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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Ação: Mandado de Segurança

Impte: Maria Noemi de Andrade Gomes

Impdo: Gerente de Recursos Humanos da Gerência Regional de Administração do Ministério da Fazenda em Sergipe

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO VISANDO A SUPRESSÃO DE PARCELA RELATIVA À INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. Impossibilidade, face à prescrição administrativa e à violação do devido processo legal e do contradório. Segurança concedida.

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Maria Noemi de Andrade Gomes, qualificada na inicial de fls. 02, impetra o presente Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ato imputado ao Gerente de Recursos Humanos da Gerência Regional de Administração do Ministério da Fazenda em Sergipe, objetivando que a Autoridade reputada coatora se abstenha de efetuar qualquer redução em seus proventos de aposentadoria, relativos à revisão da parcela de quintos incorporados pelo exercício de função gratificada, bem como se abstenha de realizar qualquer desconto referente à reposição ao erário por conta dos supostos erros nos valores pagos à Impetrante.

Aduz obteve sua aposentadoria há 23 anos e foi surpreendida com a comunicação do Impetrado que lhe cientificava da revisão do benefício, em razão de irregularidade no pagamento dos quintos incorporados. Em conseqüência, haveria redução de seus proventos e descontos relativos à devolução dos valores pagos a maior.

Entende ilegal o ato, uma vez que o mesmo foi praticado com ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Aduz ainda a impossibilidade de revisão da aposentadoria, por conta da prescrição e, mais, a própria boa-fé na percepção dos valores, o que impede a sua devolução.

Vale-se de precedentes jurisprudenciais para amparar sua pretensão, junta documentos, pede a liminar e, ao final, pela concessão da segurança.

Em decisão de fls. 139-144, o MM. Juiz Júlio Rodrigues Coelho Neto deferiu a liminar.

Notificada, a Autoridade Coatora informou que havia cumprido a liminar (fls. 147).

Em seu parecer, o MPF opina pela concessão da segurança (fls. 152-156).

É o relatório.

Trata-se de Mandado de Segurança no qual busca a impetrante a suspensão de ato administrativo que, por entender indevida a parcela relativa à incorporação de quintos, determinou a redução de seus proventos de aposentadoria, bem como a devolução dos valores pagos a maior.

Com efeito, a questão restou muito bem apreciada pela decisão de fls. 139-144, da lavra do MM. Juiz Júlio Rodrigues Coelho Neto. Assim, para evitar repetições desnecessárias e diante do brilhantismo dos fundamentos invocados, adoto-a como razão de decidir, nos seguintes termos:

“Não se olvida que a cabe à Administração o poder e até mesmo o dever de anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidades. Trata-se do exercício da autotutela administrativa, há muito reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula nº 473:

 

"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

 

Ao mesmo passo, contudo, o poder de autotutela administrativa não dever ser interpretada como de natureza absoluta, tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica.

 

É certo ser dever da Administração rever seus atos, em nome do interesse público que lhe compete observar, mas, todavia, é em nome deste mesmo interesse público que tal conduta se limita no tempo, em  atenção aos direitos adquiridos do particular e à preservação da estabilidade das relações jurídicas, fundamento essencial à estabilidade no convívio social.

 

Sobre o assunto, assim leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

“O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas.

Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo.” [1]

 

Dentre os componentes da segurança nas relações jurídicas, encontram-se os institutos da prescrição e decadência, hábeis a evitar que o exercício de determinado direito não se preserve indefinidamente ao arbítrio daquele que o detém.

 

Enfocando os institutos à luz do Direito Administrativo, expõe Hely Lopes Meirellles:

 

"A nosso ver, a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do ato no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta porque o interesse da estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores é também interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante disso, impõe-se a estabilização dos atos que superem os prazos admitidos para sua impugnação, qualquer que seja o vício que se lhes atribua. Quando se diz que os atos nulos podem ser invalidados a qualquer tempo, pressupõe-se, obviamente, que tal anulação se opere enquanto não prescritas as vias impugnativas internas e externas, pois, se os atos se tornaram inatacáveis pela Administração e pelo Judiciário, não há como pronunciar-se sua nulidade."[2]

 

Atendendo a esse entendimento, a Lei nº 9.784, de 29.01.1999, "visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração" (art. 1º), plenamente aplicável à hipótese dos autos, dispõe, em seu art. 54, acerca do prazo decadencial para anulação de atos administrativos de efeitos benéficos aos administrados:

 

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”

 

Na esteira destas assertivas, é inadmissível que, decorridos quase vinte anos do ato que determinou a incorporação da gratificação, possa a Administração, alegando erro na sua concessão, anular tal ato para modificar os valores que vinha pagando à Impetrante, diminuindo-lhe os proventos.

 

Desta forma, percebe-se do exposto que a Administração só poderia revisar o ato de aposentadoria da Impetrante, incluindo-se a exclusão de gratificações em seus proventos, dentro do prazo de 05 (cinco) anos do ato, salvo constatada má-fé, que, no presente caso, não foi comprovada. Assim, tardio o procedimento da Administração, havendo transcorrido, a favor da Impetrante, pois, a prescrição qüinqüenal. Na lembrança do velho brocado romano, “dormientibus non sucurrit ius” (o direito não socorre aos que dormem).

 

Ademais, fosse o caso, para a revisão do ato de aposentadoria, teria a Administração que implementá-lo mediante o devido processo legal, assegurando os direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa, consoante a regra constitucionalmente assegurada, em hierarquia de cláusula pétrea (art. 5º, LIV e LV CF/88)

No caso dos autos, resta claro que a Administração revisou a aposentadoria da Impetrante à sua revelia, sem lhe dar ciência do procedimento, comunicando-lhe, apenas, da decisão tomada (f. 21). Assim agindo, infringiu os dispositivos constitucionais acima elencados, eis que praticou o ato sem oportunizar o direito de defesa à outra parte, o que lhe confere vício intransponível e justifica sua anulação.

 

Convém ressaltar novamente que, embora possa a Administração, anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, mantém-se o dever de respeito aos direitos adquiridos e ao devido processo legal.

 

Cumpre  mencionar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça  sobre o tema é pacifica no sentido de ratificar o entendimento aqui exposto. Confira-se:

 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DA APOSENTADORIA. PODER-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. - A Administração Pública tem o poder-dever de anular, ou revogar, os próprios atos, quando maculados por irregularidades ou ilegalidades flagrantes, consoante o entendimento consagrado no verbete da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. - Em respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a jurisprudência desta Corte vem proclamando o entendimento de que a desconstituição de qualquer ato  administrativo que repercuta na esfera individual dos servidores ou administrados deve ser precedida de processo administrativo que garanta a ampla defesa e o contraditório. - Recurso ordinário provido. Segurança  concedida”. (STJ. ROMS n.º 12726/PR. Relator Min. VICENTE LEAL. DJ 24.03.2003, p. 281).

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA, SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DO ATO. AUSÊNCIA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DEFESA CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO REVISAR O ATO. DECADÊNCIA. ARTIGO 54 DA LEI N.º 9.784/99. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, seguindo orientação do Pretório Excelso, firmou entendimento no sentido de que a desconstituição da eficácia de qualquer ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores ou administrados, deve ser precedido de instauração de processo administrativo, em obediência aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes. 2. "O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé." (artigo 54 da Lei n.º 9.784/99). 3. "Após decorridos 5 (cinco) anos não pode mais a Administração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se opera a decadência." (MS nº 6.566/DF, Relator p/ acórdão Ministro Francisco Peçanha Martins, in DJ 15/5/2000). Precedente da 3ª Seção. 4. Ordem concedida”. (STJ. MS n.º 7978/DF. Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO. DJ 16.12.2002, p. 241).

“ADMINISTRATIVO - CONSTITUCIONAL - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO - REVISÃO DE PROVENTOS - PODER-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. 1 - Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos quando praticados com ilegalidade, pois deles não se originam direitos (Súmula 473/STF). Assim, tendo a Assembléia Legislativa do Estado de Goiás instaurado processo administrativo, com o intuito de rever os cálculos dos proventos de aposentadoria, e observando o mesmo os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, não há que se falar em qualquer nulidade por parte do administrador. 2 - Outrossim, improcede a assertiva da prescrição do referido procedimento, porquanto ato nulo não produz efeitos. Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão. 3 - Recurso conhecido, porém, desprovido”. (STJ. ROMS n.º 13313/GO. Relator Min. JORGE SCARTEZZINI. DJ 28.10.2002, p. 330).

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. REVISÃO. SUSPENSÃO POR FRAUDE. PRESCRIÇÃO. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 473/STF. RECURSO ESPECIAL. 1. É garantido à  Administração o direito de revisar e anular seus próprios atos, "quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos" (Súmula 473/STF). 2. Observados o contraditório e o devido  processo legal, e garantida a ampla defesa, não se reconhece a alegada ofensa ao texto legal. 3. Recurso Especial não conhecido. (STJ.  RESP n.º 278375/RS. Relator Min. EDSON VIDIGAL. DJ 05.03.2001, p. 220).

 

Vale ressaltar também que, mesmo em se admitindo a revisão dos proventos da Impetrante e que esta tivesse sido procedida em observância aos ditames constitucionais, ainda assim o ato impugnado esbarraria em outro óbice.

 

Com efeito, a Impetrante vinha percebendo ao longo de 23 anos sua aposentadoria, não existindo nos autos qualquer documento que indique haver sido atribuída irregularidade na concessão do benefício ou nas parcelas que o compõem, dentre elas os denominados “quintos incorporados”, fora, obviamente, o próprio ato aqui impugnado.

 

Neste contexto, emerge a patente boa-fé da Impetrante, uma vez que não contribuiu para o suposto “equívoco” na contagem do tempo de exercício das funções gratificadas e, tampouco, dele se valeu para perceber parcelas porventura indevidas.

 

Assim sendo, para se valer de um possível ressarcimento, caberia a Administração, respeitando o devido processo legal e seus consectários (contraditório e ampla defesa), demonstrar não só a irregularidade nos pagamentos, como, ainda, a má-fé da Impetrante. Se esta não resta provada, descabe realizar os descontos.

 

Neste sentido, confira-se o seguinte precedente do TRF da 5a Região:

 

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL INATIVO.  GADF E FUNÇÃO GRATIFICADA (FGR), CUMULATIVIDADE COM DÉCIMOS INCORPORADOS. LEIS N.ºS  8.911/94 E 8.538/92. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º473/STF . VALORES PERCEBIDOS  DE BOA-FÉ. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. SÚMULA N.º  106 DO TCU (...) 5. A  administração, sempre que perceber que praticou atos em desacordo com a lei deve anulá-los, conforme enunciado na súmula n.º 473/STF. 6. Os valores pretéritos percebidos de boa fé, na esteira do entendimento preconizado na súmula n.º 106-TCU, não devem ser devolvidos, visto que o recebimento de tais valores se deu por iniciativa própria da administração, mediante comando autorizativo,  materializado em seus respectivos contra-cheques. 7. Precedente da 4ª turma do TRF 4ª região, nos autos da ac 256730-rs, j. 12.12.2000, dju, de 25.04.2001, pág.  848. 8. apelação provida em parte. (TRF 5ª Região AMS 64616. Rel. Desembargador Federal Manoel Erhardt. DJ: 13.12.2002, p. 401).”

 

Isto posto, concedo a segurança pleiteada, pelo que torno definitiva a liminar de fls. 139-144.

Custas pelo impetrado.

Sem honorários, por força da Súmula 512, do STF.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.C.

Aracaju, 22 de março de 2004.

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal - 1ª Vara


 

[1] Curso de Direito Administrativo, 15ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2003, p. 113

[2] Direito Administrativo Brasileiro, 24a. Ed, São Paulo, Malheiros, p. 189).