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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

 

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Processo nº 99.0006084-9 - Classe II - 3ª Vara.

Ação: Mandado de Segurança.

Impetrante: SINDUSCON – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Sergipe.

Impetrado: Gerente de Arrecadação e Fiscalização do INSS.

 

E M E N T A: TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 11%. REPRESENTAÇÃO SINDICAL. 1. - Os sindicatos têm legitimidade para substituir os sindicalizados em ação onde se pleiteiam interesses de seus filiados; 2. – Necessário lei complementar para criação de nova alíquota para contribuição. O artigo 150, IV, da Carta Magna veda expressamente a utilização de tributos com efeito de confisco e assegura a restituição imediata da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

S E N T E N Ç A:

 

 

 

Na qualidade de substituto processual de diversas pessoas jurídicas de direito privado, o impetrante informa que suas filiadas exercem atividade de construção e reforma de imóveis.

Narra que, em decorrência de ato ilegal e abusivo, as empresas filiadas têm sido compelidas à retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços que porventura realizem.

Trata-se de sistemática de arrecadação de contribuição social recente, devida sobre a folha de salários, criada pelo art. 23 da lei nº 9.711, de 20/11/1998, que alterou a redação do art. 31 da lei 8.212, de 24/07/1991.

Entende que a cobrança encontra-se permeada de inconstitucionalidades, inclusive porque as atividades de suas filiadas estão disciplinadas no art. 30 da lei 8.212/91, que permanece inalterado. A impetrada, todavia, vêm impondo às filiadas, o conteúdo da Ordem de Serviço INSS/DAF nº 203, de 29/01/1999, criada sob o pretexto de regulamentar aquele artigo de lei.

Esclarece que a Ordem de Serviço nº 203 apresenta as seguintes irregularidades: primeiro, a folha de salários, prevista na Constituição como base de cálculos, foi substituída pelo faturamento; segundo, não se vislumbra relação lógica entre a atuação do contratante com o fato gerador da obrigação; por fim, a contribuição passou a ser verdadeiro empréstimo compulsório.

Requer a concessão de liminar, para que a impetrada não exija das empresas filiadas ao SINDUSCON que retenham o percentual de 11% sobre o valor bruto da prestação dos serviços que realizar, suspendendo-se os efeitos do art. 31 da lei 8.212/91, com redação dada pelo art. 23 da lei 9.711/98.

Nos mesmos termos, requer a concessão definitiva da segurança para que suas filiadas submetam-se ao recolhimento da contribuição sobre folha de salários, conforme o art. 31 da lei 8.212/91, em sua redação originária, em virtude das inconstitucionalidades insertas pelo art. 23 da lei 9.711/98.

Com a inicial, vieram os documentos, inclusive comprovante de pagamento das custas iniciais.

Liminar deferida, com ordem para notificação da autoridade coatora.

Em suas informações, a autoridade apontada como coatora argüi preliminar de ilegitimidade ativa .

 

 

 

 

No mérito, argumenta que ao contrário da legislação pertinente outrora em vigor, a norma atual revelou-se bastante eficaz no combate à sonegação fiscal.

Esclarece não se tratar de contribuição nova, pois não houve aumento de carga tributária, mas sim, de nova forma de arrecadação, agora realizada sobre a folha de salários em vez de se realizar sobre o faturamento. Na hipótese remota de haver excesso, o contribuinte está sujeito à devolução e compensação.

Defende a constitucionalidade do sistema de arrecadação de folha de salários, que reduz a sonegação fiscal e traz mais justiça social.

Requer a cassação da liminar e a denegação da segurança.

O representante do Ministério Público Federal opinou pela denegação da segurança

 

É o Relatório.

 

 

 

 

Decido.

 

Descarto a preliminar de ilegitimidade ativa do impetrante. A substituição, neste processo, é de ser permitida uma vez que há conexão entre o objeto do pedido e a própria finalidade da instituição. É que o sindicato está atuando na defesa dos direitos e interesses da categoria substituída, por conta da precisão insculpida no artigo 8º , III, da Constituição Federal/1988, com o que a exigência da autorização expressa, contida no artigo 5º, XXI, da mesma Constituição Federal aplica-se tão somente em relação a outras entidades associativas.

A Carta Magna confere legitimidade aos sindicatos para impetrar o Mandado de Segurança coletivo, conforme o disposto no seu artigo 5º, LXX, b.

Sob essa orientação , o egrégio STJ vem julgando, reiteradamente, casos de legitimidade ativa, específicos de sindicatos:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM". VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO COMPROVADO. RSTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS. PRECEDENTES. – (...). - Os precedentes jurisprudenciais desta Egrégia Corte vêm decidindo pela legitimidade ativa ad causam dos sindicatos para impetrar mandado de segurança coletivo, em nome de seus filiados, sendo desnecessária autorização expressa ou a relação nominal dos substituídos. Recurso não conhecido.

Conforme se observa dos autos, o sindicato foi regularmente constituído e está em funcionamento há mais de um ano.

Ademais, in casu, o sindicato impetrante recebera autorização no estatuto e comparece justamente para discutir interesse coletivo inerente à categoria que representa. Não vejo, pois, como recusar-lhe legitimidade ativa.

 

 

 

Quanto ao mérito, verifica-se que a demanda gira em torno de alguns dispositivos legais, cuja transcrição considero pertinente. Comecemos pela norma a que o impetrante considera as filiadas adstritas, em virtude de suas atividades:

Art. 31. O contratante de quaisquer serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, responde solidariamente com o executor pelas obrigações decorrentes desta lei, em relação aos serviços a ele prestados, exceto quanto ao disposto no art. 23.

§ 1º Fica ressaltado o direito regressivo do contratante contra o executor e admitida a retenção de importância a este devidas para a garantia do cumprimento das obrigações desta lei, na forma estabelecida em regulamento.

§ 2º (...)

O regulamento de que trata o parágrafo primeiro, veio na forma da Ordem de Serviço INSS/DAF nº 203, publicada em 02/02/1999, já sob a égide da alteração efetivada ao artigo 31 da lei 8.212/91, pelo artigo 23 da lei 9.711/1998, a seguir transcrito:

Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33.

§ 1º O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente da mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.

 

§ 2º Na impossibilidade de haver compensação integral na forma do parágrafo anterior, o saldo remanescente será objeto de restituição.

§§ 3º e 4º (...).

Inicio pelas considerações a respeito de uma ordem de serviço haver regulamentado a lei, em lugar de decreto. O impetrante insurge-se veementemente contra isso. Entretanto, esta questão formal, in casu, resulta de menor importância, uma vez que o próprio PCSS confere ao INSS poderes para elaborar normas que regulamentem os procedimentos a serem adotados pelas empresas contribuintes, na aplicação das leis concernentes a contribuições previdenciárias.

Assim, não vejo óbice a que a lei seja regulamentada pela ordem de serviço, desde que, condition sine qua non, não ultrapasse os limites da lei, a quem o ato regulamentador deve estar rigorosamente adstrito.

Em síntese, a lei 9.711/1998, alterou a norma anteriormente vigente, instituindo-lhe nova sistemática da cobrança das contribuições previdenciárias que consiste na retenção sobre o valor bruto da nota fiscal ou faturas de prestação de serviços, ressalvado o direito de compensação, ao recolher as contribuições incidentes sobre a folha de pagamento.

Utilizando os conceitos previstos no CTN, em conjunto com a doutrina do ilustre Bernardo Ribeiro de Moraes, convém tecer alguns comentários acerca da tríade fato gerador – hipótese de incidência – base de cálculo, com o que corroborar-se-á a afirmativa de que nova contribuição foi criada, em decorrência da alteração advinda do art. 23 da lei 9.711/98.

Pois bem, ao se referir a fato gerador, após falar sobre a expressão utilizada pelos franceses Gaston Gèze, em 1937, e Pierre Dammervale (fait générateur), lembrou que esta denominação é muito usada no Brasil (fato gerador de impostos ou fato gerador da obrigação tributária) , e afirma que se trata

"de uma expressão muito criticada, visto que vem sugerir a idéia de que o fato é necessário e suficiente para gerar a obrigação tributária quando, na verdade, é ele apenas necessário, pois, isoladamente, sem a lei, o fato gerador nada cria. Ademais, a expressão "fato gerador", uma vez concretizado, "gera" o tributo, quando, na verdade faz nascer apenas a obrigação tributária e não o crédito tributário".

 

 

 

Diz, também, o ilustre doutrinador que a

"situação de fato, suscetível de ser realizada, é definida pela norma jurídica, como hipótese de incidência; uma vez ocorrida a situação de fato, haverá a incidência da lei tributária, jurisdicizando-a A situação de fato torna-se apta para irradiar efeitos jurídicos, inclusive criando a obrigação tributária (...). A incidência da norma jurídica, uma vez concretizada a hipótese de incidência, é infalível, independendo até da própria aplicação da lei e do fato de a pessoa conhecer a norma jurídica".

Ressaltando que o fato gerador contém os elementos objetivo e subjetivo, dispõe Bernardo que o

"elemento objetivo do fato gerador da obrigação tributária traz um "elemento quantitativo, denominado também de elemento financeiro, representado por uma expressão econômica, por algo que permita medir os bens materiais ou imateriais que fazem parte ou estão relacionados com o fato gerador da obrigação tributária em questão".

Conquanto o valor do tributo possa vir expresso em numerário fixo, é sabido que, em algumas hipóteses a importância do mesmo depende de uma sistemática de cálculo, termo utilizado pelo multirreferido doutrinador, o qual completa:

"A taxação variável exige um sistema de cálculo que, em geral, possui uma base de cálculo e uma alíquota fiscal. A base de cálculo (Amilcar de Araújo Falcão), também conhecida por unidade de medida legal (Gunter Schmolders), base imponível (Dino Jarach, Benedecto Caplan, Narciso Amoros), (...), é representada por uma grandeza que pode ser expressa através de diversas formas, v.g., quantidades físicas ou quantidades abstratas de um bem físico, o valor monetário, a renda, o preço, o volume, o peso, o capital, o ativo mensal, o número de empregados, a área ocupada etc."

 

 

 

E com base nas assertivas supra, completa que

"a base de cálculo representa sempre uma expressão de valor ou de quantidade (elemento quantitativo) indispensável para que seja efetuado o cálculo ou valor econômico do tributo".

De lembrar-se que, com o lançamento fiscal, a autoridade administrativa concretiza a base de cálculo normativa.

É de se ressaltar ainda, a pertinente lembrança que Bernardo (página 347) escreve do ensinamento de Alfredo Augusto Becker, a qual se adequa, de todo, ao objeto desta lide, ao considerar a base de cálculo como o

"núcleo do fato gerador da obrigação tributária e capaz de conferir o gênero jurídico ao tributo (original sem grifo).

Conforme demonstrado, da simples leitura do dispositivo inquinado, restou indene de duvida a modificação deste elemento do tributo, com o que implicou a instituição de uma nova contribuição.

Por fim, convém transcrever lição do já citado autor, na qual se observa consonância com os fundamentos esposados pela jurisprudências ora colacionadas, e pela tese exposta por esta Magistrada, no que se refere à necessidade da existência de conexão entre o fato gerador e a base de cálculo.

Observemos esta lapidar afirmação:

"Sempre que a base de cálculo do tributo não se identifique direta ou indiretamente com o fato gerador da obrigação tributária, poderá ocorrer distorção da base de cálculo, com provável ofensa à discriminação de rendas tributárias, por descaracterização do tributo" (página 346).

 

Ressalto que também entendo ser constitucional a substituição tributária para frente, vez que prevista no § 7º do art. 150 da Constituição Federal. Entretanto, penso que a substituição tributária trazida pela lei 9.711/98 (art. 23, que deu nova redação ao art. 31 da lei 8212/91) está, sim, eivado de inconstitucionalidade, porque extrapola o permissivo da Carta Magna. Analiso, por primeiro, o conteúdo do preceptivo acima exposto:

 

 

 

Art. 150 (omissis)

(...)

§ 7º. – A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e posterior restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

Ocorre, porém, que a novidade trazida pelo art. 23 da lei 9.711/98, em verdade, acabou por alterar a base de cálculo, uma vez que o valor bruto das notas fiscais, faturas ou recibos de prestação de serviços emitidos pela tomadora de serviços não é correspondente à folha de pagamento.

Ora, no caso da contribuição prevista no art. 150 I, da Constituição Federal, ela incide conforme alínea "a", "sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício". Vê-se, por conseguinte que, em princípio, inexiste correlação entre a base de cálculo instituída por esta lei e a hipótese de incidência acima referida.

Conclui-se desta constatação que, em verdade, a alteração ora inquinada, trouxe ao mundo jurídico uma nova contribuição, a qual, conforme já asseverado, reclamava pelo caminho legislativo da lei complementar.

Ademais, se analisarmos a demanda sob o aspecto da substituição tributária, as alterações questionadas não atendem aos requisitos daquele dispositivo constitucional, pois, havendo necessidade de restituição, e esta não se fazendo de imediato, a substituição impõe às empresas contribuintes, dificuldades bastante semelhantes àquelas enfrentadas em decorrência de empréstimo compulsório.

Consoante se observa da discussão acirrada nos tribunais a respeito deste tema, não estou sozinha. Vejamos decisões colhidas dentre várias outras que comungam do mesmo entendimento:

 

 

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. PREVIDENCIÁRIO. RETENÇÃO 11%. LEI 9.711/98. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. I. A criação de nova exação somente poderia ocorrer pela edição de lei complementar. II. A substituição tributária não atende aos requisitos do artigo 128 do CTN ou do § 7º do artigo 150 da CF/88. III. As dificuldades impostas em caso de restituição, guardam semelhança aos empréstimos compulsórios. IV. A r. decisão agravada se encontra devidamente fundamentada, não contendo qualquer eiva de ilegalidade ou abuso de poder. V. Agravo de instrumento improvido.

 

E mais:

 

EMENTA: CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RETENÇÃO SOBRE REMUNERAÇÃO REFERENTE À CESSÃO DE MÃO DE OBRA. LIMINAR. EFEITO SUSPENSIVO INDEFERIDO. A lei nº 9.711/98 instituiu a base de cálculo irreal, uma vez que o percentual de 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços representa valor efetivamente superior àquele a ser recolhido futuramente pela empresa cedente de mão-de-obra a título de contribuição incidentes sobre a folha de pagamentos dos segurados a seu serviço. A retenção dos 11% do valor bruto da nota fiscal obrigará o contribuinte a buscar a restituição. Liminar revestida de legalidade. Efeito suspensivo negado. Voto vencido.

 

 

 

 

EMENTA: PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INCIDENTE SOBRE FOLHA DE SALÁRIOS. LEI 9.711/98. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O art. 23 da lei 9.711/98, que deu nova redação ao art. 31 da da lei nº 8.212/91, criou nova contribuição social, o que é inadmissível, haja vista que a criação de nova exaçãosomente pode ocorrer mediante lei complementar. 2. Sob a ótica da substituição tributária, as alterações em questão também não atenderam aos requisitos do art. 128 do CTN e do art. 150, § 7º, da CF. 3. Agravo improvido. Agravo regimental que se julga prejudicado.

Imprescindível que o legislador preocupe-se em elaborar normas, cujo objetivo seja reduzir a sonegação de impostos e garantir-lhes a arrecadação. Contudo, não se pode descurar do atendimento a pressupostos consignados na Lei Maior.

Do exposto, concedo a segurança para determinar à autoridade apontada como coatora que:

    1. se abstenha de efetuar a retenção de 11% sobre o valor das notas fiscais ou faturas de prestação de serviços emitidas pelas empresas com que as substituídas neste mandamus contratem a realização de serviços;
    2. nas empresas filiadas ao impetrante, efetue o recolhimento da contribuição, conforme estabelecido no art. 31 da lei 8.212/91, antes da alteração realizada pela lei 9.711/98.

Custas pelo impetrado.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

Sem honorários, nos termos das Súmulas 105, do STJ e 512, do STF.

 

Aracaju, 19 de dezembro de 2000.

 

 

TELMA MARIA SANTOS

Juíza Federal substituta da 3ª vara