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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 99.118-4 - Classe 01000 - 1ª Vara

Ação: Ordinária

Autor: João Victor Rocha da Silva

            Geovane Rocha da Silva

Réu: Instituto Nacional do Seguro Social

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto

 

 

 

Previdenciário. Pensão por morte. Provado o direito dos autores que foram criados pela avó, como se filhos fossem, e designados em vida. Inteligência do art. 226, §3º, II, da Constituição e do art. 33 da Lei 8.069/90. Ação procedente.

 

 

 

SENTENÇA:

 

                        Vistos, etc...

 

                        João Victor Rocha da Silva e Geovane Rocha da Silva, qualificados na inicial de fls. 02,  representados neste ato por seu genitor, propõem, em face o Instituto Nacional do Seguro Social, a presente ação ordinária, objetivando receber pensão por morte desde a data do óbito de sua avó, em 20/05/96, contando-se juros de mora. 

                        Dizem que sempre viveram sob a dependência econômica de sua avó, situação essa reconhecida perante o réu, conforme prova a correspondente anotação na CTPS e Escritura Pública de Declaração.

Com a inicial, os documentos de fls. 04 a 15.

Em audiência, o INSS apresenta contestação, alegando que o pedido deve ser julgado improcedente, eis que a Lei nº 9.032/95 excluiu a figura da pessoa designada do rol de beneficiários do RGPS e o óbito da segurada ocorreu em momento posterior à vigência da referida lei, inexistindo, na hipótese, direito adquirido. 

Convertido o rito em ordinário, os autores foram intimados, manifestando-se sobre a contestação.

Com vistas, o MPF opina pela improcedência do feito.

Instadas quanto à produção de provas, as partes não declinaram interesse.

Anunciado o julgamento antecipado da lide, não tendo havido manifestação das partes.

 

É o relatório.

 

Com efeito, o pedido dos autores merece prosperar. Vejamos.

Relativamente ao primeiro deles, João Victor Rocha da Silva, a prova é robusta, no sentido de que o mesmo fora criado como verdadeiro filho pela sua avó, já que, sob sua dependência, vivia, conforme atesta o próprio réu ao inscrevê-lo como “dependente” na CTPS da segurada (fls. 11).

Da situação fática que restou demonstrada, percebo que D. Maria José Rocha da Silva exercia a guarda de fato sobre o supracitado requerente, de onde emerge o direito deste último em ser equiparado à condição de filho, inclusive para fins previdenciários, conforme art. 33 do ECA (Lei 8.069/90), que, em seu § 3º, prescreve, verbis:

 

“Art. 33. ______

 

§ 3º. A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.”  

 

Poder-se-ia  objetar que a guarda deve ser estabelecida judicialmente e, por isso, mais uma vez, não haveria amparo legal à pretensão do requerente. Penso eu, todavia, que deve ser levado em consideração o aspecto teleológico da legislação que assegura os direitos da criança e do adolescente, a qual assume nitidamente um caráter tutelar desde a matriz constitucional (CF, art. 203, I e II).

Se é assim, parece-me equivocado entender que, diante das circunstâncias presentes, a ausência de provimento judicial concessivo da guarda possa representar óbice à pretensão do requerente, até porque a guarda, deferida judicialmente, não tem outro fim senão regularizar a posse de fato sobre o menor. Acontece que a dita posse de fato sempre coube à avó do autor.

Do mesmo modo, a pensão por morte tem uma natureza alimentar, de subsistência, voltada a assegurar a sobrevivência daquele que vive sob a dependência econômica de outrem. Enfim, a pensão por morte tem, como princípio, o escopo de suprir a referida dependência econômica, fartamente comprovada nos autos, daí porque é assegurada aos filhos.

Sendo neto, como é o caso do autor, e tendo, todo o tempo, sido sustentado pela avó, há que ser equiparado a filho. Essa é a única conclusão possível, tendo em vista que laços familiares de descendência tão próximos revelam uma realidade comum, em nossa sociedade, que é a de netos criados pelos avós. Tem, aqui, plena aplicação, o princípio do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que, em conteúdo, é Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.

Com isso, a negativa da pretensão autoral do autor representaria uma verdadeira e infame ofensa aos princípios informadores do Direito, pois estar-se-ia subvertendo a essência tutelar da legislação que ampara a criança e o adolescente e, ao mesmo tempo, ignorando o fim visado pelo instituto da pensão por morte, tudo porque o formalismo não fora respeitado tal qual um ente sagrado. A forma pode ser concebida como o veículo do conteúdo, mas não de modo a condicionar, em termos absolutos, a efetividade deste último. Trata-se de uma questão de bom senso, que, acredito, ainda se aplica ao Direito, mormente porque aqui restou demonstrado que D. Maria José Rocha da Silva efetivamente arcava com todos os encargos que incumbem a quem detém a guarda de uma criança ou adolescente (ECA, art. 33, caput), tendo sido tal fato, como já dito, atestado pelo próprio réu.

Saliento, novamente, que o requerente era neto da segurada do réu. Ora, se a lei atribui a qualquer menor que esteja sob a guarda de outrem, independentemente de relação de parentesco, a condição de dependente, tanto mais tem razão a proteção legal quando se trata de avó e neto, como na hipótese. E tal proteção, nos termos da própria lei, deve ter interpretação extensiva. Só para exemplificar, com base nisso, a avó do requerente, caso tivesse rendimentos suficientes, poderia tê-lo declarado como seu dependente para aferição do IR.

Em suma, somando-se o caráter alimentar da pensão por morte com a condição de dependente (equiparada ao status de filho) do autor, deve ser acolhida a pretensão ora deduzida. Ressalto que negar a assistência previdenciária ao menor protegido pela guarda traduz-se em medida que afronta a Carta Magna (art. 227, § 3º, II), conforme já me manifestei em Ação Civil Pública motivada pelos efeitos da Lei 9.528/97, nos seguintes termos:

 

“No mérito, a inconstitucionalidade da regra da Lei 9.528/97, que retirou, da proteção previdenciária, o menor sob a guarda judicial, afronta a regra do art. 227, § 3º., II e art. 6º., da Constituição, de forma insofismável, a desmerecer maiores considerações.  Quem quer que leia, ainda que superficialmente, a regra constitucional, não chegará a outra conclusão, senão a manifesta inconstitucionalidade.

Por outro lado, a Lei 9.528/97 ofende o art. 26 da Convenção Internacional sobre Direitos Humanos da Criança, que o Brasil ratificou, e cuja regra é a seguinte:

“Art. 26 – Os Estados Partes reconhecerão a todas as criancas o direito de usufruir da previdência social, e adotarão as medidas necessárias para lograr a plena consecução desses direitos, em conformidade com sua legislação nacional.”

Ora, se houve ofensa à regra de um tratado internacional firmado pelo nosso País, agrediu a lei, por via de consequência, também à regra do § 2º, do art. 5º. da Constituição, que elegeu, como fonte de direito, a nível constitucional, “os tratados internacionais em que a República Federativa seja parte”.

Isto posto, julgo procedente a ação, tornando definitiva a liminar na forma concedida.”

 

Quanto ao segundo autor, Geovane Rocha da Silva, os mesmos fundamentos aproveitam-lhe. Embora não tenha havido uma demonstração do reconhecimento, por parte do INSS, de sua dependência econômica com a devida anotação na CTPS, resta, nos autos, apenas uma declaração feita em Cartório (fls. 08), que torna induvidosa a dependência, como forma de garantir o direito ao benefício pleiteado.  O citado documento, escritura pública, revela insofismavelmente que a falecida avó do menor assumiu o ônus de sustentar os dois netos, o primeiro autor, pela provas concretas apresentadas e o segundo, pela escritura pública, cujo objetivo constituía-se em declará-lo como seu dependente junto ao INSS.

É evidente que a intenção da ascendente foi proteger ambos os netos que sustentava, não sendo razoável negar o direito ao segundo só pelo fato da lei não prever a forma como hábil a gerar o direito à pensão.

Ressalte-se, na hipótese, que nenhum prejuízo haverá para o réu, cujo valor da pensão será um só, seja para pagar a um deles, seja para pagar aos dois, situação em que será repartido e com a qual concordam os autores, posto que postularam conjuntamente.

Isto posto, julgo procedente os pedidos formulados na inicial, condenando o réu a conceder aos autores João Victor Rocha da Silva e Geovane Rocha da Silva a pensão por morte deixada por sua avó, desde a data de seu óbito, 20/05/96, atualizando-se, em liquidação, os valores referentes às parcelas em atraso, contando-se, ainda, juros moratórios, a partir da citação, conforme Súmula 204, do STJ, no patamar de 1% ao mês, nos termos do entendimento também consolidado naquela Colenda Corte, reiterado em diversos julgados (veja-se, por exemplo: RESP n.º 233.380/RN – rel. Min. Gilson Dipp, RESP n.º 297.244/CE – rel. Min. Edson Vidigal, RESP n.º 297.058/SE – rel. Min. Jorge Scartezzini, RESP n.º 298.309/CE – rel. Min. Vicente Leal, RESP n.º 302.099/CE – rel. Min. Félix Fischer).

O benefício deverá ser regido pelas mesmas regras aplicáveis à pensão por morte devida aos filhos, por força da equiparação do art. 33, § 3º, do ECA, na forma do art. 77, da Lei nº 8.213/91.

Condeno o réu em honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez porcento) sobre o valor da condenação.

Por fim, embora não tenha sido expressamente requerida a antecipação da tutela, entendo que em casos como tais, onde se postula a implantação de benefício previdenciário conjugada com fatores personalíssimos da parte, a urgência é latente, eis que se cuida de verba de caráter alimentar, permitindo, destarte, que o Juiz a aprecie.

Não se há de duvidar que a antecipação de tutela, em princípio, só deve ser deferida a quem efetivamente requer, posto que, se assim procede, vindo o pleito ser reformado em outra instância, assume o ônus de um possível ressarcimento de valores recebidos.

Em matéria previdenciária, no entanto, o que há de ser ressaltado é o caráter alimentar, que afasta o ônus da devolução, no caso de tornar-se vencido em outra instância. É o que acontece desde a possibilidade da fixação de alimentos provisionais, nas ações de alimento.

Aqui, a urgência integra, compõe o próprio direito pleiteado.

Sobre o assunto, valho-me do ensinamento brilhantemente exposto pelo eminente Juiz Federal George Marmelstein:

 

“Primeiramente, o instituto da tutela antecipada tem fundamento constitucional, pois decorre do direito fundamental à tutela efetiva (art. 5o, inc. XXXV, da CF/88: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), sendo certo que o direito fundamental consagrado no dispositivo garante ao jurisdicionado não apenas o direito formal de propor a ação, indo muito mais além, pois assegura o direito a uma tutela adequada e efetiva. Desse modo, considerando que uma das principais características que o moderno constitucionalismo reconhece aos direitos fundamentais consiste na sua aplicabilidade imediata, o juiz, no atendimento concreto das providências que se revelem indispensáveis para concretizar um dado direito fundamental (no caso, o direito à tutela efetiva ou à ação), pode (e deve) atuar independentemente e mesmo contra a vontade da lei infraconstitucional, pois, para efetivar os preceitos constitucionais, não é preciso pedir licença a ninguém, muito menos ao legislador.

Em segundo lugar, a circunstância de uma norma ser, a priori, válida não inibe a possibilidade de, no caso concreto, ser afastada a sua incidência, desde que sua aplicação acarrete uma flagrante injustiça. A lei, como norma genérica e abstrata, por mais útil e correta que seja, pode na casuística levar a situações absurdas, vez que é impossível ao legislador prever a totalidade dos casos particulares e querer esgotar por completo a atividade criadora do aplicador do Direito. Portanto, antes de aplicar acriticamente os “rigores da lei”, tal qual um poeta parnasiano do século passado, através do velho exercício mecânico da lógica formal de subsunção dos fatos à norma, o magistrado deve fazer uma análise tópica, buscando a máxima efetivação dos princípios consagrados na Constituição, nunca temendo decidir contra legem, desde que julgue pro Constituição. Na hipótese do prévio requerimento como requisito para a antecipação da tutela, embora se possa considerar sua exigência, em abstrato, válida, em certos casos específicos, pode vir ela a se mostrar desarrazoada e injusta, devendo o juiz, nestas situações, antecipar a tutela mesmo sem pedido expresso, a fim de dar cumprimento à norma constitucional que garante a efetividade do processo.

Terceiro, as verbas alimentícias (p. ex., as decorrentes de benefícios previdenciários ou assistenciais) trazem sempre consigo um clamor de urgência na sua obtenção. Desse modo, tratando-se de verbas dessa natureza, o pedido não precisa fazer menção expressa à antecipação de tutela ou ao art. 273, do CPC, pois está implícita a necessidade de sua concessão, sobretudo quando se trata de pessoa humilde, desamparada, idosa, que, em regra, não tem condições de contratar um bom advogado para representá-la.

Em quarto lugar, há o próprio despreparo de alguns advogados, que esquecem, por ignorância, de fazer o requerimento. Nos casos de ações de competência dos Juizados Especiais Cíveis ou da Justiça do Trabalho, em que é possível peticionar sem a representação técnica por advogado, também fica manifesta a desnecessidade de requerimento expresso de antecipação de tutela, já que seria cômico exigir que um sujeito de parca instrução saiba o que é a antecipação de tutela e, por conseqüência, venha a requerê-la. Lembra-se que o direito processual moderno pauta-se no princípio da instrumentalidade das formas e, como decorrência da instrumentalidade - corolário do princípio da efetividade e do acesso à justiça -, o magistrado é obrigado a sanar, sempre que possível, as atecnias cometidas pelas partes hipossuficientes. Qualquer comportamento excessivamente formalista por parte do juiz não seria legítimo, afinal a atenção à forma que não atenda ao ideal da instrumentalidade, na imagem de Liebman, não passará da mais solene deformação. Ou, como afirma Portanova, “nestes tempos de preocupação publicística e social do direito em geral e do processo em particular, o princípio da ação está a desafiar o processualista moderno. Não se pode esquecer que o pobre, por exemplo, desconhece seus direitos. Quando os intui, muitas vezes têm dificuldade de expressá-los. Assim, conseguir ter acesso ao Judiciário cível já é, para o pobre, uma grande conquista. Contudo, infelizmente, acabam representados por advogados pouco preparados ou ainda em preparação. Assim, seja por defeito de forma ou por desconhecimento do fundo, muitas vezes o verdadeiro direito do pobre só vai aparecer ao longo do processo. E é claro, não raro estará fora do pedido inicial. Nesses casos, o jurista está desafiado a informalizar de tal modo o processo e amenizar o princípio a ponto de, iniciada a demanda, seja viabilizado chegar-se com sucesso ao atendimento do real bem da vida pretendido pelas partes, independentemente dos limites do pedido” (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil, p. 118.).

Uma outra hipótese em que se mostra desarrazoada a exigência de requerimento expresso ocorre nos casos de conflito de interesses entre o cliente e o advogado, fato corriqueiro nos feitos previdenciários. No caso, a antecipação da tutela seria do interesse da parte, que necessita do benefício até para garantir sua própria sobrevivência; para o advogado, contudo, a antecipação da tutela seria prejudicial, pois haveria redução do valor da futura execução, fazendo com que os ganhos do advogado se tornem menores, já que os honorários de sucumbência são, em regra, calculados com base no valor da condenação. Por isso, é comum se deparar com ações de revisão ou concessão de benefícios previdenciários em que não há propositalmente pedido de antecipação, mesmo sendo patente a verossimilhança das alegações e mais patente ainda a presença do periculum in mora, tendo em vista que a própria subsistência do segurado está em jogo. Condicionar a antecipação da tutela à manifestação expressa do advogado seria, nessa hipótese, uma grande injustiça para a parte, razão pela qual entendo ser perfeitamente possível a antecipação de ofício com fundamento no próprio princípio da dignidade da pessoa humana.

Por todas essas razões, creio ser possível a antecipação da tutela sem requerimento expresso, desde que, no caso concreto, não se mostre razoável a exigência.”

 

Assim, atento aos termos do art. 461, §§ 3º, 4º e 5º, do CPC, e, não se aplicando ao caso a ADC nº 04, conforme entendimento do próprio STF, antecipo os efeitos da tutela pretendida, determinando que o INSS implante, no prazo de 10 dias, o pagamento da prestação mensal referente ao benefício.

Comino, em caso de descumprimento, multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais).

Sentença sujeita a reexame.

 

                      P. R. I.

 

Aracaju, 21 de agosto de 2002.

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal