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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

 

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Proc. JF/SE. Nº 99.004538-6 - Classe I - 3ª Vara.

Ação: "Ordinária".

Demandante: Benedita da Silva.

Demandado: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA

 

 

E M E N T A: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. ENQUADRAMENTO. IMPROCEDENTE. Alegação de desvio de função insuficientemente comprovado não enseja enquadramento de servidora em cargo técnico. O ônus da prova incumbe a quem alega o fato constitutivo do direito. Impossibilidade de acolhimento do pleito, por tratar-se de servidora regida pelo Regime Jurídico Único. Necessidade de concurso público. Improcedência do pedido.

S E N T E N Ç A:

 

 

Benedita da Silva move a presente ação em face do INCRA, objetivando o seu enquadramento no cargo de técnica de cadastro rural, bem como o pagamento das diferenças de vencimentos, desde janeiro de 1989, acrescidas de juros e correção monetária.

Aduz que ocupa o cargo nominal de assistente de administração, mas que, desde 1989, realiza atividades tais como: atender proprietários, analisar processos de vistoria e realizar cadastramentos. Exerce, pois, funções típicas de técnico de cadastro rural e não consentâneas com o seu cargo nominal de assistente de administração.

Menciona ainda que estão sendo desrespeitados os princípios da impessoalidade e da isonomia, uma vez que, não obstante exercer as mesmas atribuições de outros técnicos de cadastro rural, recebe salário mensal inferior (relativo aos assistentes de administração).

Isto posto, requer ainda a tutela antecipada no sentido de seu enquadramento imediato no cargo de técnico de cadastro rural.

Acosta aos autos os documentos de fls. 16 a 70.

Tutela antecipada diferida em fls. 73 a 76.

O demandado, em sua contestação, alega a inaplicabilidade da tutela antecipada contra entes públicos e argüi, preliminarmente, prescrição do próprio fundo do direito e das parcelas prentendidas. No mérito, aduz que a autora pretende transpor de cargo sem se submeter a concurso público, infringindo, assim, o art. 37, II, da CF, que preconiza que os cargos públicos só podem ser preenchidos mediante concurso.

Menciona ainda que as atribuições as quais a demandante afirma desempenhar não são da competência de técnicos de cadastro rural, sendo, na verdade, funções exercidas pelos assistentes de administração, conforme página do Manual elaborado pela Diretoria de Recursos Humanos do INCRA onde constam as atribuições do assistente administrativo. (fl.94). Logo, entende que inexiste desvio de função.

Relembra ainda que a autora é atualmente regida pelo Regime Jurídico da União, não mais lhe podendo ser aplicada a CLT. Sendo assim, requer a improcedência do pedido.

A demandante, em sua réplica, rechaça a preliminar argüida e reitera os termos da exordial.

É o relatório.

 

 

Fundamento e decido.

 

Quanto à preliminar de prescrição argüida, não vislumbro sua pertinência, uma vez que, no caso sub judice, o direito à ação renova-se, a cada mês em que, supostamente, a demandada não reconhece o alegado direito do servidor.

No mérito, pretende a demandante, não obstante exercer o cargo de assistente administrativo, ser enquadrada como técnica de cadastro rural; fundamentando seu pleito em um suposto desvio de funções.

Ressalte-se, entretanto, que a servidora não comprovou adequadamente que exercia funções não consentâneas com o seu cargo de assistente administrativo. Ela apenas acostou aos autos ordens de serviço nas quais constam algumas das atividades por ela desempenhadas. Entretanto, não comprovou que essas atividades são típicas do cargo de técnico de cadastro rural e, conseqüentemente, incompatíveis com o cargo de assistente por ela desempenhado. Esclareço que se tais fatos tivessem sido comprovados, apenas garantiriam o pagamento de eventuais diferenças financeiras, mas não a mudança de cargo.

Verdade que, em certo momento, ainda requereu que o INCRA trouxesse cópia do Manual da Diretoria de Recursos Humanos em que constasse as atribuições do cargo de técnico de cadastro rural. Entretanto, não se encontram quaisquer elementos nos autos que demonstrem alguma tentativa de a autora buscar essa prova, e que a tentativa haja sido frustrada pelo demandado. Nesses casos, sempre é válido ressaltar o disposto no artigo 333, inciso I, do CPC:

"O ônus da prova incumbe:

I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito (...)"

Logo, era da demandante (e não do INCRA) o ônus de trazer um documento no qual constasse as atribuições de técnico de cadastro rural, uma vez que, através deste documento, o alegado desvio de funções (fato constitutivo do pleito) poderia ser comprovado.

Isto posto, observamos que a autora não comprovou adequadamente o alegado desvio de funções, sendo que esta demonstração era imprescindível para o seu pleito de reenquadramento.

 

 

 

Ademais, infere-se dos autos que a requerente foi admitida no serviço público em 1982, ainda sob a égide da CLT, sendo que passou a exercer o cargo de assistente administrativa em 1985. Com o advento da Lei 8.112/90, entretanto, a CLT deixou de ser o ordenamento aplicável aos funcionários públicos, passando estes a serem regidos pelo Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos e pelo artigo 37 da Carta Magna.

Sendo assim, não podem ser aplicados à requerente (que é servidora pública) os dispositivos celetistas que permitem, em caso de desvio de funções, o enquadramento do empregado no cargo consentâneo com as funções por ele desempenhadas.

Logo, podemos dizer que à situação da demandante se aplica o artigo 37, inciso II, da Carta Magna, que assim dispõe:

"a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei (...)"

A esse respeito, colhemos o ensinamento do ilustre doutrinador Alexandre de Moraes:

"Importante ressaltar que, a partir da Constituição de 1988, a absoluta imprescindibilidade do concurso público não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas estatais como regra geral de observância compulsória, inclusive às hipóteses de transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas das iniciais, quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, constituem formas inconstitucionais de provimento no serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido." (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, São Paulo, Ed. Atlas, 1997, pg. 260).

 

 

Bastante deitar os olhos no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, para verificar que, salvo as ressalvas ali mesmo previstas, os cargos públicos hão de ser preenchidos mediante concurso público, como não poderia de ser em nosso Estado Democrático de Direito.

Sobre o tema em epífise, o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo, assim discorreu:

"O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, a ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta, indireta ou fundacional. De outro lado, propôs-se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de ser do concurso público." (Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros Editores, 1997, pg. 161).

Por conseguinte, notamos que o Regime Jurídico Único e a Constituição não autorizam a transposição de um cargo público para outro sem que tenha ocorrido concurso. Desse modo, não existe respaldo para o pleito da demandante de ser enquadrada no cargo de técnica de cadastro rural, sem que tenha passado em concurso para este cargo.

Nesse mesmo sentido, observe-se o entendimento jurisprudencial da egrégia Corte:

 

"EMENTA: Concurso público (CF, art. 37, II): não mais restrita a exigência constitucional à primeira investidura em cargo público, tornou-se inviável toda a forma de provimento derivado do servidor público em cargo diverso do que detém, com a única ressalva da promoção, que pressupõe cargo da mesma carreira: inadmissibilidade de enquadramento do servidor em cargo diverso daquele de que é titular, ainda quando fundado em desvio de função iniciado antes da Constituição." (RE 209174/ES, Supremo Tribunal Federal, Rel. Ministro Sepulveda Pertence, julgamento em 05/02/98, DJ 13/03/98, pg. 1140).

Com base nos argumentos supramencionados, extingo o processo com julgamento do mérito, rejeitando o pedido da autora.

Custas e honorários, em 10% sobre o valor da causa, pelo demandante.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

 

Aracaju, 12 de setembro de 2000.

 

Telma Maria Santos

Juíza Federal Substituta da 3ª Vara