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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2004.85.00.1754-0 - Classe 02000 - 3ª Vara
Ação: Civil Pública
Partes:

Autor: CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB

Réu :FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS E ESTADO DE SERGIPE

 

 ADMINISTRATIVO.CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE PERDA DO OBJETO DA DEMANDA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. OFENSA À LEI Nº 8.666/93. CONCURSO PÚBLICO. IRREGULARIDADES NA SUA EXECUÇÃO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, MORALIDADE, IGUALDADE, IMPESSOALIDADE, PUBLICIDADE E EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVAS. ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO DELE DECORRENTE E DO PROCESSO SELETIVO PÚBLICO INDIGITADOS. CONDENAÇÃO DA CONTRATADA NA DEVOLUÇÃO DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA EM FACE DO CONTRATO ANULADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

 

Sentença:

 

Vistos etc.

O CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE, representado por seu Presidente Dr. Henry Clay Santos Andrade, devidamente qualificado na exordial, ingressou com AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face da FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS - FESMPA, também identificada na peça vestibular, e do  ESTADO DE SERGIPE, igualmente individualizado na peça inaugural, alegando que a OAB é uma instituição reconhecida como representativa da sociedade civil, e possui expressa legitimação legal para a propositura da ação civil pública, conforme dispõe os arts. 54, inciso XIV e 57 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94).

Salientou a OAB que, no caso vertente, age em defesa dos interesses difusos da sociedade, conforme o art. 1º, inciso V, da Lei nº 7.347/85, subsistentes na proteção ao erário, à moralidade administrativa, à impessoalidade administrativa, à eficiência administrativa, à igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos, à exigência de licitação para contratação de serviços públicos e ao princípio da legalidade, todos titularizados difusamente por toda a sociedade sergipana e por todos os administrados sergipanos. E, também, age a OAB, nos termos do art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85, em defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores do serviço prestado – qual seja, o concurso público – com deficiências administrativas e com ilegalidades insanáveis, tendo pago quantias como taxa de inscrição e não recebido um serviço de qualidade e sequer amparado pela legalidade.

Relatou que, no dia 14 de março de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe realizou concurso público para os cargos de “Analista Judiciário” e “Técnico Judiciário”, tudo conforme disposição do Edital nº 01 de 21 de janeiro de 2004, publicado no Diário de Justiça do dia 23 de janeiro de 2004, tendo o certame sido operacionalizado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas - FESMPA, contratada pelo Tribunal de Justiça, sem licitação, com oferecimento de 503 (quinhentas e três) vagas, sendo 45 para o primeiro e 458 para o segundo.

Aduziu que o aludido concurso está contaminado por diversas irregularidades, que comprometem a sua lisura e transparência, inclusive a igualdade de concorrência na disputa pela classificação e habilitação aos cargos em disputa e também quanto à própria eficiência nos gastos públicos. Dentre as irregularidades que maculam o concurso aponta as seguintes ocorrências:

a)     a Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas – sem previsão no edital – delegou a elaboração das provas à Faculdade de Administração do Estado de São Paulo, que, por sua vez, efetuou grosseira “clonagem” de parte significativa das questões, integralmente plagiando diversos enunciados e alternativas de provas anteriormente efetuadas em concursos públicos da magistratura do Estado de Santa Catarina, vestibular da PUC/SP e do exame de Ordem da OAB/SP, cujas questões encontram-se à disposição na internet e em apostilas de cursos preparatórios para concursos públicos;

b)     obrigatoriedade de identificação dos candidatos na folha de resposta;

c)      uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos durante a execução das provas;

d)     trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros sem qualquer fiscalização;

e)     atraso de cerca de 40 (quarenta) minutos para início da execução das provas – o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais;

f)       o lacre que guarnecia as provas era frágil e inadequado.

Enfatizou que, em audiência, obtida junto ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, solicitou providências enérgicas e imediatas, inclusive sugerindo a anulação do concurso, com o fito de preservar a boa reputação do Poder Judiciário, face aos atos irresponsáveis praticados pela Fundação contratada.

Positivou que, no dia 31 de março de 2004, a OAB foi mais uma vez surpreendida com a divulgação, no Jornal “Extra Alagoas”, de matéria jornalística contendo graves denúncias, sob o título “Fundação falida dá golpe do concurso público e compromete MP”, onde se dizia que a mencionada Fundação encontra-se desativada há cerca de 5 (cinco) anos e sequer possui sede para o seu funcionamento.

Disse que o Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe informou que iria examinar o assunto e que qualquer decisão só seria adotada pelo Pleno, assinalando a data de 26 de março de 2004 para divulgação da decisão, o que foi prorrogado por mais quinze dias, outra alternativa não restando a OAB que não a interposição da presente ação.

Proclamou a OAB que a contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas configura ilegalidade e lesividade ao patrimônio público, pois a contratação da entidade, sem licitação, somente é admissível no caso de “inquestionável reputação ético-profissional e seja incumbida, regimental ou estatutariamente, de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional.” Esclareceu que a inidoneidade da referida Fundação é tão evidente que precisou terceirizar a prestação do serviço, contratando pessoal do Estado de São Paulo, para elaboração das provas, como declarou, em nota oficial, configurando os fatos narrados burla à exigência constitucional de licitação, prevista no art. 37, XXI, da Lei nº 8.666/95.

Reportou-se à ocorrência de dano ao erário, pois a inexistência de licitação impediu a Administração Pública da obtenção do preço mais vantajoso, tendo a Fundação recebido o valor atinente ao pagamento do contrato firmado com o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe sem prestar o serviço, ou seja, sem elaborar diretamente as questões, sem exercer o direcionamento técnico a que estava obrigada.

Aludiu à violação do princípio da eficiência, pois a Fundação contratada é inidônea para a prestação do serviço para o qual foi contratada, pois não possui a mínima estrutura para prestá-lo.

Relativamente à “clonagem” das questões do concurso, afirmou que, em simples pesquisa em “sites” na internet, foi constatada que não houve apenas a repetição de uma ou duas questões, porém mais de 25 (vinte e cinco) das 30 (trinta) questões de direito continham o mesmo enunciado e as mesmas alternativas, às vezes apenas acrescidas de uma alternativa “e”, que nunca correspondia à resposta certa, ressaltando que, em nota pública, a mencionada Fundação não só admite expressamente que copiou questões de outras provas anteriormente aplicadas, como defende a sua licitude.

Asseverou que a comprovada e confessada “clonagem” de diversas questões viola os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, dispostos no caput do art. 37 da Carta Política.

Justificou que a cópia de questões significou violação dos preceitos da lealdade e da boa-fé, que caracterizam a moralidade administrativa e a possibilidade de que algum candidato tenha, previamente, sido informado de que poderia ter acesso às questões que seriam exploradas no concurso é patente e real, maculando a moralidade do certame; quanto à impessoalidade, esclareceu que o possível conhecimento das questões da prova ilicitamente por uns candidatos, prejudica aqueles que não tiveram a mesma oportunidade.

Alertou que também há violação à eficiência administrativa porque os aprovados que tiveram acesso às questões clonadas podem não ser os mais preparados para o serviço público.

Reportou-se à violação do direito de igual acesso aos cargos públicos, consagrado no art. 37, incisos I e II, da Carta Magna, bem como no seu art. 5º, caput, considerando que uns candidatos podem ter tido fácil acesso ao conteúdo das provas e de suas respostas, enquanto que outros, que não tiveram acesso à internet, foram prejudicados.

Assegurou a ocorrência de violação ao princípio do sigilo administrativo, pois a existência de questões do concurso já publicadas e já respondidas na internet denota a existência de exposição de parte da prova e desfigura o ineditismo do concurso.

Argumentou que a identificação dos candidatos na folha de respostas é procedimento inusual, comprometendo a impessoalidade do concurso público, permitindo, quando da correção, a identificação pessoal dos candidatos para fins de atribuição de nota, o que também é motivo de nulidade.

Informou que houve violação às regras editalícias quanto à vedação de comunicação dos candidatos durante a realização das provas, pois diversas foram as denúncias recebidas pela OAB, no sentido de que, durante a realização das provas, houve uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos, trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros, sem qualquer fiscalização.

Adunou que ocorreu, também,  violação à regra editalícia quanto ao horário de comparecimento dos candidatos, pois houve atraso de 40 (quarenta) minutos para o inicio da execução das provas, o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais que não obedeceram ao horário fixado no edital do concurso.

Revelou que houve discrepância entre os valores dos vencimentos divulgados no Edital e os previstos em lei, constando do Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 89/2003 que o cargo de nível médio tem como valor inicial R$ 758,51 (setecentos e cinqüenta e oito reais e cinqüenta e hum centavos), enquanto o de nível superior tem como valor inicial R$ 1.181,99 (hum mil, cento e oitenta e hum reais e noventa e nove centavos), entretanto, o edital do concurso informa no Anexo II que o vencimento do cargo inicial de nível médio é de R$ 375,00 (trezentos e setenta e cinco reais) e que o do cargo de nível superior é de R$ 721,77 (setecentos e vinte e hum reais e setenta e sete centavos), caracterizando limitação ao acesso aos cargos públicos, a partir do desestímulo gerado diante da remuneração equivocadamente apresentada, considerando que diversos candidatos não se inscreveram no certame, face ao valor da remuneração, prejudicando o direito de acesso aos cargos públicos e a impessoalidade administrativa.

Pediu a autora:

a)     a concessão de medida liminar, para, suspendendo a validade e os efeitos do Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (edital n° 01, de 21 de janeiro de 2004, publicado em 23/01/04), determinar aos réus que suspendam a homologação do resultado do concurso e a divulgação da lista dos aprovados do concurso público, ou, se já tiver sido homologado e a lista divulgada, determinar a impossibilidade de convocação para fins de nomeação dos aprovados, de praticar a nomeação dos aprovados, de dar posse aos aprovados e de fazê-los entrar em exercício ou qualquer prestação de serviço, até o deslinde final da presente ação, intimando-se os réus da sua concessão e determinando o seu cumprimento, sob as penas legais;

b)     a citação dos réus, nos endereços mencionados, para, querendo, oferecer resposta, sob pena de confissão e revelia;

c)      a intimação do Ministério Público Federal para acompanhar o feito;

d)     a procedência do pedido para reconhecer a ilegalidade, violação aos princípios da igualdade, eficiência, moralidade e impessoalidade, bem como a lesividade ao patrimônio público, declarando a nulidade do procedimento de contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas para a realização do concurso e declarando a nulidade de todo o concurso público, condenando a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas ao pagamento de indenização pelos danos causados ao erário e à coletividade;

e)     a dispensa do pagamento de custas processuais pelo autor, emolumentos e outros encargos, face ao que dispõe o art. 18, da Lei n° 7.347/85.

Juntou os documentos de fls. 38 usque 124.

Determinei a intimação do Estado de Sergipe, na pessoa do seu Procurador-Geral, para se manifestar, no prazo de setenta e duas horas, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92, fl. 125.

O Estado de Sergipe, às fls. 127/141, manifestou-se sobre a peça vestibular, suscitando a preliminar de ilegitimidade ativa da OAB para a propositura da ação, desafiando o indeferimento da inicial e a extinção do processo sem julgamento do mérito.

No mérito, aduziu que o concurso que ora se pretende anular substancia-se da mais absoluta lisura, seja em relação aos seus atos preparatórios, quanto à sua realização, seja quanto à aprovação do seu resultado, que concluiu pela sua homologação pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em sessão plenária ordinária realizada em 14 do corrente mês.

Quanto à contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas, esclareceu que houve justificativa de dispensa de licitação, com observância do art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, sendo observadas todas as exigências legais, como atesta o Processo Administrativo pertinente e tendo a contratada idoneidade e aptdão para a realização do certame.

Esclareceu que a realização do indigitado concurso deflagra uma expectativa negativa de cerca de 800 pessoas, que poderão perder as funções atualmente ocupadas no Judiciário deste Estado, envolvendo os comissionados, cujos 316 (trezentos e dezesseis) cargos serão extintos, além dos requisitados de Prefeituras, em número aproximado de 490 (quatrocentos e noventa) tudo em decorrência da aplicação da Lei Complementar nº 89/2003, que reestrutura o quadro de pessoal do Poder Judiciário do Estado de Sergipe, situação que é agravada pela tramitação perante o Supremo Tribunal Federal de Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.174, promovida pelo Procurador Geral da república, com vista à declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 74/02, quanto aos dispositivos que permitem a sobrevivência desses cargos comissionados até que se realize concurso para provimento dos cargos efetivos criados pela referida lei.

Refutou a ocorrência de quebra de sigilo nas provas do concurso em exame, pois ocorreria tal violação se, acaso, fosse dado a alguém conhecer, previamente, quais das questões das milhares expostas na internet ou em outros veículos de informação, seriam selecionadas e aplicadas no concurso.

Relativamente ao atraso de 40 (quarenta) minutos no início das provas, justificou que todos os participantes sabem que isso decorreu de lapsos na locação de alguns candidatos em prédio diverso do constante da relação elaborada pela Fundação, o que não implicou em prejuízo para qualquer candidato, já que 25 (vinte e cinco) veículos foram mobilizados para a condução dos candidatos aos prédios onde prestariam o concurso e as provas de todos os candidatos foram entregues no mesmo horário.

No que respeita ao fato de constar de cada caderno de resposta a assinatura do concorrente do certame, salientou que isso em nada beneficia ou prejudica qualquer candidato, pois a leitura das respostas lançadas no aludido caderno foi feita pelo processo de leitura ótica, por meio de cartões ICR.

Disse ser hilária a denúncia de que houve uso indiscriminado de aparelho celular por candidatos, que, por absurda, não há que ser considerada.

Salientou que o Edital do Concurso só poderia indicar os valores dos vencimentos dos cargos em disputa na atualidade, pois os constantes da Lei nº 89/2003 somente vigorariam a partir de 1º de julho de 2004.

Sustentou que o interesse público impõe o indeferimento da medida liminar, considerando que manter o quadro funcional desfalcado de cerca de 500 (quinhentos) servidores aprovados neste concurso, implicaria em opção mais prejudicial aos interesses públicos, pelo retardamento de medida que reduziria a ineficiência dos serviços judiciários, além do que impediria a substituição de cerca de 300 (trezentos) comissionados, muitos deles estranhos ao quadro funcional efetivo do Poder Judiciário, exsurgindo o periculum in mora inverso.

Requereu o Estado de Sergipe:

a)    seja declarada a ilegitimidade ativa ad causam do Conselho Seccional da OAB/Se na presente demanda, extinguindo-se o processo nos termos do art. 267, VI do CPC;

b)   caso vencida a preliminar aventada, seja recebida e processada a presente manifestação, seguindo o processo até seu ulterior julgamento, devendo de pronto ser negada a liminar pleiteada, por ausência de pressupostos autorizadores.

 

Ouvi o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE, que ofereceu réplica, às fls. 270/286, refutando a preliminar de ilegitimidade ativa, e reiterando a nulidade absoluta do procedimento licitatório, inclusive com a falta de Parecer válido editado por Procurador do Estado, vez que a assessoria jurídica que exarou Parecer no aludido procedimento não pertence aos quadros da Procuradoria Geral do Estado, sendo o ato dela emanado nulo de pleno direito e também aquele que o homologou.

Reprisou que a nulidade da contratação e da sub-contratação configura burla total à lei de licitações, especialmente aos arts. 13, § 3º, 24, XIII  e  § 3º da Lei nº 8.666/93, que exige da contratada inquestionável reputação ético-profissional, que, inclusive, envolverá futuro contrato intuito personae, não podendo o serviço objeto da avenca ser transferido, em sua execução, para terceiros, sendo, ainda, de destacar que, no processo de dispensa de licitação em discussão, a Fundação contratada não apresentou a descrição do corpo técnico que responderia pela parte técnico-profissional do concurso.

Afirma que é nulo o Parecer Administrativo que embasou a dispensa de licitação, eis que não declinou os motivos da decisão administrativa a fundamentar a inexistência de procedimento licitatório para contratação da Fundação, face à má reputação ético-profissional.

Ressaltou que a prova da notória incapacidade técnica da FESMPA está demonstrada pelo Estado de Sergipe – fls.216/218 - onde existem documentos do próprio Tribunal de Justiça informando que, das 80 (oitenta) questões formuladas pela FESMPA, 47 (quarenta e sete) foram anuladas pela Comissão e das 33 (trinta e três) que restaram, 25 (vinte e cinco) tiveram seu gabarito alterado.

Proclamou que não houve a publicação do ato de dispensa de licitação, nem tampouco do ato de autorização para a contratação da Fundação.

Aludiu à incompatibilidade de datas entre o edital do concurso, datado de 21 de janeiro de 2004, e a dispensa de licitação, encerrada sem publicação, em 22 de janeiro de 2004.

Impugnou a celebração do Contrato Administrativo nº 008/2004, face às irregularidades ocorridas no procedimento licitatório.

Repetiu que houve violação ao princípio da impessoalidade da administração com a identificação dos concorrentes na folha de respostas, o que contraria, também, o costume concursal, fazendo referência ao concurso para a Magistratura do Estado de Sergipe, onde está previsto no respectivo Edital, que a identificação do candidato na folha de respostas, implicará, automaticamente, desclassificação do certame, aduzindo que é público e inconteste o uso de telefones celulares durante a realização do concurso.

Pediu o inacolhimento da preliminar argüida e a concessão da medida liminar requestada.

Nos termos do § 1º do art. 5º da Lei nº 7.347/85, abri vista dos autos ao Ministério Público Federal, fls. 287, encontrando-se, às fls. 289/294, o douto pronunciamento do ilustrado Procurador da República, Dr. Paulo Gustavo Guedes Fontes, que se manifestou pela rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa da OAB para propor a ação civil pública e pelo deferimento da liminar requerida.

Impugnou o MPF a subcontratação pela FESMPA da Faculdade de Administração do Estado de São Paulo, dizendo que a forma de dispensa de licitação adotada é intuito personae, caracterizando uma subcontratação ilegal, uma forma de burlar a licitação, com eventual prática do delito previsto no art. 89 da Lei de Licitações.

Reportou-se à utilização no concurso em exame de diversas questões que foram retiradas de exames anteriores, positivando que foram em número expressivo, capaz de ofender o principio da igualdade e da impessoalidade da Administração Pública, pois beneficiados estarão aqueles candidatos que, eventualmente, tenham participado do certame do qual as perguntas foram retiradas ou que tenham tido a sorte de utilizarem a mencionada prova como forma de se exercitar, ficando maculado o princípio da impessoalidade, pois haverá maior probabilidade de fraude, considerando que a informação de que a prova se basearia num determinado certame anterior se revelaria decisiva para o êxito do candidato.

Alertou que, quando se contrata entidade para realizar um concurso, está de fato implícito que ela irá elaborar questões novas, ainda que inovando apenas a forma de abordar os temas ou, no mínimo, a ordem das alternativas e foi demonstrado pela parte autora que a Fundação contratada não procedeu de forma razoável quanto ao número de questões copiadas, não tendo havido contradita a respeito pelo requerido.

Abordou o MPF que a falta de lisura do certame está patente também na informação constante no edital, relativa à remuneração dos cargos, pois deveria ter sido mencionada a remuneração vigente a partir de 1º de julho de 2004, o que prejudicou os princípios da publicidade e do acesso à informação, inclusive dos bacharéis em direito potencialmente candidatos ao cargo de analista judiciário, até porque diz o nobre Procurador que dificilmente os candidatos seriam empossados antes dessa data.

Em síntese, afirmou o MPF que está caracterizado o “fumus boni iures” a autorizar a medida liminar.

Patenteou o Órgão Ministerial a existência do periculum im mora, a exigir o provimento liminar, pois o Tribunal de Justiça tenciona nomear o quanto antes os aprovados, sendo temerário permitir a nomeação e posse de servidores públicos quando existe uma demanda tendente à anulação do concurso, posicionando-se no sentido que são menos graves as conseqüências eventualmente advindas do deferimento da liminar, salientando que, em caso de necessidade, o Tribunal de Justiça poderá valer-se do instituto da contratação temporária, previsto na Lei Estadual nº 4.969/2003.

Pediu o MPF que seja reconhecida a legitimidade ativa da OAB e deferida a medida liminar para suspender todos os atos administrativos decorrentes do concurso em tela, até a decisão definitiva no presente processo.

Nas f. 296/317, proferi decisão, rejeitando a preliminar argüida pelo Estado de Sergipe e concedendo a medida liminar requerida.

O Estado de Sergipe apresentou resposta em forma de contestação, f. 340/356, sustentando, preliminarmente, que a demanda deve ser extinta, sem julgamento do mérito, por ter perdido o seu objeto e porque a parte autoral não tem legitimidade para a propositura da ação.

No mérito, aduziu que a contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas – FESMPA - foi pautada nos preceitos legais estabelecidos no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/93, que permite a dispensa da licitação, preenchidos os requisitos lá esboçados, sendo que a contratada implementou todas as condições legalmente exigidas; que o procedimento administrativo de dispensa da licitação obedeceu rigorosamente ao que dispõe o art. 26 da Lei nº 8.666/93; que, no pertinente à realização e aprovação do resultado do concurso impugnado, não há nada que macule a lisura deste; e que, em virtude da Lei Complementar Estadual nº 89/2003, cerca de oitocentas pessoas perderão suas funções atualmente ocupadas no Judiciário deste Estado, sendo que 316 cargos comissionados serão extintos, e, com a nomeação dos aprovados no concurso ora guerreado, essas pessoas deixarão de receber a contraprestação pecuniária relativa aos cargos que deixarão de existir.

Requereu o acolhimento das preliminares, com a conseqüente extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou, não sendo aquelas acolhidas, a improcedência da ação, juntando os documentos de f. 357/365.

No verso da f. 364, há manifestação do Ministério Público Federal, na qual observou que a Resolução nº 003/2004 do Egrégio Tribunal de Justiça de Sergipe não anula, formalmente, o Concurso Público em tela ou não o deixa de homologar, apenas revoga a homologação do mesmo, autorizando o Presidente do Tribunal de Justiça a realização de um outro certame, razão pela qual requereu a remessa dos autos ao Procurador-Geral do Estado, para que aprecie as observações por ele feitas.

O Estado de Sergipe, por seu Procurador-Geral, pronunciou-se na f. 374, em resposta à cota ministerial acima exposta, entendendo como formalmente não homologado o concurso, ratificando a preliminar de perda de objeto aventada na contestação.

No verso da f. 375, há nova manifestação do MPF, onde concordou com o pedido de extinção do processo, sem julgamento do mérito, por perda do objeto, requerendo, contudo, que o autor fosse intimado para falar sobre a peça contestatória.

Nas f. 380/397, a parte autoral se pronunciou sobre a aludida contestação, rebatendo, em princípio, as preliminares de perda do objeto e de ilegitimidade ad causam, e, no mérito, ratificou todos os argumentos explicitados na proemial e acrescentou que um dos assessores do Tribunal de Justiça de Sergipe, Fernando Céspedes Ramos, que emitiu o parecer e a justificativa da dispensa da licitação, foi aprovado no concurso ora guerreado, além do que ele não poderia jamais ter emitido parecer em nome do Estado, pois este ato é privativo dos Procuradores do Estado, o que torna o ato de homologação da dispensa nulo de pleno direito, nos termos do art. 166, inciso IV, e 169 do Código Civil.

Asseverou o autor que não houve perda do objeto da lide, porque a mencionada Resolução nº 003/2004 apenas revogou a homologação do concurso público impugnado, segundo critérios de oportunidade e conveniência, com eficácia ex nunc, sendo hipótese diferente da anulação pleiteada, tanto no pertinente à motivação quanto aos efeitos jurídicos, uma vez que a invalidação do certame ocorre por ilegalidade, produzindo efeitos retroativos, ou seja, ex tunc. Enfatizou que a mencionada revogação decorreu, tão-somente, da necessidade preemente de preenchimento dos cargos a serem vagos, providência que não pode se concretizar enquanto se mantiver incólume a medida liminar concedida por este Juízo, nada impedindo que, após ser extinto o processo, sem julgamento do mérito, por perda do objeto, o próprio Tribunal de Justiça revogue o ato que revogou a homologação do concurso, possibilitando a nomeação e posse dos aprovados; ou, ainda, que estes ingressem com ações na Justiça pleiteando a anulação da aludida Resolução, sob o fundamento de que a motivação desta perdera seu objeto, uma vez que não é mais conveniente nem razoável a sua manutenção, para o fim de serem empossados nos cargos. Por outro lado, segundo ele, a revogação não obriga a devolução dos valores despendidos na realização do certame, pois este não fora considerado ilegal, sendo que o valor devolvido pela FESMPA o foi por ato voluntário, e não expressou o numerário exato a ser ressarcido aos Cofres Públicos, razão pela qual, também nesse aspecto, não houve perda do objeto.

No referente à sua ilegitimidade para a causa, afirmou o autor que essa matéria já foi objeto de decisão, por este Juízo e pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, quando da concessão e manutenção da medida liminar, f. 296/317 e f. 326/338, respectivamente, estando superada tal preliminar, face à inexistência de agravo, reforçando, contudo, quanto a essa questão, os argumentos expendidos na petição de f. 270/294.

Requereu a parte autora que fosse determinada diligência ao Estado de Sergipe, com o fim de trazer aos autos os comprovantes de depósitos efetuados na conta bancária da FESMPA, relativamente ao concurso em tela, para se aferir os valores efetivamente por ela recebidos; que o MPF fosse intimado para apreciar a presente manifestação; e fossem inacolhidas as preliminares levantadas, julgando-se procedentes as suas pretensões.

O Estado de Sergipe manifestou-se acerca da réplica da parte autora nas f. 407/412, defendendo o desaparecimento da necessidade de tutela jurisdicional nestes autos, em vista de o ato impugnado não mais existir, independentemente do modo como se deu o seu expurgo do mundo jurídico, e pelo fato de que foi devolvido, pela FESMPA, a totalidade dos valores que lhe foram pagos, pela realização do reportado concurso público, conforme empenho em anexo.         

Nas f. 418/419, o MPF se pronunciou sobre a contenda, oportunidade em que reconsiderou a sua manifestação de f. 375/V, entendendo plausíveis as razões aduzidas pelo autor, requerendo sejam rejeitadas as preliminares argüidas, determinando-se o prosseguimento do feito e a intimação das partes e a sua própria, para especificarem as provas que pretendem produzir. 

Na f. 420, foi certificado que transcorreu o prazo para contestação sem que a FESMPA a tenha ofertado.

Nas f. 422 ut 427, este Juízo proferiu decisão rejeitando a preliminar de perda do objeto da ação, esclarecendo que a preliminar de ilegitimidade ad causam já havia sido apreciada na decisão de f. 296/317, e determinou a intimação das partes e do Ministério Público Federal para falarem se pretendiam produzir provas em audiência.

O Estado de Sergipe, na f. 432, juntou petição, afirmando que o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe havia tornado sem efeito todo o processo licitatório e o Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário, dando-se plena execução à Resolução nº 03/2004 do reportado Tribunal, o que torna incontestável a invalidação do certame impugnado, razão pela qual pleiteou a reconsideração da decisão de f. 422/427, que rejeitou a preliminar de ausência de interesse processual alegada, extinguindo-se o feito sem julgamento do mérito, pela perda do seu objeto, juntando, ainda, os documentos de f. 433/434.

Intimado para se pronunciar sobre a petição de f. 432, o autor afirmou, f. 439 a 442, que o documento de f. 433, da lavra do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, não tem o condão de modificar a decisão de f. 422/427, pois não anulou o certame ora impugnado, apenas o tornou sem efeito bem assim o processo licitatório respectivo, com o escopo de dar execução à decisão do Pleno daquela Corte de Justiça, permanecendo incólume a decisão tomada na Resolução de nº 003/2004. Esclareceu, ainda, que mesmo atribuindo à expressão “tornar sem efeito” o valor jurídico de anulação, observa-se que o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe não tem competência legal para, a pretexto de dar executoriedade à anterior decisão do Tribunal Pleno, modificar o conteúdo de ato emanado deste Órgão Colegiado. Do mesmo modo, segundo ele, é inaceitável que o documento de f. 434, consubstanciado na Portaria nº 007 GP2, também lavrada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, possa elidir a sua pretensão e extinguir o processo, sem julgamento do mérito, pois tão-somente resolve constituir Comissão Especial para fiscalização e supervisão do Concurso Público, mantendo, porém, a revogação da homologação do certame anterior. Ratificou os termos da proemial e da manifestação de f. 380/397 e requereu a suspensão do processo até a investidura nos cargos de Técnico e Analista Judiciários decorrente da realização de novo concurso público, bem como a intimação do Ministério Publico Federal para se manifestar. 

Nas f. 444 a 445, o Ministério Público Federal exarou seu Parecer acerca do pedido feito pelo autor na f. 432, sustentando que este não merece ser acolhido, pois a Portaria lavrada pela Presidência do Tribunal de Justiça de Sergipe é derivada da deliberação colegiada espelhada na Resolução nº 03/2004, que não anulou o concurso público ora impugnado. Além disso, segundo ele, a ordem jurídica brasileira admite a coexistência de mais de um certame válido, ao mesmo tempo, para provimento dos mesmos cargos, a teor do art. 37, IV, da Constituição Federal, inclusive os aprovados no concurso que teve sua homologação sustada gozariam de preferência. Esclareceu, ainda, que a revogação da homologação não tem o condão de, sozinha, retirar os efeitos de todo o processo seletivo, manifestando-se pelo prosseguimento do feito e pelo julgamento antecipado da lide, uma vez que esta não carece de dilação probatória.

Após, os autos volveram-me conclusos para sentença.

RELATADOS, DECIDO.

I – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.

Em prolepse, devo anunciar o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 330, I, do Código de Processo Civil, porquanto a demanda prescinde de dilação probatória, por constituir-se em questão meritória exclusivamente de direito, o que é ratificado pela circunstância de que as partes e o MPF não manifestaram interesse em produzir provas em audiência.

II – DA ALEGAÇÃO DE PERDA DO OBJETO DA AÇÃO.

O Estado de Sergipe trouxe à colação, nas f. 433/434, o Ato Administrativo datado de 07 de julho de 2004 e a Portaria nº 007 GP2, também datada de 07.07.2004, ambos da lavra do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe: o primeiro, tornando sem efeito todo o processo licitatório e o Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do Poder Judiciário do aludido Estado, com o intuito de conferir plena execução à Resolução nº 003/2004, que revogou a homologação do certame ora guerreado; a segunda, constituindo a Comissão Especial responsável pela fiscalização e supervisão do novo Concurso Público, a ser realizado para provimento de vagas nos referidos cargos.

Examinando-se o conteúdo do Ato Administrativo de f. 433 e da Portaria nº 007 GP2, presentes nas f. 433/434, respectivamente, nota-se que, embora o primeiro Ato utilize a expressão “tornar sem efeito”, revelando a idéia de ato anulatório, o seu objetivo foi dar total execução à Resolução nº 003/2004, que, tão-somente, revogou a homologação do certame impugnado, providência que não serve para expurgá-lo do mundo jurídico, como pleiteado pela parte autoral. Quanto à Portaria em referência, é irrelevante para o desate da causa, pois apenas constitui Comissão Especial para Fiscalização e Supervisão do novo processo seletivo. Assim, não há razão para considerar perdido o objeto desta ação, pela mesma motivação já explicitada na decisão de f. 422/427, que aqui deixo de repetir para não tornar fastidiosa a leitura desta sentença e considerando que nenhum dos atos administrativos emanados do honrado Tribunal, efetivamente, atendeu ao pedido do promovente.

Ademais, como bem lembrou o douto Procurador da República no Parecer de f. 444/447:

“11. A ordem jurídica pátria admite a coexistência de mais de um certame público válido AO MESMO TEMPO para o provimento dos mesmos cargos. Não é outro o entendimento que se extrai do disposto no art. 37, IV, da Constituição Federal que a seguir transcrevo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

....

IV – durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será  convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;

12. Ora, se assim o é, evidente que o fato de haver a abertura de novo certame não invalida o anterior por si só. Aliás, sendo rigoroso na interpretação, os aprovados no concurso que teve sua homologação sustada gozariam, inclusive, de preferência, nos termos do texto constitucional em destaque em relação aos aprovados no concurso posterior.   

    

Pelo exposto, rejeito a preliminar de perda do objeto da demanda, aventada pelo Estado de Sergipe.

 

III – DO MÉRITO.

O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe firmou o Contrato nº 008/2004 com a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas – FESMPA, f. 197/204, cujo objeto era “a prestação de serviços técnico-especializados de organização e de realização de concurso público para ingresso no Quadro de Servidores Estatutários do Poder Judiciário do Estado de Sergipe, para provimento inicial nas vagas dos cargos de Técnico Judiciário e Analista Judiciário, (...)”, de acordo com a cláusula primeira do aludido Contrato. Contudo, a mencionada contratação decorreu de dispensa de licitação, nos termos do art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, conforme a Justificativa de f. 194/196, exarada pelo douto Presidente da referida Corte.

Quanto à dispensa da licitação, no caso sub examine, essa possibilidade é agasalhada pelo ordenamento jurídico brasileiro, contanto que a instituição contratada comprove ser detentora de inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos, a teor do art. 24, XIII, da Lei nº 8.666/93. Tendo em vista a documentação acostada ao processo administrativo pela FESMPA, f. 158/210, presume-se que esta preencha os requisitos reclamados pelo antecitado dispositivo, pois nada de concreto foi acostado aos autos suficientemente forte para macular a idoneidade ético-profissional daquela instituição.

No entanto, a própria entidade contratada, por intermédio da “Nota à Imprensa” de f. 219, elaborada pelos seus Conselho Curador e Diretoria Executiva, admitiu que subcontratou a formulação das questões do certame ora guerreado junto ao IPCA – Instituto de Pesquisas em Ciência da Administração, sediada no Estado de São Paulo. Esse procedimento torna nula toda a execução do contrato administrativo decorrente da dispensa da licitação retromencionada, porquanto aquele tem caráter intuitu personae, sendo, inclusive, motivo para rescisão do contrato “a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato”, nos termos do art. 78, VI, da Lei nº 8.666/93. No esteio deste dispositivo, é sempre importante relembrar a lição do mestre Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 26ª edição, 2001, p. 217):

Execução pessoal: todo contrato administrativo é firmado intuitu personae, isto é, tendo em vista a pessoa física ou jurídica que, através do procedimento da licitação ou de outros meios, nos casos de dispensa, demonstrou possuir idoneidade para executar plenamente seu objeto, sob o tríplice aspecto jurídico, técnico e financeiro (v., adiante, irem VI, Habilitação dos licitantes). Assim sendo, compete-lhe executar pessoalmente o objeto do contrato, ou seja, sem transferência de responsabilidades ou subcontratações não autorizadas pela Administração (art. 72).” 

Ressalte-se que, no caso destes autos, o Contrato Administrativo firmado pelo Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe com a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas – FESMPA, não prevê a possibilidade de subcontratação de outra entidade para a elaboração das provas aplicadas no concurso público ora discutido, determinando, ao contrário, em sua “cláusula terceira”, que a contratada elabore, revise, componha, imprima e acondicione as provas a serem aplicadas.

Além do vício substancial apontado acima, a “Justificativa” exarada pelo insigne Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe para fundamentar a dispensa da licitação, f. 194/196, baseou-se no Parecer Licitatório nº 020/2004, f. 191/193, oriundo do Contencioso Administrativo da Secretaria de Finanças e Orçamento do aludido Tribunal, o qual foi assinado por dois servidores que não possuem competência para prestar consultoria jurídica ao Poder Judiciário, pois esta é afeta, exclusivamente, aos Procuradores do Estado, por determinação do art. 132 da Constituição Federal. Assim, o aludido procedimento tornou-se carente de motivação, portanto eivado de nulidade.

Não bastassem os vícios apontados acima, há registros no processo de outras falhas ocorridas na elaboração e execução do certame ora guerreado, que comprometeram a sua regularidade.

Em primeiro lugar, a existência da utilização de questões de provas de concursos anteriores, em número muito elevado, inclusive disponibilizadas em sites na internet, prejudicou a legitimidade do certame em estudo, sendo o lamentável fato admitido publicamente pela FESMPA em “NOTA A IMPRENSA”, fls. 121, onde se extrai:

“4) Que em relação as eventuais questões ou perguntas e suas respectivas respostas que tenham similaridade ou apresentem idêntica formulação de concursos anteriores disponibilizados ou não na Internet:

a) O Edital do Concurso não determina que as questões formuladas devam ser inéditas ou exclusivas, isto é que jamais tenham sido formuladas;

b) A Internet, como todos sabem, é mais um instrumento de pesquisa do conhecimento disponível democraticamente a todos; é um repositório de dados equivalente a uma biblioteca tradicional pública, onde aqueles dados são públicos e servem de fonte de estudos a qualquer candidato como bibliografia (revista eletrônica, livro virtual e outras);

c) Não se configura absolutamente violação de sigilo a utilização de eventuais questões usadas em outros concursos, vestibulares, universidades e afins, eis que uma vez disponibilizadas passam a servir como fonte de estudos equivalentes a um livro comum, violação existiria se algum candidato soubesse exatamente a fonte de onde seriam extraídas as perguntas fato este que também poderia ocorrer com um livro comum ou apostila;

d)Considerando-se que as matérias objeto do concurso são finitas na mesma proporção que suas questões possíveis de serem formuladas, seria surrealismo imaginar-se sempre perguntas inéditas e não utilizadas anteriormente;

e)Inobstante isso, a FESMPA está analisando os recursos para encaminhamento a Comissão Examinadora do Concurso que decidirá com a autonomia que lhe cabe.”

Tal conduta atenta contra vários princípios dispostos na Constituição Federal e pressupõe a falta de capacidade técnica daquela instituição para a execução do contrato. A propósito do assunto, a análise do Ministério Público federal, em seu douto pronunciamento, é perfeita e pela sua clareza e precisão só me resta transcrevê-la como razão de decidir:

“15. Quanto às questões de prova retiradas de exames anteriores, realizados por outras entidades, foram em número expressivo, capaz de ofender, como se verá, o princípio da igualdade, quando não aquele da impessoalidade da Administração Pública.

16. Observa-se das fls. 83 e seguintes que inúmeras questões do 121º exame da OAB/SP foram aproveitadas na prova de analista judiciário, sem que o Estado requerido tenha contestado tais assertivas. Ora, não se exige, com efeito, salvo previsão do edital, o ineditismo das questões, sendo tolerável que algumas questões já tenham “caído” em outros concursos, até porque, como asseverou a Fundação em nota à imprensa, o universo do saber é limitado... mas a reprodução de grande número de questões de concursos anteriores, e notadamente de um único, compromete sem dúvida o princípio da igualdade.

17. Compromete o referido princípio da isonomia de forma objetiva, pois beneficiará aqueles candidatos que eventualmente tenham participado do certame do qual as perguntas foram retiradas ou que tenham tido a sorte de, nos seus estudos preparatórios, haverem utilizado a prova em questão como forma de se exercitar.

18. A utilização de questões de outras provas, da forma como se deu, pode ainda comprometer o princípio da impessoalidade da Administração, que se baseia ele próprio, como já dito, no princípio da isonomia. A razão é a maior probabilidade de fraude, pois a informação de que a prova se basearia num determinado certame anterior se revelaria então decisiva para o êxito do candidato. O “vazamento”, que seria criminoso, diga-se de passagem, desse tipo de informação, seria impossibilitado ou dificultado se as questões fossem inéditas ou mesmo se proviessem, em pequeno número, de concursos anteriores diversos. Assim, ainda que não tenham vindo aos autos elementos no sentido de que a referida conduta delituosa aconteceu, o incremento de sua possibilidade é, por si só, atentatório do princípio da impessoalidade que deve reger toda a atuação administrativa.

19. Quando se contrata entidade para realizar um concurso, está de fato implícito que ela irá elaborar questões novas, ainda que inovando apenas a forma de abordar os temas ou, no mínimo, a ordem das alternativas! A utilização de questões anteriores, ou o número em que isso seria permitido, os operadores do direito e notadamente o Juiz devem analisá-los sob o prisma da razoabilidade, princípio do Direito Administrativo e do Direito em geral. E foi suficientemente demonstrado pela parte autora, sem argüição em sentido contrário no que respeita ao número de questões, que a Fundação requerida não procedeu de forma razoável.”

 

Nada mais é necessário dizer quanto a esse ponto da lide.

Em segundo lugar, a identificação do nome do candidato na folha de respostas do concurso pode, em tese, comprometer o indispensável sigilo da prova, considerando ser usual nos concursos públicos para admissão de servidores públicos a utilização de procedimentos de desindentificação dos candidatos, evitando, assim, qualquer suspeita de quebra dos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública e, em especial, o concurso público, meio sagrado de oferecer a todos, em condições de igualdade, com impessoalidade, garantia de sigilo das questões e da correção das provas, o acesso ao serviço público, consagrando a moralidade a administrativa.

Em terceiro lugar, o fato de ter havido atraso de 40 (quarenta) minutos no início do concurso restou incontroverso, pois o próprio Estado de Sergipe o admite na f. 137, justificando que a falha teria decorrido de lapsos na locação de alguns candidatos em prédio diverso do constante da relação elaborada pela Fundação contratada. Isso denota a desorganização protagonizada pela Fundação contratada, retardando o início das provas do concurso que envolvia quase 14.000 (quatorze mil) pessoas, muitas delas transportadas para outros prédios na hora da realização das provas, certamente nervosas e psicologicamente prejudicadas com o inesperado vexame.

Em quarto lugar, a falta da informação, no Edital do Concurso, do valor dos vencimentos dos dois cargos em disputa, a partir de 1º de julho de 2004 também é relevante, muito embora menos comprometedor do que as questões antes apreciadas, uma vez que esse procedimento, certamente, desestimulou um grande número de pessoas a fazer o referido concurso público, limitando o acesso delas aos cargos públicos.

Nesse particular, é providencial o opinativo ministerial, que, como fundamento da decisão, também transcrevo:

“20. Um último aspecto que merece ser abordado também não recomenda a lisura do certame : é a informação constante no edital relativa à remuneração dos cargos. Ora, se o aumento da remuneração é previsto para 1º de julho de 2004, antes do que os candidatos dificilmente seriam empossados, por que não o mencionar no edital? Por que não prestigiar o princípio administrativo da publicidade? Por que restringir o acesso a informações tão relevantes a um pequeno número de pessoas? Já dizia Norberto Bobbio que a democracia é o poder do público... em público! O deslize fere certamente o conjunto dos interessados em participar do concurso e, particularmente, no que toca à atuação da OAB, os bacharéis em direito potencialmente candidatos ao cargo de analista judiciário, além do próprio princípio do amplo acesso aos cargos públicos.”

As demais assertivas esgrimidas pelo autor, a exemplo da existência de comunicação entre os candidatos, inclusive com a utilização de telefones celulares; o acesso às salas de candidatos que chegaram após o horário determinado no Edital; a circulação de concorrentes pelos corredores dos prédios onde se realizavam as provas sem fiscalização, não restaram demonstradas nos autos, razão pela qual deixam de ser aqui analisadas, além do que, diante dos fatos constatados, revelaram-se irrelevantes para o desate da lide.

Pelo exposto, não pairam dúvidas que o procedimento a cargo da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas – FESMPA está eivado de anomalias, a comprometer a regularidade do concurso público aqui impugnado, com ofensa à lei de licitações, à moralidade, à eficiência, à igualdade, à impessoalidade e à publicidade, princípios constitucionais que norteiam, inarredavelmente, a Administração Pública e que devem ser o guia do gestor público.

Posto isso, extingo o processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgando procedente a pretensão autoral, para decretar a nulidade do Concurso Público para provimento de vagas nos cargos de Técnico Judiciário e Analista Judiciário, consubstanciado no Edital nº 01, de 21 de janeiro de 2004, da lavra do nobre Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, assim como de todo o processo administrativo que resultou no referido edital, inclusive do contrato administrativo nº 008/2004, firmado entre o aludido Tribunal e a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Sergipe – FESMPA, condenando esta a devolver aos cofres públicos toda a remuneração recebida para a execução do mencionado contrato.

As custas processuais ficam à cargo da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas – FESMPA, no percentual de 50% (cinqüenta por cento) do valor devido, uma vez que o Estado de Sergipe está isento do pagamento delas, com fulcro no art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.

Fixo os honorários advocatícios do patrono do autor, em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, a partir da data do seu ajuizamento, levando em conta o grau de zelo do referido profissional e a natureza e importância da demanda, cabendo tanto ao Estado de Sergipe como à FESMPA, pro rata, o pagamento da verba honorária.

Por força de dever constitucional e legal, encaminhe-se cópia integral do processo aos digníssimos Procurador-Geral de Justiça e Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, para ciência e providências de suas respectivas alçadas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Aracaju, 23 de agosto de 2004.

               

 

                                     

Juiz Edmilson da Silva Pimenta