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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº. 2000.85.00210-4 - Classe 02000 - 1ª Vara

Ação: Mandado de Segurança

Impte: Francisca Etelvira Alves Dantas

Impdo: Representante Área de Seguro Social do Instituto Nacional do Seguro Social em Sergipe e Outro.

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto.

 

 

Previdenciário. Pensão por morte de companheira. Inteligência do art. 226, da Constituição Federal. Prova de dependência econômica. Segurança Concedida.

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Francisca Etelvira Alves Dantas, qualificada na inicial de fls. 02, propõe o presente mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato imputado ao Representante da Área de Seguro Social do INSS em Sergipe, em litisconsórcio incidental com Ediêda Barrozo dos Santos, objetivando assegurar a continuidade do pagamento do benefício previdenciário decorrente da morte de seu ex-companheiro.

Alega que manteve relação "concubinária" com o Sr. João Alves durante 43 anos, dando origem a dois filhos. Nesse ínterim, o de cujus ter-lhe-ia reconhecido a qualidade de dependente, na condição de companheira, junto à referida autarquia, de forma a preencher todas as formalidades legais.

Assim, ocorrido o óbito, requereu e obteve a demandante a respectiva pensão. Entretanto, a Sra. Ediêda Barrozo dos Santos, autora em feito no qual busca o reconhecimento de sociedade de fato em face do espólio do Sr. João Alves, solicitou, administrativamente, o pagamento de igual benefício. Em razão disso, em um primeiro momento, este passou a ser rateado mas, por força de nova investida, fora revertido integralmente a seu favor, prejudicando a acionante.

Discorre sobre a ilegalidade e abusividade do ato administrativo que determinou a suspensão da pensão em foco, sobretudo por estar baseada em meras presunções e por não ter oportunizado ampla defesa.

Junta os documentos de fls. 11 a 76, pagando as custas inicias às fls. 77.

A liminar restou deferida nos termos da decisão de fls. 78.

Notificado, o impetrado presta sua informações às 97/98, reproduzindo-as às fls. 100/102, nas quais aduz, em suma, que a Sra. Ediêda comprovou não ter sido a impetrante companheira do instituidor da pensão, fato corroborado por esta última haver ajuizado uma ação visando indenização por prestação de serviços domésticos. Sustenta, por fim, a ausência dos requisitos exigidos pela legislação civil para a caracterização, no caso, do "concubinato puro".

Em decorrência da promoção de fls. 131, a demandante foi instada a promover a citação da Sra. Ediêda Barrozo dos Santos, vindo esta a integrar o pólo passivo nos termos da peça de fls. 138/141.

A litisconsorte envida argumentos no sentido de demonstrar a exclusividade de sua relação de companheirismo com o falecido, trazendo aos autos os documentos de fls. 143/212.

Com vistas, manifestou-se a impetrante.

Seguem documentos de fls. 221 a 229 e 231 a 235.

Em parecer, o ilustre órgão do MPF pugna pela concessão da segurança.

É o relatório.

Preliminarmente, tenho por bem me manifestar acerca do pedido de desentranhamento formulado pela impetrante acerca das cópias de fotografias juntadas por Ediêda Barrozo dos Santos.

Os referidos elementos são voltados a demonstrar a existência de companheirismo entre a mencionada litisconsorte e o de cujus. Entretanto, em meio a tantos outros documentos oferecidos nesse mesmo sentido, acabam aqueles primeiros por perder qualquer relevância, até porque a mera coexistência ou sucessão de uniões estáveis não elide, por si só, o pretenso direito da impetrante.

Assim, à míngua de prejuízo, não vejo razão para que uma medida de natureza meramente formal justifique o desentranhamento, tumultuando ainda mais o feito e postergando a prestação jurisdicional.

Passo ao mérito.

A solução do feito consiste em se aferir se a autora merece continuar percebendo a pensão por morte que lhe haveria deixado o Sr. João Alves, inobstante a controvérsia sobre a natureza de sua relação com o instituidor e a possível existência de companheirismo entre este e a ora litisconsorte.

Em favor da impetrante, há de se apontar os dois filhos que advieram do aludido relacionamento (fls. 24 e 26); a designação efetuada pelo falecido, colocando-a, junto ao INSS, como dependente, desde 1979 (fls. 15/16) e mostras inequívocas de dependência econômica (fls. 28, 29, 30, além de fls. 46, 48, 53, 54, 55, 56, as quais, conjugadas com fls. 223/228, revelam que, até recentemente, residia ela em casa cuja propriedade era do instituidor).

Ademais, o simples registro de, em órbita estadual, pender demanda na qual a aqui acionante pleiteia a indenização por serviços domésticos, não tem o condão de desmerecer as provas supra apontadas, pois, como é cediço em direito processual, o pedido não origina, nem vincula a causa de pedir, mas esta, ao contrário, pode ensejar vários pedidos e os vincula. Vale dizer que, uma situação de união estável (causa de pedir), tanto pode servir aos consectários de um reconhecimento de sociedade de fato, como de indenização por serviços domésticos (pedidos).

Nessa linha de raciocínio, forçoso é concluir que efetivamente se estabeleceu, entre a impetrante e o Sr. João Alves, uma união estável.

Entretanto, não leva isso a dizer que a mesma durou até o fim da vida do citado Sr. Ao contrário, todos os documentos colacionados pela Sra. Ediêda (à exceção dos analisados acima) apontam, senão para um rompimento de laços afetivos, ao menos para a coexistência daquela primeira relação com outra união estável, encetada pela litisconsorte acima nominada, coexistência essa de certa forma admitida pela impetrante às fls. 64/65.

A despeito disso, não se pode olvidar que a dependência econômica entre a suplicante e o instituidor do benefício jamais deixou de existir, pois, dentre os documentos citados acima, encontram-se cheques nominais e a comprovação de que o imóvel no qual aquela residia era de propriedade do Sr. João Alves. Ressalto que tais fatos datam de épocas relativamente recentes.

Estes os fatos com prova pré-constituída, a justificar a opção pela ação mandamental.

A Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, reconhece a união estável como entidade familiar, garantindo-lhe proteção por parte do Estado. É de bom alvitre assentar que a hipótese não é de concubinato, pois este pressupõe a quebra do dever de fidelidade, previsto para o matrimônio civil, através da existência de um relacionamento paralelo. Ora, o de cujus jamais fora civilmente casado e, se houve relacionamento paralelo, não foi este outro senão o mantido em relação à Sra. Ediêda. Para satisfazer a ânsia dos civilistas, basta compreender que na nova ordem jurídica inaugurada com a CF/88, o instituto da união estável abrange a figura da "família natural".

A união estável, enquanto entidade familiar, é merecedora como visto, de proteção por parte do Estado, proteção essa que, além de outros mecanismos, se perfaz mediante a assistência na pessoa de cada um dos que a integram. Constituindo verdadeira garantia constitucional, não pode a legislação ordinária, que, por princípio, deve ser instrumental às garantias constitucionais, colocar obstáculos à sua materialização, principalmente se considerados os termos do art. 201, inciso V, da Carta Magna, indisfarçável corolário da retrocitada garantia. O raciocínio contrário poderia proceder, se vigente o texto da Constituição anterior, que cuidou de proteger a instituição do casamento e não da família, cuja existência só era admitida se constituída mediante aquele primeiro, o que não mais ocorre (art. 175, da Constituição de 1967).

Pois bem. A Lei 8.213/91, em seu o art. 72, § 6º, não excluiu, peremptoriamente, o cônjuge (civilmente casado) separado de fato, do rol de beneficiários da pensão por morte, mas condicionou seu amparo à circunstância de ter recebido pensão alimentar por parte do instituidor.

Na verdade, essa condição merece uma interpretação teleológica. A exigência de que o cônjuge separado de fato receba pensão alimentícia para fazer jus à pensão por morte é muito restritiva. Melhor atendendo à finalidade da própria Lei e dos princípios que, desde a matriz constitucional, regem a Seguridade Social, os termos da referida condição devem ser ampliados, admitindo-se, para tais fins, qualquer manifestação de dependência econômica ligando os cônjuges separados, desde que efetivamente comprovada, e não apenas o recebimento de pensão alimentícia.

Abrandando os termos da Lei e admitindo-se qualquer forma de dependência econômica, efetivamente demonstrada, o cônjuge separado de fato passa a ser beneficiário concorrente com as pessoas indicadas no art. 16, I, da Lei 8.213/91. A respeito, confira-se os seguintes julgados:

 

Origem:

TRIBUNAL:TR1 ACORDÃO DECISÃO:21-10-1997

PROC:AC NUM:130985-8 ANO:93 UF:MG

TURMA:2 REGIÃO:1

APELAÇÃO CIVEL

Fonte:

DJ DATA:20-08-98 PG:61

Ementa:

PREVIDENCIARIO. PENSÃO. SEPARAÇÃO DE FATO ANTERIOR AO OBITO. CONSTITUIÇÃO DE NOVAS FAMILIAS, POR AMBOS OS CONJUGES. INEXISTENCIA DE DEPENDENCIA ECONOMICA DA AUTORA EM RELAÇÃO AO EX-MARIDO. IMPROCEDENCIA DO PEDIDO.

1. O DIREITO PRETORIANO ASSENTOU QUE A SEPARAÇÃO (JUDICIAL OU DE FATO) NÃO CONSTITUI OBSTACULO A CONCESSÃO DE PENSÃO PREVIDENCIARIA, DECORRENTE DE MORTE DE SEGURADO, DESDE QUE DEMONSTRADA A DEPENDENCIA ECONOMICA DA EX-ESPOSA EM RELAÇÃO AO DE CUJUS.

2. COMPROVADA, NA HIPOTESE, A INEXISTENCIA DE DEPENDENCIA ECONOMICA DA AUTORA EM RELAÇÃO AO SEU EX-MARIDO, POIS, NA DATA DO OBITO, OS CONJUGES JA ESTAVAM, DE HA MUITO, SEPARADOS DE FATO, TENDO CONSTITUIDO AMBOS, LOGO APOS A SEPARAÇÃO, NOVAS ENTIDADES FAMILIARES, NÃO HA FALAR-SE NO DIREITO PRETENDIDO.

3. NEGADO PROVIMENTO A APELAÇÃO.

Relator:

JUIZ:128 - JUIZ CARLOS FERNANDO MATHIAS

 

Documento: TR3-33490

Origem:

TRIBUNAL:TR3 ACORDÃO DECISÃO:12-12-1995

PROC:AC NUM:3104894-6 ANO:93 UF:SP

TURMA:1 REGIÃO:3

APELAÇÃO CIVEL

Fonte:

DJ DATA:9-04-96 PG:22573

Ementa:

PREVIDENCIARIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENCIA ECONOMICA CONCORRENTE ENTRE ESPOSA E COMPANHEIRA LONGEVINARIA. PRESUNÇÃO LEGAL DE DEPENDENCIA. AUSENCIA DE CO-DEPENDENCIA. ONUS DA PROVA.

1 - AUSENTE NOS AUTOS A COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE ALIMENTAR, PELA ESPOSA LEGITIMA E, AINDA, CONFIRMADA POR ESTA A SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL HA MUITO, INCLUSIVE COM EXISTENCIA DE COMPANHEIRA

LONGEVINARIA, E DE SE AFASTAR A PRESUNÇÃO DE DEPENDENCIA ECONOMICA DAQUELA PRIMEIRA, EM DETRIMENTO DESTA ULTIMA.

II - APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Relator:

JUIZ:326 - JUIZ ROBERTO HADDAD

 

Documento: TR3-42692

Origem:

TRIBUNAL:TR3 ACORDÃO DECISÃO:16-12-1997

PROC:AC NUM:3037988-5 ANO:97 UF:SP

TURMA:1 REGIÃO:3

APELAÇÃO CIVEL

Fonte: DJ DATA:10-03-98 PG:285

Ementa:

PREVIDENCIARIO. PENSÃO POR MORTE. COMPROVAÇÃO DE DEPENDENCIA. ECONOMICA DO CONJUGE SEPARADO.

I- O CONJUGE SEPARADO, AINDA QUE DE FATO, PRECISA DEMONSTRAR A SUA DEPENDENCIA ECONOMICA EM RELAÇÃO AO FALECIDO SEGURADO; AUSENTE TAL PROVA, INVIAVEL A CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE, COMO OCORRE NO CASO VERTENTE.

II- APELAÇÃO PROVIDA.

Relator:

JUIZ:320 - JUIZ THEOTONIO COSTA

 

Nesse ponto, devem ser retomadas as ponderações desenvolvidas em torno da disciplina que a Constituição Federal dispensa à união estável. Por mais que se use de criatividade para discriminá-la em face do matrimônio civil, qualquer distinção entre os institutos há de ser pautada pela razoabilidade, vale dizer, o discrímen não pode transbordar das peculiaridades inerentes à cada situação. No mais, o tratamento legal relativo ao casamento deve ser estendido à união estável, sob pena de inconstitucionalidade.

Ora, o mencionado art. 76, § 2º, da Lei 8.213/91 (vide análise supra), não se respalda em nenhuma peculiaridade inerente ao matrimônio civil de modo a inviabilizar sua extensão à união estável. Ademais, da extensão da regra não advém nenhum prejuízo ao "companheiro", ao contrário, beneficia-se-lhe, na medida em que é mantida sua qualidade de dependente, para fins previdenciários, mesmo quando cessada a situação de união estável, desde que permaneça a dependência econômica (segundo interpretação que aplicamos à norma) para com o segurado.

Entendimento diverso levaria à conclusão de que, cessada a união estável, embora permanecesse a dependência econômica, o ex-companheiro ver-se-ia, eventualmente, ao total desamparo, a despeito de se admitir solução diversa para o matrimônio civil permeado por uma separação de fato. Sem dúvida, não se pode conceber, juridicamente, a desigualdade de tratamentos, por se cuidar, no caso, de uma prestação do Estado cuja razão de ser reside na proteção da entidade familiar e seus efeitos sociais. Recordando, entidade familiar tanto é aquela oriunda do casamento, como aquela da união estável.

Na hipótese, essas observações ganham especial relevo por se constatar, conforme acima asseverado, que ao relacionamento mantido pelo de cujus com a impetrante sobreveio outro, ligando aquele à Sra. Ediêda Barrozo Santos. Entrementes, é certo que ambas dependiam e continuaram dependentes, em termos econômicos, do instituidor.

Consectariamente, é inegável que tanto a impetrante como a litisconsorte são pensionistas concorrentes, motivo pelo qual, consoante o art. 77, da dita Lei 8.213/91, o benefício deverá ser rateado em partes iguais.

Ante o exposto, concedo, em parte, a segurança, para determinar que seja assegurado à impetrante o pagamento de metade do valor relativo à pensão por morte deixada pelo Sr. João Alves, devendo a autoridade coatora adotar as providências pertinentes ao atendimento da presente decisão.

Custas pelo impetrado.

Sem honorários, conforme súmula 512, do STF.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P. R. I.

 

Aracaju, 02 de agosto de 2000.

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal da 1ª Vara