PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Processo nº 97.0256-0 - Classe 07000 - 1ª Vara
Ação Criminal
Partes:
Autor: Ministério Público
Réu: Luciano Dias Cardoso
CRIMINAL. ABUSO DE AUTORIDADE. ATENTADO AOS DIREITOS E GARANTIAS LEGAIS ASSEGURADOS AO EXERCÍCIO DO CARGO DE AGENTE DE POLICIA FEDERAL. ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO.
S E N T E N Ç A :
Vistos etc...
O Ministério Público Federal, pelo douto Procurador Regional da República que subscreve a peça vestibular, oferece a Denúncia de fls. 02/03, contra LUCIANO DIAS CARDOSO, nela qualificado, alegando que nos dias 10 e 11 do mês de fevereiro de 1995, quando o denunciado era Delegado de Polícia Civil responsável pelo segurança dos festejos carnavalescos denominado Pré-Caju, impediu o acesso dos Policiais Federais José Aubernei Lopes de Oliveira e Antonio Martins Matos Neto, na praça do referido evento, ao argumento de que nenhum policial civil ou militar poderia entrar armado no local, salvo se estivesse em serviço. Salienta que os aludidos policiais federais se identificaram e afirmaram estar em serviço, mesmo assim, foram barrados pelo denunciado que, inclusive, foi Agente de Polícia Federal até 1994 e não desconhecia que o art. 9º do Decreto Federal nº 73.334/73 prescreve que:
"A Carteira de Identidade Policial, expedida pelo Instituto Nacional de Identificação do DPF, confere ao seu portador livre porte de arma, franco acesso aos locais sob fiscalização da polícia e tem fé pública em todo o território nacional"
Acrescenta o Órgão Ministerial que a conduta do denunciado ultrapassou o campo da legalidade, revelando-se abusiva de poder, enquadradando-se na letra "j" do art. 3º da Lei nº 4.898/65, assim incursionando nas sanções do art. 6º, § 3º, letras "a" e "b" da citada lei.
Requereu o MPF que se instaurasse processo crime, citando-se o denunciado e designando-se audiência de instrução e julgamento, nos termos da Lei nº 4.898/65.
Requereu, também, a acusação que, com fundamento no art. 89 da Lei nº 9099/95, fossem ouvidos o denunciado e seu defensor, durante o interrogatório, para que se pronunciassem a respeito da suspensão do processo.
A Denúncia foi recebida às fls. 04, onde designei audiência de instrução e julgamento e audiência especial para manifestação do acusado e seu defensor a propósito da suspensão do processo.
Citado, o acusado compareceu à audiência designada, recusando a proposta de suspensão do processo e sendo interrogado, como se vê da Assentada de fls. 15 e do Auto de Qualificação e Interrogatório de fls. 16 usque 18.
Prestaram declarações Antonio Martins Matos Neto, FLS. 42/45 e José Aubernei Lopes de Oliveira , FLS. 56/57, apontados como vítimas.
Depuseram como testemunhas de acusação João Duarte de Amorim, fls. 39/40; Francisco Flávio Marinho, fls. 41/42 e Nelson José da Silva, FLS. 58/59.
O acusado arrolou testemunhas às fls. 47, as quais foram ouvidas: Dr. Wellington Dantas Mangueira Marques, fls. 74/76, Dr. Paulo Ferreira Lima, fls. 77/78, Dr. Sérgio Ricardo Leite Barbosa, FLS. 106/108, Capitão PMSE Antonio Santos, FLS. 115/118 e Cláudio Cardoso de Almeida, fls. 124/125.
Às fls. 131, atendendo a diligência requerida pelo MPF, o Sr. Comandante do Policiamento Militar da Capital, informou que não houve apreensão de armas e sim retenção momentânea das mesmas nos dias em que ocorreu o evento noticiado na Denúncia, enquanto que o Sr. Superintendente de Polícia Civil esclareceu, às fls. 137, que, no mesmo período, as anotações referentes a armas foram feitas de forma avulsa, sendo descartadas no final do exercício de 1995.
As partes não requereram diligências, uma vez finda a instrução, fls. 138v e 142.
O MPF apresentou suas Alegações Finais, às fls. 143/146, requerendo a procedência da ação, com a condenação do promovido nas sanções do art. 6º § 3º, alíneas "a" e "b" da Lei nº 4898/65, face à infringência do art. 3º, alínea "j" , da mesma lei.
A Defesa esgrimiu suas Derradeiras Alegações, às fls. 150/160, pedindo a absolvição do réu, vez que este não cometeu o delito que lhe é imputado.
Determinei que os autos viessem conclusos para prolação de sentença.
É o Relatório.
Assim, Decido.
Imputa-se ao réu o cometimento do delito denominado de abuso de autoridade, descrito no art. 3º, alínea "j" , da Lei nº 4.898/65, que preceitua:
"Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
......
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional."
A sanção pretendida está cominado no art. 6º, § 3º, alíneas "a" e "b", da mesma lei que estabelece:
"Art. 6º Omissis....
...........................................
§ 3º - A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
- multa
- detenção por 10 dias a seis meses
perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até três meses.
Em seu interrogatório, de fls. 16/18, o acusado revelou que exerceu o cargo de Agente de Polícia Federal durante nove anos, três dos quais, aproximadamente, sob o comando do Dr. Juliano Maciel, Superintendente da Polícia Federal em Sergipe, tendo esta autoridade alimentado ódio mortal em relação ao réu nesse período, dizendo que esse processo resultou de mais uma de suas perseguições que lhe são dirigidas pela aludida autoridade policial. Disse que do dia 10 para o dia 11 de fevereiro de 1995, encontrava-se como Delegado de Polícia Civil responsável pelo evento que se realiza na praça do Pré-Caju, e, quando da chegada do policial federal Martins ao portão de acesso aos policiais, informou-lhe que havia determinação expressa da cúpula da Secretaria de Segurança Pública deste Estado, para que não tivessem ingresso à mencionada praça policiais armados sem que apresentassem a arma que portavam, para fins de simples registro, possibilitando que a Polícia tivesse controle das armas que entraram e melhor pudesse administrar a segurança do local, tendo o agente policial em referência se recusado a apresentar a arma, dizendo que "não queria mais entrar naquela merda", dando-lhe as costas e indo embora, mesmo diante do pedido de calma que o acusado lhe dirigiu. Positivou que não houve qualquer outro incidente envolvendo o acusado e policiais federais durante aquela festividade e que não proibiu estes de terem acesso à praça onde se realizava o evento, ainda que armados. Relatou que não esteve com o Agente Policial Federal José Aubernei Lopes de Oliveira no dia do fato em apuração, nem cerceou o seu ingresso na Praça do Pré-Caju. Esclareceu que houve um encontro entre o acusado e o Dr. Juliano na mesma noite, na Praça dos festejos, onde travaram um diálogo ríspido, face a esta última autoridade estar inconformada com a atuação do acusado. Arrematou que a Polícia Federal não participou, oficialmente, dos festejos em alusão e que não sabe informar se a corporação estava executando alguma missão especial ou sigilosa durante o evento.
Antonio Martins Matos Neto disse, em suas declarações de fls. 43/45, que se encontrava de serviço no dia dos fatos narrados na peça contestatória, tendo sido impedido pelo Dr. Luciano de entrar na praça do evento portando arma, fato esse que se repetiu no dia seguinte, quando o Dr. Sérgio adotou a mesma conduta proibitiva do Dr. Luciano, optando o declarante por entregar a sua arma à referida autoridade policial e se dirigir ao camarote onde se encontrava o Dr. Juliano Maciel, o qual em sua companhia, veio manter contato com o Dr. Sérgio, que só assim permitiu que o declarante permanecesse de posse de sua arma dentro da Praça do Pré-Caju. Revelou ter conhecimento que outros policiais federais ingressaram na aludida praça armados para realizarem o seu trabalho e não tiveram dificuldades, à exceção do agente policial Aubernei. Salientou que o Dr. Luciano lhe advertira de que havia uma determinação da Secretaria da Segurança Pública no sentido de que ninguém poderia entrar armado na Praça do Pré-Caju, mesmo que fossem policiais, tendo o declarante lhe esclarecido que estava em serviço.
José Aubernei Lopes de Oliveira, ouvido em Termo de Declarações, fls. 56/57, afirmou que é Agente de Policia Federal há aproximadamente 17 (dezessete) anos, sempre trabalhando na área operacional externa, e no Pré-Caju do ano de 1995, cumprindo determinação da Superintendência da Polícia Federal neste Estado, participou da operação que consistia em infiltrar-se dentre os foliões dos blocos carnavalescos, devidamente vestido com abadá do bloco, especificamente o Dinossauro, a fim de averiguar a existência do uso de drogas para adotar os procedimentos repressivos recomendados na lei, estando na oportunidade acompanhado do APF Amorim, não se recordando da data em que ocorreu o incidente narrado na denúncia, porém por volta das 21 às 22:00 horas, quando o citado bloco estava adentrado na praça do Pré-Caju, o depoente se dirigiu a uma das policiais femininas que se encontrava na portaria da aludida praça portando instrumento detector de metais, apresentando a sua carteira funcional e dizendo-lhe que se encontrava cumprindo ordem de missão emanada do DPF/SE e que estava portando arma pertencente à organização policial, tendo a referida policial proibido o depoente de Ter acesso à praça do evento, o que foi assistido pelo sargento Osmam, que inclusive intercedeu, dizendo que conhecia o depoente e que fosse permitida a sua entrada. Que o depoente foi encaminhado à Delegacia Móvel existente no local, onde contatou com vários policiais civis que se encontravam no recinto, tendo sido mantida a proibição por um senhor que se encontrava sentado num birô existente na Delegacia e que parecia ser o dirigente máximo naquele local, vez que o mesmo não permitiu o acesso do depoente e determinou que policiais tentassem localizar o Dr. Luciano Dias Cardoso, Delegado de Polícia Civil, chefe do policiamento do aludida praça, pessoa essa que o depoente veio a identificar como sendo o Dr. Pedro Rieli, Delegado de Polícia Cívil. Que diante de tantas dificuldades ao exercício de sua função policial, o depoente pediu ao APF Amorim, cujo acesso havia sido permitido, muito embora o depoente não saiba se ele estava armado ou não, que entrasse em contato com o Dr. Juliano Maciel, para solução do impasse, tendo esta autoridade, que se encontrava em um dos camarotes da praça do Pré-Caju, acompanhado de familiares, se dirigido à Delegacia Móvel da mencionada praça, onde parlamentou com os policiais de plantão, após identificar-se, não conseguindo autorização destes para que o depoente ingressasse no recinto, e, muito embora tenha tentado localizar o Dr. Luciano, não conseguindo, determinou que o depoente entrasse portando sua arma na praça do Pré-Caju, para cumprir com a sua missão policial, já que havia autorização legal e regulamentar para que tal medida fosse adotada, não tendo ocorrido qualquer reação dos policiais civis ou militares para impedir o acesso do depoente. Acrescentou que não houve qualquer atrito entre o declarante e o Dr. Luciano, face às ocorrências aqui narradas.
Prestou depoimento, fls. 39/40, a testemunha de acusação João Duarte Amorim, também Agente de Polícia federal, que se encontrava em companhia do policial José Aubernei, confirmando as declarações deste último.
Depôs como testemunha de acusação, fls. 41/42, o Escrivão de Policia Federal Francisco Flávio Marinho, reportando a diálogo que tivera com o Dr. Luciano, na Rua 24 horas, nesta cidade, dias antes da festa do Pré-Caju, quando o mencionado Delegado de Polícia Civil afirmou que iria trabalhar durante o evento e que teria que cumprir Portaria do Secretario de Segurança Pública que determinava que policial que não estivesse em serviço não entraria armado, tendo o depoente ponderado que os policiais federais não poderiam submeter-se a essa norma, pois têm porte legal de arma, concedido em legislação própria.
Ouvido como testemunha de acusação, o Agente Policial Federal, Nelson José da Silva, também noticiou o comentário feito pelo Dr. Luciano, na Rua 24 horas, quando disse que cumpriria a Portaria editada pelo Secretário de Segurança Pública, proibindo que toda e qualquer pessoa armada adentrasse na Praça do Pré-Caju, mas esclarecendo que ele não se dirigiu especificamente aos policiais federais, muito embora tivesse dito que seria bom que aqueles que não estivessem trabalhando não fossem a aludida praça.
Prestou depoimento, como testemunha de defesa, fls. 74/76, o Dr. Wellington Dantas Mangueira Marques, Secretário de Segurança Pública do Estado de Sergipe, o qual patenteou que, face a acontecimentos verificados na Praça do Pré-Caju, inclusive a morte de um turista, determinou que não fosse permitido que policiais civis ou militares adentrassem naquele recinto portando armas, a não ser que estivessem em serviço, ordem recebida pelo Superintendente da Polícia Civil e pelo Comandante da Polícia Militar, mas não cientificada à Polícia Federal, por lapso da cúpula da SSP/SE. Realçou que o Dr. Luciano levou aquela determinação ao pé da letra e não atentou para a exceção relativa aos policiais federais, que não se subordinam à sua Pasta, tendo havido orientação do depoente para que os mesmos tivessem acesso ao evento. Ponderou que o Dr. Luciano não agiu dolosamente, mas o fez em respeito a uma ordem emanada do Secretário, ordem falha, porque não abrangeu todos os aspectos e todas as forças policiais que podiam estar envolvidas naquele evento. Disse que não se recordava de ter havido um ato formal, entretanto, a ordem foi clara, objetiva e inclusive foi divulgada por rádios e jornais.
Dr. Paulo Ferreira Lima, Superintendente de Polícia Civil, arrolado testemunha de defesa, depôs, às fls. 77/78, afirmando que houve ordem emanada da Secretaria de Segurança Pública não permitindo que policial tivesse acesso à Praça do Pré-Caju armado, exceto se se encontra-se em serviço, porém não se recordando se foi editada Portaria regulando a matéria. Salientou que essa ordem não compreendia a proibição de que policiais federais adentrassem na aludida praça em serviço e armados, tendo o Dr. Luciano interpretado erroneamente essa determinação, quando cerceou o ingresso de citados policiais no recinto, muito embora não tenham as autoridades do SSP/SE, sido claras acerca da exceção da ordem.
Enfatizou que a SSP/SE não foi informada de que a Policia Federal participaria do policiamento ostensivo do evento, nem tampouco fora instalado ponto de apoio daquela corporação na praça de festejos.
O Delegado de Polícia Civil Sérgio Ricardo Leite Barbosa, testemunha de defesa, foi ouvido às fls. 106/107, revelando que tomou conhecimento da proibição do ingresso de policiais armados, fora de serviço, na Praça do Pré-Caju, no ano de 1995 e, quando estava de plantão na Delegacia Móvel, agiu com prudência, tendo examinado a situação de um policial federal que pretendia ingressar no recinto portando arma e o fazendo após a interferência do Dr. Juliano Maciel, Superintendente da Polícia Federal, que confirmou que o mencionado policial estava em serviço. Acrescentou que não havia a pretensão de impedir a entrada de policiais armados, mas controlar os armamentos, registrando a sua arma e o seu número, para futuras apurações.
O Capitão Antonio dos Santos, da Polícia Militar do Estado de Sergipe, depôs, às. Fls. 115/118, como testemunha de defesa, esclarecendo que comandava o Policiamento Militar nos festejos do Pré-Caju no dia dos fatos declinados na Denúncia e, ao assumir o serviço, entrou em contato com o Dr. Luciano, então Delegado de Policia Civil, com o qual combinou que policiais em serviço não estavam obrigados a exibir suas armas para controle, pois isto já fora feito pela Corporação, enquanto que não poderiam ingressar na praça onde se realizava a festa pessoas portando armas, mesmo policiais que não estivessem em serviço, ressalvando que autoridades civis e militares também poderiam penetrar no recinto da festa, portando arma, quando houvesse autorização legal, contanto que a arma fosse apresentada para anotação da marca e do número. Relatou que não tomou conhecimento de que a Polícia Federal estivesse realizando qualquer operação durante a realização do Pré-Caju de 1995, sendo informado pelo Dr. Luciano do incidente havido na portaria da praça, quando policiais federais pretendiam adentrar no recinto sem se submeter ao controle pré-determinado, inclusive tendo presenciado o encontro entre o Delegado acima referido e o Dr. Juliano, oportunidade em que eles travaram um diálogo inflamado acerca do ingresso de policiais federais armados, observando que a conduta do Dr. Luciano estava correta no controle das armas dos mencionados policiais, ressaltando que o comando do aludido Delegado se operou dentro dos padrões normais, inclusive em harmonia com a Polícia Militar. Positivou que não viu qualquer Posto da Polícia Federal montado na festa do Pré-Caju, ressaltando que o camarote ocupado pelo Dr. Juliano não era posto policial mas um camarote comum, onde as autoridades e foliões estavam brincando.
Cláudio Cardoso de Almeida prestou depoimento às fls. 124/125, identificando-se como Escrivão de Polícia Federal, relatando que não tem conhecimento exato dos fatos descritos na Denúncia, porque não esteve presente nos festejos mencionados, apenas ouvindo dizer, por parte dos colegas de trabalho, acerca dos incidentes envolvendo o Dr. Luciano, revelando, ainda, que esteve na Rua 24 Horas no dia em que o Delegado se encontrou com o grupo de policiais federais do qual fazia parte e não ouviu o Dr. Luciano afirmar que iria barrar policiais federais que tentassem entrar na Praça do Pré-Caju.
As partes não requereram diligências na forma do art. 499 do Código de Processo Penal, conforme fls. 138v e 142.
O Ministério Público Federal, em suas Razões Finais, de fls. 143/146, pede a procedência da ação, analisando a prova documental e testemunhal produzida nos autos, concluindo que os policiais federais impedidos de terem acesso à Praça do Pré-Caju estavam em missão oficial, tendo o acusado exorbitado de suas funções, incidindo na infração penal descrita no art. 3º, alínea "j", da Lei nº 4.898/65, ficando passível da sanção prevista no art. 6º, § 3º, alíneas "a" e "b", da mesma Lei.
A Defesa esgrime as suas Derradeira Alegações, às fls. 150/160, sustentando que a conduta do acusado não se amolda ao tipo descrito no art. 3º, alínea "j", da Lei nº 4.898/65, como ressoa da prova coligida, militando em favor do réu a circunstância de ter obedecido a ordem de superior hierárquico, agindo em estrito cumprimento do dever legal e sendo-lhe inexigível, na hipótese dos autos, conduta diversa, razão porque pede a sua absolvição.
Ensina a melhor doutrina que o crime é um fato típico e antijurídico, exigindo para a sua concretização que se realize a conduta descrita na norma penal incriminadora em toda a sua plenitude - tipos objetivo e subjetivo - resultando daí a imprescindível subsunção do fato da vida à norma, no que consiste a tipicidade. O fato, uma vez típico, deve ser contrário à ordem jurídica, não estando justificado por qualquer das causas de exclusão da ilicitude, revelando a sua antijuricidade.
A culpabilidade é entendida como pressuposto da reprovabilidade, compreendendo a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a consciência potencial da ilicitude.
Para a caracterização do delito capitulado no art. 3º, alínea "j", da Lei nº 4.898/65, faz-se mister a concorrência dos tipos objetivo e subjetivo descritos na norma incriminadora. Aquele representado pela conduta do agente consistente em atentar contra os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, na hipótese em exame, ter o acusado impedido que policiais federais, em serviço, adentrassem em praça de festa popular portando arma de fogo.
Para a configuração do tipo subjetivo do crime em apreço é necessário que a conduta do agente esteja revestida pelo dolo, isto é, a vontade livre e consciente de violar os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, no caso, o agente ter a vontade de praticar a ação, sabendo que está exorbitando do poder, ao impedir o acesso de policiais federais armados em praça de festa popular, onde exerciam suas atribuições.
O exame dos autos revela que os acontecimentos que culminaram com a instauração deste processo decorreram da falta de entrosamento entre as corporações policiais, no que toca às operações de segurança pública que realizariam no evento conhecido pelo nome de Pré-Caju, ocorrido no ano de 1995.
As autoridades da Secretaria de Segurança Pública editaram ordem não escrita, a ser cumprida pelas Polícias Civil e Militar, proibindo o ingresso de pessoas armadas na Praça do Pré-Caju, ainda que policiais que não estivessem em serviço, o que motivou o desentendimento em análise, vez que tal norma não chegou ao conhecimento da Polícia Federal, a tempo de ser contornado o impasse.
Observa-se dos autos, também, que o acusado, dias antes do evento, não disse a policiais federais com os quais se encontrou, na Rua 24 Horas, que iria impedi-los de terem acesso ao Pré-Caju armados, apenas fazendo referência a uma Portaria da SSP/SE, proibitiva do ingresso de pessoas portando arma, inclusive policiais fora de serviço.
Vê-se da prova oral colhida que o réu somente teve uma participação em todo o episódio descortinado nos autos, ou seja, quando o Agente de Polícia Federal Antonio Martins Matos Neto pretendeu ingressar armado na Praça do Pré-Caju, oportunidade em que o acusado não o proibiu de ingressar no recinto, nem tampouco pretendeu reter-lhe a arma que este portava, pedindo-lhe que a apresentasse para fins de controle, com as anotações da marca e número, com o que não concordou o citado agente policial, que desistiu de ter acesso ao local, dali se retirando, cumprindo assentar que o policial federal não declinou em suas declarações, com precisão, os motivos que levaram o Dr. Luciano a impedir a sua entrada ou se teria se negado a apresentar sua arma para as devidas anotações.
Acresce, também, que o acusado não tinha conhecimento de que a Polícia Federal estava participando do policiamento ostensivo da Festa do Pré-Cajú, eis que, em tais circunstâncias, as Polícias trabalham integradas, devendo, ainda, ser observado que o Agente Martins portava arma particular e não da corporação, o que não é normal quando o policial está em serviço.
Ressalte-se que a ordem questionada não foi da autoria do réu, mas das autoridades superiores da SSP/SE, cumpridas pelo acusado, que tinha consciência de que a Polícia Federal não executava policiamento ostensivo naquele evento, mas, mesmo assim, não cerceou o ingresso dos seus integrantes na praça, tão somente estabelecendo um controle, com anotações pertinentes ao armamento, conduta esta que não foi adotada apenas em relação a policiais federais, mas com todos os policiais que não estivessem em serviço.
Anote-se que o outro episódio ocorrido com o Agente Martins, no dia seguinte, foi com o Delegado Sérgio Ricardo Leite Barbosa, que não lhe autorizou ingressar na praça portando arma, o que motivou a intervenção do Superintendente da Polícia Federal para que o impasse fosse resolvido, o que demonstra que não somente o Dr. Luciano estava fazendo exigências aos policiais que pretendiam entrar armados na Praça do Pré-Caju.
Quanto ao Agente Policial Federal José Aubernei Lopes de Oliveira, ele próprio revelou que não manteve qualquer contato com o Dr. Luciano na entrada da Praça do Pré Cajú, tendo sido impedido o seu acesso por outros policiais que ali se encontravam de plantão, não podendo ser atribuída ao acusado a responsabilidade pelo episódio que o envolvem, ainda que ele fosse o Chefe da Polícia Civil naquele local, já que o próprio Dr. Luciano positiva que não havia ordem para retenção de armas de policiais federais, mas anotações para fins de controle.
Milita, em favor do réu, os depoimentos prestados pelos Srs. Secretário da Segurança Pública e Superintendente da Polícia Civil, que confirmam a existência verbal da ordem recepcionada pelo Dr. Luciano, com a ressalva de que este não estava autorizado a impedir o acesso de policiais federais, em serviço, na praça do evento, tendo a determinação não sido interpretada de forma adequada.
É, também, favorável ao Dr. Luciano o depoimento prestado neste Juízo pelo Capitão da PMSE Antonio Santos, que chefiava a Polícia Militar no evento, que ressalta ter se reunido com o Dr. Luciano e combinado a forma como cumpririam a ordem emanada da SSP/SE, quanto ao ingresso de armas no Pré-Caju, asseverando que ele não exorbitou de suas funções, tendo se conduzido dentro das regras de boa conduta policial.
Em que pese o acusado não tenha observado, com o rigor necessário, o disposto no art. 9º do Decreto Federal nº 73.332/73, vez que a Carteira de Identidade Policial, expedida pelo Instituto Nacional de Identificação do Departamento de Polícia Federal, confere ao seu portador livre porte de arma, franco acesso aos locais sob fiscalização da polícia e tem fé pública em todo território nacional, não se vislumbra em sua conduta o cometimento do delito imputado, porquanto ele não impediu que policiais federais adentrassem, em locais sob fiscalização da polícia, portando arma, mas, tão somente e para fins de controle, pretendeu anotar a marca e o número da arma conduzida, o que não configura atentado contra os direitos e garantia legais assegurados ao exercício profissional, tanto mais quanto o comando do policiamento ostensivo nos festejos em apreço estava a cargo das Polícias Civil e Militar, não constando que a Polícia Federal estivesse integrada naquela operação.
Mesmo convencido de que inocorre o elemento subjetivo do crime imputado, também não está presente o seu tipo subjetivo, porquanto não se vislumbra na conduta do agente o dolo, ou seja, a vontade deliberada de violar direitos e garantias legalmente atribuídos aos policiais federais, antes denotando à sua ação o interesse pela defesa social.
A propósito, vale aqui transcrever a seguinte decisão, que se amolda aos fatos examinados nos autos:
"Se o agente age objetivando a defesa social, embora possa se enganar na interpretação dos fatos, supondo que a sua ação é correta e legítima, não há que se falar em abuso de autoridade, dada a inexistência de dolo."
(TACRIM-SP-AC-Rel. Hélio de Freitas BMJ 92/3)
Isto posto, inexistindo crime, já que os fatos narrados na Denúncia não estão tipificados na figura delitiva descrita no art. 3º , alínea "j", da Lei nº 4.898/65, julgo improcedente a pretensão punitiva do Estado, absolvendo o réu LUCIANO DIAS CARDOSO da imputação que contra ele pesa nos autos, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Sem custas.
P.R.I.
Aracaju, 28 de outubro de 1998.
Juiz Edmilson da Silva Pimenta