small_brasao.jpg (4785 bytes)
PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

 

wpe20.jpg (2542 bytes)

bt-constitucional.jpg (3021 bytes)

PROCESSO N° 2004.85.00.006438-3
CLASSE 02000 — MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: MARIA IZAURA ARAÚJO.
IMPETRADO: PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SELEÇÃO E ACOMPANHAMENTO DO FIES – PROGRAMA DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DE ENSINO SUPERIOR E OUTRO.


SENTENÇA:

CONSTITUCIONAL. PROGRAMA DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR – FIES. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO AFRODESCENDENTE. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA À REGRA DO AT. 3º - INCISO IV E 5º DA CONSTITUIÇÃO.
O brasileiro é um dos poucos, talvez o único povo no mundo capaz de enxergar a beleza de cada raça, até porque nenhum brasileiro tem condição de afirmar, com segurança, a que raça pertence.
O sistema de cotas para negros, seja qual for o seu objetivo, só serve para estimular uma cisão social trazida do passado, com atores invertidos.
Ações afirmativas são indispensáveis, mas uma grande democracia não se constrói com cisão racial.
Segurança deferida.


1. RELATÓRIO

Maria Izaura Araújo, qualificada no inicial de fls.02, impetra o presente mandado de segurança contra o Presidente da Comissão de Seleção e Acompanhamento do FIES – Programa de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e o Superintendente da Caixa Econômica Federal objetivando prosseguir no processo de habilitação e concorrência ao financiamento de seus estudos de nível superior.

Diz que, visando custear suas despesas com o ensino superior, buscou ingressar no FIES, tendo sido informada, quando da entrevista, que estava impossibilitada de participar do certame, por não poder comprovar que era negra, conforme tinha sido aduzido em seu cadastro.

Entende que as distinções de cor de pele ou raça são abominadas pela Constituição Federal, não podendo ser determinante para avaliação do ingresso ou rejeição num programa de financiamento estudantil.

Diz que, se perdurar a malfadada exigência, restará que a impetrante jamais poderá concorrer ao financiamento, posto que sua ascendência negra advém do seu pai e, este, por sua vez, é pessoa desconhecida da impetrante, conforme demonstra sua certidão de nascimento.

Vale-se dos princípios da isonomia e dos objetivos fundamentais da República, insertos na Constituição, para requerer a concessão da liminar e a segurança, afinal.

Nas fls. 30, o MM. Juiz Julio Rodrigues Coelho Neto reservou-se para apreciar o pedido de liminar após as informações.

Em suas informações (f. 38-40), o Presidente da Comissão de Seleção e Acompanhamento do FIES alega ilegitimidade de parte, posto que a política e os critérios de seleção são da competência exclusiva do MEC.

No mérito, diz que a aluna inicialmente foi selecionada, mas não comprovou as informações que havia prestado e quanto ao item existente na Portaria, “onde solicita que, a certidão de nascimento do pai ou da mãe do aluno, conste ser da raça negra....”, tratam-se de regras e critérios definidos pelo MEC.

O Superintendente de Negócios da Caixa Econômica Federal também presta informações (f.63-67), onde alega ser parte ilegítima, posto não ser a Caixa ou qualquer dos seus prepostos que avalia o candidato ao programa.

No mérito, diz não ter informações a prestar, uma vez que nada sabe a respeito dos fatos postos em juízo e somente o MEC, através da Comissão de Seleção e Acompanhamento, está apto a prestar os necessários esclarecimentos.

O MPF opina pela concessão da segurança (f. 92-99).

É o relatório.

Decido.

2. – FUNDAMENTAÇÃO:

Acolho, de plano, a preliminar de ilegitimidade passiva do Superintendente da Caixa Econômica Federal, por não lhe caber, de fato, qualquer atribuição relativamente à classificação de alunos ao financiamento. Essa competência é, efetivamente, do MEC, através da Comissão de Seleção e Acompanhamento do FIES.

Afasto, pois, a Caixa Econômica Federal, da relação processual.

Pelos mesmos fundamentos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do Presidente da Comissão de Seleção e Acompanhamento do FIES. É que, se cabe ao MEC o estabelecimento da política de concessão desse tipo de financiamento, cabe à referida comissão a seleção dos candidatos. Se o faz, com base em regramento do MEC, evidentemente há que figurar como autoridade coatora.

Não fosse assim, qualquer autoridade que estivesse a cumprir uma lei flagrantemente inconstitucional, afastaria sua responsabilidade, transferindo ao legislador a tarefa de responder a toda e qualquer demanda que envolvesse a aplicabilidade daquela norma.

No mérito, os fatos são incontroversos, demonstrados mediante farta documentação e admitidos pela Autoridade Coatora.

Na hipótese, a questão relativa ao financiamento ao estudante de ensino superior, disciplinada pela Lei 10.260/2001, nada mais é que uma espécie de ação afirmativa do Estado brasileiro, com vistas a possibilitar o acesso daqueles que não dispõem de recursos a uma ascensão social, através do ensino universitário.

A própria publicidade oficial aponta nessa direção, afirmando ser o FIES destinado a financiar a graduação do ensino superior a estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação, elegendo critérios de seleção impessoais, para que os recursos sejam distribuídos de forma justa e igualitária.

Em que pese não caber ao Juiz a apreciação do mérito das políticas públicas, não posso me furtar em aplaudir medidas de ação afirmativa dessa natureza.

Sucede, porém, que o Ministério da Educação, ao regulamentar a aplicação da lei em comento, através da Portaria 30, de 12 de agosto de 2.004, ao lado de exigências razoáveis, de caráter geral e impessoal, como renda bruta familiar, condições de moradia, etc., extrapolou ao exigir também, no item XI, do art. 10, “certidão de nascimento do pai ou da mãe, na qual conste, em pelo menos uma delas, informação de que o genitor(a) é da raça negra”.

A autoridade administrativa inspirou-se, naturalmente, no sistema de cotas para negros que muitos têm como uma ação afirmativa. Não é.

O sistema de cotas para negros, tão debatido nos tempos atuais, se, por um lado visa uma compensação pelas conseqüências nefastas da escravidão dos negros durante 300 anos em nosso País, por outro, cria uma modalidade de racismo às avessas e serve de palco a discursos populistas totalmente irresponsáveis, capaz de levar a uma cisão social e reacender o preconceito racial, cuja tendência é ser fragilizado no tempo, até desaparecer por completo do imaginário dos brasileiros.

Essa luta começou com a lei Afonso Arinos, que veio a criminalizar o preconceito racial até ser inserida na Constituição, como cláusula pétrea. Hoje, em nossa sociedade, há uma censura, às vezes silenciosa, às vezes dura, mas legítima, a toda e qualquer manifestação de racismo. Ser racista não tem mais graça. Chegará o dia em que cada um de nós sequer lembrará que o colega de trabalho, que o amigo de infância, o amigo mais recente pertence a esta ou àquela raça.

Do mesmo modo, se as manifestações racistas, muitas delas inseridas em piadas, não conseguem mais provocar risos, salvo em algumas poucas mentes destorcidas que vagam por aí, também não faz sentido, para parecer politicamente correto, criar-se uma forma de racismo, que pretensamente vise compensar todo o sofrimento que as gerações pretéritas impuseram aos negros no Brasil.

Não vale, como é habito da Igreja Católica, pedir desculpas, como o fez 500 anos depois, pelos crimes hediondos cometidos durante a inquisição. É hipocrisia pura, hipocrisia cristã ridícula essa de pedir desculpas aos mortos. Eles não vivem mais para dizerem se aceitam ou não as desculpas.

Por outro lado, as gerações mais novas também não têm culpa das sandices de seus ancestrais. E se sofrimentos ainda persistem por conta disso, o exemplo histórico que se deve abominar há que servir de exemplo a não ser seguido, jamais de catarse coletiva, que só beneficia o mentores de políticas populistas, desprovidos de imaginação, de paciência e de vontade política para resolver essas desigualdades.

Sei que há muitos defensores sinceros do sistema de cotas para negros. Que chegam a afirmar, com uma certa razoabilidade, que o discurso contrário visa, na verdade, adiar a solução do problema das desigualdades sociais.

Afinal, como bem afirmou o Professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia, da UNB, "Há poucos negros na universidade e isso dificulta que eles se unam para lutar por seus direitos. É preciso mudar o tipo de relação que existe na academia. E isso só vai acontecer quando houver vários negros lá dentro".

Ao acessar o site Google, encontrei dados apresentados pelo mencionado Professor, obtidos através de pesquisa, onde demonstra que a exclusão é perversa, posto que 97% dos atuais universitários brasileiros são brancos, contra 2% de negros e 1% de amarelos.

O desequilíbrio, num país em que 45% da população é negra, havendo regiões do Nordeste, como Salvador e São Luis, onde esse percentual chega a 67%, leva à idéia desse sistema de cotas que, com o tempo, tornar-se-á odioso.

A Professora Ivonne Maggie, titular de antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alerta para o risco do estabelecimento de uma cisão racial, o que entendo como capaz de estimular o desenvolvimento de uma sociedade dividida, amarga, profundamente ressentida. Afirma a eminente Professora: "Desde o Modernismo, nossa sociedade se vê como misturada. A introdução do sistema de cotas rompe com esse ideário e produz uma sociedade que tem a obrigação legal de se classificar como 'branca ou negra'. Em outros países, políticas que reforçaram a condição racial geraram conflitos inimagináveis, como em Ruanda, Kosovo e África do Sul".

Também na África do Sul, fenômeno diverso, porém grave, verificou-se. Por conta do sistema de cotas, os negros da época, vítimas daquele sistema separatista doentio, que não tiveram tempo do aperfeiçoamento intelectual necessário, acabaram por afastar os melhores quadros da Universidade – cientistas e pesquisadores – que buscaram trabalho em outros países, prejudicando o seu próprio país no desenvolvimento de tecnologia e pesquisa.

O grande Darci Ribeiro, em um dos seus rompantes maravilhosos de intelectual agitado, chegou a afirmar, em uma entrevista, mais ou menos assim “o que torna a nossa nação maravilhosa é essa mistura de raças diversas, que fez gerar essa zorra fantástica que é o nosso povo”.

Se é assim, se é isso que nos torna únicos no mundo, por sermos capazes de enxergar a beleza de cada raça, até porque nenhum de nós é capaz de afirmar, com segurança, a que raça pertence, como estimular essa cisão trazida do passado, com atores invertidos? Não se construirá jamais uma grande democracia com cisão racial.

Para o jurista Ives Gandra da Silva Martins, o sistema de cotas é inconstitucional, porque fere o princípio fundamental de igualdade entre os cidadãos: "É uma discriminação às avessas, em que o branco não tem direito a uma vaga mesmo se sua pontuação for maior. Reconheço que o preconceito existe, mas a política afirmativa não deve ser feita no ensino superior, e sim no de base".

Penso, ao contrário do Professor, que as políticas afirmativas podem ser feitas, indispensavelmente no ensino básico, mas também no ensino superior. Nesse passo, a Lei 10.260/2001 é um caminho importante, porque facilita o acesso do estudante pobre à Universidade. Não deixa de se constituir em ação afirmativa, se afastada a idéia da afrodescendência.

Tenho como lapidar a afirmação da estudante Marisa Santana, da graduação em Ciências Sociais da UFRJ, extraída do Google, ao manifestar-se sobre o assunto, afirmando sentir-se dividida. "Ser contra ou a favor limita a discussão. O importante é pensar sobre o racismo. Eu mesma fico dividida: como ativista do movimento negro, sou totalmente a favor das cotas; como cientista social, sou contra. Quando se toma um critério racial como base para a definição das cotas, fomenta-se o preconceito. Já ouvi coisas terríveis, como 'negro é tão inferior que precisa de cotas'. Acho que as cotas deveriam ser focalizadas em pobres, não em negros, como fez a Uerj. Antes da mudança, muitos dos que entraram eram negros que tiveram uma boa educação. Isso não é revolução nenhuma, talvez eles tivessem entrado de qualquer forma", diz a estudante.

Por fim, questiona-se, hodiernamente, sob o ponto de vista estritamente científico, a existência de raças. Em edição que não me recordo, da Revista Superinteressante, há uma reportagem, de cunho científico, baseada no estudo do DNA humano e em pesquisas históricas, onde sugere que toda a espécie humana é oriunda de uma única raça, no caso, a raça negra.

Afirma a reportagem que, inicialmente, o homem era negro. Quando ele saiu do continente africano, dirigindo-se à Europa e à Ásia, por conta de fatores climáticos, teve alteradas as suas características físicas, num processo evolutivo de milhares de anos.

Consta que o cabelo encaracolado e as fossas nasais grandes, próprias dos negros, tinham essas características, o nariz para facilitar a entrada de ar quente e o cabelo para reter o suor e proteger o cérebro do calor.

O frio da Europa afilou o nariz, clareou a pele, devido ao menor teor de raios ultravioletas, e tornou mais fino o cabelo dos povos que para lá se dirigiram. A reportagem chega a afirmar que o traço oblíquo dos olhos dos povos asiáticos é resultado de um processo evolucionista, que visava a proteção dos olhos daqueles povos, que, inicialmente, não estavam adaptados para sobreviver com certas correntes de ar próprias daquele continente, vítimas de um lacrimejamento constante.

A idéia de inexistência de raça foi absorvida pela nossa Corte Maior de Justiça, o Supremo Tribunal Federal que, no HC 82424/RS, em que foi relator o Ministro Moreira Alves e Relator do Acórdão o Ministro Maurício Correa, onde consta, de um trecho da ementa, a seguinte assertiva: “Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista”.

A ementa total do acórdão segue transcrita:

EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.

No caso dos autos, é preciso lembrar que, como fonte de inspiração humanista, o legislador brasileiro extirpou, dos documentos pessoais, toda e qualquer referência à raça que supostamente pertenceria à pessoa identificada no documento. Isso assim foi feito como forma de extinguir o preconceito racial, com o objetivo da construção ideológica de que não existem diferenças entre raças, de que todas são igualmente nobres, relevantes, não se constituindo em fator de identificação de ninguém.

Mesmo sabendo dessa proibição legal, o Ministério da Educação houve por bem exigir que a Autora identificasse um dos seus genitores como sendo da raça negra. Seria impossível fazê-lo documentalmente, seja porque, dos documentos pessoais não é mais possível constar essa característica, seja porque a autora desconhece quem seja o seu genitor, o que revela, mais uma vez, inserida no grupo daqueles que necessitam valer-se dos benefícios das ações afirmativas.

3. – DISPOSITIVO:

Com esses fundamentos, concedo a segurança para que a impetrante possa prosseguir no processo de habilitação e concorrência ao financiamento dos seus estudos de nível superior, afastada a exigência de comprovação, de pertencer à raça negra, um dos seus genitores.

Custas pela impetrada.

Sem honorários, por força da Súmula 512, do STF.

Sentença sujeita a reexame necessário (art. 12, parágrafo único, da Lei n° 1.533/51).

Decorrido o prazo para a propositura de eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5a Região.

P.R.I.C

Aracaju, 01 de março de 2005.


Ricardo César Mandarino Barretto
Juiz Federal - 1ª Vara Federal - SE