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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Ação: Ordinária

Autora: Isaura Barreto de Carvalho

Ré: União Federal

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto

 

 

Administrativo. Desconto de parcelas de pensão militar pagas a maior, por força de habilitação de novo pensionista. Impossibilidade.

Se a pensionista vinha recebendo pensão integral e a União foi obrigada a dividi-la com outra pessoa, por força de sentença judicial, não pode, no entanto, cobrar da autora os atrasados devidos à outra pensionista, uma vez que recebeu de boa-fé.

Ação procedente.

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Isaura Barreto de Carvalho, qualificada na inicial de fl. 02, propõe, em face da União Federal, a presente ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, objetivando a imediata suspensão dos descontos mensais efetuados em seus proventos, a título de restituição por quantias pagas indevidamente.

Alega que recebe pensão militar deixada por seu pai, sendo a única habilitada à pensão até junho de 2000, quando foi habilitada a Sra. Iracema Ferreira Barbosa, que, em ação judicial, foi reconhecida como companheira do militar.

Por conta da habiltação, a ré entendeu que os pagamentos efetuados desde a data de ajuizamento da ação foram indevidos, daí porque determinou o desconto nos proventos da autora.

Diz que os descontos são indevidos, pois recebera os proventos integrais de boa-fé, uma vez que fora a própria União quem se opusera à habilitação.

Junta documentos, pede a antecipação da tutela, a concessão da gratuidade judiciária e, ao final, a procedência do pedido.

Nas fls. 15, deferi o pedido de assistência judiciária e me reservei para analisar a antecipação da tutela após a citação da União Federal.

Citada, a ré contesta o feito, aduzindo, preliminarmente, o descabimento da antecipação de tutela contra entes públicos, vez que determinação em contrário acabaria por ferir o disposto nos artigos 273, I e II, do CPC; art. 1º, da Lei n.º 9.494/97 c/c o artigo 1º, § 3º, da Lei n.º 8.437/92, além da ADC n.º 04, relembrando, ainda, que as decisões que vierem a ser proferidas contra a Administração Pública somente podem ser executadas após o seu trânsito em julgado.

No mérito, que o ato administrativo não padece de qualquer vício, porque a forma de ressarcimento está prevista no art. 46, da lei n.º 8.112/90, com a redação dada pela MP n.º 2.088-38, de 27.03.01.

Sustenta, por outro lado, que, ainda que tenha havido boa-fé por parte da autora, houve um locupletamento indevido dos valores, o que os torna restituíveis, tendo sido observados para a prática do ato, tanto o devido processo legal como a prescrição qüinqüenal.

Pede a improcedência do pedido.

A autora manifestou-se sobre a contestação.

                        É o relatório.

Configurada a hipótese do art. 330, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide.

Pretende a autora obter um provimento jurisdicional que lhe assegure o direito de  não devolver os valores relativos à metade da pensão que recebe junto ao ministério da marinha, por conta da habilitação da companheira de seu pai.

Primeiramente, examinando a preliminar arguída de descabimento da antecipação de tutela contra entes públicos, notório que não há qualquer disposição legal que proíba a execução provisória contra entes públicos.

Se válidas fossem as alegações da ré, toda sentença proferida contra entes públicos não poderia ser provisoriamente executada, afastando-se a idéia do recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, nas hipóteses que o Código admite.

Preliminar rejeitada.

No mérito, em mandado de segurança, analisando caso análogo, assim me manifestei:

“O caso desenha, aparentemente, situação na qual servidores públicos, amparados em entendimento firmado pela administração, receberam parcelas remuneratórias em crível boa-fé e, agora, vêem-se na iminência de serem obrigados a devolvê-las.

Ora, se o pagamento se deu por um ato emanado a partir de entendimento da administração, conclui-se que, sobre ele, não concorreram os impetrantes.

Na situação aqui tratada, a boa-fé dos impetrantes se presume, só sendo elidida por uma prova em contrário. No caso, o ônus é da administração, pois, diante da presunção de veracidade dos atos administrativos, os anuênios eram pagos de acordo com o entendimento que ela, anteriormente, firmara.

A hipótese, aliás, demonstra-se similar à que recentemente apreciei  no Proc. n.º 2000.85.00.499-0.

Como a boa-fé dos impretrantes não foi elidida, a responsabilidade pelo pagamento a maior não lhes pode ser imputada, não sendo, portanto, de sua alçada, a obrigação de devolver aquilo que receberam a mais.

A Jurisprudência pátria, notadamente os Tribunais Regionais Federais, adotam idêntica posição. Vejamos.

 

Ementa: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.  MAGISTÉRIO  PÚBLICO  SUPERIOR.  PROFESSOR  ADJUNTO.   EXIGÊNCIA   DE CONCURSO PUBLICO PARA PROFESSOR TITULAR. DEVOLUÇÃO DE DIFERENÇAS  DE VENCIMENTOS.

1 - Prevendo  a  legislação  ordinária,  como  prevê,   a exigência de concurso para se galgar a honrosa titularidade de certa cadeira, no magistério público, e imprescindível  o  cumprimento  de tal exigência, para tanto. CF/88, art. 37, I e II e CF/67, art. 176, §3º., VI.

2 - Quanto as diferenças de remunerações, não e justo nem jurídico que se imponha aos apelados a  obrigação  de  restitui-las, uma vez que houve boa-fé na sua percepção, tratando-se, inclusive de verba de cunho nitidamente alimentar, e, ainda, pressupondo-se que a contraprestação funcional, no  período,  o  foi  na  condição  e  no desempenho de atribuições próprias da titularidade.

 

(Acórdão na AMS n.º 0219445-7/RJ/TRF – 2ª Região/3ª Turma/Relator: JUIZ ARNALDO LIMA/14-04-98/DJ: 06-08-98  PG:000156).

 

 

Ementa: TRABALHISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. MODIFICAÇÃO DE CRITERIO. DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS RECEBIDAS POR ERRO IMPUTAVEL AO ADMINISTRADOR.

1. Incidência da Súmula-187 do extinto Tribunal Federal de Recursos.

2. Não há direito adquirido a pagamento erroneamente feito. A administração tem o dever de ajustar a situação ao comando legal.

3. Valores recebidos de boa-fé pelo servidor não serão devolvidos.

4. Recursos ordinários improvidos.

 

(Acórdão no RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA n.º 0414171-5-RS/TRF 4ª Região/3ª Turma/Relator: JUIZ FABIO B. DA ROSA/02-06-92/DJ: 05-08-92  PG:022767).

 

 

Ementa: RECLAMATORIA TRABALHISTA. ALTERAÇÃO DA BASE DE CALCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. SERVIÇO PUBLICO. POSSIBILIDADE. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FE.

1.   Inexiste   direito  adquirido  a  percepção  de  adicional  de insalubridade  calculado  sobre  o  salário  contratual,  podendo a administração,    a   qualquer   tempo,   corrigir  a  distorção, acertadamente   fazendo-o   incidir   sobre   o   salário   mínimo. Prevalência, na espécie, do interesse publico sobre o particular.

2. Os valores percebidos a tal titulo, que se presumem recebidos de boa-fé, entretanto não serão objeto de restituição.

3. Recurso parcialmente provido.

 

(Acórdão no RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA n.º 0405552-7-RS/TRF 4ª Região/1ª Turma/Relator: JUIZ RONALDO PONZI/12-09-1995/DJ: 20-12-95  PG:088845).

 

Ementa: ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO  DO TERÇO DE FERIAS EM ABONO PECUNIARIO. IMPOSSIBILIDADE.  DECISÃO  DO  TCU.  RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS A MAGISTRADOS. IMPORTANCIAS DE BOA-FE. DESNECESSIDADE.

1-  Este  tribunal, modificando anterior entendimento, passou a não mais  reconhecer  aos  magistrados  o direito a conversão de 1/3 de ferias em abono pecuniário.

2-  Decisão  do  tribunal  de  contas  da união que se acolhe, para tornar  sem  efeito  os  atos  anteriores  que converteram em abono pecuniário o terço de ferias dos magistrados.

3-   Entretanto,   em   homenagem  ao  princípio  da  presunção  de legitimidade  que  acompanha  os atos praticados pelo administrador público   e   a   doutrina  da  aparência  e  considerando  que  as importâncias   recebidas   a  aquele  titulo  o  foram  de  boa-fé, correspondendo  a  serviços  efetivamente  prestados,  porquanto os magistrados   trabalharam  no  período  de  ferias  convertidos  em pecúnia, dispensa-os    de devolução.

 

(Acórdão no PROCESSO ADMINISTRATIVO n.º 03039584-4-SP/TRF 3ª Região - Pleno/ Relator: JUIZ JOSE KALLAS/25-05-1995/DJ: 30-04-96  PG:027735).

Nos mesmo sentido é a Súmula n.º 106, do TCU:

“O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente.”

 

No caso dos autos, a boa-fé da autora é patente. Mesmo com a demanda em curso, era a única habilitada à pensão e, como não ficou demonstrado que sabia do interesse da companheira de seu pai - que tentava se habilitar no benefício, não tinha motivos para se recusar a receber a integralidade dos valores, daí porque não pode responder por um prejuízo cujo risco foi assumido integralmente pela União, que não a cientificou da ação e, tampouco, adotou providências no sentido de integrá-la à lide.

Por outro lado, independentemente da boa-fé, o que pretendeu a União Federal, ao exigir da autora a reposição de metade dos valores recebidos, foi transferir para outrem uma responsabilidade que lhe havia sido imposta na sentença, ou seja, estender os efeitos de uma decisão judicial a quem não participara da relação processual.

Na verdade, se tinha interesse em se precaver quanto à eventual possibilidade de condenação no pagamento dos atrasados, deveria ter a ré se utilizado dos instrumentos processuais que dispunha e entendesse cabíveis, havendo, em meu entender, litisconsórcio passivo necessário entre ela, União, e a autora desta ação, tendo em vista que os efeitos de uma sentença favorável naquele feito acabaria, como de fato acabou, por interferir na relação jurídica existente entre ambas.

Se não o fez no momento oportuno, não pode agora agir como se a autora tivesse participado daquela ação e houvesse sido condenada a ressarcir à União os valores que recebeu a mais, quando deveriam ter sido destinados à companheira de seu pai.

Isto posto, julgo procedente o pedido, reconhecendo à autora o direito de não ser compelida a devolver os valores recebidos a mais em sua pensão, por força da nova habilitação no benefício, permanecendo recebendo a metade da pensão deixada por seu pai, sem qualquer desconto.

Antecipo a tutela para determinar que a ré suste imediatamente os descontos que vem efetuando na pensão da autora, a título de ressarcimento.

Condeno, ainda, a União a devolver os valores que cobrou a título de ressarcimento, acrescidos de correção monetária e de juros de mora, contados com a citação, conforme Súmula 204, do STJ, no patamar de 1% ao mês, nos termos de entendimento também consolidado naquela Colenda Corte, reiterado em diversos julgados (veja-se, por exemplo: RESP nº 233.380/RN – rel. Min. Gilson Dipp, RESP nº 297.244/CE – rel. Min. Edson Vidigal, RESP nº 297.058/SE – rel. Min. Jorge Scartezzini, RESP nº 298.309/CE – rel. Min. Vicente Leal, RESP nº 302.099/CE – rel. Min. Félix Fischer), que se aplica analogamente ao presente feito, uma vez que se trata de verba de natureza alimentar, tudo a ser apurado em liquidação.

Condeno a ré, por fim, em honorários advocatícios, no importe de 10% sobre a condenação, aferindo-se tudo em liquidação.

Sentença sujeita ao reexame.

P.R.I.C.

Aracaju, 30 de outubro de 2002.

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal - 1ª Vara