Processo
n.º 2002.85.00.2817-5 - Classe I – 1.ª Vara.
Autores:
Jackson Alves dos Santos, José Alexandre Rodrigues da Silva e José Odair
Oliveira Santos.
Réu:
União Federal.
Juiz
Federal: Ricardo César Mandarino Barretto.
Processual e Administrativo. Militares.
Gratificação de condição especial de trabalho – GCET. Gradação dos
percentuais. Proporcionalidade. Inocorrência de afronta ao princípio da
igualdade.
1 - A gratificação de condição especial de
trabalho, criada pela Lei n.º 9.442/97 e alterada pela Lei n.º 9.633/98,
incidente sobre o soldo dos militares, deve ser calculada com observância da
hierarquização entre os postos e graduações correspondentes, devendo, por
conseguinte, estabelecer gradação dos percentuais.
2 – Inexistência de afronta ao princípio
da isonomia. Pedido improcedente.
SENTENÇA:
Vistos, etc...
Jackson Alves dos Santos, José Alexandre Rodrigues da Silva e José
Odair Oliveira Santos,
qualificados na inicial de fls. 02,
propõem, em face da União Federal,
a presente ação ordinária, objetivando o pagamento da gratificação de
condição especial de trabalho – GCET no mesmo percentual aplicado ao maior
posto hierárquico das Forças Armadas.
Alegam que são ex-militares, licenciados das Forças Armadas, e que
durante o período em que estiveram no serviço ativo, percebiam a citada
gratificação em percentual inferior ao que era pago aos militares de patente
superior. Dizem que a diferenciação dos percentuais da gratificação de
condição especial de trabalho – GCET, segundo os respectivos graus hierárquicos,
contida nos anexos, viola a própria lei instituidora, não havendo fundamento
para tal, uma vez que “o soldo já
caracteriza o escalonamento vertical ou hierarquização dos postos e graduações,
relativamente à remuneração dos militares, variando de R$ 51,60 (Soldado
– Clarim ou Corneteiro de 3ª Classe, menor grau hierárquico do Exército)
a R$ 618,00 (General de Exército, maior grau hierárquico)”.
Questionam
a diferenciação dos percentuais, argumentando que a sua incidência deveria
se perfazer pelo maior, isto é, o correto “deveria
ser a eleição de um único fator multiplicativo ou percentual, aplicado do
maior ao menor grau hierárquico, incidindo sobre os respectivos soldos de
cada posto ou graduação, que já se encontram escalonados verticalmente”.
Com a inicial, os documentos de fls. 14/25.
O
benefício da gratuidade judiciária foi deferido (fls. 26).
Citada, a ré apresenta
contestação, arguindo, preliminarmente, a prescrição e, no mérito,
argumenta inexistir ilegalidade dos anexos contidos nas Leis instituidoras da
gratificação de condição especial de trabalho – GCET, tanto porque “a quantificação de tal vantagem obedecerá ao princípio hierárquico
dos postos e graduações militares, ou seja, para o seu cálculo haverá
diversidade tanto em sua base de cálculo (percentual incidirá sobre o soldo
de cada posto ou graduação militar), como do fator ou percentual atribuído
a cada uma das categorias dos militares”.
Assevera que “o cálculo
escalonado da referida gratificação em nada malfere o princípio da
isonomia, tendo, ao contrário, contemplado de forma mais justa militares com
maior grau de habilitação profissional e responsabilidades. Assim, os iguais
foram tratados igualmente e os desiguais, desigualmente”.
Requer a improcedência do pedido, com as condenações de estilo.
Os autores manifestaram-se sobre a contestação, às fls. 51/55.
É o relatório.
Decido.
Como a matéria discutida é apenas de direito, resta possível o
julgamento antecipado da lide.
Quanto à preliminar de prescrição,
saliento que, se procedente o pedido, o mesmo só pode atingir as parcelas
anteriores ao quinquênio que antecedeu ao ajuizamento da ação, porque a
jurisprudência é pacífica no sentido de que, nas ações em que se reclama
reajuste de vencimentos, com caráter alimentar, a prescrição não atinge o
fundo de direito, e sim aquelas parcelas.
Aliás, é este o argumento sucessivo
da União, acatado na réplica ofertada pelos autores.
Fica rejeitada a preliminar de
prescrição do fundo do direito, acolhendo-a apenas quanto às parcelas
anteriores ao período de cinco que antecedeu a interposição do pedido.
No mérito, a questão resume-se ao
seguinte aspecto: poderia a gratificação de condição especial de trabalho
– GCET, instituída pela Lei n. 9.442/97,
após conversão da Medida Provisória n. 1.112/95 até reedição da MP
1.544-19/97, e alterada pela Lei n. 9.633/98, prever, em seus anexos,
diferenciação dos percentuais, de acordo com a hierarquização dos postos e
graduações dos militares?
Do ponto de vista dos autores, há
ilegalidade dos anexos da legislação, porque estes contrariariam o
respectivo espírito legislativo, e, em última instância, o próprio princípio
da igualdade. Na linha de argumentação estabelecida, apenas o soldo poderia
conter regra diferenciadora, de acordo com o princípio da hierarquia; outras
gratificações só poderiam ser auferidas com base em percentual único, com
incidência sobre o respectivo soldo.
De início, ressalte-se que os
citados anexos definidores dos percentuais da gratificação em comento
encontram-se aderidos à própria lei, não tendo sido estabelecidos por
decreto. Assim, são partes integrantes daquela, afastando-se a discussão
acerca da legalidade.
No caso, o dissenso afigura-se no
plano da constitucionalidade da norma.
O princípio da igualdade, como
qualquer outro contido no rol dos direitos fundamentais, não é absoluto.
Disso não há dúvida, sendo a doutrina unânime quanto a este aspecto.
A própria legislação estabelece
diferenças. Aliás, a lei é muito mais um fator de desigualação do que de
uniformização, sem que, só com isso, seja a mesma inconstitucional. A
rigor, se não fosse esta a função legal, seria a lei desnecessária. É que
sendo os fatos da vida sem complexidade, sem diferenças, sem diversidade,
qual a razão da existência da lei?
A igualdade como proporção –
conceito aristotélico – se perfaz não na situação abstrata, mas na questão
concreta. Assim, é perfeitamente dedutível o conceito de justiça formal e
de justiça concreta, como assinalado por Chaïm Perelman, na sua obra Ética e Direito, a partir de um retorno a Aristóteles. Um conceito absoluto
de justiça – e, portanto, de igualdade – só é possível no plano
abstrato. No plano concreto, as diferenciações se tornam imprescindíveis,
sob pena de violar-se a própria idéia de justiça, de igualdade.
A Lei n.º 9.442/97 dispõe no art. 2º
que “A
gratificação de Condição Especial de Trabalho – GCET será calculada
obedecendo à hierarquização entre os diversos postos e graduações, dentro
dos respectivos círculos das Forças Armadas e paga de 1º de agosto de 1995
até 31 de agosto de 1996, de acordo com o Anexo I, e a partir de 1º de
setembro de 1996, de acordo com o Anexo III”.
A disposição legal, ao dispor que o
seu cálculo obedecerá à hierarquização entre os postos e graduações, não
está se remetendo à já existente diferenciação do soldo dos militares. Do
contrário, seria um dispositivo inteiramente desnecessário. Diria o óbvio.
Sem embargo, o que se colhe da norma
é que o cálculo da própria gratificação criada obedecerá à hierarquização.
E isso foi feito, de acordo com os anexos legais. De outra parte, da própria
natureza da gratificação pode-se deduzir que a diferenciação dos seus
percentuais tem por fundamento o grau de responsabilidade contido nas atribuições
do militar.
A violação ao princípio da
igualdade, nesse momento, pode se dar se as hipóteses de diferenciação não
têm correlação lógica com a finalidade da desigualização. Neste ponto, o
ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello é por demais enfático:
O ponto
nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico
reside na existência ou não de correlação lógica entre fator erigido em
critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.
Na
introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com
efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de
uma norma diferençadora quando
é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecidos e
a desigualdade de situações correspondentes.
De revés, ocorre a imediata e intuitiva rejeição
de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las
diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a
desigualdade de tratamento jurídico dispensado.
Tem-se,
pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais
colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o
quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia.
Segue-se
que o problema das diferenciações que não podem ser feitas sem a quebra da
igualdade não se adscreve aos elementos escolhidos como fatores de desigualação,
pois resulta da conjuntura deles com a disparidade estabelecida nos
tratamentos jurídicos dispensados.
Esclarecendo
melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério
discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à
vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico
construído em função da desigualdade afirmada.[1]
Isto
posto, julgo improcedente o pedido.
Sem sucumbência, por haver sido reconhecido, aos autores, o benefício da gratuidade judicial.
P.
R. I.
Aracaju, 17 de dezembro de 2002.