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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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PROCESSO N° 2001.85.00.001944-3

CLASSE 01000 – AÇÃO ORDINÁRIA

AUTORA: NÍVIA LUCAS DE OLIVEIRA

RÉU: CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM EM SERGIPE-COREN/SE

 

 
SENTENÇA

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. PENA DE CENSURA. CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS. POSSIBILIDADE. I - Demanda que tem por fito o exame da legalidade e a regularidade formal do processo administrativo que ensejou a aplicação da pena de censura, bem como a adequação da mesma aos princípios constitucionais. II - O COREN é legalmente competente para imputar sanções a profissionais por ele fiscalizados, inclusive a pena de censura, tudo a teor do que determina a Lei n° 5.906/73. III - Restou plenamente respeitado, quando da aplicação da pena, o devido processo legal administrativo, em face das normas que o regulamentavam (Resolução COFEN n° 181/95, então vigente) e da Constituição Federal. IV - A sanção de censura imposta, além de ser regimental e legalmente prevista, mostra-se dentro dos limites da proporcionalidade e razoabilidade. V - Ato administrativo isento de mácula, não havendo de se falar em contrariedade a preceito principiológico ou legal a ensejar a revisão da sanção imposta. VI - Improcedência do pedido.

 

1. RELATÓRIO

 

Versam os autos acerca de Ação Anulatória, ajuizada por Nívia Lucas de Oliveira, devidamente qualificada nos autos, em face do Conselho Regional de Enfermagem em Sergipe – COREN/SE, objetivando a anulação de processo administrativo que lhe impôs a pena de censura.

 

Aduz ser enfermeira filiada ao COREN, exercendo suas atividades na Clínica Santa Helena, em Itaporanga/SE e que em 20.07.1999 foi surpreendida com uma convocação para que apresentasse defesa em processo administrativo, por suposta ofensa aos artigos 38, 73 e 74 da Resolução COFEN – 160/93.

 

Sustenta que o processo foi instaurado em razão de relatório expedido pela fiscal do COREN Bárbara Bezerra, no qual se afirma que a fiscal teria sido destratada e impedida de fiscalizar as atividades de enfermagem da Clínica Santa Helena. Afirma que a instauração do processo se deu sem autorização do plenário do COREN, o que ofende o art. 2o da Resolução COFEN 181/95 e que a irmã da denunciante foi secretária da Comissão de Ética até a data da audiência de instrução, quando foi afastada por sua insistência.

 

Alega que a fiscal dirigiu-se à clinica para efetuar cobranças dos profissionais de enfermagem, tendo sido impedida pela enfermeira de nome Hélia em razão de expressa orientação da direção da clínica de proibição de entrada de cobradores. Argumenta que não teve qualquer participação no fato e que o processo administrativo foi eivado de nulidade, razão pela qual deve ser o mesmo anulado.

 

O COREN apresentou contestação às f. 94-103, na qual alega que a atividade fiscalização é amparada pela legislação, sendo a atitude da Autora uma infração aos preceitos do Código de Ética, razão pelo que foi imputada sanção prevista no art. 18 da Lei n° 5.905/73, dentro de critérios de razoabilidade e em consonância com os preceitos de discricionariedade administrativa.

 

Audiência de instrução realizada às f. 145-151.

 

É o que de relevante há para se relatar.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

Ressalte-se, de pronto, que a imposição de sanção disciplinar por conselho de fiscalização profissional encontra-se na órbita dos atos administrativos discricionários, assim conceituados por Diógenes Gasparini:

 

“Discricionários são os atos administrativos praticados pela Administração Pública conforme um dos comportamentos que a lei prescreve. Assim, cabe à Administração Pública escolher dito comportamento. Essa escolha se faz por critério de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito. Há conveniência sempre que o ato interessa, convém ou satisfaz ao interesse público. Há oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público. São juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou outro modo.”

 

Em relação ao controle jurisdicional de tais atos, não se pode mais admitir a natureza quase que absoluta da vedação ao seu exame, conforme consagrado na clássica doutrina de fundamentação positivista-legalista, que restringia a apreciação da conformação do ato com a lei escrita. 

 

Deste modo, o ato administrativo discricionário é passível de apreciação pelo Judiciário, não somente quanto aos aspectos de legalidade de seus elementos vinculados, mas também quanto às limitações principiológicas impostas ao próprio elemento discricionário.

 

Em obra emblemática sobre o tema, pondera a Professora Germana de Oliveira Morais[1]:

 

“Hoje em dia não mais se discute a possibilidade – reconhecida, à unanimidade, pela doutrina jus-administrativista, de controle jurisdicional da aplicação pela Administração Pública de normas que contêm conceitos jurídicos indeterminados, assim como daqueles que atribuem discricionariedade. (...) Assim, o controle jurisdicional da juridicidade dos atos administrativos abrange o exame da conformidade dos elementos vinculados dos atos administrativos com a lei (controle de legalidade) e da compatibilidade dos elementos discricionários com os princípios (controle da juridicidade stricto sensu). Remanescem certos aspectos dos atos resultantes da atividade administrativa não vinculada refratários ao controle jurisdicional, porquanto o Direito positivo não fornece parâmetros de atuação administrativa, nem por intermédio das regras, nem por intermédio dos princípios, daí a insuscetibilidade de revisão judicial do mérito do ato administrativo. O mérito consiste nos processos de valoração dos motivos e de definição do conteúdo do ato administrativo não parametrizados por regras, nem por princípios, mas por critérios não positivados.”

 

A discricionariedade, inerente ao exercício da Administração, pode e deve ser mitigada quando assim incidir. Não se trata de imiscuir-se o Poder Judiciário em tarefa que não é de sua essência, mas, ao contrário, de exercer uma competência que lhe é dada pela Constituição Federal, visando harmonizar eventuais desvios na administração da coisa pública. É o denominado sistema de freios e contrapesos.

 

Dentro desse contexto, portanto, cumpre examinar, no caso, a legalidade e a regularidade formal do processo administrativo que a ensejou, bem como a adequação da sanção imposta aos princípios constitucionais.

 

Dispõe a Lei n° 5.906/73, que criou os Conselhos Regionais de Enfermagem:

 

Art. 15. Compete aos Conselhos Regionais:

(...)

V - conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades cabíveis;

(...)

At. 18. Aos infratores do Código de Deontologia de Enfermagem poderão ser aplicadas as seguintes penas:

I - advertência verbal;

II - multa;

III - censura;

IV - suspensão do exercício profissional;

V - cassação do direito ao exercício profissional. (...)

 

Vê-se, primeiramente, que o COREN é legalmente competente para imputar sanções a profissionais por ele fiscalizados, dentre as quais encontra-se a pena de censura, não havendo, nesse ponto, qualquer ilegalidade nas resoluções que atendem esses parâmetros normativos.

 

De acordo com a documentação acostada pela própria Autora, o processo foi motivado por denúncia escrita (f. 16-17), observando os termos do art. 12 da Resolução COFEN n° 181/95, e sua instauração, ao contrário do que se aduz na inicial, foi aprovada pelo Plenário do COREN/SE, de acordo com o comando do art. 13 da Resolução.

 

Devidamente intimada (f. 22), apresentou defesa prévia (f. 25-29). De acordo com a ata da audiência de f. 37, a integrante da Comissão de Ética que é irmã da fiscal que apresentou a denúncia foi afastada antes de se iniciar qualquer instrução processual, razão pela qual não se pode reconhecer qualquer nulidade decorrente desse fato.

 

Foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pela Autora (f. 41-53), tendo sido oportunizada sustentação oral pela advogada da Autora (f. 54-55) e também a apresentação de alegações finais (f. 60-62). O relatório final da Comissão foi apresentado de forma fundamentada (f. 63-67) e também foi possibilitada a interposição de recurso pela Autora (f. 71-76).

 

Do exame dos autos, conclui-se, pois, que, quando da aplicação da pena, restou plenamente respeitado o devido processo legal administrativo, em face das normas que o regulamentavam (Resolução COFEN n° 181/95, então vigente) e da Constituição Federal.

 

A sanção de censura imposta (f. 79-80), por sua vez, além de ser regimental e legalmente prevista, mostra-se dentro dos limites da proporcionalidade e razoabilidade, o que somente não ocorreria se o COREN tivesse acatado integralmente o parecer da Comissão de Ética, que propunha até mesmo a suspensão do exercício profissional da Autora.

 

A censura, não obstante tenha induvidosa natureza penal, cinge-se a repreensão formal divulgada nas publicações oficiais dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem, não trazendo conseqüências mais gravosas a Autora.

 

Logo, restando o ato administrativo isento de mácula, não há de se falar em contrariedade a preceito principiológico ou legal a ensejar a revisão da sanção imposta, que, em sua essência, resta infensa à apreciação judicial, por se tratar de verdadeiro “mérito administrativo”.

 

3. DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido da Autora, condenando-a no pagamento de custas e de honorários de advogado, estes últimos fixados, de acordo com o art. 20, § 4o do CPC, em R$ 500,00 (quinhentos reais).

 

P. R. I.

 

Aracaju, 17 de junho de 2004.

 

 

JÚLIO RODRIGUES COELHO NETO

Juiz Federal Substituto – 1a Vara

 


 

[1] In Controle Jurisdicional da Adminsitração Pública.  São Paulo: Dialética. 1999.