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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Ação: Diversa – Imissão de Posse

Autor: União Federal

Réu: Emanuel Messias Pereira dos Santos

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto

  

Administrativo e Constitucional. Imissão de Posse. Ocupante de área definida como reserva ecológica

-         A existência jurídica de reserva ecológica independe da efetividade da cessão de sua respectiva área a órgão potencialmente incumbido de sua implantação;

-         Determinação de desocupação amparada pela Lei 9.636/98;

-         Legalidade e legitimidade do procedimento administrativo;

-         Não tem direito à permanência o ocupante de área definida como reserva ecológica, em face da precariedade da permissão de uso de bem comum do povo.

 

 

SENTENÇA:

 

Vistos etc...

União Federal, qualificada na inicial de fls. 02, intenta, em face de Emanuel Messias Pereira dos Santos, a presente ação de rito ordinário, com pedido de antecipação de tutela, objetivando ser imitida na  posse de área localizada na Reserva Biológica de Santa Isabel.

Aduz que, em cumprimento à lei, cancelou o cadastro de ocupação do requerido. Todavia, este último vem relutando em deixar o local voluntariamente.

Junta documentos, pede a antecipação da tutela e, ao final, a procedência do pedido.

Em decisão de fls. 21/22, deferi a antecipação da tutela.

Citado, o réu contesta o feito, refutando a tese da União Federal, alegando que já ocupa uma área na Praia de Santa Izabel desde 1985 e que a Reserva inexiste, pois a Portaria e o Decreto que a criaram tiveram sua vigência expirada em 1990. Aduz, ainda, que sua permanência na área não causa qualquer prejuízo à natureza e à reprodução das tartarugas, fazendo parte, inclusive, de uma associação de moradores e barraqueiros com este objetivo.

Juntou documentos (fls. 35/86).

O réu trouxe comprovante de interposição de agravo de instrumento contra a decisão de fls. 21/22.

 A União manifestou-se sobre a contestação.

Intimado, a pedido do MPF (fls. 110), o IBAMA manifestou interesse no feito (fls. 114).

Nas fls. 117, proferi despacho saneando o processo, determinando que a autora trouxesse aos autos o título de ocupação que o réu afirmou possuir.

A União manifestou-se às fls. 118/119, dizendo que a ocupação, ainda que houvesse título, seria precária.

O IBAMA, nas fls. 121/126, peticionou nos autos requerendo a procedência do pedido autoral.

O réu, por sua vez, manifestou-se às fls. 128/129, pugnando pela oitiva de testemunhas para comprovar seu tempo de ocupação na área.

Em seu parecer, o MPF opina pela procedência do feito.

É o relatório.

Inicialmente, cabe destacar que, ao proferir o despacho de fls. 117, entendi que seria desnecessária maior instrução probatória e, não tendo as partes recorrido daquela decisão, a matéria ficou preclusa, daí porque indefiro o pedido de oitiva de testemunhas formulado às fls. 129.

Passo à decisão do feito.

Com efeito, a resistência do réu parte de premissas sucessivamente equivocadas. Vejamos.

A primeira consiste em confundir uma portaria que regula a formalização de um contrato de cessão da área  ao antigo IBDF (portaria MF 074/86) e a criação da Reserva Ecológica de Santa Izabel (Decreto 96.999/88).

 A citada portaria retirava sua validade jurídica do Decreto-lei nº 178/67, diploma que preconizava a cessão de bens de cujo domínio a União fosse titular a certas entidades sob determinadas condições. O ato normativo colacionado às fls. 36/37 nada mais fez do que permitir, ao então IBDF, a utilização gratuita do terreno em foco, mediante cessão, sob prazo prefixado, visando o procedimento de instalação da Reserva.

O Decreto 96.999/88 (em vigência), por seu turno, editado em data posterior, ao abrigo da atual Constituição, criou, para fins de direito, a prefalada Reserva, não havendo motivos, lógicos ou simplesmente jurídicos, que permitam vislumbrar uma prejudicialidade entre a cessão da área e sua criação como reserva ecológica.

Vale dizer, com isso, que a criação da Reserva Ecológica de Santa Izabel encontra fundamento jurídico próprio, autônomo, distinto daquele que viabilizou a cessão. A primeira confere existência qualificada no mundo do Direito; a segunda tem por escopo o gerenciamento de um bem por terceiro em função de determinados propósitos.  Se a cessão não se efetivou tempestivamente e, em razão disso, restou atingida por nulidade (do que, particularmente, discordo), a única consequência seria não mais poder o IBDF utilizar-se da área, circunstância despida de qualquer relevância em relação à matéria versada nos autos, tendo em vista que a desocupação é pleiteada pela União Federal, proprietária – não mera cessionária – da Praia de Santa Izabel (CF, art. 20,  IV).

Concluo, destarte, pela válida existência da Reserva Ecológica de Santa Isabel.

Em face desse raciocínio, devem-se-lhe aplicar, consectariamente, as normas legais pertinentes às localidades assim definidas. Dentre essas, há a Lei 9.636/98. Inobstante invocada em prol do réu, seu art. 9º, inciso II, veda ocupações (designação extensível ao imóvel defendido na inicial) em áreas de preservação ambiental ou necessárias à proteção dos ecossistemas naturais, dentre outras. Por sua vez, o art. 10 e seu parágrafo determina o cancelamento da inscrição de semelhantes ocupações, a imissão da posse no terreno e a indenização da União até a efetiva desocupação. Creio não haver dúvida de que uma reserva ecológica subsume-se ao conceito de área de preservação ambiental ou necessária à proteção dos ecossistemas naturais.

Em mesmo tom, é evidente que uma frágil situação de ocupação, uma vez proibida, tem sua conversão em aforamento inibida, pois este último é instituto do qual defluem maiores prerrogativas ao particular em face da Administração, porque viabiliza a aquisição do domínio direto do imóvel (ADCT, art. 49), peculiaridade essa antevista, aliás, ao menos implicitamente, pelo § 3º, do art. 12, da Lei 9.636/98. A par disso, não há sequer cogitar de “direito de preferência” em razão da ocupação descrita nos autos. Ela é tida como ilegal e ilegalidades não engendram direitos em benefício de quem nelas incorra. 

Sob novo prisma, as restrições impostas pelo diploma legal em voga contam com substrato constitucional, especialmente situado no art. 225, § 1º, III e VIII da Carta Magna, traduzindo-se em nítido desdobramento do direito à vida. Assim, além de estar a atitude da autora apoiada em lei, essa atitude ganha legitimidade na medida em que seu apoio legal confere operatividade, em última análise, ao direito fundamental por excelência (direito à vida), indubitavelmente prevalecente, por obra do princípio da proporcionalidade, sobre um tênue reflexo do direito à propriedade, mormente se constatado que, à distância de controvérsia, por tudo é corroborada a convicção de que o bem do réu sequer destina-se à sua moradia, não passando de imóvel destinado a veraneio (fls. 35, 53/57), uma vez que reside em Aracaju e em bairro de classe média, conforme declinou no instrumento de mandato de fls. 35, longe, portanto, de ser um humilde barraqueiro, como afirmou em sua peça defensiva.

Deveras, quanto ao proceder da União, não cabe censura, no particular. Veja-se que o próprio réu revela ter contado com defesa administrativa, resguardando-se, portanto,  o devido processo legal, além de serem inquestionáveis a forma do ato e a competência para realizá-lo.

A respeito da tese concernente à proteção possessória nos moldes do direito material civil e à existência de direito adquirido, esquece-se o réu da natureza indeclinavelmente precária de uma ocupação de um bem de uso comum do povo (como o é a Praia de Santa Izabel). Tal precariedade, esclareça-se, é corolário do princípio da predominância do interesse público sobre o particular. Em outras palavras, a ocupação, verdadeira permissão de uso, não gera qualquer direito subjetivo à posse em benefício do ocupante, de onde se infere, logicamente, não haver direito adquirido pela simples impossibilidade de se adquirir o que não  existe.

Partindo de semelhantes proposições, confira-se a lapidar conclusão esposada pela ilustre Maria Sylvia Zanella Di Pietro, especialmente no que tange a ações possessórias em casos análogos ao presente[1] :

“Há de se atentar, no entanto, que o titular de uso privativo pode propor ação possessória contra terceiros; não cabe contra a Administração quando esta usa legitimamente seu poder de extinguir o uso privativo por razões de interesse público.

Mesmo contra terceiros, não cabe ação possessória quando se tratar de uso precário (sem prazo), revogável ad nutum pela Administração, porque isto conflitaria com a regra do art. 497 do Código Civil, em cujos termos “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”.    

 

Assim, em face da existência, para efeitos jurídicos, da Reserva Ecológica de Santa Izabel, da disciplina legal e constitucional a ela aplicável, da lisura do procedimento da acionada, da inexistência de direitos possessórios e de direito adquirido, não há como deixar de acolher a pretensão da União Federal e do IBAMA.

Isto posto, julgo procedente o pedido para reconhecer o direito da União Federal em ser imitida na área individualizada pelo antigo cadastro de n.º 3197.0000010-02, pelo que torno definitiva a tutela antecipadamente deferida às fls. 21/22.

Condeno o Réu a pagar as custas e honorários de advogado em 10% sobre o valor da causa, à União Federal e ao IBAMA, pro-rata.

Oficie-se ao relator do agravo de instrumento noticiado às fls. 90, remetendo-lhe cópia desta sentença.

P.R.I.

Aracaju, 18 de dezembro de 2002.

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal – 1ª Vara



[1] Direito Administrativo. 9ª ed. Pg. 457.  São Paulo: Atlas, 1998.