PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Processo n.º 2000.85.00.2877-4 - Classe 10000 – 1.ª Vara.
Ação: Sumária.
Autor: José Pedro da Silva.
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social.
Juiz: Ricardo César Mandarino Barretto.
Previdenciário. Segurado especial. Trabalhador Rural. Atividade remunerada intermitente. Inteligência dos arts. 11, § 1º e 143, II, da Lei 8.213/91.
O exercício de atividade remunerada a título de mero complemento ao trabalho prestado sob regime de economia familiar não desnatura a hipótese de proteção legal. Ação procedente.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
José Pedro da Silva, qualificado na inicial de fls. 02, ajuizou ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por idade e requerendo, ainda, antecipação de tutela.
Alega ser oriundo de família de agricultores, logrando, posteriormente, adquirir imóvel rural próprio, mantendo sua atividade campesina até os dias de hoje. Esclarece haver formulado seu pedido administrativamente e, inobstante alcançado deferimento em um primeiro momento, sobreveio suspensão do benefício, efetivada sob afronta dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Cita dispositivos legais, realça aspectos da prova ofertada e finaliza, trazendo documentos de fls. 07 a 20.
Reservei-me quanto à antecipação.
Citado, o INSS comparece à audiência e contesta o pedido, aduzindo ter promovido auditoria em que restou constatado o exercício concomitante de atividade remunerada pelo demandante, inclusive no chamado período de carência.
Desse modo, entendendo descaracterizada a situação de segurado especial, respaldado na prerrogativa de autotutela administrativa, reviu seu ato, ressaltando ser impossível, nos termos da Lei 8.213/91, a cumulação de aposentadorias e, por força disso, igualmente impossível a manutenção do benefício antes concedido ao requerente.
Rechaça o pleito antecipativo.
Na mesma oportunidade, colheu-se prova testemunhal produzida pelo autor.
Embora concedida dilação de prazo, não houve réplica.
É o relatório.
No presente caso, o autor entende ser-lhe devido aposentadoria por idade, afirmando condição de rurícola e irregularidades no procedimento administrativo que redundou na cessação do benefício. Contrapõe-se o réu, pois, a seu ver, constatado exercício conjunto de atividade remunerada e rural, descabe a qualificação de segurado especial.
A matéria fática é incontroversa. De início, o INSS verificou, no tocante à atividade laborativa desenvolvida, o atendimento dos requisitos legais e deferiu o pedido de aposentadoria. Cassou-a, posteriormente, não por achar elidida a existência de trabalho rural em regime de economia familiar, mas por ter descoberto o exercício concomitante de outro trabalho. De resto, os documentos apresentados com a inicial e as testemunhas ouvidas nas fls. 26/28, ratificando esse panorama, eliminam qualquer dúvida.
Primeira questão de direito que se impõe reside na possível inobservância, na esfera administrativa, dos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Entretanto, das fls. 94, 98, 104, 111, 122, 124 e 139, dessume-se haver ciência e participação do requerente em relação a todas as fases do dito procedimento, até mesmo em sede recursal. Resguardados, portanto, os princípios acima alinhados.
Desse modo, remanesce da lide apenas a posição sustentada pelo demandado quanto à descaracterização do status de segurado especial em virtude de se cumular o labor rurícola com outro, pelo qual era remunerado o demandante.
A Lei 8.213/91 não cuida, expressamente, do trabalhador rural exercente de outra atividade concomitante. De modo diverso, restringe-se a reputar aquele como segurado especial sob a condição de se exercer o labor mediante regime de economia familiar, definindo, mais adiante, o conteúdo jurídico da expressão "economia familiar".
Do estudo da disciplina relegada ao caso, resta, como única conclusão possível, que o óbice imaginado pelo INSS só se configura quando o trabalho paralelo ao de rurícola faz este último dispensável à subsistência do segurado, do ponto de vista do orçamento familiar. A respeito, confira-se o art. 11, § 1º, do aludido diploma legal.
"Art.11. .............................................................................................
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua de dependência e colaboração, sem a utilização de empregados."
Por outro lado, partindo da premissa acima estabelecida, fica claro não se haver estabelecido, em termos legislativos, qualquer presunção, relativa ou absoluta, no sentido da dispensabilidade do trabalho agrícola, para os fins em consideração, na hipótese de ser acompanhado de outra atividade. Inversamente, com a conjugação sistemática de outro preceito da Lei 8.213/91, o art. 143, II, percebe-se que a dispensabilidade ou não deve ser aferida caso a caso, sopesando-se circunstâncias concretas. Vejamos a prescrição legal:
"Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea a do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta lei, ou os seus dependentes, podem requerer, conforme o caso:
...................................................................................................
II - aposentadoria por idade, no valor de 1 (um) salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data da vigência desta lei, desde que seja comprovado o exercício de atividade rural nos últimos 5 (cinco) anos anteriores à data do requerimento, mesmo de forma descontínua, não se aplicando, nesse período, para o segurado especial, o disposto no inciso I do art. 39."
(Grifei).
Ora, se o legislador contentou-se, nesse aspecto, com o exercício descontínuo em um período de 05 anos, despropositado é supor que seja vedado ao homem do campo socorrer-se de outro meio de subsistência diante de uma ocasional suspensão de suas atividades habituais, sob pena de perecer sua condição de segurado especial. Sustentar tal vedação equivaleria, por exemplo, a impedir o ser humano de buscar seu sustento em face de um insucesso fortuito na sua área de ocupação laborativa, a pretexto de agraciar-lhe, posteriormente, com uma prestação previdenciária, quando (e se) chegar à idade prevista para tanto.
De conseqüência, sendo permitido ao rurícola, inserido no regime de economia familiar, exercer, eventualmente, outra atividade, com cessação temporária da primeira, exsurge, livre de questionamento, a possibilidade de serem exercidas conjuntamente. O que há de ser verificado, tanto em uma hipótese quanto em outra, é se a atividade rural desenvolvida com as citadas características permanece ou não como essencial à subsistência, a despeito de ser insuficiente ou inviável e, em razão disso, vir a ser complementada ou substituída episodicamente.
No caso em apreço, o demandante agregou à sua atividade rural o emprego de guarda noturno (fls. 93), vinculado a um pequeno município do interior do Estado. Não é necessário usar de muito esforço para se inferir daí que a remuneração percebida de tal labor paralelo jamais seria bastante para fazer frente às necessidades básicas do autor e de sua família, sendo mesmo improvável que ao menos igualasse o proveito obtido com o trabalho rural. É notória, axiomática mesmo, a situação de invariável penúria dos servidores municipais das pequenas cidades de Sergipe, as quais, não raro, chegam a retribuir com quantias inferiores a um salário mínimo os ocupantes de funções subalternas.
Evidente, portanto, a indispensabilidade do trabalho em regime de economia familiar para a subsistência do requerente. Não se trata de abrir oportunidade ao acúmulo de duas aposentadorias por parte do mesmo. A aposentadoria por idade, devida ao segurado especial, é de nítido caráter assistencialista, tem requisitos e pressupostos diferentes dos que pertinem aos benefícios estritamente previdenciários (v. g., o regime contributivo) e a configuração daqueles não enseja a desses últimos.
Isto posto, julgo procedente o pedido, pelo que condeno o INSS a restabelecer a aposentadoria por idade devida ao autor. Condeno-o, ainda, no pagamento das parcelas vencidas desde 13.07.98 (fls. 20), merecendo correção monetária (a partir do respectivo vencimento) e juros de mora (contados com a citação, no percentual de 0,5% ao mês), aferindo-se tudo mediante liquidação.
Condeno o requerido em honorários, que arbitro em 10% dos valores a serem aferidos.
Por fim, atento aos termos do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, e, não se aplicando ao caso a ADC nº 04, conforme entendimento do próprio STF, antecipo os efeitos da tutela pretendida, determinando que o INSS implante, no prazo de 10 dias, o pagamento da prestação mensal referente ao benefício. Comino, em caso de descumprimento, multa diária no importe de R$ 200,00 (duzentos reais).Sujeita a reexame necessário.
P. R. I.
Aracaju, 08 de novembro de 2000.
Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal da 1ª Vara