPC, art. 131), pelo qual o juiz formará o seu convencimento com liberdade no exame das provas, desde que baseado nos elementos probatórios demonstrados nos autos. 4. Quanto a carência, outro requisito exigido para a concessão da aposentadoria por idade, a jurisprudência deste e de outros tribunais tem se posicionado no sentido da desnecessidade de comprovação desse período mínimo de contribuições, no que se refere aos trabalhadores rurais, configurando exceção a regra contida no art. 142 da lei n. 8.213/91. 5. Apelação improvida.” (TRF 5ª Região. Relator - Juiz Araken Mariz. DJ 04-12-98. p 1095).
É verdade que há que se ter cuidado na concessão desses benefícios, porque a fraude campeia, mas não se pode ser excessivamente rigoroso, a ponto de negar-se importância das provas documentais apresentadas, não impugnadas pela autarquia previdenciária.
2.2 - Do exercício de atividade em condições especiais
Passo à análise do pedido de averbação, para fins de aposentadoria junto ao Instituto Nacional do Seguro Social, de tempo de serviço prestado em condições especiais.
A aposentadoria especial é uma espécie do gênero aposentadoria por tempo de serviço, para a qual o segurado deve laborar em local onde fique exposto a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos, capazes de ocasionar danos à saúde ou integridade física, em razão de sua natureza, concentração, intensidade e exposição.
A Constituição Federal, ao disciplinar a previdência social, assim estatuiu quanto a aposentadoria:
“Art. 201.
(...)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.”
Assim o fez para assegurar a justiça social àqueles que militem em situações excepcionais, resguardando-os das seqüelas que advirão de suas atividades.
A Lei n.º 8.213/91, definindo os planos de benefícios da previdência social disciplinou a aposentadoria especial nos seus artigos 57 e 58. Nestes, após as alterações advindas com a Lei n.º 9.032/95, estão previstos os períodos de exposição a agentes agressivos além dos requisitos necessários para a sua concessão.
No caso dos autos, o Autor prestou serviços a diversas empresas, sustentando que a sua atividade se enquadra no rol daquelas previstas como especiais.
O quadro adiante esclarece os vínculos contratuais, o período de duração e a atividade desenvolvida:
EMPRESA
PERÍODO
FUNÇÃO
Manoel Nunes da Mota
25.08.68 a 23.12.79
Trabalhador Rural
Cond. Edf. Jangada
05.07.80 a 16.08.80
Servente
Transportadora Blumenauense Ltda.
18.08.80 a 31.05.85
Serviços Gerais
Construtora Celi Ltda.
08.05.85 a 04.11.85
Servente
Sergipe Industrial S/A
15.01.86 a 26.01.88
27.01.88 a 15.12.98
Servente
Fiandeiro
A resistência do INSS, quanto à natureza especial de suas atividades, circunscreve-se aos períodos em que laborou para a Construtora Celi Ltda. e Sergipe Industrial S/A. Entende que o autor não se encontrava em situação de habitual e permanente exposição aos agentes agressivos.
Analisando os documentos acostados aos autos, verifica-se, contudo, que, nos períodos indicados, o Autor esteve efetivamente exposto a agentes tipificados como agressivos à sua saúde.
Nos vínculos laborais combatidos, o Autor esteve exposto ao agente físico ruído, com média equivalente superior a 90 decibéis (Informações sobre atividades exercidas em condições especiais e Laudos Técnicos de f. 23-41), estando tal atividade prevista no item 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, o qual fixa o tempo mínimo para a aposentadoria em 25 anos.
Dessa forma, verifica-se que, ao se proceder ao cômputo do período de trabalhador rural e à conversão do seu tempo de atividade especial em comum(art. 64 do Decreto 2.172/97), o Autor alcança um tempo de serviço de 35 anos e 03 dias, ao tempo da edição da Emenda Constitucional nº 20 (15/12/98), o que lhe concede o direito à aposentadoria integral por tempo de serviço (arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/91).
O acolhimento do pedido implica no pagamento de parcelas vencidas, às quais deve ser acrescido a correção monetária, nos termos da Lei nº. 6.899/81, até o dia 10.01.2003, aplicando-se, a partir daí, a disposição constante do art. 406, do Novo Código Civil, isto é, atualizando-se exclusivamente com a incidência da Taxa SELIC, que é a taxa utilizada pelo Fisco para a mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional e absorve a correção e os juros.
Em relação aos juros, estes serão contados com a citação, conforme Súmula 204, do STJ, no patamar de 1% ao mês, nos termos de entendimento também consolidado naquela Colenda Corte, reiterado em diversos julgados (veja-se, por exemplo: RESP nº 233.380/RN – rel. Min. Gilson Dipp, RESP nº 297.244/CE – rel. Min. Edson Vidigal, RESP nº 297.058/SE – rel. Min. Jorge Scartezzini, RESP nº 298.309/CE – rel. Min. Vicente Leal, RESP nº 302.099/CE – rel. Min. Félix Fischer), sobre o valor do débito corrigido, calculados até o dia 10.01.2003. A partir daí, valem as observações acima quanto à aplicação da Taxa SELIC.
3. DISPOSITIVO:
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE os pedidos formulados na inicial, no sentido de:
3.1 - Determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço prestado pelo Autor na condição de segurado especial - trabalhador rural, no período compreendido entre 25.08.1968 a 23.12.1979;
3.2 – Reconhecer como especial o tempo de serviço compreendido nos períodos de 08.05.1985 e 04.11.1985 (Construtora Celi Ltda.) e 15.01.86 a 15.12.98 (Sergipe Industrial S/A), prestado pelo Autor às mencionadas empresas e determinar ao INSS a sua conversão em comum pelo fator de 1.4 (art. 70, parágrafo único do Decreto nº 3.048/99);
3.3 – Determinar ao INSS que proceda à concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço ao Autor, com data inicial a partir de 05.04.2001, data de entrada do requerimento administrativo.
3.4 - Condenar o INSS no pagamento das diferenças devidas desde a data acima indicada (05.04.2001) até a implantação do benefício aqui deferido, tudo a ser apurado em liquidação, sendo devidamente corrigido e acrescido de juros na forma acima indicada.
3.5 - Condeno, por fim, o réu no pagamento de honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor dos atrasados.
3.6 – Antecipo os efeitos da tutela, a fim de que o réu implante, em 30 (trinta) dias, o benefício do autor, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (Cem reais) a ser suportada solidariamente pelo órgão e seu dirigente (art. 461 § 4º do CPC).
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 475, I CPC).
Decorrido o prazo para a propositura de eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5a Região.
P.R.I.
Aracaju, 27 de fevereiro de 2004.
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal – 1ª Vara Federal