small_brasao.jpg (4785 bytes)
PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

wpe20.jpg (2542 bytes)

   bt-administrativo.jpg (3094 bytes)

PROCESSO N° 2000.85.00.002012-0

CLASSE 05023 — AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: PAULO DA CONCEIÇÃO SILVA

 

SENTENÇA

 

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. VISIBILIDADE DE BEM TOMBADO. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. I – É de ser considerado bem ambiental cultural igreja tombada pelo IPHAN, passível de proteção por previsão constitucional (art. 225 da CF). II – É vedada a construção na vizinhança do bem tombado que impeça sua visibilidade, a teor do art. 18 do Decreto-Lei nº 25/1937. III – Aplicação do sistema de responsabilidade objetiva em razão dos danos ambientais configurados. IV – Inaplicabilidade da multa, no caso, em função do caráter dúplice da penalidade, uma vez  determinada a demolição do imóvel.V – Procedência parcial da ação.

 

 

1 - RELATÓRIO

 

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Paulo da Conceição Silva, cujo objetivo é determinar a demolição de dois pavimentos acrescidos a imóvel de sua propriedade, localizado no entorno da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, bem tombado e integrante do patrimônio histórico e artístico nacional.

 

Alega o Requerente que, conforme apurado pelo IPHAN,  o acréscimo de dois pavimentos ao imóvel do Requerido comprometeria a visibilidade da igreja, pelo que deveria ser retirado do projeto de construção.  Em posterior vistoria, constatou-se que não foi cumprida a determinação do referido órgão, tendo-se concluída a obra em prejuízo da visibilidade do bem tombado.

 

Requer  a demolição dos dois pavimentos acrescidos e a recomposição do aspecto externo do imóvel.

 

Contestou o Réu, aduzindo, em suma, que desconhecia o tombamento do local em que efetuou a construção do imóvel.

 

Sustenta haver diligenciado junto a órgãos municipais visando a expedição de alvará autorizador da obra, contudo, por seus gestores foi informado de sua desnecessidade, correspondendo, no seu entender, a uma autorização tácita.

 

Propõe a demolição de apenas um dos andares do imóvel e expõe dificuldades financeiras para proceder na forma determinada pelo IPHAN.

 

Denuncia à lide o Município de Nossa Senhora do Socorro, arrola testemunhas e requer o julgamento improcedente do feito.

 

Atravessa a União Federal petitório de f. 60-61, onde manifesta seu interesse no feito, na qualidade de assistente do Autor.

 

O MPF acosta documentação originária do IPHAN, na qual encontra-se parecer contrário à proposta de acordo formulada pelo Requerido (f. 67-70).

 

Em saneador (f. 75), foi indeferido o pedido de denunciação à lide formulado pelo Requerido e determinada a instrução do feito.

 

O MPF, em arrazoado de f. 90-91, requer a remessa do feito para a Justiça Federal, em função da revogação da Súmula nº 183 do STJ.

 

Em decisão de f. 94-95, o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Nossa Senhora do Socorro/SE declinou da competência e remeteu os autos para esta Seção Judiciária.

 

Neste juízo, houve a realização de inspeção judicial (f. 113), a tomada do depoimento do réu e das testemunhas arroladas pelo Autor (f. 131-134).

 

Razões finais reiterativas ofertadas pelos litigantes (f. 158, 160-161 e 163-164).

 

É o relatório.

 

2 – FUNDAMENTAÇÃO

 

2.1 – Cabimento da Ação Civil Pública e Legitimidade Ativa do Ministério Público Federal

 

De início, cumpre salientar o cabimento da ação civil pública em defesa do ambiente e do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, nos termos do art. 1o da Lei n° 7.347/85, verbis:

 

  “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

    I - ao meio-ambiente;

(...)   

    IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (....)”. 

 

Do mesmo modo, sendo tais objetos inerentemente ligados a interesses difusos da sociedade, é constitucional a legitimidade do Ministério Público Federal para sua propositura, a teor do que dispõe o art. 129, III da CF/88.

 

 

2.2 –  O Patrimônio Cultural e o Direito Ambiental

 

Para o exame da matéria dos autos, mostra-se indispensável fixar a premissa  do enquadramento do patrimônio cultural como objeto de tutela do Direito Ambiental.

 

À moderna acepção de ambiente, deve-se integrar, além dos ecossistemas, elementos e recursos naturais propriamente ditos (flora, fauna, ar, água, etc), também o patrimônio cultural, produto do gênio humano em sua  interação com a natureza ao longo da história.

 

Essa salutar integração dos chamados “bens culturais” ao direito ambiental, originária da doutrina italiana[1], traz como conseqüência a conceituação ampla de ambiente para além da definição legal de “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3o, I da Lei n° 6.938/81).

 

Nas palavras J. J.  Gomes Canotilho[2], ambiente traduz-se como “ambiance”, ou seja, como um “mundo humanamente construído e conformado” consistente em tudo o que está presente na natureza, seja ou não decorrente da ação humana.

 

O conceito de ambiente, nesse passo, deve abranger também “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[3].

 

Sobre o tema, vale colher ainda a lição de Édis Milaré:

 

“A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural  no decorrer do tempo.

Esta visão faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens de seu entorno”.[4]

 

Logo, há de ter como superada a fixação do objeto do Direito Ambiental  como o conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis. Somente com a inclusão dos “bens culturais” na tutela ambiental poder-se-á realizar, de modo efetivo, a proteção do ambiente constitucionalmente assegurada no art. 225 da Carta Federal de 1988.

 

2.3 –  O Instituto do Tombamento e  o Entorno do Bem Tombado

                                                  

Dispõe o art. 216 da Constituição Federal de 1988:

 

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem;

I- as formas de expressão;

II- os modos de criar, fazer e viver;

III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

 

Do comando constitucional resulta ainda a determinação de que o Poder Público, com o auxílio da comunidade, promova e proteja o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, bem como  acautelamento e preservação (art. 216, § 1o  CF/88).

 

Uma forma de efetivar essa previsão constitucional é por meio do instituto do tombamento, pelo que o Estado intervem na propriedade privada para fins de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional,  referenciais da vida de uma sociedade. É regulado pelo Decreto-Lei n° 25/37 que, em seu art. 1o, estabelece:

 

“Art. 1o. Constitui o patrimônio  histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história  do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

 

De acordo com o art. 18 do mesmo diploma legal, as conseqüências do tombamento afetam também os proprietários dos imóveis vizinhos:

 

"Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN), não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto".

 

Essas restrições aos imóveis vizinhos consistem, na lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, em “servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos. É servidão que resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esse encargo não corresponde qualquer indenização”[5].

 

Nesse ponto, cabe esclarecer que o termo “vizinhança” diz respeito não somente a imóveis limítrofes ou contíguos ao bem tombado, mas  também de todo o entorno do imóvel, que abrange toda a área de seu campo de visibilidade, até o limite em que a influência de outros imóveis não atrapalhe a sua imagem a ser preservada, tendo em vista a finalidade de permitir a conservação da imagem de importância arquitetônica ou histórica do imóvel tombado.

 

O conceito de “redução de visibilidade” do bem tombado, por sua vez, é explicitado por Hely Lopes Meirelles nos seguintes termos: 

 

“Redução de visibilidade é muito ampla, pois abrange não só a tirada da vista da coisa tombada como a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença de estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, tirando o valor histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido[6].

 

A área de entorno, portanto, não é apenas um anteparo do bem tombado, mas uma dimensão interativa a ser gerida tanto quanto o objeto de conservação, devendo  a imagem do bem constituído de importância fluir livre de empecilhos. Mostram-se adequadas as  palavras do perito do IPHAN, ao afirmar que “não se trata somente de impedir a criação de obstáculos para a visibilidade do bem tombado mas, também de qualquer elemento que, pelo seu tamanho, forma, cor, materiais e outras características, ao se tornar um ponto focal, passe a rivalizar com o objeto da preservação”. (f. 69)

 

Em suma, os proprietários de prédios localizados no entorno do imóvel tombado sofrem restrições administrativas em seu direito de construir. Não podem, assim, construir sem a devida autorização do órgão competente, sob pena de se ver obrigado a pagar multa, independentemente de ser compelido a demolir a obra e restaurar o local.

 

2.4 – BEM TOMBADO E EFETIVIDADE DO DANO

 

Na hipótese em questão, trata-se de construção realizada pelo Requerido nas proximidades da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, localizada no município de igual nome, que haveria comprometido a visibilidade da igreja, ensejando, assim, a demolição da obra conforme o já mencionado art. 18 do Decreto-Lei n° 25/37.

 

Não há dúvidas quanto ao tombamento da referida igreja que, conforme aduzido na inicial, ocorreu mediante “processo n° 296-7-41, de 20/03/1943, inscrito sob o n° 201, no livro de Tombo Histórico da Subsecretaria do Patrimônio  Histórico e Artístico Nacional e sob o n° 267-A, no livro de Tombo das Belas Artes da mesma Subsecretaria” (f. 03), fato este comprovado pela certidão acostada às f. 22 e não refutado pelo Réu.

 

Também não deve restar dúvidas quanto à importância da referida igreja. Trata-se de obra cujo significado ultrapassa o aspecto religioso e representa profunda importância histórica para o Município, pois remonta aos primórdios da ocupação da área, realizada sob a invocação de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Tomar da Cotinguiba, orago da igreja. Além disso, o templo representa grande relevância artística. Embora faltem dados históricos mais precisos, informa o “site” do IPHAN:

 

“Segundo Germain Bazin é exemplo do barroco tardio. Não se sabe a data da construção da igreja, existe a inscrição de 1714 na pedra da soleira da sacristia. Na fachada lateral direita, vemos nos ângulos, as pedras deixadas para amarração, no interior vemos tribunas falsas o que mostra que a igreja não foi terminada. Do seu acervo artístico destacam-se as portadas de pedra trabalhada na fachada principal, retábulos da capela-mor e área lateral da nave, arco em cantaria trabalhada na capela colateral, do lado esquerdo da sacristia e imagens e alfaias. Em 1980 sofreu algumas alterações que logo foram refeitas. Como o piso de ladrilho hidráulico havia sido retirado, foi usado tijoleira de barro cozido; são impróprios o frontal do altar-mor, os frontais dos altares da nave e observa-se que na capela lateral direita o arco não teve decoração, sendo usado um arremate em massa simples”.[7]

 

É clara, ainda, a ofensa a visibilidade da igreja em razão da obra realizada pelo Réu, conforme se evidencia do exame das fotografias acostadas às f. 23-27. O laudo elaborado pela polícia federal, por sua vez, conclui que:

 

 “1. A construção perquerida excede em altura o gabarito das obras vizinhas, contrastando com as mesmas e com a ambiência da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. 2. Devido a suas dimensões e à proximidade da igreja em referência, a obra questionada concorre para a diminuição da visibilidade do bem tombado, no tocante aos ângulos de observação situados à esquerda da vista frontal da igreja conforme pode-se (sic) verificar nas fotos de números 05,06,07,08”. (f. 33).

 

Trata-se de obra representativa da arte barroca (1600-1750), sendo que a igreja retrata expressão típica da arquitetura do período, pujante no Brasil no século XVIII, provável época de construção da igreja, configurando o que muitos atribuem como a primeira manifestação artística brasileira.  Embora certamente não tenha o esplendor das igrejas mineiras, erigidas em razão do Ciclo do Ouro, a Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro deve ser valorizada pelo que é, um retrato presente da memória de um povo.

 

Legítima, pois, a invocação do art. 18 do Decreto-Lei n° 25/37 na espécie, tendo em vista o preceito de que  “o exercício da atribuição conferida ao IPHAN, pelo artigo 18 do Decreto-lei nº 25/37, somente se exerce, legitimamente, em relação a construções, no suposto de duas condições, a se verificarem simultaneamente, a saber, a vizinhança do bem tombado e o comprometimento, por elas, de sua visibilidade, quer impedindo-a, quer a reduzindo.” [8]     

 

Na mesma orientação, dispõe a jurisprudência:

 

“ADMINISTRATIVO. COISA TOMBADA. CONSTRUÇÃO. ART. 18 DO DECRETO-LEI N. 25, DE 1937. 1. Para que incida a penalidade extrema da demolição e multa, prevista no art. 18, do Decreto-lei n. 25, de 1937, não basta a construção nas proximidades da coisa tombada, mas é necessário que a obra  impeça ou reduza a visibilidade  da coisa protegida.2. Apelação e remessa, tida por interposta, improvidas.” (TRF 1a Região. AC 90.01.16977-5/BA. Rel. Fernando Gonçalves. DJ 29.09.1995).

 

“CONJUNTO ARQUITETÔNICO TOMBADO.  CONSTRUÇÃO DE OBRA EM SUA VIZINHANÇA.(...)2. A incidência da proibição contida no artigo 18 do Decreto-Lei 25,de 30.11.1937 ("Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade,  nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto") somente se legitima quando há prova de que a obra em construção impede ou reduz a visibilidade da coisa tombada. Precedente desta Corte.3. Apelação provida”. (TRF 1a Região. AC 94.01.16725-7/PA. Rel. Leão Aparecido Alves. DJ 23.01.2002).

 

 

2.5 – A RESPONSABILIDADE DO RÉU

 

Na apuração da responsabilidade do Réu pelo ocorrido,  é relevante resgatar a premissa inicialmente fixada de ser o patrimônio cultural objeto de tutela do Direito Ambiental, o que determina a vigência do sistema de responsabilidade objetiva em razão de danos ambientais, ante a natureza difusa do interesse de preservação ambiental.

 

A Política Nacional do Meio Ambiente, definida pela Lei n.º 6938/81, consagra a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental, ao dispor em seu art. 14, § 1º:

 

"§1o Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade."

 

A doutrina ambientalista é pacífica nesse sentido, sintetizada na lição de Edis Milaré:

 

“Alerte-se, por relevante, que o regime jurídico da responsabilidade civil por danos ao patrimônio cultural pauta-se pela teoria da responsabilidade objetiva, onde tão-somente a lesividade é suficiente a provocar a tutela judicial, no teor do que dispõem os art. 14, § 1o, da Lei 6.938/81 e 225, § 3o da Constituição Federal”[9].

 

A jurisprudência, por sua vez, assim dispõe:

 

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE DECORRENTE DE OBRA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATERRAMENTO. 1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva pois independe da perquirição de culpa do agente. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), dispõe em seu artigo 14, §1º, que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade...” (TRF 4a Região. AC 378260/SC. Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrere. DJ 26.09.2001, p. 1527).

 

"ADMINISTRATIVO - DANO AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAÇÃO – LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE. 1. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio-ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei 6.938/81). 2. Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei”. (STJ. REsp 327254/PR. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 19.12.2002, p. 355).

 

Logo, para a apuração da responsabilidade relativa a danos ambientais, basta a averiguação da existência de dano efetivo e do nexo de causalidade desse dano com a conduta do agente, independentemente de apuração de culpa ou dolo do poluidor, levando em conta a relevância superior do interesse coletivo frente a interesses econômicos particulares, buscando a mais completa reparação do ambiente degradado.

 

No caso, funda o Réu sua defesa nas alegativas de que não sabia do tombamento do local, de que o Departamento de Obras da Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro havia-lhe informado da desnecessidade de alvará para a construção e de que a notificação do IPHAN ocorreu somente após o término quase total da obra.

 

O desconhecimento do tombamento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro soa indevido, uma vez que é fato público e notório o engrandecimento de uma comunidade com o reconhecimento de um bem de valor histórico e artístico de cunho nacional. Incorpora-se à riqueza cultural do município, revelando-se motivo de orgulho que transcende gerações.

 

Quanto à inexigibilidade da expedição de alvará para a construção da obra, o Requerido não logrou provar esta situação, uma vez que, em depoimento prestado à Polícia Federal (f. 31), o então Secretário de Administração e Finanças do município - Sr. José Americo Barbosa Santos – expôs que “durante a sua gestão e mesma nas gestões anteriores de Secretário de Obras daquele município, sempre houve a necessidade ser requerido o alvará para construção e, após a conclusão da obra, a própria Prefeitura, faz a vistoria e fornece o “habite-se”.”

 

No que pertine à notificação do IPHAN, a mesma ocorreu em 12.04.1995, quando a obra já havia sido iniciada, conforme depoimentos de funcionários do referido órgão (f. 133-134). Contudo, mesmo após cientificado do embargo extrajudicial, o Requerido continuou com o seu desiderato e concluiu a construção, fazendo tábula rasa das determinações governamentais (f. 132).

 

É certo que o cumprimento do art. 18 da Lei de Tombamento não pode olvidar o direito de terceiro de boa-fé, razão pela qual, nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro, “necessária seria a adoção das seguintes medidas: fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação da área dentro da  qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção”.

 

Conclui, com propriedade que “na ausência dessas medidas, incumbe àquele órgão exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, cabendo responsabilidade por perdas e danos quando, por culpa sua, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura”[10].

       

Não é demais lembrar que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é de competência comum de todos os entes federativos  "proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos” (art. 23, III CF/88), cabendo aos Municípios "promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. (art. 30, IX CF/88).

 

Assim sendo, nada impede que o Réu, se assim o aprouver, busque, em ação regressiva própria, reparação dos danos decorrentes da demolição de sua obra em face do Município de Nossa Senhora do Socorro, uma vez comprovadas as alegativas aduzidas na peça contestatória.

 

2.6 – DA MULTA

 

O infrator do art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37 está sujeito, no caso de construção de indevida, a proceder à demolição do imóvel e a uma multa estimada em cinquenta por cento do valor da referida obra.

 

O duplo caráter punitivo deve ser apreciado de acordo com o princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade deve ser entidade com base em três facetas: a exigibilidade, a adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Pela adequação, há de se averiguar a relação entre a finalidade e os meios empregados para sua consecução. A exigibilidade se traduz pela necessidade de se optar pela solução menos gravosa entre as possíveis. Já a proporcionalidade em seu sentido estrito pode ser entendida na ponderação entre os danos e resultados advindos da medida.

 

No presente, o Requerido encontrava-se em situação econômica fragilizada (f. 47 e 158), tendo sido exposto às vicissitudes da vida, não vindo a surtir qualquer efeito a multa que vier a ser aplicada, uma vez que a interpretação teleológica da lei visa a preservação do patrimônio histórico.

 

Assim, a efetividade da norma, no caso, circunscreve-se na demolição da obra que agrediu a integridade do tombamento realizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

 

 

3. DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar o Requerido em obrigação de fazer consistente na demolição dos dois pavimentos acrescidos ao imóvel localizado na Praça João Garcez Vieira, n° 162, Nossa Senhora do Socorro – SE, bem como na reconstituição do revestimento externo original do imóvel.

 

Condeno também o Requerido no pagamento de custas e honorários de advogado, estes últimos fixados em 10% do valor da causa.

 

P. R. I.

 

 

Aracaju, 10 de outubro de 2003.

 

 

 

JÚLIO RODRIGUES COELHO NETO

Juiz Federal Substituto – 1a Vara/Se


 

[1] M.S. GIANNINI. Diffensa dell’Ambiente e del Patrimônio Naturale e Culturale, in RTDP, 1971, p. 11-22; I Beni Culturale , in RTDP, 1976, p. 3-11

[2] In Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente. RLJ, n° 3799, p. 290

[3] José Afonso da Silva. In Direito Ambiental Constitucional, p. 2

[4] In Direito do Ambiente. 2a ed, p. 201

[5] In Direito Administrativo. 10ª edição, Atlas, 1999.

[6] In Direito Administrativo Brasileiro. 26ª edição, Malheiros, 2001.

[7] Disponível em <http://www.iphan.gov.br/bancodados/benstombados/mostrabenstombados.asp?CodBem=1956>

[8] Parecer da Consultoria Geral da República (04.02.1975) in RDA 120:403-413

[9] Ob. Cit. P. 216.

[10] Ob. Cit, p.