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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2002.85.00.004754-6 – Classe 01000 – 2ª Vara

Ação Ordinária

Partes: ... Gilson Gonçalves Fernandes e Outros

            ... União

 

 

  

EMENTA: PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. MILITARES. GRATIFICAÇÃO DE CONDIÇÃO ESPECIAL DE TRABALHO – GCET. GRADAÇÃO DOS PERCENTUAIS. PROPORCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

I – A Gratificação de Condição Especial de Trabalho - GCET, criada pela Lei n.º 9.442/97 e alterada pela Lei n.º 9.633/98, incidente sobre o soldo dos militares, deve ser calculada com observância da hierarquização entre os postos e graduações correspondentes, devendo, por conseguinte, estabelecer gradação dos percentuais.

II – Inexistência de afronta ao princípio da isonomia.

III – Pedido improcedente.

 

 

                                                                                                                      S E N T E N Ç A:

 

(Relatório)

Gilson Gonçalves Fernandes, Jean Carlos Ferreira, José Ramiro dos Santos Neto e Werner Max dos Santos, qualificados na inicial de fl. 02, propõem, em face da União, a presente ação ordinária, objetivando o pagamento da Gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET no mesmo percentual aplicado ao maior posto hierárquico das Forças Armadas.

Alegam que são ex-militares licenciados das Forças Armadas, e que durante o período em que estiveram em atividade, percebiam a citada gratificação em percentual inferior ao que era pago aos militares de patente superior. Dizem que a diferenciação dos percentuais da Gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET, segundo os respectivos graus hierárquicos, contida nos anexos, viola a própria lei instituidora, não havendo fundamento para tal, uma vez que “o soldo já caracteriza o escalonamento vertical ou hierarquização dos postos e graduações, relativamente à remuneração dos militares, variando de R$ 51,60 (Soldado – Clarim ou Corneteiro de 3ª Classe, menor grau hierárquico do Exército) a R$ 618,00 (General de Exército, maior grau hierárquico)”.

Questionam a diferenciação dos percentuais, argumentando que a sua incidência deveria se perfazer pelo maior, isto é, o correto “deveria ser a eleição de um único fator multiplicativo ou percentual, aplicado do maior ao menor grau hierárquico, incidindo sobre os respectivos soldos de cada posto ou graduação, que já se encontram escalonados verticalmente”.

O benefício da gratuidade judiciária foi deferido (fls. 31). 

Citada, a ré apresenta contestação, argüindo, preliminarmente, a prescrição e, no mérito, argumenta inexistir ilegalidade dos anexos contidos nas Leis instituidoras da Gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET, tanto porque “a quantificação de tal vantagem obedecerá ao princípio hierárquico dos postos e graduações militares, ou seja, para o seu cálculo haverá diversidade tanto em sua base de cálculo (percentual incidirá sobre o soldo de cada posto ou graduação militar), como do fator ou percentual atribuído a cada uma das categorias dos militares”.

Assevera que “o cálculo escalonado da referida gratificação em nada malfere o princípio da isonomia, tendo, ao contrário, contemplado de forma mais justa militares com maior grau de habilitação profissional e responsabilidades. Assim, os iguais foram tratados igualmente e os desiguais, desigualmente”. Tece considerações acerca do princípio da igualdade, transcrevendo excertos da doutrina pátria, bem como julgados em favor de sua tese.

Por fim, requer a improcedência do pedido, com as condenações de estilo.

Os autores manifestaram-se sobre a contestação, às fls. 78/83.

À fl. 84, consta decisão interlocutória, na qual é acolhida a preliminar de prescrição das parcelas anteriores a 30/09/1997, bem como se indefere a produção de qualquer outra prova.

Interposto agravo retido, pela requerida, acerca de parte da decisão que acolheu a prescrição, apenas, quanto às parcelas anteriores ao qüinqüídio legal, deu-se vista à parte contrária que se manifestou às fls. 92/93.

 

(Fundamentação)

1. Do julgamento antecipado da lide:

A decisão de fl. 84, no que pertine ao indeferimento da produção de outras provas, bem como quanto à definição do julgamento antecipado da lide, restou irrecorrida. Assim, cabível, na hipótese a aplicação do art. 330, inciso I do CPC.

2. Da preliminar de prescrição:

A dita preliminar já foi enfrentada, não tendo o agravo retido interposto o condão de invalidar a fundamentação exposta na decisão de fl. 84. Sem embargo, não é demais dizer que, se procedente o pedido, o mesmo só pode atingir as parcelas anteriores ao qüinqüênio que antecedeu ao ajuizamento da ação, porque a jurisprudência é pacífica no sentido de que, nas ações em que se reclama reajuste de vencimentos, com caráter alimentar, a prescrição não atinge o fundo de direito, e sim aquelas parcelas.

Aliás, tanto a requerida – União sabe da inconsistência de sua tese, que trouxe, como argumento sucessivo, a prescrição, apenas, das parcelas anteriores a 30/09/1997, acatado na réplica ofertada pelos autores.

Dessa forma, inteiramente acertada a decisão de fl. 84, ficando rejeitada a prescrição quanto ao fundo do direito.

3. Do mérito:

A questão resume-se ao seguinte aspecto: poderia a Gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET, instituída pela Lei n. 9.442/97, após conversão da Medida Provisória n. 1.112/95 até reedição da MP 1.544-19/97, e alterada pela Lei n. 9.633/98, prever, em seus anexos, diferenciação dos percentuais, de acordo com a hierarquização dos postos e graduações dos militares?

Do ponto de vista dos autores, há ilegalidade dos anexos da legislação, porque estes contrariariam o respectivo espírito legislativo, e, em última instância, o próprio princípio da igualdade. Na linha de argumentação estabelecida, apenas o soldo poderia conter regra diferenciadora, de acordo com o princípio da hierarquia; outras gratificações só poderiam ser auferidas com base em percentual único, com incidência sobre o respectivo soldo. 

De início, ressalte-se que os citados anexos definidores dos percentuais da gratificação em comento encontram-se aderidos à própria lei, não tendo sido estabelecidos por decreto. Assim, são partes integrantes daquela, afastando-se a discussão acerca da legalidade.

No caso, o dissenso afigura-se no plano, meramente, da constitucionalidade da norma.

A igualdade como proporção – conceito aristotélico – se perfaz não na situação abstrata, mas na questão concreta. Efetivamente, remonta a Aristóteles tal preocupação, eis que, aí, reside o próprio conceito de justiça. Abstrai-se, nesse momento, e por razões óbvias, a discussão acerca de justiça distributiva e justiça corretiva. No caso desse processo, há de se evidenciar o caráter de proporcionalidade a que alude o pensamento aristotélico no livro V da obra “Ética a Nicômano”, no seguinte sentido:

 

“Ora, igualdade implica pelo menos duas coisas. O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo (isto é, para certas pessoas). E, como intermediário, deve encontrar-se entre certas coisas (as quais são, respectivamente, maiores e menores); como igual, implica em duas coisas e, como justo, o é para certas pessoas.

(...)

E a mesma igualdade se observará entre as pessoas e entre as coisas em causa; pois a mesma relação que existe entre as segundas (as coisas) também existe entre as primeiras. Se não são iguais, não receberão coisas iguais;...

Eis, aí, o que é o justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção”. (Textos de filosofia geral e de filosofia do direito. {Coletânea organizada por} Aloysio Ferraz Pereira. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, pp. 43-44).

Assim, é perfeitamente dedutível o conceito de justiça formal e de justiça concreta, como assinalado por Chaïm Perelman, na sua obra Ética e Direito, a partir de um retorno a Aristóteles. Um conceito absoluto de justiça – e, portanto, de igualdade – só é possível no plano abstrato. No plano concreto, as diferenciações se tornam imprescindíveis, sob pena de violar-se a própria idéia de justiça, de igualdade.

E nisso é que reside a necessidade de distinção. A igualdade não é um princípio absoluto, como, aliás, nenhum o é, por mais característica fundamental de que seja detentor. A igualdade absoluta somente pode ser vislumbrada por um prisma meramente formal. A vida, porém, demonstra-se diferenciada, múltipla, heterogênea, razão pela qual tais diferenças devem ser consideradas.

E a lei serve justamente para caracterizar as distinções, senão a norma restaria sem qualquer sentido. É que se o mundo fosse uniforme, se as situações fossem homogêneas, não haveria necessidade de leis feitas pelos homens para regulá-las. Quedariam inúteis. A lei existe para distinguir, claro, desde que guardada a correlação lógica com as diferenciações existentes no mundo real.

A violação ao princípio da igualdade, nesse momento, poderia se dar se as hipóteses de diferenciação não têm correlação lógica com a finalidade da desigualização. Dissertando sobre o conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello assim leciona:

 

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fato erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.

Na introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferençadora quando é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecidos e a desigualdade de situações correspondentes.

De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.

Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia.

Segue-se que o problema das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da igualdade não se adscreve aos elementos escolhidos como fatores de desigualação, pois resulta da conjunção deles com a disparidade estabelecida nos tratamentos jurídicos dispensados.

Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., São Paulo; Malheiros, 2001, pp. 37-38).

No caso dos autos, a Lei n. 9.442/97 dispõe no art. 2º que “a gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET será calculada obedecendo à hierarquização entre os diversos postos e graduações, dentro dos respectivos círculos das Forças Armadas e paga de 1º de agosto de 1995 até 31 de agosto de 1996, de acordo com o Anexo I, e a partir de 1º de setembro de 1996, de acordo com o Anexo III”.

A disposição legal, ao dispor que o seu cálculo obedecerá à hierarquização entre os postos e graduações, não está se remetendo à já existente diferenciação do soldo dos militares. Do contrário, seria um dispositivo inteiramente desnecessário. Diria o óbvio.

Sem embargo, o que se colhe da norma é que o cálculo da própria gratificação criada obedecerá à hierarquização. E isso foi feito, de acordo com os anexos legais. De outra parte, da própria natureza da gratificação pode-se deduzir que a diferenciação dos seus percentuais tem por fundamento o grau de responsabilidade contido nas atribuições do militar.

A requerida está com inteira razão ao assim consignar na peça contestatória:

“Ademais, toda a argumentação até aqui desenvolvida é reafirmada pela Constituição Federal de 1988, quando, em seu artigo 39, § 1º e inciso I, assevera que a fixação dos padrões de vencimentos e dos demais componentes do sistema remuneratório observará a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, os requisitos para a investidura e as peculiaridades dos cargos” (grifado no original).

No caso presente, portanto, existe correlação lógica “entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”, qual seja: a hierarquização entre os postos e graduações. Neste aspecto, a proporção fora obedecida, inocorrendo violação à igualdade.

4. Da sucumbência – parte autora sob o amparo da gratuidade judiciária:

Neste feito, a parte autora teve deferido o benefício da justiça gratuita, conforme decisão irrecorrida de fl. 31.

É sabido que a Lei n. 1.060/50, em seus arts. 11 e 12, assim dispõe:

“Art. 11. Os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de assistência for vencedor na causa.

§ 1º. Os honorários do advogado serão arbitrados pelo juiz até o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o líquido apurado na execução da sentença.

§ 2º. A parte vencida poderá acionar a vencedora para reaver as despesas do processo, inclusive honorários do advogado, desde que prove ter a última perdido a condição legal de necessitada.

“Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita”.

Ocorre que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXIV, dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ora, se se trata de assistência jurídica integral aos que comprovam insuficiência de recursos, tal aspecto é vislumbrado quando do trâmite da ação judicial, tanto que o benefício pode ser postulado no ato de interposição do pleito, bem como depois, desde que comprovada a necessidade. Pode, inclusive, ser revogado no trâmite do feito.

Não se pode admitir, contudo, que a parte, embora detentora de um direito fundamental – assistência judiciária gratuita e integral – fique, mesmo após o término da demanda, jungida a uma obrigação condicional. É possível inferir que a norma do art. 12 da Lei n. 1.060/50 não guarda correspondência com a norma constitucional constante do art. 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal.

De outra parte, não se pode equivaler tal situação àquela pertinente ao demandante que, de antemão, sabe que terá condições de arcar com as despesas processuais. Tal se dá no caso da parte que, no ato de interposição do pedido, embora não tenha condições de pagar as despesas processuais, sendo o seu pleito procedente, se verá em situação financeira que a capacite a fazê-lo. Nesse caso, é bom frisar, pertine a mera postergação da obrigação de pagar, vale dizer, a parte – necessitada da assistência judiciária gratuita inicialmente – compromete-se a arcar com as despesas, quando do recebimento das verbas a que a parte contrária for condenada.

Ademais, e do contrário, estaria o juiz proferindo decisão condicional, isto é, condenando a parte vencida – e beneficiária da gratuidade – ao pagamento das despesas processuais, condicionando, porém, ao posterior implemento da condição financeira.

É este o entendimento recentemente esposado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, cujo julgado restou ementado nos seguintes termos:

“EMENTA: Ônus da sucumbência indevidos: beneficiário da Justiça gratuita: a exclusão dos ônus da sucumbência se defere conforme a situação atual de pobreza da parte vencida” (RE 313348 AgR /RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15/04/2003, DJ 16/05/2003).

Colhem-se do voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, acolhido à unanimidade, as seguintes considerações:

“A exclusão dos ônus da sucumbência se defere conforme a situação atual de pobreza da parte.

Ao órgão jurisdicional não cabe proferir decisões condicionais.

Se um dia – quiçá em razão dos pingues benefícios que recebe do INSS – o vencido tiver condição econômica para responder por custas e honorários, persiga-os a autarquia pelas vias ordinárias”.

Nada mais há a acrescer às razões expendidas.

 

(Dispositivo)

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial.

Sem custas e nem honorários advocatícios, tendo em vista a gratuidade judiciária deferida, bem como em decorrência da fundamentação acima exposta.

P.R.I.

 

Aracaju, 09 de setembro de 2003.

 

                      Ronivon de Aragão

                      Juiz Federal Substituto