Ação: Mandado
de Segurança
Impte: Usina
Proveito S/A
Impdo: Superintendente
Regional do INCRA
Administrativo. Mandado de Segurança. Imóvel
declarado de interesse social para fins de reforma agrária. Relatório Técnico
de vistoria anterior à edição da MP n.º 2.037-38 e suas reedições.
Liminar deferida pelo STF posterior ao ato normativo.
Segurança denegada.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Usina Proveito
S/A,
qualificada na inicial de fls. 02 e por seu advogado constituído no
instrumento de mandato de fls. 04, impetra o presente mandado de segurança
contra ato imputado ao Superintendente Regional do INCRA, objetivando que seja
determinada à autoridade impetrada que emita os Certificados de Cadastro de
Imóvel Rural – CCIR, referentes à certidões de registro dos imóveis que
descreve na inicial.
Em
sua explanação, alega que deseja transferir os referidos imóveis e está
impedida de fazê-lo porque o impetrado se omite em fornecer os CCIR, ao
fundamento de que tem interesse em promover sua desapropriação, uma vez que
já foi editado o Decreto declaratório de interesse social do referido bem,
embora seus efeitos tenham sido suspensos por força de liminar concedida em
sede de mandado de segurança pelo STF.
Entende
que a posição adotada pelo INCRA fere seu direito de propriedade e se
caracteriza desrespeito à decisão
judicial, pois a transferência dos imóveis não gerará qualquer prejuízo
à autarquia expropriante.
Junta
documentos, pede a liminar e, ao final, a concessão da seguranaç.
Reservei-me
para apreciar o pedido de liminar para após a notificação da autoridade
coatora que, em suas informações, alega, preliminarmente, a iregularidade da
representação e a ilegitimidade passiva.
No
mérito, rechaça a pretensão do impetrante, afirmando que os imóveis foram
classificados como “grande propriedade produtiva”, eis que foram
declarados de interesse social e que o mandado de segurança impetrado junto
ao STF baseou-se no impedimento do INCRA em promover a desapropriação em imóveis
ocupados, invadidos e esbulhados, tal como determina o art. 7º, da lei n.º
8.629/93, com redação dada pela MP n.º 2.183-56. Entretanto, a vistoria foi
realizada antes da edição da MP e o imóvel ainda não estava ocupado, daí
porque entende que somente com o julgamento definitivo do mandamus é que será
possível permitir-se a mudança da propriedade, como meio de se preservar
todo o procedimento realizado anteriormente.
A
impetrante, em petição de fls. 56, apresentou documentos para regularizar
sua representação processual.
Em
decisão de fls. 63, indeferi a liminar.
Em
seu parecer, o MPF opina pela denegação da segurança.
A representação da
impetrante já foi regularizada nas fls. 56/57, ficando prejudicada a análise
da preliminar arguída pelo impetrado.
Quanto à ilegitimidade
passiva, esta improcede. O ato atacado é justamente a negativa do impetrado
em fornecer os CCIR, sendo a autoridade com competência para emití-los, em
havendo a concessão da segurança.
Rejeito
a preliminar.
No mérito, não assiste razão
à impetrante.
Com efeito, o documento de
fls. 28/38, não impugnado pela impetrante, trata do relatório técnico sobre
a vistoria realizada no imóvel de sua propriedade, classificando-o como
grande propredade improdutiva, opinando pela viabilidade de sua desapropriação.
Por seu turno, o parecer do
ilustre Procurador-Geral da República referente ao Mandado de Segurança
ajuizado pela impetrante perante o Supremo Tribunal Federal assevera que esta
se insurgiu contra a declaração de interesse social do imóvel por entender,
entre outros fundamentos, que havia um vício formal a impedir a desapropriação,
qual seja, ocupação nele ocorrida.
Ora, o relatório técnico é
datado de 10 de dezembro de 1999 e daí se conclui que não desrespeitou os
ditames legais que impedem a realização de atos referentes à desapropriação
quando o imóvel estiver ocupado, uma vez que a Medida Provisória que assim determinou foi editada posteriormente a essa data
(informação que se extrai às fls. 47 destes autos, em trecho do referido
parecer).
Assim, como a norma não pode
reatroagir para alcançar fatos anteriores à sua expedição, salvo disposição
expressa, há de ser tido como válido o procedimento realizado pelo INCRA.
Por outro lado, a decisão
proferida pelo STF no Mandado de Segurança n.º 24.068-7, não anulou os atos
anteriores à expedição do Decreto Presidencial que declarou de interesse
social o imóvel da impetrante, porque apenas suspendeu os efeitos daquele ato
e impediu o ajuizamento da ação de desapropriação por parte do INCRA, até
que fosse julgado o mérito da ação.
Neste contexto, é de se
concluir que a demonstração do INCRA em manifestar interesse na continuidade
da desapropriação é legítima, podendo se opor à transferência do imóvel,
até que haja uma decisão definitiva no Mandado de Segurança ajuizado no
STF.
No caso, a oposição é razoável
porque busca resguardar interesses de terceiros, adquirentes dos imóveis.
Ainda como razão de decidir,
transcrevo trecho do parecer lavrado pelo ilustre Procurador da República,
Dr. Valdir Teles do Nascimento, nos seguintes termos:
“O direito líquido e certo, requisito para a concessão do mandado de
segurança, encerra duas vertentes: a incontrovérsia dos fatos e a incidência
de proteção jurídica sobre tais fatos.
No caso presente nem ao menos o primeiro requisito é vislumbrado. A
plenitude do direito de propriedade do impetrante, invocado como tendo sido
atingido, é, por si só, controversa, tendo em vista estar sendo discutida em
juízo no mandado de segurança antes mencionado, acerca da validade ou não
do decreto Presidencial que considera como de interesse social para fins de
Reforma Agrária o imóvel do impetrante, conhecido como Fazenda Caraíbas.
Enquanto não finda a controvérsia sobre a validade do decreto
presidencial – a decisão liminar concedida não autoriza maiores atitudes,
mormente, quando, como declarado pelo MM. Juiz Federal que indeferiu o pedido
de liminar (fl. 63), o que se pretende é a transmissão da propriedade – não
se sabe ao certo a extensão do direito de propriedade do impetrante, pois, em
que pese a decretação de Interesse Social para fins de Reforma Agrária de
um imóvel não constituir propriamente ato expropriatório, e, portanto, não
atingir o domínio, limita o exercício deste.
Desde de a constituição de 1988 que o direito de propriedade consagrado
no art. 5º, Inc. XXI da Carta tem novos delineamentos, principalmente em função
de outro princípio constitucional de igual grandeza, qual seja, a função
social da propriedade (inc. XXIII do art. 5º da CF). A propriedade é,
eminentemente, um direito histórico, que de a muito deixou de ser absoluto e,
portanto, deve ser entendido dentro de um contexto social.
A propriedade que não atende à sua função social sofre limitações
ditadas pela própria norma constitucional, tal como o art. 184 da CF, que
trata de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária,
também chamada na doutrina de desapropriação-sanção. O legislador
constituinte procurou através desse dispositivo punir aqueles que não
viabilizam a função social de suas propriedades.
Infere-se, pois, do sistema constiticional que o direito de propriedade
é relativizado quando se trtata de propriedade que não cumpre sua função
social, como no presente caso (relatório técnico do INCRA às fl.s 28/42).
Desse modo, entende-se que o decreto de interesse social para fins de reforma
agrária tem o condão de limitar o exercício do direito de propriedade
quando haja suspeita de que o processo de desapropriação reste ineficaz com
a autorização da venda, em virtude do desmembramento do imóvel, nos termos
do inciso I do art. 185 da CF.
Sendo assim, como a plenitude de exercício do direito de propriedade,
que por sua vez depende da validade ou não do decreto presidencial, não é
certa, e, considerando que a decretação de interesse social para fins de
reforma agrária tem o condão de limitar o exercício daquele direito o
presente “writ” não poderá prosperar, devendo-se aguardar a decisão do
mérito do mandamus.”
Isto
posto, denego a segurança.
Condeno a
impetrante no pagamento das custas.
Sem honorários,
por força da Súmula 512, do STF.
P. R. I. C.
Aracaju, 27
de março de 2003.