Ação: Mandado
de Segurança
Impte: Carlos
Alberto de Oliveira Silva e Outros
Impdo: Delegada
Regional do Trabalho
Administrativo. Mandado de Segurança.
Exercício da profissão de jornalista. Inexegibilidade do diploma de
jornalista.
Segurança concedida.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Carlos Alberto
de Oliveira Silva e Outros, qualificados
na inicial de fls. 02 e por seu advogado constituído nos instrumentos de
mandato de fls. 07 e 08, impetram o presente mandado de segurança contra ato
imputado à Delegada Regional do Trabalho, objetivando que seja determinada à
autoridade impetrada que efetue o registro dos impetrantes na profissão de
jornalista, sem exigir o correspondente diploma do curso de jornalismo ou a
apresentação de comprovante de exercício anterior da profissão.
Fundamentam
sua pretensão em arrazoado de fls. 03/06, aduzindo que, por força da liminar
concedida nos autos da ação civil pública n.º 2001.61.00.25946-3, em curso
na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, foi determinado que
a União Federal deixasse de exigir o diploma do Curso Superior em Jornalismo
para registro profissional junto ao Ministério do Trabalho, decisão esta
ainda vigor, tendo em vista que foi negado o efeito suspensivo no agravo interposto perante o TRF da 3ª Região.
Com
base na decisão, protocolaram requerimento administrativo junto à DRT de
Sergipe, cujo pedido foi negado pela impetrada, que teria baseado sua decisão
em parecer desfavorável do Sindicato dos Jornalistas do Estado de Sergipe e
exigido a comprovação de exercício anterior da profissão de forma regular,
em total desrespeito àquilo que foi determinado judicialmente.
Juntam
documentos, pedem a liminar e, ao final, a concessão da segurança.
Reservei-me
para apreciar o pedido de liminar para após a notificação da autoridade
coatora que, em suas informações, alega, preliminarmente, a inadequação da
via eleita, uma vez que bastaria aos impetrantes comunicar ao Juízo da 16ª
Vara Federal de São Paulo o descumprimento da liminar.
No
mérito, rechaça a pretensão dos impetrante, afirmando que o ato atacado
buscou apenas verificar se os impetrantes preenchiam os pressupostos necessários
ao desempenho da função, tal como determinado na liminar.
Em
decisão de fls. 36, indeferi a liminar.
Em
seu parecer, o MPF opina pela concessão da segurança.
A preliminar de inadequação
da via eleita improcede. Com efeito, a negativa de registro se deu por
entender a autoridade que, no exercício de suas funções, tinha competência
para apreciar a existência ou não de outros pressupostos necessários ao
exercío da profissão de jornalista, sem exigir, contudo, o diploma em curso
superior em jornalismo, conforme determinava a decisão.
Assim, mesmo que houvesse a
comunicação ao juízo prolator da decisão, a situação permaneceria
inalterada, porque as exigência feitas pela impetrada não foram objeto de
apreciação na referida decisão judicial.
Rejeito
a preliminar.
No mérito, a razão está com
os impetrantes. Vejamos.
Em sua decisão, a qual adoto
também como razão de decidir, a MM. Juíza Federal Carla A. Rister[1],
assim se manifestou:
“Outra irrazoabilidade na exigência do
diploma ao jornalista consiste na decorrência lógica que isso cria,
levantada por um dos nossos parecerista a que se refere o autor na inicial:
caso tal exigência prevalecesse, o economista não poderia ser o responsável
pelo editorial da área econômica, o professor de português não poderia ser
o revisor ortográfico, o jurista não poderia ser o responsável pela coluna
jurídica e, assim, por diante, gerando distorções em prejuízo do público,
que tem o direito de ser informado pelos melhores especialistas da matéria em
questão. Outrossim, verifica-se também os locais de escassa população, em
que inexistem os profissionais com diploma, em que a atividade jornalística
restaria comprometida, em detrimento do público, que tem direito à informação
(art. 5º, inciso XIV, da C.F.).
Sobre o tema da liberdade de imprensa, trago
as oportunas palavras de Jean Rivero, trazidas em sua obra “Les libertés
publiques” (Tome 2, PUF, 6ª edição, 1997, pg. 233), cuja universalidade
de suas premissas pode ser aplicada ao presente caso, em que podera: “É
necessário sublinhar-se que a profissão de jornalista é uma das raras
profissões a cujo acesso não se exige diploma algum, nenhuma formação
anterior, nenhuma qualificação
particular. Há escolas de jornalismo, mas a passagem por uma delas não é
requerida para se adentrar na profissão. Essa total liberdade de recrutamento
tem os seus aspectos positivos, sendo que o aprendizado pela prática atende
bem às peculariedades da profissão. A despeito disso, é mesmo paradoxal que
uma atividade que confere um poder excepcional sobre o conjunto da opinião pública
seja subtraída da verificação de qualidades daqueles que a exercem”
(destaquei).
Nem seria necessário aprofundamento em
demasia da questão, na atual da fase processual, mas incumbe notar que adoto
posicionamento favorável ao caráter vinculante da Convenção Americana de
Direitos Humanos, em face da sua ratificação pelo Brasil aos 25.09.92,
conforme, aliás, já defendi na monografia: “A relação entre o
ordenamento internacional e ordenamento interno em matéria de direitos
humanos” (in Boletim dos Procuradores da República , Ano II, n.º 16,
Agosto/99). Assim, verifico que o art. 13 da referida Convenção consagra a
liberdade de expressão e a proibição de qualquer forma de obstáculos ou
meios indiretos ao direito de informação, como se verifica com a exigência
do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista.
Concluo, assim, que não houve a recepção
do art. 4º, inciso V, do Decreto-lei n.º 972/69, pela CF/88, no que tange è
exigência de nível superior para o exercício da profissão de jornalista.
Porém, não acredito que a exigência do registro junto ao Ministério do
Trabalho seja de todo despropositada, desde que não se faça a exigência do
referido diploma, tendo em vista que, em todos as profissões, é salutar que
exista uma entidade de controle e fiscalização daquelas pessoas que a
exercem de modo profissional. Nesse sentido, trago novamente as palavras de
Jean Rivero, na obra citada, pg. 232: “A qualidade de jornalista
profissional supõe duas condições de fundo: - a profissão deve ser
exercida a título principal, de forma regular e remunerada, em uma publicação
periódica, uma agência de imprensa, ou em rádio e televisão; - o
interessado deve ter esta como a principal de suas fontes de renda (Código do
Trabalho, artigo L. 761-2). A reunião dessas condições é constatada pela
Comissão da Carteira de Identidade Profissional. A carteira permite ao
titular prevalecer-se de medidas tomadas pelas autoridades administrativas em
favor dos representantes da imprensa”. Assim, tenho que a idéia subjacente
ao trecho mencionado pode ser aproveitada no presente, ou seja, o registro em
si mesmo não importa em cerceamento de direitos, diferentemente do que ocorre
com a exigência do diploma de nível superior.
Resta presente, outrossim, o requisito do
perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, na medida em que
aqueles que exercem a profissão de jornalista sem o devido registro (por não
possuírem o diploma) podem vir a ser autuados a qualquer momento pela ré,
bem assim sofrer constrangimentos de toda sorte.”
Como se vê, a douta Juíza
prolatora da decisão entendeu ser inexigível o diploma de curso superior em
jornalismo para o exercício da profissão de jornalista e, embora tenha traçado
alguns delineamentos acerca da presença de outros requisitos para aqueles que
exercem a profissão sem o referido diploma, não deixou ao critério dos órgãos
de fiscalização, no caso as DRTs, a análise da presença ou não destes
requisitos, para o fim de procederem ao registro. Se os impetrantes, uma vez
registrados, não exercerem profissionalmente a função, isto é questão a
ser apreciada posteriormente, não quando do simples registro junto àquele órgão.
De mais a mais, não há
cabimento em exigir-se prova do exercício da profissão, justamente de quem
busca autorização para exercê-la. Chegar-se-ia ao absurdo, com isso, se a
OAB, o Conselho de Medicina ou o CREA exigissem de quem pretende ser advogado,
médico ou engenheiro, a comprovação de exercício profissional anterior.
Assim, a autoridade coatora ao
negar o registro, exigindo que os impetrantes apresentassem comprovante de
exercício anterior da profissão, excedeu sua competência, porque, se se
tratava de efetuar o registro, não dispunha de poderes para tanto.
Isto
posto, concedo a segurança para determinar que a autoridade impetrada proceda
ao registro dos impetrantes na profissão de jornalista, abstendo-se de exigir
a demonstração de exercício anterior na profissão.
Condeno a
impetrada no ressarcimento das custas adiantadas pelos impetrantes.
Sem honorários,
por força da Súmula 512, do STF.
Sentença
sujeita ao reexame.
P. R. I. C.
Aracaju, 24
de março de 2003.