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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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PROCESSO N° 2000.85.00.002932-8

CLASSE 05000 – AÇÕES DIVERSAS

REQUERENTE: JOSÉ SILVA DE LIMA

REQUERIDA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

 

 

SENTENÇA

 

 

FGTS. LEVANTAMENTO DE SALDO DE CONTA VINCULADA. PARALISAÇÃO DE CONTA VINCULADA POR MAIS DE TRÊS ANOS ININTERRUPTOS. POSSIBILIDADE.  I - Procedência do pedido.

 

 

1. RELATÓRIO

 

Tratam os autos de ação denominada “Alvará Judicial”, pela qual o Autor requer o levantamento do saldo de contas vinculadas ao FGTS, sendo que o saque, em sede administrativa, foi impedido pelo fato de ter perdido sua Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS.

 

Originalmente ajuizado perante a Justiça Estadual, foram os autos remetidos para a Justiça Federal (f. 33).

 

Em resposta (f. 39), afirma a CEF que as contas do Autor se encontram inativas, não tendo sido liberado o saque em razão da não apresentação de documentação necessária a sua correta identificação, havendo o risco da existência de homônimos.

 

O Ministério Público Federal manifestou-se pela improcedência do pedido (f. 132-134).

 

É o que importa relatar.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

Cumpre mencionar, de início, que o presente feito, muito embora denominado “Alvará Judicial”, disso não se trata.

 

Como se sabe, o alvará judicial é procedimento de jurisdição voluntária, que, por essência, é mera administração pública de interesses privados, em razão de expressa opção do legislador processual. Caracteriza-se, em síntese, pela inexistência de litígio, cabendo ao Poder Judiciário, por conseqüência, simplesmente homologar ou autorizar pedido de natureza eminentemente particular.

 

Para fins de movimentação de conta vinculada ao FGTS, é possível o requerimento de alvará, desde que, obviamente, não haja resistência à pretensão. Nessa conjetura, em que a CEF é mera destinatária do pedido, tem-se entendido, inclusive, pela competência da Justiça Estadual para o processamento do feito , consoante se extrai de recente precedente daquela mesma Corte:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DE PERCENTUAL SOBRE O SALDO DO FGTS. TITULAR VIVO. 1. Sendo a Caixa Econômica Federal apenas destinatária do pedido de alvará, afasta-se a competência prevista no artigo 109, inciso I, da Carta Magna. 2. A expedição de alvará para levantamento do saldo de conta vinculada do FGTS se traduz em ato de jurisdição voluntária, desviando a competência para a Justiça Estadual. 3. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Maceió”. (STJ. CC 39316/AL. Rel. Min. Castro Meira. DJ 06.10.2003, p. 199).

 

Quando se configura o conflito de interesses, ou resistência à pretensão autoral por parte da CEF, é certo que, a teor do art. 109, I da CF/88, bem como da Súmula 82 do STJ, a competência é da Justiça Federal.

 

Contudo, não há de se falar, nesses casos, de jurisdição voluntária, em face da nítida existência de lide. Logo, é inadmissível o processamento do pleito como mero “alvará”, devendo-se observar o rito ordinário, sob pena de extinção do feito sem julgamento do mérito, por falta de interesse processual (art. 267, VI do CPC).

 

Na hipótese dos autos, não obstante tenha sido o processo autuado e denominado como pedido de alvará, restou demonstrada a resistência da CEF, que, inclusive, requereu o indeferimento do pedido.

 

A extinção do feito, todavia, não se mostra a solução mais adequada diante das peculiaridades do caso e em face do princípio da celeridade e da instrumentalidade processual.

 

Isso porque, já tendo havido nos autos a necessária dilação probatória e oportunizado o contraditório e a ampla defesa a ambas as partes, mostra-se absolutamente desarrazoada a extinção do feito sem julgamento do mérito, para que o Autor ingresse, por via ordinária, com ação idêntica, cujo julgamento certamente terá como fundamento as mesmas provas já acostadas nos presentes autos.

 

Ainda antes de adentrar o mérito da causa, há de se mencionar que a Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador e centralizador do FGTS, é responsável pela liberação dos valores depositados nas contas vinculadas, razão pela qual é inconteste sua legitimidade para figurar no pólo passivo da lide, a teor do que dispõe a jurisprudência pacífica do STJ:

 

“FGTS. LEVANTAMENTO DOS SALDOS. LEGITIMIDADE EXCLUSIVA DA CEF PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 07/STJ. TRATAMENTO DE MOLÉSTIA GRAVE, NÃO ELENCADA NO ART. 20, XI, DA LEI Nº 8.036/90. POSSIBILIDADE. 1. A Caixa Econômica Federal é parte legítima para figurar no pólo passivo das demandas que visam à liberação dos saldos das contas vinculadas do FGTS. Precedentes...” (STJ. REsp 481019/PE. Rel. Min. Luiz Fux. DJ 19.12.2003).

 

“FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA EXCLUSIVA DA CEF. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 210-STJ.  EXTRATOS DAS CONTAS. CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS. ÍNDICES APLICÁVEIS. PRECEDENTES DO STF E STJ. A Caixa Econômica Federal é a única legitimada para responder às ações concernentes ao FGTS. Entendimento consagrado pela Egrégia Primeira Seção (IUJ/REsp. 77.791/SC)...” ( STJ. REsp 263891/RS. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. DJ 30.06.2003).

 

Quanto ao mérito, constata-se que o ponto de controvérsia resume-se à correta identificação do Autor como o titular das contas vinculadas, mencionadas na petição inicial, das quais requer levantamento dos depósitos.

 

No extrato da primeira das contas, juntado às f.07, consta o nome do empregado José Silva Lima, da empresa “ATENCO ATALAIA ENG E COM LTDA”, o número da carteira de trabalho 003721/00636, data de admissão em 18.09.1990 e de demissão 01.01.1992.

 

No extrato da segunda, tem-se idênticos nome e número de CTPS, constando contrato de trabalho com a empresa “ATTCO PROJ E OBRAS SA", com data de admissão em 01.08.1996 e de afastamento 01.12.1996 (f. 08).

 

 Do exame dos documentos acostados aos autos, notadamente das cópias da CTPS do Autor (f. 13, 48, 63, 76), de sua carteira de identidade (f. 13v) e de sua ficha cadastral na Construtora Atalaia (f. 70), não há dúvidas de que ambos os extratos dizem respeito a contas referentes ao FGTS do Autor, pois há identidade de nome, de filiação, de número de CTPS e de data de admissão em ambas as empresas, não podendo a discrepância de alguns dias entre a data de demissão consignada na CTPS e a constante nos extratos ensejar a conclusão que se tratam de pessoas diversas.

 

Não obstante seja esse o único ponto no qual fundamenta a CEF sua resistência na liberação do saldo das mencionadas contas (f. 39, 130), demonstra-se necessário enfrentar o argumento da suposta violação ao art. 20, VIII da Lei n° 8.036/90, aventado pelo MPF como razão de indeferimento do pedido.

 

O mencionado dispositivo legal assim prescreve:

 

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

(...)

 VIII - quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta. (Redação dada pela Lei nº 8.678, de 13.7.93)...”

 

No caso, não resta dúvidas que as contas vinculadas ao qual se reporta a inicial encontram-se sem movimentação desde dezembro de 1997, há mais de seis anos, portanto (f. 07-08). Do mesmo modo, é também evidente que, em exame da CTPS do Autor (f. 128), seu último contrato de trabalho findou-se em 31 de maio de 2002, há menos de três anos.

 

Surge então a controvérsia. Para a autorização do levantamento do saldo de FGTS é indispensável que o pleiteante esteja seja emprego – afastado totalmente do regime do FGTS – por três anos ininterruptos, ou seria suficiente a paralisação da conta vinculada em si, por igual período?

 

Não havendo consolidação na jurisprudência quanto ao tema, conclui-se que a segunda opção mostra-se mais consonante com a teleologia do sistema do FGTS. Não se podendo olvidar que o saldo existente na conta vinculada é parte integrante do patrimônio do trabalhador, não se podendo admitir que, dentre as interpretações possíveis, escolha-se aquela que impede ao trabalhador o acesso a valores que, em essência, já pertencem a ele.

 

Em exame da matéria, discorre o Juiz Federal Ricardo Mandarino:

 

“O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi instituído com a finalidade de proporcionar uma reserva de numerário ao empregado, provendo-o, quando o mesmo fosse demitido da empresa, de recursos para garantir a sua manutenção.

Inicialmente, buscou-se compatibilizá-lo com o sistema da estabilidade decenal, onde o empregado, após dez anos de serviço, tornava-se estável e sua despedida implicaria em indenização em dobro. No caso, o trabalhador optaria por qual regime seu contrato de trabalho seria regido. No entanto, com o passar dos anos, a "opção" pelo FGTS passou a ser requisito obrigatório para admissão por parte das empresas, que vislumbraram uma diminuição dos custos na extinção dos vínculos laborais.

 

Referida dualidade de sistemas vigeu até a promulgação da Carta Magna de 1988, quando, em seu artigo 7º, inciso III, disciplinou o FGTS como um direito do trabalhador.

A partir de então, exceto no efêmero período de vigência da Lei nº 7.839/89, passou a ser regido pela Lei nº 8.036/90 e regulamentado pelo Decreto nº 99.684.

Pois bem. A Lei nº 8.036/90 prevê, em seu artigo 20, as hipóteses de movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS. Em seu inciso VIII, há a possibilidade de saque quando a conta "permanecer 3 (três) anos ininterruptos, a partir da vigência desta Lei, sem crédito de depósitos;".

O disciplinamento desta possibilidade de saque tem motivado grandes discussões jurídicas. Há aqueles que a interpretam restringindo-a ao afastamento do trabalhador do sistema do FGTS, isto é, que o empregado não possua qualquer vínculo laboral no período de três anos, para poder haver o levantamento das quantias depositadas. Outros, contudo, extraem do seu comando, o entendimento de que a inatividade da conta é específica a cada contrato de trabalho, possibilitando ao empregado, após o lapso de três anos, movimentá-la quanto àquele vínculo específico.

Ao apreciar feitos anteriores, busquei uma interpretação literal dos dispositivos ensejadores de saque nas contas vinculadas. Sorvendo o conhecimento de Savigny, onde interpretação é a reconstrução do pensamento contido na lei, reexamino o meu entendimento com o fim de alcançar a perfeita harmonia e coerência entre a ordem constitucional e o sistema legal vigente.

O intuito do legislador, como visto acima, ao criar o FGTS, foi garantir um mínimo de recursos materiais ao trabalhador nos casos de término do seu contrato de trabalho, possibilitando sua mantença através da multa imposta ao empregador, no caso de despedida sem justa causa, ou na inatividade da conta após o transcurso do lapso temporal de três anos, entre outros casos. Dirigiu-se, sempre, à conta vinculada do trabalhador, individualizada, em nada se referindo ao sistema do FGTS. E não poderia ser diferente, eis que, repito, buscou sempre proteger o hipossuficiente (empregado) após a extinção do seu contrato de trabalho”. [1]

 

Acompanhando esse entendimento, vale mencionar os seguintes precedentes jurisprudenciais:

 

“FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA INDIVIDUALIZADA EM RELAÇÃO AOPERÍODO NO QUAL O SERVIDOR PÚBLICO ERA OPTANTE. POSSIBILIDADE.1(...). Tendo a conta vinculada permanecido por mais de três anos ininterruptos sem crédito de rendimentos (Lei 8.036/90, art. 20,VIII), o titular dela tem direito ao levantamento do saldo respectivo.3. Apelação provida em parte”. (TRF 1a Região. AC 01001184136/TO. Rel. Leão Aparecido Alves. DJ 04.09.2003).

 

“ADMINISTRATIVO. FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO.LEVANTAMENTO DO VALOR DEPOSITADO NA CONTA FUNDIÁRIA. INATIVIDADE DACONTA. POSSIBILIDADE.- Não restam dúvidas que a conta vinculada ao FGTS do Autor não foi movimentada, no período compreendido entre outubro de 1993 a março de 1997 (fls.50/60), perfazendo um lapso temporal  superior a 3 (três) anos, estando o trabalhador, por tal motivo, habilitado alevantar os valores depositados pela empresa Arki – Serviços deSegurança Ltda.- Apelação não provida. Sentença confirmada”. (TRF 2a Região. AC 273370/RJ. Rel. Sérgio Feltrin Correa. DJ 10.06.2003).

 

 “ADMINISTRATIVO. FGTS. LIBERAÇÃO DOS SALDOS. CONTA INATIVA POR MAISDE TRÊS ANOS. INEXISTÊNCIA DE TODA A DOCUMENTAÇÃO EXIGÍVEL. POSSIBILIDADE DE SAQUE. 1. Ao aplicador da lei cumpre interpretar os dispositivos normativos submetidos ao seu crivo, segundo a finalidade social objetivada pelo legislador.2. Segundo o disposto no art. 20, inciso  VIII da Lei nº 8.630/90, o autor tem direito ao saque do saldo do FGTS de sua conta vinculada, pois a mesma, como comprovado, permaneceu inativa por mais de três anos, a despeito, ainda, da inexistência de toda a documentação exigível, em prestígio do justo em detrimento  da forma.3. Recurso improvido”. (TRF 4a Região. AC 394913/RS. Rel. Marga Inge Barth Tessler. DJ 11.04.2001).

 

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FGTS. CONTA INATIVA. TRANSCURSO DO TRIÊNIOLEGAL. DIREITO AO SAQUE.1. Assumindo a demanda rito comum ordinário, não há que se falar em inadequação da via processual eleita. (preliminar rejeitada). 2.. Os titulares de contas vinculadas ao FGTS que estão sem movimentação há mais de três anos fazem jus ao saque, em face da satisfação da primeira das condições prevista no art. 20, VIII, Lei nº 8.036/90.3. Tendo o MM. Juiz sentenciante expedido o alvará pretendido, incide a teoria do fato consumado, impondo-se a manutenção do decisum.4. Apelação improvida”. (TRF 5a Região. AC 316864/CE. Rel. Luiz Alberto Gurgel de Faria. DJ 21.07.2003).

 

 

3. DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, para autorizar o levantamento valores depositados nas contas vinculadas ao FGTS do Autor, de números 9-099570240-4/TP2/SE e 9-116000015-2/TP2/SE, conforme extratos de f. 07 e 08 dos autos.

 

Tendo em vista a aludida natureza contenciosa do feito, em face da impugnação da CEF, cabe condenação da Requerida no pagamento de custas e de honorários de advogado, esses últimos fixados em 10% (dez por cento) do valor do saldo a ser levantado pelo Autor.

 

Expeça-se os respectivos alvarás.

 

P. R. I.

 

Aracaju,  11 de março de 2004.

 

 

Júlio Rodrigues Coelho Neto

Juiz Federal Substituto – 1ª Vara Federal


 

[1] Sentença proferida nos autos do Processo n° 2000.85.00.3145-1.