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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

 

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Proc. JF/SE. Nº 2000.85.00.002984-5 - Classe V- 2ª Vara.

Ação: "Declaratória".

Requerente: Antônio dos Santos Leite e outros.

Requerido: União Federal e outros.

  

 

 

 

E M E N T A: AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PREAMAR. HIPÓTESE EM QUE SE CARACTERIZA A IMPOSSIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO. Correta a negação do licenciamento para construção de bares na área objeto da demanda, situada nos 300 metros da preamar máxima, cujo gerenciamento cabe ao IBAMA, nos termos da lei federal pertinente. A responsabilidade de preservação do meio ambiente, todavia, por força de dispositivo constitucional, incumbe não somente ao poder público, mas também a todos cidadãos, pessoas físicas ou jurídicas, sem distinguir as da administração pública ou o particular.

 

S E N T E N Ç A:  

 

Os requerentes informam a este juízo serem comerciantes estabelecidos na Praia de Aruana, nesta capital, explorando o ramo de bares e restaurantes naquela localidade.

Narram que, implantada a  Rodovia BR SE 100, ligando a Praia de Atalaia à Sarney, o Município de Aracaju, a ENSURB e a EMURB passaram a exigir-lhes regularidade na ocupação. A Prefeitura, todavia elaborou um projeto urbanístico para a região da Praia de Aruana, com o que os autores viram-se prejudicados. Em contrapartida elaboraram outro projeto de urbanização daquela praia.

Após diversas tentativas de negociação junto àqueles órgãos, o Ministério Público Federal, atendendo pedido dos moradores daquela localidade, interveio, promovendo algumas reuniões, nas quais faziam-se presentes, além do MPF e dos autores, representantes do IBAMA, ADEMA, DPU, Polícia Ambiental, Município de Aracaju, EMURB e ENSURB.

O IBAMA desautorizou o projeto urbanístico, sob o argumento de que se trata de área de praia marítima e, portanto, constitui-se de área de preservação permanente, nos termos da legislação ambiental.

Ante a ameaça, por parte de setores do poder público municipal, de terem seus estabelecimentos demolidos, em virtude do projeto urbanístico elaborado pelo Município de Aracaju, os requerentes pedem:

a)    a declaração de que a área é passível de ocupação por bares e restaurantes, desde que se obedeçam as regras estabelecidas em projeto urbanístico;

b)    o reconhecimento do direito a esta ocupação, em favor dos autores, uma vez atendidas as exigências de praxe.

Com a inicial vieram documentos, inclusive comprovante de pagamento das custas iniciais.[1]

Inicialmente, este processo fora distribuído para a 2ª Vara. Em virtude de impedimento do juiz daquela Vara, os autos foram conclusos a esta Juíza.[2]

Todos os réus foram regularmente citados.

Em suas respectivas contestações, em síntese, as demandadas argumentam, que:


 

CONTESTAÇÃO DO IBAMA: 

O IBAMA  informa que a área em que se situam os bares já fora objeto de diversas vistorias de que resultaram várias autuações, em decorrência de as construções terem-se efetivado na faixa de 300 metros da linha de preamar máxima, causando destruição de dunas e da vegetação nativa, mata de restinga.

Por esses motivos, o IBAMA desautorizou os projetos urbanísticos apresentados tanto pela Prefeitura quanto pela Associação dos Donos de Bares da Aruana. Informa que o processo administrativo submeteu-se à apreciação do DEREL/IBAMA/BSB, que concluiu pela não concessão de licença para o empreendimento, em virtude do Projeto Orla, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, a ser implementado naquela localidade.

Cita artigos da Constituição Federal e da legislação ambiental para explicar que o interesse público deve sobrepujar o interesse particular, e, mesmo em casos como o desta ação, em que os requerentes já estão instalados na Praia de Aruana, ainda assim cabe ao poder público regularizar a situação.[3]

 

CONTESTAÇÕES DA EMURB E DO MUNICÍPIO DE ARACAJU:

Narram que, desde 1995, os autores resistem a desocupar a área e mantêm seus estabelecimentos comerciais na praia de Aruana sem as necessárias licenças por parte do IBAMA, ADEMA, EMSURB E EMURB.

Informam que, desde 1998, os ocupantes vêm ajuizando ações com o intuito de permanecerem na área, com respaldo judicial, mas não obtiveram êxito.

Em 13/01/2001, a Associação dos Donos de Bares da Praia de Aruana, na pessoa de seu presidente, assinou um Ajuste de Conduta com o MPF, comprometendo-se a regularizar a situação dos bares, até 30 de maio de 2000. No dia 31/05/2000, os autores foram comunicados de que deveriam desocupar a área.

Os autores apresentaram um projeto de urbanização que, todavia, após avaliação da Prefeitura, fora rejeitado, pois não atendia à perfeição urbanística e integridade ambiental da área da Praia da Aruana. Além disso, o projeto foi elaborado sem qualquer participação da Prefeitura Municipal, que detém a competência exclusiva para elaborar os projetos urbanísticos.

Acrescentam que o projeto urbanístico apresentado pelos autores também não incluíra o Estudo do Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), exigidos pela Constituição Federal.

Citam os artigos 71 e 198, do Decreto Federal nº 9.760/1996, para esclarecer que, em casos como este, a União está autorizada a despejar os ocupantes, sumariamente.[4]

 

CONTESTAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL:

Após resumir os fatos, pugna pela extinção do processo sem julgamento do mérito, em face de a representação apresentar irregularidades quanto a um dos autores.

No mérito, elenca artigos da Constituição Federal e da legislação ambiental, inclusive Resolução do CONAMA, para fundamentar o seu entendimento de que se trata de área de preservação ambiental.[5]

 

CONTESTAÇÃO DA EMSURB:

Preliminarmente, argüi carência de ação, por ilegitimidade da parte ativa, uma vez que os autores ocupam irregularmente área de domínio da União Federal.

No mérito, afirma que, pelo fato de a área encontrar-se na faixa mínima de 300 metros da linha de preamar, a sua ocupação encontra óbice na Constituição Federal e em várias outra normas, as quais dispõem sobre a proteção ao meio ambiente.

Informa que não deu licença ou permissão para instalação ou funcionamento dos estabelecimentos defendidos pelos autores.[6]

 

CONTESTAÇÃO DA ADEMA:

Feito o resumo dos fatos, explicita a competência da ADEMA para licenciar empreendimentos em área de preservação ambiental.

Cita o artigo 7º da Lei nº 7.661/1988 e Resolução do CONAMA para justificar a negativa do licenciamento para ocupação do espaço objeto da demanda.[7]

Todos os contestantes requerem a improcedência do pedido, cominando-se aos autores as verbas de sucumbência

 

Excluídos o DPU e o MPF, em virtude de ilegitimidade passiva. Regularizada a distribuição, a União Federal passou a integrar o rol dos  demandados, em substiuição ao DPU.[8]

Os autores atravessam petição, regularizando a procuração de Antônio Borges.[9]

Em audiência, realizada em três momentos distintos, ouviram-se testemunhas e o depoimento pessoal do representante da ADEMA. Deferiu-se o pedido de perícia, formulado pelos autores, e foi nomeada a perita Marta Cristina Vieira Fontes. As partes indicaram seus assistentes técnicos. Fixados os honorários periciais.[10]

As partes apresentaram quesitos em função da perícia.

Realizada inspeção judicial.[11]

A perita judicial apresentou seu laudo técnico.[12]

O assistente técnico indicado pelo Município de Aracaju apresentou seu laudo técnico.[13]

Instados a manifestarem-se sobre o laudo pericial, a União Federal, o IBAMA e a EMURB apresentaram pareceres técnicos a respeito da perícia efetivada.[14] Os demais silenciaram, e a União Federal pediu a intimação da expert para responder os quesitos, os quais foram prestados em audiência.[15]

É o Relatório.


 

Fundamento e Decido.

1- Das preliminares.

A União Federal requer a extinção do feito, sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC, em relação ao demandante Antônio Borges. Observo, no entanto, que a representação foi devidamente regularizada pelo autor. Rejeito, pois, esta preliminar.

A EMSURB suscita preliminar de ilegitimidade da parte ativa, argumentando que os autores são meros ocupantes de uma área de domínio da União, para cuja ocupação eles não detêm qualquer licença. Trata-se, por isso, de posse precária.

Rejeito esta preliminar, pois do pedido não se extrai qualquer pretensão de domínio por parte dos autores, quanto a área efetivamente ocupada. Na verdade, eles buscam a declaração de que podem ocupar a praia de Aruana, explorando-lhe o comércio de bares.

2- Do mérito.

O conteúdo do pedido é a declaração de “que a área em questão é passível de ocupação por bares e restaurantes, dês que obedecidas as regras, formas e estrutura previamente definidas em projeto urbanístico, bem com o reconhecimento do direito aos autores de exercerem essa ocupação, ali permanecendo no comércio de bares e restaurantes.

Pois bem, todos as rés, no uso de suas atribuições, negaram licença, permissão ou autorização aos autores para construírem naquela área, sob o fundamento de que se trata de área de preservação ambiental permanente.

O processo mereceu inspeção e perícia judicial, esta realizada por profissional da área de ciências biológicas, em cujo laudo técnico, incisavamente, afirmou:

A “Praia de Aruana” está inserida na denominada “Zona de Expansão de Aracaju”, que se estende da Praia de Atalaia até a foz do rio Vaza Barris e que, recentemente, foi alvo de Estudo de Impacto Ambiental. Aí podemos distinguir, claramente, a existência de dois ecossistemas adjacentes: praia arenosa e restinga com formações dunares. (grifei)[16]

Após definir praia arenosa, restinga e formações dunares, com suficiente clareza, a expert conclui, em resposta a quesito apresentado pelos autores, que a distância dos bares em relação à preamar é de “cerca de 50 metros”. Portanto:

Os bares e ou restaurantes instalados naquele local, localizam-se bem próximos à linha de preamar máxima, algumas vezes sendo atingidos por ela.[17]

A ocupação e o gerenciamento dos ecossistemas costeiros, onde se insere este caso, é disciplinado pela Lei nº 7.661/88, que no “caput” do seu artigo 6º frisa que qualquer construção em zona costeira deverá observar todas as demais normas federais, estaduais e municipais, respeitando-se, contudo, as diretrizes do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.[18]

O direito do cidadão ter livre e franco acesso às praias, assegurado pelo artigo 10 da Lei 7661/88, já se encontra bastante prejudicado em alguns períodos do ano, quando da ocorrência de grandes marés, que praticamente cobrem toda a faixa de areia. Este fato pode ser confirmado pelo tipo de construção que alguns bares apresentam, em seu lado leste, do tipo palafita (observar fotografia nº 8)[19]

Em alegações finais, os autores concluem do laudo técnico da perita “que as condições naturais daquela praia não mais existem”. Entretanto, observo que esta conclusão destoa imensamente do conteúdo da perícia técnica que, inclusive, destaca:

Infelizmente, por menos agressivo que possa parecer, qualquer tipo de estabelecimento edificado trará conseqüências danosas ao ambiente.[20]

Cabe-nos ressaltar que, do ponto de vista ecológico, estes ecossistemas deveriam permanecer intocáveis.[21]

Da análise do laudo pericial realizado pela perita do juízo, percebe-se um estudo suficientemente criterioso, capaz de levar ao convencimento o leitor mais exigente. Além disso, esta magistrada, constatou, in loco, que a presença dos bares naquela localidade ocasionam enorme prejuízo ao ecossistema e os depoimentos testemunhais são unânimes em ratificar essa constatação.

A área ocupada pelos autores realmente encontra-se inserida naquela caracterizada nos 300 metros da preamar máxima, cujo gerenciamento cabe ao IBAMA, nos termos da lei federal pertinente. A responsabilidade de preservação do meio ambiente, todavia, por força de dispositivo constitucional[22], incumbe não somente ao poder público, mas também a todos cidadãos, pessoas físicas ou jurídicas, sem distinguir as da administração pública ou o particular.

 

Vejamos a letra da lei a respeito da ocupação do bem público de uso comum do povo de que cuida essa demanda:

“Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º - Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º  - A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

§ 3º  - Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tais como areais, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”[23]

A Resolução nº 004/85 c/c a Resolução nº 004/1993 estabelece que atividades, obras, planos e projetos a serem instalados na faixa de preservação permanente devem ter prévio licenciamento. Aliás, os autores demonstram estarem cientes dessa responsabilidade ao encomendar projeto de urbanização da localidade que almejam continuar explorando economicamente.

Mas também esse projeto não foi colacionado aos autos e os autores não se desincumbiram de provar que não causam danos ao ecossistema daquela localidade e que continuariam a não causar os mesmos danos, caso o seu projeto fosse implementado.

Ainda assim, sobre o projeto elaborado pelos autores, a expert observou que

...em suas plantas e descrição, não é possível determinar se os sanitários, em regime condominial, serão instalados ao nível do grade da rodovia Sarney ou se ao nível dos bares, que estão localizados, em sua maioria, num desnível superior a dois metros com relação à rodovia. Neste caso, sua ligação ao sistema de esgoto estaria seriamente prejudicada.[24]

 

E ainda sobre o projeto:

A faixa de domínio não foi respeitada pelo projeto, pois de acordo com o tipo de rodovia que margeia, as edificações devem distar da mesma, no mínimo, 25 metros.[25]

Sobre o impacto ambiental causado pela presença daqueles bares na Praia de Aruana, as testemunhas ouvidas, ambas profissionais na área de preservação ambiental, manifestaram-se:

...há sempre problemas em ocupações em áreas (de preservação ambiental) pelo uso da água, descarte de dejetos e localização de lixo.[26]

...as águas utilizadas nos bares tanto para lavar prato, como para o banho, não desembocam no mar, posto que têm um sistema de sumidouros, que são elementos filtrantes, sendo que é a própria areia que filtra, só que isso satura”[27]

Essas assertivas corroboram as razões de se negar licença para permanência dos autores na exploração do comércio, em estabelecimentos construídos naquela praia.

Na condição de órgão executor do SISNAMA, compete ao IBAMA executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente[28]. Encerrada, pois, a questão quanto à necessidade de licenciamento prévio para construir naquela área, a qual, por encontrar-se em zona costeira, situada a 300 metros da preamar, caracteriza-se como de preservação ambiental permanente.

Acrescente-se a necessidade de licenciamento junto a órgãos do serviços públicos municipal e estadual, tais como a ENSURB,  a EMURB e a ADEMA.

Como os demandantes não obtiveram o licenciamento prévio, adquirido pelos órgãos competentes, ou seja, a autorização ou permissão para execução da obra nos termos da legislação que rege a espécie, vejo como dissipada qualquer dúvida a respeito da possibilidade ou não de construir  em áreas de preservação permanente, pois esta possibilidade não está livre das imposições oriundas do ordenamento jurídico.

Ao negar licença para a permanência dos bares, a Administração Pública agiu corretamente. Aliás, tal construção sequer se deveria iniciar. No entanto, os autores já construíram, sem observância das exigências de saneamento básico e segurança tanto para os freqüentadores da Praia de Aruana, quanto para os moradores da redondeza.

 

Em benefício de uns poucos – os autores, a presença daqueles bares, em plena praia, ocasiona inaceitável agressão ao meio ambiente, com sérios prejuízos para toda a população de Aracaju que, dentre outros danos, vê-se compelida a restringir o usufruto daquele bem público de uso comum do povo.

Por último, e porque o tema aqui versado nos leva pelo caminho da Ecologia, interessa que alguns conceitos básicos sobre o assunto permeiem esta peça processual, ainda mais que, a novel Constituição trouxe importantes e imprescindíveis avanços, os quais visam à preservação dos nossos riquíssimos ecossistemas, como forma de garantir a nossa própria sobrevivência, enquanto seres relacionados com os demais: dos mais simples, inclusive aqueles que sequer se adequam à “teoria celular”, que são os vírus, até os mais complexos, os quais ostentam todo o glamour do apogeu da evolução biológica – nós mesmos.

Pois bem, inicialmente, trago algumas generalidades acerca do tema desta decisão: ecologia.  Tal palavra provém do grego, sendo que, desdobrando-a, encontramos o seu significado “ao pé da letra”: oikos = casa, e logos = ciência, ou seja, estudo da casa.  É admirável a profunda ternura embutida neste significado, uma vez que, se todas as pessoas encarassem o nosso frágil e querido planeta como a nossa casa querida, certamente haveria uma maturidade de comportamento, desde o abandono da prática de se jogar lixo da janelinha do carro, até a ausência de quaisquer outros tipos mais graves de poluição.

Felizmente, ainda que timidamente, a humanidade está caminhando - a passos lentos, é verdade - para uma maior conscientização de que as relações entre os seres vivos são frágeis e interdependentes.  Neste ínterim, transcrevo parte de um texto traduzido e adaptado do livro The machinery of nature, de Paul R. Ehrlich, Simon & Schuster Ed., Nova York, 1987 colhido em fl. 341 do livro “Biologia das Populações de Amabis e Matho”, editora Moderna:

Os princípios básicos da Ecologia são acessíveis a qualquer pessoa que esteja disposta a dedicar um pequeno esforço em compreendê-los.  E esse esforço compensa.  A familiaridade com a Ecologia básica mudará para sempre sua visão do mundo.  Você nunca mais considerará as plantas, os microorganismos e os animais, incluindo as pessoas, como entidades isoladas.  Ao contrário, você os verá como partes de uma grande e complexa máquina, como elementos relacionados de um sistema em pleno funcionamento.


 

Para compreender a máquina da natureza, você precisará entender não apenas como ela opera hoje, mas como foi construída nesses bilhões de anos.  O processo de construção, chamado de evolução biológica, foi de tentativa e erro.  O curso da construção foi sendo alterado por diversos tipos de eventos, desde o relativo sucesso ou insucesso de partes da máquina ecológica até destruições catastróficas.  A evolução não teve finalidade” (...).

A importância ecológica do ecossistema marinho dispensa maiores explicações, haja vista que salta aos olhos a sua riqueza, tanto no que pertine às espécies animais (desde aqueles que compõem o zooplâncton até os grandes mamíferos), como também em relação aos vegetais (desde os que se inserem no fitoplâncton até formas mais complexas).

Os danos causados a uma ou mais espécies pode alterar, profundamente, a cadeia alimentar, nos seus diversos níveis tróficos (produtores, consumidores e decompositores), bem assim, o conjunto das relações alimentares (teia alimentar) deste ecossistema e, ainda, alterar as demais atividades, tais como reprodução, hábitos etc.  Em outras palavras, podem interferir no nicho ecológico das várias espécies que têm habitat no local prejudicado e daquelas que, mesmo com  habitat fora dele, com ele se relaciona.

Vê-se, pois, que com uma indevida interferência, o homem afeta a vida de outras espécies e, em conseqüência, a sua própria vida.

Retornando ao aspecto predominantemente jurídico da questão, pertine trazer algumas considerações doutrinárias relacionado a este tema, e para isto, transcreveremos observações feitas pelo excelente Paulo Affonso Leme Carvalho in “Direito Ambiental Brasileiro”, quando do estudo do conceito e uso das praias, dados pela Lei nº 7.661/88, ocasião em que lembra ter o art. 225, caput, da CF, conceituado o meio ambiente como “bem de uso comum do povo”. Pois bem, assim se manifesta o ilustre doutrinador:

A argumentação já expendida sobre a natureza dos bens de uso comum do povo no referente às praças e espaços livres vale aqui ser inserida.  Há uma afetação constitucional da praia como bem da União.  Essa desafetação só poderia ser feita expressamente por uma emenda à Constituição Federal; e, assim, nenhuma lei federal, nenhuma Constituição Estadual, lei estadual, lei orgânica do Município, lei municipal, poderá mudar, parcial ou totalmente, o destino ou a função de uma praia.


 

A primeira parte do art. 10, caput, diz respeito ao uso, à segunda parte ao acesso à praia.  O uso da praia não está explicitado na lei brasileira, aqui examinada.  Por exemplo, a Lei francesa 86-2, de 3.1.1986, disse ‘O uso livre e gratuito pelo público constitui a destinação fundamental das praias, do mesmo modo que sua afetação às atividades de pesca e de cultura marinhas’ (art. 30, 2).  Em comparação com a recente lei francesa, pode-se afirmar que também no Brasil a pesca e a cultura dos recursos do mar não contrariarão o uso comum pela comunidade, desde que não se impeça a utilização da praia por qualquer do povo.

Contraria a finalidade de utilização comum pela população a concessão de parte da praia para clubes construírem áreas esportivas, a ocupação por guarda-sóis de edifícios fronteiriços ou a autorização para a construção de bares, restaurantes ou hotéis nas praias.  Além disso, o Poder Público haverá de proceder com grande prudência na construção de postos para policiamento e/ou construção de sanitários públicos, evitando cometer atentados à estética e à paisagem – interesses tutelados pela ação civil pública.  (os negritos são nossos).

Constata-se, portanto, que, diante de tudo quanto foi exposto, o único caminho a se impor é o do indeferimento do pleito.  Assim, extingo o processo com julgamento do mérito e julgo improcedentes os pedidos dos autores.

Condeno os autores no pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor a ser dividido em partes iguais para os vencedores da demanda, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC.

Aos demandantes também imponho o pagamento dos honorários periciais, no valor fixado nos autos, e corrigidos monetariamente, até o pagamento dos mesmos.

Cópia desta sentença nos autos da ação cautelar.

Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.

Aracaju, 11 de abril de 2002.

 

Telma Maria Santos

Juíza Federal Substituta da

3ª Vara



[1] Fls. 16/196; 201/280; 283/286 e 531.

[2] Fls. 287.

[3] Fls. 311/328.

[4] Fls. 334/364 e 502/508.

[5] Fls. 487/499.

[6] Fls. 512/518.

[7] Fls. 519/523.

[8] Fls. 289 e 291/293.

[9] Fls. 531.

[10] Fls. 310; 482/486; 658/665.

[11] Fls. 543/544.

[12] Fls. 545/584.

[13] Fls. 586/616.

[14] Fls. 621/623 e 625/627.

[15] - Fls. 650/651 e 658.

[16] Fls. 548.

[17] Fls. 556 e 559.

[18] Fls. 552.

[19] Fls. 556.

[20] Fls. 557.

[21] Fls. 553.

[22] Constituição Federal, 1988, art. 225, § 3º.

[23] Lei 7.661/88.

[24] Fls. 560.

[25] Fls. 560.

[26] Fls. 483.

[27] Fls. 487.

[28]  - Lei 6.938, de 31/08/1981.