Ação: Ordinária
Ré: União Federal
Administrativo. Desconto de parcelas de pensão
militar pagas a maior, por força de habilitação de novo pensionista.
Impossibilidade.
Se a pensionista vinha recebendo pensão
integral e a União foi obrigada a dividi-la com outra pessoa, por força de
sentença judicial, não pode, no entanto, cobrar da autora os atrasados
devidos à outra pensionista, uma vez que recebeu de boa-fé.
Ação procedente.
SENTENÇA:
Vistos,
etc...
Isaura
Barreto de Carvalho, qualificada
na inicial de fl. 02, propõe, em face da União Federal, a presente ação
ordinária, com pedido de antecipação de tutela, objetivando a imediata
suspensão dos descontos mensais efetuados em seus proventos, a título de
restituição por quantias pagas indevidamente.
Alega
que recebe pensão militar deixada por seu pai, sendo a única habilitada à
pensão até junho de 2000, quando foi habilitada a Sra. Iracema Ferreira
Barbosa, que, em ação judicial, foi reconhecida como companheira do militar.
Por
conta da habiltação, a ré entendeu que os pagamentos efetuados desde a data
de ajuizamento da ação foram indevidos, daí porque determinou o desconto
nos proventos da autora.
Diz
que os descontos são indevidos, pois recebera os proventos integrais de boa-fé,
uma vez que fora a própria União quem se opusera à habilitação.
Junta
documentos, pede a antecipação da tutela, a concessão da gratuidade judiciária
e, ao final, a procedência do pedido.
Nas fls. 15, deferi o
pedido de assistência judiciária e me reservei para analisar a antecipação
da tutela após a citação da União Federal.
Citada, a ré contesta o feito, aduzindo, preliminarmente, o descabimento da antecipação de tutela contra entes públicos, vez que determinação em contrário acabaria por ferir o disposto nos artigos 273, I e II, do CPC; art. 1º, da Lei n.º 9.494/97 c/c o artigo 1º, § 3º, da Lei n.º 8.437/92, além da ADC n.º 04, relembrando, ainda, que as decisões que vierem a ser proferidas contra a Administração Pública somente podem ser executadas após o seu trânsito em julgado.
No
mérito, que o ato administrativo não padece de qualquer vício, porque a
forma de ressarcimento está prevista no art. 46, da lei n.º 8.112/90, com a
redação dada pela MP n.º 2.088-38, de 27.03.01.
Sustenta,
por outro lado, que, ainda que tenha havido boa-fé por parte da autora, houve
um locupletamento indevido dos valores, o que os torna restituíveis, tendo
sido observados para a prática do ato, tanto o devido processo legal como a
prescrição qüinqüenal.
Pede a improcedência
do pedido.
A
autora manifestou-se sobre a contestação.
É o relatório.
Configurada
a hipótese do art. 330, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide.
Pretende a autora obter um provimento jurisdicional que lhe assegure o direito de não devolver os valores relativos à metade da pensão que recebe junto ao ministério da marinha, por conta da habilitação da companheira de seu pai.
Primeiramente,
examinando a preliminar arguída de descabimento da antecipação de tutela
contra entes públicos, notório que não há qualquer disposição legal que
proíba a execução provisória contra entes públicos.
Se
válidas fossem as alegações da ré, toda sentença proferida contra entes públicos
não poderia ser provisoriamente executada, afastando-se a idéia do
recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, nas hipóteses que o Código
admite.
Preliminar rejeitada.
No
mérito, em mandado de segurança, analisando caso análogo, assim me
manifestei:
“O
caso desenha, aparentemente, situação na qual servidores públicos,
amparados em entendimento firmado pela administração, receberam parcelas
remuneratórias em crível boa-fé e, agora, vêem-se na iminência de serem
obrigados a devolvê-las.
Ora,
se o pagamento se deu por um ato emanado a partir de entendimento da
administração, conclui-se que, sobre ele, não concorreram os impetrantes.
Na situação
aqui tratada, a boa-fé dos impetrantes se presume, só sendo elidida por uma
prova em contrário. No caso, o ônus é da administração, pois, diante da
presunção de veracidade dos atos administrativos, os anuênios eram pagos de
acordo com o entendimento que ela, anteriormente, firmara.
A hipótese,
aliás, demonstra-se similar à que recentemente apreciei
no Proc. n.º 2000.85.00.499-0.
Como a boa-fé dos impretrantes não foi elidida,
a responsabilidade pelo pagamento a maior não lhes pode ser imputada, não
sendo, portanto, de sua alçada, a obrigação de devolver aquilo que
receberam a mais.
A Jurisprudência pátria, notadamente os
Tribunais Regionais Federais, adotam idêntica posição. Vejamos.
Ementa:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
MAGISTÉRIO PÚBLICO
SUPERIOR. PROFESSOR
ADJUNTO. EXIGÊNCIA
DE CONCURSO PUBLICO PARA PROFESSOR TITULAR. DEVOLUÇÃO DE DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS.
1 - Prevendo
a legislação
ordinária, como
prevê, a exigência
de concurso para se galgar a honrosa titularidade de certa cadeira, no magistério
público, e imprescindível o
cumprimento de tal exigência,
para tanto. CF/88, art.
37, I e II e CF/67, art. 176, §3º., VI.
2 - Quanto as diferenças
de remunerações, não e justo nem jurídico que se imponha aos apelados a
obrigação de
restitui-las, uma vez que houve boa-fé na sua percepção,
tratando-se, inclusive de verba de cunho nitidamente alimentar, e, ainda,
pressupondo-se que a contraprestação funcional, no
período, o
foi na condição e
no desempenho de atribuições próprias da titularidade.
(Acórdão
na AMS n.º 0219445-7/RJ/TRF – 2ª Região/3ª Turma/Relator: JUIZ ARNALDO
LIMA/14-04-98/DJ: 06-08-98 PG:000156).
Ementa:
TRABALHISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. MODIFICAÇÃO DE
CRITERIO. DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS RECEBIDAS POR ERRO IMPUTAVEL AO
ADMINISTRADOR.
1. Incidência da Súmula-187
do extinto Tribunal Federal de Recursos.
2. Não há direito
adquirido a pagamento erroneamente feito. A administração tem o dever de
ajustar a situação ao comando legal.
3. Valores recebidos de
boa-fé pelo servidor não serão devolvidos.
4. Recursos ordinários
improvidos.
(Acórdão no RECURSO
ORDINARIO TRABALHISTA n.º 0414171-5-RS/TRF 4ª Região/3ª Turma/Relator:
JUIZ FABIO B. DA ROSA/02-06-92/DJ: 05-08-92
PG:022767).
Ementa:
RECLAMATORIA TRABALHISTA. ALTERAÇÃO DA BASE DE CALCULO DO ADICIONAL DE
INSALUBRIDADE. SERVIÇO PUBLICO. POSSIBILIDADE. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FE.
1. Inexiste direito
adquirido a
percepção de
adicional de insalubridade
calculado sobre
o salário
contratual, podendo a
administração, a
qualquer tempo,
corrigir a
distorção, acertadamente fazendo-o
incidir sobre
o salário
mínimo. Prevalência, na espécie, do interesse publico sobre o
particular.
2. Os valores percebidos a tal titulo, que se
presumem recebidos de boa-fé, entretanto não serão objeto de restituição.
3. Recurso parcialmente
provido.
(Acórdão
no RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA n.º 0405552-7-RS/TRF 4ª Região/1ª
Turma/Relator: JUIZ RONALDO PONZI/12-09-1995/DJ: 20-12-95
PG:088845).
Ementa:
ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO DO TERÇO
DE FERIAS EM ABONO PECUNIARIO. IMPOSSIBILIDADE.
DECISÃO DO
TCU. RESTITUIÇÃO DE
VALORES PAGOS A MAGISTRADOS. IMPORTANCIAS DE BOA-FE. DESNECESSIDADE.
1- Este
tribunal, modificando anterior entendimento, passou a não mais
reconhecer aos
magistrados o direito a
conversão de 1/3 de ferias em abono pecuniário.
2- Decisão do
tribunal de
contas da união que se
acolhe, para tornar sem
efeito os
atos anteriores
que converteram em abono pecuniário o terço de ferias dos
magistrados.
3- Entretanto,
em homenagem
ao princípio
da presunção
de legitimidade que
acompanha os atos
praticados pelo administrador público
e a
doutrina da
aparência e
considerando que
as importâncias recebidas
a aquele
titulo o
foram de
boa-fé, correspondendo a
serviços efetivamente
prestados, porquanto os
magistrados trabalharam
no período
de ferias
convertidos em pecúnia,
dispensa-os de devolução.
(Acórdão
no PROCESSO ADMINISTRATIVO n.º 03039584-4-SP/TRF 3ª Região - Pleno/
Relator: JUIZ JOSE KALLAS/25-05-1995/DJ: 30-04-96
PG:027735).
Nos mesmo sentido é a Súmula n.º 106, do TCU:
“O julgamento, pela
ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica
por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de
boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente.”
No caso dos autos, a boa-fé da autora é patente. Mesmo com a demanda em curso, era a única habilitada à pensão e, como não ficou demonstrado que sabia do interesse da companheira de seu pai - que tentava se habilitar no benefício, não tinha motivos para se recusar a receber a integralidade dos valores, daí porque não pode responder por um prejuízo cujo risco foi assumido integralmente pela União, que não a cientificou da ação e, tampouco, adotou providências no sentido de integrá-la à lide.
Por outro lado, independentemente da boa-fé, o que pretendeu a União Federal, ao exigir da autora a reposição de metade dos valores recebidos, foi transferir para outrem uma responsabilidade que lhe havia sido imposta na sentença, ou seja, estender os efeitos de uma decisão judicial a quem não participara da relação processual.
Na verdade, se tinha interesse em se precaver quanto à eventual possibilidade de condenação no pagamento dos atrasados, deveria ter a ré se utilizado dos instrumentos processuais que dispunha e entendesse cabíveis, havendo, em meu entender, litisconsórcio passivo necessário entre ela, União, e a autora desta ação, tendo em vista que os efeitos de uma sentença favorável naquele feito acabaria, como de fato acabou, por interferir na relação jurídica existente entre ambas.
Se não o fez no momento oportuno, não pode agora agir como se a autora tivesse participado daquela ação e houvesse sido condenada a ressarcir à União os valores que recebeu a mais, quando deveriam ter sido destinados à companheira de seu pai.
Isto posto, julgo procedente o pedido, reconhecendo à autora o direito
de não ser compelida a devolver os valores recebidos a mais em sua pensão,
por força da nova habilitação no benefício, permanecendo recebendo a
metade da pensão deixada por seu pai, sem qualquer desconto.
Antecipo a tutela para determinar que a ré suste imediatamente os
descontos que vem efetuando na pensão da autora, a título de ressarcimento.
Condeno, ainda, a União a devolver os valores que cobrou a título de
ressarcimento, acrescidos de correção monetária e de juros de mora,
contados com a citação, conforme Súmula 204, do STJ, no patamar de 1% ao mês,
nos termos de entendimento também consolidado naquela Colenda Corte,
reiterado em diversos julgados (veja-se, por exemplo: RESP nº 233.380/RN –
rel. Min. Gilson Dipp, RESP nº 297.244/CE – rel. Min. Edson Vidigal, RESP nº
297.058/SE – rel. Min. Jorge Scartezzini, RESP nº 298.309/CE – rel. Min.
Vicente Leal, RESP nº 302.099/CE – rel. Min. Félix Fischer), que se aplica
analogamente ao presente feito, uma vez que se trata de verba de natureza
alimentar, tudo a ser apurado em liquidação.
Condeno a ré, por fim, em honorários advocatícios, no importe de 10%
sobre a condenação, aferindo-se tudo em liquidação.
Sentença sujeita ao reexame.
P.R.I.C.
Aracaju, 30 de outubro de 2002.
Ricardo César Mandarino Barretto