PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA
FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe
Processo nº 98.0005122-8 - Classe I- 3ª Vara.
Ação: Ordinária
Autora: Ana Lúcia Aragão de Carvalho.
Ré: Caixa Econômica Federal - CEF.
E M E N T A: SFH. MÚTUO. OMISSÃO DE RENDA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OFENSA. REVISÃO CONTRATUAL. INVIABILIDADE. TR. CONTRATO ANTERIOR À LEI 8177/91. INAPLICABILIDADE. ADIN 493-0/DF. JUROS CAPITALIZADOS. ILEGALIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º, DO DECRETO 22626/33. SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO. SISTEMÁTICA CONFORME ART. 6º, "C", DA LEI 4380/64. SEGURO HABITACIONAL. ESCOLHA FACULTADA. REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. OBSERVÂNCIA. Havendo omissão de renda, quando da contratação de financiamento para aquisição de imóvel segundo as regras do Sistema Financeiro de Habitacional, inviável a revisão contratual pleiteada com o fito de preservar o comprometimento inicial da renda, por ser o mesmo desconhecido. Violação ao princípio da boa-fé contratual não merece acolhida. Inaplicável a Taxa Referencial (TR) como indexador para contratos firmados anteriormente à lei que a institui (Lei 8177/91), consoante decisão do Excelso Supremo Tribunal Federal na ADIN 493-0/DF. A aplicação de juros capitalizados contraria disposição expressa do art. 4º, do Decreto 22626/33. Na amortização do saldo devedor dever-se-á primeiro deduzir do saldo devedor o valor da prestação paga, para depois corrigir-se o saldo remanescente pelo índice de atualização monetária aplicável. Sistemática estabelecida no art. 6º, "c", da Lei 4380/64. À falta de norma expressa, pode-se fazer aplicação dos princípios gerais do direito (LICC, art. 4º), pelo que é de se facultar à mutuária escolher seguradora para efeito de contratar seguro habitacional, respeitada regulamentação específica.
S E N T E N Ç A:
Cuida-se de ação de revisão contratual movida por Ana Lúcia Aragão de Carvalho em face da Caixa Econômica Federal CEF, onde a autora pleiteia revisão de contrato de mútuo habitacional, sob o fundamento de que, tendo adquirido imóvel através de financiamento firmado com a ré, consoante regramento legal do Sistema Financeiro de Habitação, constata que a demandada não está observando a avença, rompendo ao seu talante o equilíbrio contratual inicialmente estabelecido, especialmente no que pertine ao percentual da renda comprometida, bem como pela aplicação de índices de reajustes superiores ao índice de inflação.
Após discorrer sobre a legislação que regula o Sistema Financeiro de Habitação, argumenta quanto a necessidade de substituição da Taxa Referencial de juros (TR) como indexador do contrato em questão.
Defende que, segundo a legislação vigente, a atualização monetária do saldo devedor só deve ocorrer depois que abatido o valor do pagamento efetuado, pois, do contrário, fica inviabilizada a quitação do imóvel, em face da progressão geométrica da dívida.
Vislumbrando malferimento do princípio da comutatividade, inerente aos tratos bilaterais, requer que este juízo acolha o pleito revisional e determine:
- a limitação do encargo mensal, relativo ao financiamento, em 32,62% da renda familiar;
- o recálculo do saldo devedor, desde o início do contrato, substituindo-se a TR como fator de indexação pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor, com a respectiva redução do saldo devedor
- proibição da aplicação de juros capitalizados, com efeitos ab initio, abatendo-se do saldo devedor os valores indevidamente pagos a esse título;
- a nulidade da cláusula 34 do contrato de financiamento;
- redução da taxa de juros de 10,50% para 6,00% a.a.
- que primeiro se faça o abatimento do valor da prestação paga para, depois, se proceder a atualização do saldo devedor.
- expurgo dos índices de 72,78% e 84,32%, aplicados para corrigir o saldo devedor do financiamento, substituindo-se os mesmos pelos índices de 29,53% e 41,28%, relativos à correção monetária dos meses de março e abril/90;
- que se faculte à mutuária escolher uma seguradora para efetuar o cálculo dos novos valores referentes aos seguros habitacionais;
- a condenação da ré em custas e honorários.
Com a inicial foram trazidos os documentos de fls. 10/26 e comprovante de pagamento das custas (fl. 27).
Recebida a inicial e ordenada a citação da ré (fl. 28).
Citada, a CEF apresentou resposta e juntou documentos (fls. 31/43).
Em sua contestação, diz a CEF que a avença em discussão, se refere a mútuo contraído para aquisição de imóvel, tendo a autora, ao contrair o financiamento, optado pelo Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional PES/CP.
Esclarece a demandada que sendo a mutuária profissional liberal sem vínculo empregatício, não poderia existir o alegado comprometimento de renda, mesmo por que no contrato em discussão não se fez a opção pelo Plano de Comprometimento de Renda.
Defende a inviabilidade de se modificar o índice de correção monetária do saldo devedor, uma vez que a TR, além de ser o indexador eleito livremente pelas partes, serve para remunerar as cadernetas de poupança, fonte de recursos para o SFH.
Por conseguinte, sua substituição causaria desequilíbrio no sistema de financiamentos, consoante jurisprudência transcrita.
Quanto a forma de amortização do saldo devedor, entende que a sistemática proposta pelo autor é inconsistente.
Com relação aos juros capitalizados, diz que a autora está a confundir juros com atualização monetária.
Rechaça o pedido de redução da taxa de juros anuais, alegando ausência de fundamento legal.
Não vê abusividade na cláusula mandatória, observando ainda que o fundamento legal utilizado o CDC é norma legal posterior a assinatura do contrato.
No que pertine à pretendida substituição da seguradora contratada, entende tratar-se de providência inócua em face da padronização do seguro habitacional operada por norma expedida pela Superintendência de Seguros Privados, reiterando observação anterior quanto a inexistência de amparo legal.
Também, com apoio em entendimento jurisprudencial, entende incabível a modificação dos índices de correção monetária.
Requer a improcedência da ação, com a condenação da autora nos ônus da sucumbência.
A parte ativa replica em fls. 46/47, onde rebate a argumentação da defesa e reitera pedido de procedência da ação.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Controvertem as partes nestes autos acerca de critérios justos e legais aplicáveis a contrato de financiamento de imóvel residencial, firmado sob a égide da tutela estatal consubstanciada naquilo que se convencionou chamar de Sistema Financeiro de Habitação.
Como se depreende da própria expressão "Sistema Financeiro de Habitação", a questão sub judice explicita um problema naturalmente intrínseco a qualquer sistema que tente conciliar, de um lado, interesses financeiros dos bancos e demais instituições de crédito que agenciem financiamentos imobiliários e, de outro lado, a necessidade de habitação dos cidadãos e cidadãs que não têm condições de satisfazer tal carência com recursos próprios.
Tão importante tema também vem sendo estudado por profissionais de outras áreas. Conforme se observa nas ponderações da socióloga Maura Pardini Bicudo Veras e do arquiteto Nabil Georges Bonduki, "conceitualmente, a habitação deve ser encarada no seu duplo aspecto: abrigo (teto, parede, piso) e como inserção no espaço urbano... Vista como "problema", como crise, como espaço privado de liberdade, como direito fundamental do cidadão, se associada à propriedade como símbolo de status e ascensão social, mercadoria e investimento, a habitação, em sua complexidade, comporta vários enfoques..." ("Política habitacional e a luta pelo direito à habitação", in A cidadania que não temos. Org. Maria de Lourdes Manzini Covre. São Paulo: Brasiliense, 1986, págs. 40/41).
Como visto, dada a importância social e humana da questão e intentando bem fundamentar a decisão que o momento processual exige, tomemos uma perspectiva histórica da política de habitação popular em nosso país para melhor análise do problema.
No mesmo trabalho suprareferido, esclarecem os estudiosos da questão habitacional que "A origem da intervenção do Estado na produção da habitação data do Estado Novo e do populismo. Até então, a questão era tratada como assunto da iniciativa privada, limitando-se o Estado a regular condições de produção via legislação sanitária, urbanística e predial... Após 64, a política habitacional e seu corolário, a política urbana, assumem feitio bancário e economicista..." ("Política habitacional e a luta pelo direito à habitação"; in A cidadania que não temos. Org. Maria de Lourdes Manzini Covre. São Paulo: Brasiliense, 1986, págs. 46/47).
Foi então, com a edição da Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, que o sistema estatal de financiamento imobiliário adquiriu seus atuais contornos com a criação do Banco Nacional de Habitação BNH, das Sociedades de Crédito Imobiliário, das Letras Imobiliárias, do extinto Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, além da instituição da correção monetária nos contratos imobiliários, bem como a fixação de diretrizes básicas para aquisição de imóveis próprios.
Sobrecarregado de atribuições, o BNH teve um desempenho aquém da expectativa, dando ensejo às modificações no sistema introduzidas pelo Decreto-lei 70, de 21 de novembro de 1966, que, entre outras alterações, autorizou o funcionamento das Associações de Poupança e Empréstimo, instituiu a Cédula Hipotecária e criou a temida execução especial de dívida hipotecária vinculada às operações do SFH.
À essa altura, o Sistema Financeiro de Habitação tinha a seguinte configuração:
ENTIDADE
OBSERVAÇÕES
BNH Banco Nacional de Habitação
Órgão gestor do SFH, cabendo-lhes as tarefas de comandar e coordenar a execução da política habitacional de acordo com a legislação pertinente (Lei 4.380/64, art. 17 c/c o art. 4º, § 7º, da Lei 4595/64).
CMN Conselho Monetário Nacional
Orientar a atuação do BNH.
BACEN - Banco Central do Brasil
Fiscalizar a atuação do BNH.
SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
Composto pela Caixa Econômica Federal, pelas Caixas Econômicas Estaduais, Sociedades de Crédito Imobiliário e Associações de Poupança e Empréstimo.
Programas Complementares
Desenvolvidos através de Bancos Comerciais, Bancos de Investimento e Bancos de Desenvolvimento.
Agentes credenciados
Cooperativas Habitacionais, Companhias de Habitação e Institutos de Previdência Social.
Essa estrutura foi profundamente alterada pelo Decreto-lei 2291, de 21 de novembro de 1986, que extinguiu o BNH, transferindo suas atribuições para a Caixa Econômica Federal, inclusive as relações processuais então existentes.
Nesse rápido bosquejo, dois pontos não podem deixar de ser mencionados: as fontes de recursos financeiros e os critérios de atualização monetária adotados para impedir a bancarrota do sistema por conta da corrosão inflacionária.
Com relação ao primeiro item, veja-se que além dos depósitos em Caderneta de Poupança, alavancavam recursos para o SFH as Letras Imobiliárias emitidas pelo BNH, ou pelas Sociedades de Crédito Imobiliário, os depósitos compulsórios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS, e os empréstimos regulamentares do próprio BNH.
No que pertine à correção monetária, o art. 52, da Lei 4380/64, normatizado por Resolução do Conselho de Administração do BNH (RC 106/66, alterada parcialmente pela RC 33/73), criou um indexador para os contratos imobiliários no âmbito do SFH, no caso, a Unidade Padrão de Capital UPC.
Outrossim, o art. 1º do Decreto-lei 19, de 30 de agosto de 1966, reitera a obrigatoriedade da cláusula de correção monetária nas operações do SFH, "de acordo com os índices de correção monetária fixados pelo Conselho Nacional de Economia, para correção das obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional, e cuja aplicação obedecerá a instruções do Banco Nacional de Habitação".
Com o advento da Lei 6423, de 17 de junho de 1977, foi estatuída a correção monetária com base na variação nominal das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional ORTN o que, inobstante, não alterou o critério de correção já estabelecido, conforme o que dispõe o art. 9º, § 2º, do Dec-lei 70/66.
Teceremos, ainda, algumas considerações com relação aos diversos planos de reajustamento, sistemas de amortizações e época de reajustamento das prestações, que são cláusulas essenciais dos contratos de financiamento no SFH, as quais, além da taxa de juros, são em geral os pontos mais controvertidos e que tem gerado mais litígios.
Nesse particular, registre-se que "... o BNH, ao longo de toda sua curta história, promoveu uma extensa seqüência de alterações nos planos de financiamento de aquisição da casa própria, pactuados entre os mutuários finais e as entidades integrantes do SFH. Assim, além de modificações que podemos chamar paramétricas, que consistiram em alterações nas taxas de juros contratuais, nos prazos de resgate, em taxas de abertura de crédito e de administração, bem como em diversos tipos de seguros e ainda das variações do valor do chamado Coeficiente de Equiparação Salarial e da contribuição para o que se denominou de Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), tivemos também mudanças, que chamaremos de estruturais, envolvendo as próprias sistemáticas dos planos de financiamento (FARO, Clovis de. Vinte anos de BNH: a evolução dos planos básicos de financiamento para aquisição da casa própria do Banco Nacional de Habitação: 1964-84. Niterói: EDUFF; Rio de Janeiro: FGV, 1992, pág. 1)."
Sem tentarmos exaurir a matéria, tracemos, pois, um esboço mínimo dessas transformações:
Plano
Características / Referências normativas
A
"não podia ser referente a habitações com valor superior a 75 vezes o maior salário mínimo", estendido depois para 500 salários mínimos; correção monetária trimestral pela variação da ORTN; reajuste das prestações "60 dias após a entrada em vigor do novo salário mínimo, segundo a variação do maior salário mínimo vigente no país" / Instrução do Conselho de Administração do BNH nº 5, de 29.01.1966; RC nº 25, de 16.06.1967
B
"referente a habitações com valor unitário superior a 75 vezes o maior salário mínimo vigente no país"; correção monetária trimestral pela variação da ORTN / Instrução nº 5, de 29 de janeiro de 1966, do Conselho de Administração do BNH
C
"mantidas as demais características do Plano A, o reajuste anual das prestações passou a ser efetuado em mês determinado de acordo com o interesse específico do mutuário. Tal mês, especificado no
contrato de financiamento, corresponderia ao imediatamente seguinte ao que tivesse ocorrido o último aumento salarial, antes da assinatura do contrato, da classe a que pertencesse o mutuário". Esse plano "foi substituído pelo PES" / RC (Resolução do Conselho de Administração do BNH) nº 25, de 16.06.1967, que também instituiu o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS)
Equiparação Salarial PES
mantidas as principais características dos planos A e C, o Plano de Equivalência Salarial inovou quanto ao número de prestações que, "salvo os casos de liquidação antecipada ou amortização extraordinária da dívida, passou a ser fixo e igual ao pactuado no contrato ... no PES desapareceu a possibilidade de haver prorrogação do prazo. Em contrapartida ... o valor inicial da prestação ... passou a ser multiplicado por um coeficiente denominado de equiparação salarial (CES), cujo valor seria periodicamente fixado pelo BNH" / RC nº 36, de 11.11.1969; RC nº 01, de 27.04.1977; RD (Resolução da Diretoria do BNH) nº 15, de 07.05.1979
Correção Monetária PCM
reajuste trimestral da prestação pela variação do valor nominal da Unidade Padrão de Capital (UPC) / RC nº 01, de 27.04.1977; RD (Resolução da Diretoria do BNH) nº 15, de 07.05.1979
Equivalência Salarial/Categoria Profissional PES/CP
Reajuste da prestação correspondente ao mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertence o adquirente, com previsão de alterações contratuais decorrentes de mudança de categoria ou de emprego / Decreto-lei nº 2164, de 19.09.1984
Equivalência Salarial PES
"o reajuste da prestação mensal obedece o mesmo índice e periodicidade de atualização do saldo devedor, respeitando o comprometimento inicial da renda familiar"; "somente se aplica aos contratos assinados no período compreendido entre 24.04.1993 a 27.07.1993" / Medidas Provisórias nos 318 (de 24.04.1993), 323 (de 26.05.1993) e 328, (de 25.06.1993)
Comprometimento de Renda PCR
comprometimento da renda bruta do mutuário limitado ao máximo de 30%; reajuste mensal pelo índice da caderneta de poupança com aniversário na data de assinatura do contrato; renovação anual do contrato; sem cobertura pelo FCVS / Lei 8692, de 28.07.1993
Relativamente aos planos de amortização do saldo devedor, encontraremos:
Sistema
Características / Referência normativa
Francês (Tabela Price) SFA (TP)
resgate segundo prestações reais constantes. "Por este sistema, o saldo devedor tende a crescer porque a parcela de amortização do capital é menor"
Amortizações Constantes SAC
"A principal característica, ao menos em situação de moeda estável, é a de que, como o próprio nome indica, são constantes as parcelas de amortização encerradas nas prestações periódicas"; "o retorno do capital financiado se faz de uma maneira mais acelerada segundo o SAC do que segundo TP" " pelo próprio fato de exigir maior renda familiar, limita-se a demanda por financiamentos" / RC nº 23 e RC nº 25, ambas de 05.07.1971.
Amortizações Mistas SAM
sistema híbrido, resultante da combinação do Sistema Francês com o Sistema de Amortização Constante: "faz com que, no fim das contas, tudo se passe como se metade do financiamento fosse contratada nas condições da TP e a outra metade nas condições do SAC" / RD nº 15, de 07.05.1979
Misto de Amortizações com prestações reais Crescentes SIMC
"... a preços da data de assinatura do contrato de financiamento, as 24 prestações iniciais serão todas do mesmo valor
p, o qual será igual a 85% do valor da prestação constante que teria sido obtida caso houvesse sido estabelecida a adoção do chamado Sistema Francês de Amortização... ainda a preços da data da assinatura do contrato, as demais prestações formam uma progressão aritmética crescente, cuja razãoRé determinada" por uma fórmula dada / RC nº 1, de 12.01.1984Sistema de Amortização Constante SACRE
Sistema adotado recentemente, pelo qual o valor da parcela de amortização é superior em relação ao valor calculado pela Tabela Price"; nele " a prestação incial é maior e com o passar do tempo a prestação vai decrescendo"
Embasados nessas informações, analisemos o caso que se nos apresenta nestes autos:
Aqui, discute-se contrato submetido ao PES/CP e ao SFA, onde as partes controvertem sobre várias cláusulas contratuais.
Quanto ao percentual de comprometimento da renda familiar com as prestações mensais do financiamento, pertine observar que, embora a mutuária tenha aderido ao contrato na condição de profissional liberal sem vínculo empregatício (fl. 19), a mesma, parte ativa nesta demanda, alega em juízo ser funcionária pública estadual (fl. 03), e que, por esse motivo, teria direito à revisão do contrato, uma vez que desde maio/1995 ela não recebeu aumento em seus vencimentos.
Ocorre que o contrato foi assinado em dezembro de 1989, enquanto que, segundo declaração oficial da Secretaria de Estado da Saúde, a acionante foi admitida no serviço público em 09/07/1985, tendo entrado em efetivo exercício em 03/11/1986, na função de médica (fl. 41/42).
Constata-se, pois, que a autora, quando da contratação do financiamento, omitiu essa fonte de renda, relativa à sua atividade como médica a serviço do Estado de Sergipe.
Por outro lado, a demandante comprovou que, em abril de 1997, a Ré atendeu sua solicitação no sentido de ser enquadrada em nova categoria profissional, conforme doc. de fl. 36, qual seja, a de servidora pública estadual (médica).
Porém, considerando que a mutuária, ao omitir renda, tornou inviável precisar "a relação prestação/salário à data da assinatura do contrato" ou o "comprometimento inicial da renda" (art. 9º, §§ 5º e 6º, do Dec-lei 2164/84, alterado pelo art. 22, da Lei 8004/90); considerando, ainda, que tal procedimento violou flagrantemente o princípio da boa-fé, que deve nortear as partes em qualquer contrato, entendo que esse item do pedido, onde se pede a revisão do encargo mensal, há que ser indeferido.
Quanto a substituição da TR como indexador do presente contrato, considerando que o mesmo é anterior à Lei 8177/91, entendo aplicável a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN 493-0/DF:
E M E N T A: Ação direta de Inconstitucionalidade.
- Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado.
- O disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.
- Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de se saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no art. 5º, XXXVI, da Carta Magna.
- Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP).
Ação direta de inconstitucionlidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 18, "caput" e §§ 1º e 4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei 8.177, de 1º de março de 1991.
Como o recálculo pleiteado decorre da rejeição da TR e sua substituição pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, e sendo o INPC, in casu, legítimo índice de correção monetária, afigura-se-me procedente o pedido quanto a esse ponto.
(1+i)n 1
Legenda:
EM = Encargo Mensal
C = Valor do Financiamento Habitacional
i = Valor da taxa de juros mensal
n = prazo em meses do financiamento
... conforme se infere da fórmula exposta, essa "taxa mensal" (equivalente à primeira prestação) é elevada a um número exponencial, que corresponde ao prazo em meses do financiamento, denotando-se que a Tabela Price incorpora juros capitalizados de forma composta (juros sobre juros ou juros exponenciais), terminantemente vedado pelo nosso ordenamento.
No que pertine à declaração de nulidade da cláusula 34ª da avença guerreada, não me parece que a mesma seja abusiva, como alega a autora. Ao contrário, ela faculta à mutuante o exercício de poderes explícitos necessários à garantia do vultoso crédito concedido.
Sendo assim, improcede o pedido quanto a esse item.
Também, é de se rejeitar o pedido de redução da taxa de juros, por falta de fundamento legal.
Mesmo destino deve ter o pedido de alteração dos índices de correção monetária impugnados, uma vez que, segundo remansosa jurisprudência, os mesmos são índices reconhecidamente idôneos para atualização do valor da moeda nos períodos a que eles se reportam.
Em relação à sistemática de amortização do saldo devedor, da dialética processual exsurge como fato incontroverso que o abatimento da dívida remanescente, equivalente à prestação paga, só é feito após a correção monetária do débito.
Tal procedimento não deve persistir, posto que contrário a expressa determinação legal, exarada na Lei 4380/64, art. 6º, "c", in verbis:
Ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, ... antes do reajustamento, que incluam amortizações e juros.
Por conseguinte, deve-se inverter o procedimento, devendo o valor pago pelo mutuário ser primeiramente amortizado para, em seguida, se fazer a correção monetária da diferença.
Por fim, entendo que realmente a mutuária contratante tem direito a escolher uma outra seguradora, para aferir os cálculos, inclusive aqueles necessários à determinação do novo saldo devedor, decorrente da aplicação dos critérios de revisão contratual aqui estabelecidos, e até contratá-la em substituição à atual seguradora, já que, segundo a própria CEF, os contratos de seguro imobiliário estão padronizados, inexistindo portanto o risco de haver qualquer prejuízo para qualquer das partes.
Como bem observa a demandada, não havia, à época da contratação, norma legal expressa sobre o assunto.
Poder-se-ia então alegar lacuna da lei, pelo que estaria o órgão jurisdicional autorizado a preenchê-la de acordo com os princípios gerais de direito, a teor do que dispõe o art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º, in fine.
Por conseguinte, ao se facultar à demandante tal alteração, inocorre ofensa ao princípio da autonomia privada, mas, tão somente, a limitação deste pelo princípio da justiça contratual, ínsito ao nosso ordenamento jurídico, ao qual repugna a manutenção de cláusula abusiva em nome da liberdade contratual, especialmente quando esta liberdade é manipulada no sentido de fazer prevalecer apenas os interesses da parte econômica e juridicamente mais forte num contrato de adesão.
Ex positis, julgo procedente, em parte, o pedido da autora, determinando o recálculo do saldo devedor e posterior compensação dos valores que tiverem sido pagos indevidamente, após liquidação por arbitramento da sentença, obedecidos os seguintes parâmetros:
- a substituição da taxa referencial (TR) pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor como índice de correção monetária, a incidir na mesma data do vencimento das prestações;
- não aplicação de juros capitalizados, com efeitos ab initio;
- a alteração da sistemática de amortização do saldo devedor, pelo que, contrariamente ao que vem sendo feito, dever-se-á primeiro deduzir do saldo devedor o valor da prestação paga pela mutuária, para depois corrigir-se monetariamente o saldo devedor remanescente pelo índice aplicável;
- autorizando-se a escolha, pela autora, de seguradora para efeitos de contratação do respectivo seguro habitacional, respeitada a regulamentação específica.
Rejeito, pois, os demais itens do pedido, nos termos da fundamentação supra..
Condeno a CEF no pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.
Aracaju, 31 de maio de 2000.
Telma Maria Santos.
Juíza Federal Substituta da 3ª vara