Processo
nº 2000.85.00.6136-4 – Ação Ordinária - Classe 01000 – 1ª Vara
Autor:
José Melo Santos
Ré:
União Federal
Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto
Administrativo. Ação Anulatória de demissão de cargo público cumulada com reintegração e indenização por danos morais.
Nulidade do procedimento administrativo disciplinar que apurou falta não relacionada na Portaria e que estabeleceu punição desarrazoada – demissão – para a prática de fato tolerado pela administração. Ofensa aos princípios da impessoalidade e da razoabilidade. Indenização por danos morais contida no pagamento dos vencimentos atrasados.
Ação
procedente.
SENTENÇA:
Vistos,
etc...
José Melo Santos,
qualificado na inicial de fls. 02, propõe contra a União Federal, a presente
ação ordinária, objetivando a decretação da nulidade do ato de sua demissão
do cargo de Engenheiro do Trabalho, imposta pelo Decreto de 26.03.1997 e sua
consequente reintegração.
Em longo arroazado, aduz uma série de vícios que nulificam o processo administrativo disciplinar e pede, também, indenização pelos danos morais sofridos.
Requer
a antecipação parcial da tutela apenas para declarar a nulidade da
indisponibilidade dos bens imposta ao suplicante.
Junta
farta documentação, que foi autuada em volumes apartados.
Nas
fls. 58/60, deferi a antecipação da tutela na forma pretendida, apenas para
afastar a indisponibilidade dos bens do autor.
Citada,
a União contesta o feito, alegando, preliminarmente, coisa julgada, tendo em
vista que o autor já impetrara anteriormente, perante o STF, mandado de
segurança visando anular o ato Presidencial que determinou sua demissão, não
tendo aquela corte conhecido do “writ”, por entender que não ocorreram os
vícios apontados pelo impetrante.
No
mérito, rechaça a pretensão autoral, aduzindo que as provas carreadas nos
autos do processo administrativo e o relatório da comissão processante
demonstraram, à saciedade, a ocorrência dos fatos embasadores da pena
imposta.
Diz,
ainda, que não houve a declaração de indisponibilidade de seus bens, daí
porque desnecessária a antecipação da tutela requerida.
Quanto
aos danos morais, assevera que não ficaram demonstrados os fatos ensejadores
de sua indenização.
Junta
documentos (fls. 78/91) e pede a improcedência do feito.
Intimado,
o autor manifestou-se acerca da contestação (fls. 98/110).
As
partes pugnaram pela produção de provas (fls. 113 e 115).
Em
despacho de fls. 116, determinei que a Secretaria acostasse cópia do voto e
acórdão proferidos no Mandado de Segurança ao qual se referiu a ré em sua
contestação, o que foi cumprido nas fls. 117/121.
Nas
fls. 122/124, proferi decisão rejeitando a preliminar de coisa julgada e
determinei a designação de audiência de instrução e julgamento.
Na
audiência designada, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo autor (fls.
134/144), sendo designada nova data para a oitiva da testemunha arrolada pela
ré.
A
União interpôs agravo retido da decisão de fls. 112/124.
Nas
fls. 152/156, encontram-se os termos de audiência em que foi ouvida a
testemunha da ré, na qual indeferi a contradita levantada pelo autor, bem
como o pedido de antecipação da tutela formulado naquela data. Naquele mesmo
ato, deferi a designação de audiência para acarecação entre as
testemunhas do autor e da ré, cujo termo consta das fls. 168/170.
Em
memoriais, as partes ratificaram suas alegações.
É o relatório.
Cuida-se de ação de nulidade de demissão do cargo de Engenheiro do Trabalho, com a consequente reintegração do Autor contra a Ré, ao fundamento de que o Processo Administrativo Disciplinar instaurado desviou-se da sua finalidade, que era a de apurar as irregularidades constantes do Processo n.º 46221001004/95-37, relativamente ao laudo pericial emitido em favor de Oscar Machado Bandeira.
O
desvio de finalidade, segundo o autor, decorreu das circunstâncias da Comissão
haver estendido a apuração para outras faltas, tais como funcionar como
Perito do Juízo, na Justiça do Trabalho, haver noticiado crime de abuso de
autoridade por parte da Delegada do Trabalho e haver relacionado, no mês de
fevereiro de 1995, como fiscalizadas, empresas que não tinham sido
fiscalizadas.
Com
efeito, à exceção do laudo pericial emitido em favor de Oscar Machado
Bandeira, segundo a Ré, de forma irregular, todos as demais faltas elencadas
jamais poderiam constituir objeto da apuração que culminou com a demissão
do autor da presente demanda.
É
que a portaria 816/95 (fls. 142 apenso) constituiu a Comissão de Procedimento
Administrativo apenas para apurar as irregularidades constantes do Processo
426221001004/95-37, nada mais. O proceso a que alude a portaria cuida apenas
da expedição de um laudo pericial para fins de aposentadoria especial em
favor de Oscar Machado Bandeira, sem visita ao local de trabalho, louvando-se
na avaliação dos riscos ambientais, por analogia.
Em
sendo assim, restou impossível à Comissão estender a apuração de outros
fatos, que não os constantes da portaria, sob pena de violação das regras
do art. 151, I e 153, da Lei n.º 8.112/90 que, em atenção à norma
constitucional do art. 5º, LV, assegura o contraditório e a ampla defesa.
Embora
o procedimento administrativo não siga o rigor formalístico dos
procedimentos judiciais, não é admissível transigir-se com regras que,
inobservadas, não confiram, ao servidor, o direito constitucional à ampla
defesa, posto que a portaria que instaura um procedimento disciplinar contra
um servidor há de ter os mesmos requisitos da denúncia no proceso penal,
podendo, evidentemente, ser aditada formalmente, com a devolução do prazo e
garantias asseguradas no processo penal. Jamais, ao bel prazer da Comissão,
serem acrescidos, aleatoriamente, fatos outros que não os constantes da
portaria que, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1]:
“ ... bem elaborada é essencial à
legalidade do processo, pois equivale à denúncia no processo penal, se não
contiver dados suficientes pode prejudicar a defesa. É indispensável que
contenha todos os elementos que permitam aos servidores conhecer os ilícitos
de que são acusados.”
Hely
Lopes Meirelles[2]
define que “o
processo disciplinar deve ser instaurado por portaria da autoridade competente
na qual se descrevam os atos ou fatos a apurar e se indiquem as infrações a
serm punidas...”
Não vale tampouco as alegativas da União, integradas à contestação com o conteúdo do relatório da Comissão Processante, de que “não houve inobservância do princípio constitucional da ampla defesa por não ter a Portaria 816/95 especificado os fatos a serem apurados e as normas infrigidas, haja vista que os dispositivos legais infringidos só devem ser enumerados na indiciação do servidor até mesmo para não influenciar os trabalhos da Comissão de Inquérito, que, além da autonomia, tem independência para proceder os trabalhos apuratórios, como também para se evitar a alegação de presunção de culpabilidade, antes mesmo do início dos trabalhos investigatórios” ( “sic”, fls. 20 do apenso).
Se
pertinente fossem as razões da Ré, no particular, a denúncia oferecida pelo
Ministério Público, no proceso penal, deveria esconder os fatos para não
influenciar o Juiz, o que faria ruir toda a regra de princípios consagrados
na Constituição, fruto de uma conquista histórica que remonta à Revolução
Francesa.
A
própria Ré acaba por contradizer-se, quando, fazendo integrar às suas razões
o relatório da Comissão, repita-se, apôs, nas fls. 29, do apenso, a
seguinte assertiva:
“ O indiciado também se defendeu da acusação
feita pela denunciante em seu depoimento (fls. 148/157), de que ele não
comparecera aos Cursos sobre Condições do Meio Ambiente do Trabalho e ao
Encontro Estadual de Saúde do Trabalhador apesar de não ter sidoindiciado na
instrução de fls. 826/830.
Também aqui há de se ressaltar que tais fatos não foram apurados porque no entender desta Comissão, eles não estavam abrangidos pela portaria instauradora, e como tal, ela não poderia dilatar o seu raio de ação para alcançar outras irregularidades que não estavam delineadas no ato de instauração do processo administrativo disciplinar.”
Essa
incoerência contida no relatório é reveladora da nulidade do processo
apuratório das infrações que não se continham na portaria. Na verdade, a
Comissão, a seu exclusivo talante, entendeu, com base em fundamento apenas de
autoridade, de escolher quais as outras faltas não referidas na portaria que
deveriam ser objeto de procedimento apuratório. A Comissão valeu-se da
discrição, em âmbito de exclusiva competência vinculada para alcançar
fatos outros dos quais não havia acusação formal contra o autor.
A Ré, brilhantemente defendida pelos seus advogados, procura valer-se do que entende por coisa julgada, o fato de, em mandado de segurança pleiteado pelo autor contra o Exmo. Sr. Presidente da República, não haver aquele logrado êxito perante o egrégio STF.
Apreciando
a preliminar, assim me manifestei nas fls. 122 a 124:
“Vistos, etc...
Revendo o presente feito, verifiquei que a ré arguiu,
em sede de contestação, preliminar de coisa julgada, aduzindo que a matéria
versada nos autos foi alvo de apreciação pela Supremo Tribunal Federal, o
qual teria indeferido a segurança pleiteada, gerando os efeitos da coisa
julgada, pelo que, a teor das disposições constantes dos arts. 130, 301, §
4.º e 323 e ss., do CPC, determinei a juntada de cópias do voto e acórdão
do mandado de segurança citado, passando, agora, a me manifestar sobre a
questão.
Como se infere da leitura do voto condutor proferido
no Mandado de Segurança n.º 22.619-6-SE, sendo seu relator o eminente
Ministro Ilmar Galvão (fls. 118 a 121), concluiu-se não ser a via
mandamental apropriada para revisão da matéria fática, ou seja, na espécie,
não poderia o Tribunal conhecer das alegações suscitadas quanto a uma nova
revisão e valoração da prova colhida no processo administrativo, tendente a
infirmar o relatório final da comissão de sindicância, a qual se pronunciou
pela ocorrência de faltas graves ensejadoras da pena de demissão do
impetrante.
Veja-se, a propósito, a transcrição do
multicitadado acórdão:
EMENTA: SANÇÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO
REGULAR. PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE ILEGALIDADE.
- O princípio da publicidade dos atos
administrativos a que se refere o art. 151, inc. I, da Lei nº 8.112/90, que
visa a propiciar o seu conhecimento aos interessados, não exige que seja
feita por meio do Diário Oficial da União.
- Os fundamentos elencados na impetração não são
suficientes para desconstituir o procedimento administrativo disciplinar, pois
não concorreu cerceamento de defesa ao longo do processo, que observou todas
as formalidades essenciais impostas pelo ordenamento jurídico.
- Descabe, de outra parte, falar-se em punição com
base na CLT, já que se trata de servidor público regido pela disciplina
específica da Lei nº 8.112/9; ou invocar-se o art. 20 da Lei nº 8.429/92,
como causa obstativa, em razão de ser dissociada a instância administrativa
da penal.
- Não se revela a via do mandado de segurança apta
para reapreciação das provas e revisão da matéria de fato, como preconiza
a jurisprudência desta Corte.
- Mandado de segurança indeferido.
(MS n.º 22.619-6-SE/Tribunal Pleno/STF/Rel.: Min.
Ilmar Galvão /Decisão: Unânime./Decisão: 01.07.1997/DJ: 28.11.1997).
Destarte, apesar do relator tecer considerações
acerca da insuficiência de elementos a sustentar a pretensão autoral,
levando a entender que procedeu à análise meritória, termina, repita-se,
por reafirmar a tese de inadequação da via escolhida, que, em verdade,
significou a não apreciação da lide, por ausência de uma das condições
da ação do mandado de segurança[3],
qual seja, a demonstração do direito líquido e certo a ser protegido, por
reafirmar a doutrina de ser incompatível, com a natureza da ação eleita,
pleitear-se o refazimento e/ou reavaliação do conteúdo fático.
Não se está a afirmar que o Judiciário, em sede de
segurança, não avalia as provas, mas, antes, que a prova deve ser pré-constituída.
A expressão ‘direito líquido e
certo’ transmuda-se, conceitualmente, em alusão precisa e devida
comprovação dos fatos e situações que reclamam sejam albergadas pela norma
legal.
Desta feita, na hipótese concreta dos autos, não há
qualquer óbice, ao autor, de reingressar em Juízo para, através de uma ação
de conhecimento, demandar as questões que viu sem pronunciamento definitivo,
de mérito (art. 16, da Lei n.º 1.533/51), já agora com pedido (imediato e
mediato) diverso do formulado na segurança, não se configurando assim a
mesmeidade de elementos exigida no art. 301, §§ 2.º e 3.º, do CPC).
Pelo exposto, chamo o feito à ordem para rejeitar a
preliminar de coisa julgada, argüida pela
ré, ao tempo em que, determinando o prosseguimento do feito, defiro a
produção das provas requeridas, designando audiência de instrução para o
dia 18/09/2001, às 14:25 horas, neste Juízo Federal, devendo as partes, com
a antecedência prevista no art. 407, do CPC, depositar em Cartório o rol de
testemunhas (fls. 113 e 115).”
Aproveito
para ressaltar que, conquanto conste do acórdão que não ocorreu cerceamento
de defesa ao longo do processo, o ilustre Relator Ministro Ilmar Galvão, no
comando de acórdão contido no seu voto consigna que “não
se revela a via do mandado de segurança apta para reapreciação das provas e
revisão de matéria de fato, como preconiza a jurisprudência desta Corte (MS
20.441, Relator Ministro Néri da Silveira e MS 20.999, Relator Ministro Celso
de Mello).”
Em que pese a expressão “indefiro a segurança”, o conteúdo e o comando do acórdão foram no sentido da extinção do processo sem julgamento do mérito, admitindo, portanto, a revisão da prova em ação própria.
Vale lembrar que os motivos e a verdade dos fatos estabelecidos como fundamento da sentença não fazem coisa julgada, a teor do que preconiza o art. 469, incisos I e II, do CPC.
Considero,
pois, nulo o procedimento administrativo relativo aos fatos acima elencados,
que não constaram da Portaria n.º 816/95.
Ao
exame do mérito, resta apenas, como questão de fato, as irregularidades
relativas ao processo n.º 46221001004/95-37, consistentes no preparo de laudo
pericial em favor de Oscar Machado Bandeira, sem comparecimento ao local,
louvando-se na avaliação dos riscos ambientais da localidade que deveria ser
inspecionada.
O
fato é incontroverso, o autor não nega. Justifica-o, sob a alegação de que
havia uma prática constante na Delegacia Regional do Trabalho de Sergipe
nessa forma de proceder e que fora vítima de perseguição da Delegada do
Trabalho.
As
provas constantes dos autos apontam em favor do autor. Vejamos.
Todas
as testemunhas ouvidas nas fls. 135 a 144, confirmam que era normal, na DRT, a
elaboração de laudos por analogia. Para tanto, ressalto os seguintes tópicos
dos depoimentos colhidos.
A
testemunha Lourdes Corrêia de Almeida Neves afirma: “
Esse tipo de procedimento era normal dentro da DRT/SE, quando se tinha
conhecimento que uma determinada empresa exercia atividades predominantemente
insalubre e de risco.” (fls. 135), admitindo adiante, a própria testemunha, que assim já procedera.
A
testemunha Antônio Samarone de Santana, afirmou, nas fls. 138, que “
Na hipótese da empresa ainda estar em atividade, quando se tratava de
atividades desenvolvidas por empresas conhecidas, cujo tipo de risco era
característico da própria atividade da empresa, costumava-se fazer laudos
por analogia.”
No
mesmo sentido, observa-se o depoimento de Marli Marlete Chaplin Andrade “era normal proceder-se verificação de condições
de insalubridade para fins de emissão de laudo para aposentadoria especial,
através de procedimentos analógicos, que ocorriam de duas maneiras: 1)
quando a empresa não existia e não havia programa de prevenção ambiental.
Nesse caso, comparava-se a atividade da empresa inexistente com outra empresa
similar; 2) se a empresa ainda estivesse funcionando, poderia proceder-se
através do laudo de avaliação ambiental, prescindindo da ida ao local. No
caso da Usina Xingó, a mesma era bastante conhecida, inclusive da depoente,
que já havia passado semanas lá, desde a terraplenagem, e, se fosse realizar
algum laudo, não havia necessidade de comparecer ao local. Os fiscais tinham
conhecimento da imposição legal, mas era desnecessária a presença física
nas hipóteses acima referidas.” (fls. 140).
Os depoimentos acima referidos não deixam margem à dúvidas. Era proibida a feitura de laudos por analogia, mas havia uma tolerância por parte da Administração, nas hipóteses em que a insalubridade da empresa era notória.
Evidentemente
que a Delegada Célia Maria de Souza Andrade, ao depor, negou os fatos
afirmados pelas testemunhas acima, realçando a proibição da feitura de
laudo nessas condições e dizendo desconhecer tal procedimento, com a “exceção
da empresa Tecelagem São Cristóvão que já não mais existia”. (fls.
153).
Embora negasse ser inimiga do autor e este não houvesse
demonstrado com fatos, pelo seu depoimento, revela-se que, com relação ao
mesmo, não se trata de pessoa indiferente. Embora afirme não ser sua
inimiga, admite acreditar que a inimizade seja do autor para ela.
A circunstância mesmo da Comissão Processante haver
apurado, como falta funcional, um procedimento judicial adotado pelo Autor
contra a Delegada, demonstra, de forma iniludível, o ânimo prévio da punição
por parte da Administração. Pretendeu a Comissão até impedir o direito
constitucional de petição do autor, atribuindo a isso uma falta funcional.
Voltando ao depoimento da Delegada, esta nega as afirmações
da testemunha Marli, desacreditando-a, ao afirmar que ela tinha “relações
íntimas” com o autor (fls. 153).
Ao ser acareada com a própria Marli, desfaz
o mal entendido para dizer que as relações de amizade eram próprias
de irmãos (fls. 169).
Essas declarações, embora nada relacionadas aos fatos,
demonstram, contudo, que a Delegada empenhara-se em buscar a punição do
autor, movida por sentimentos pessoais, frise-se, pela prática de um fato irregular, é certo, mas que era
comum no âmbito da Delegacia.
Ainda durante a acareação, quando alguns laudos
confeccionados por analogia foram-lhe exibidos, afirmou que foram feitos sem o
seu conhecimento, o que revela a prática, fato corroborado pelos documentos
de fls. 181 a 185.
Ressalte-se que a própria Comissão processante, ao final do
seu relatório, deixou escapar que as irregularidades existiam, tanto que faz
consignar recomendações para “que
haja uma reciclagem dos Agentes da Inspeção do Trabalho lotados na Seção
de Segurança e Saúde do Trabalhador da DRT/SE, pois alguns procedimentos
adotados pela Seção violam o Regulamento da inspeção do Trabalho, aprovado
pelo Decreto 55.481/65, a exemplo a realização de Perícias sem a respectiva
inspeção ao local de trabalho”. (fls. 30, dos autos apensos).
Diante de todas essas circunstâncias fáticas, emerge
desarrazoado o empenho da Administração da DRT em buscar a punição
exclusiva do autor. É verdade que há de se louvar a atitude da Delegada do
Trabalho em proibir, tão logo assumiu o cargo, a feitura de laudos por
analogia, mas voltar-se exclusivamente contra o autor antes de qualquer
manifestação de que não mais toleraria aquela prática, é não observar o
princípio da impessoalidade insculpido na regra do art. 37, da Constituição.
Vale lembrar que o laudo do autor, conquanto irregular, não
se revelou falso, posto que confirmado em revisão que a Administração
mandou proceder (fls. 47, dos autos apensos), sem causar prejuízo algum ao erário.
Buscar obstinadamente a punição do autor, como revelam os
autos, é a exacerbação do exercício do poder pela Administração que,
para Celso Antônio Bandeira de Melo[4]
“os ‘poderes’ administrativos – na realidade, deveres
poderes – só existirão e portanto só poderão ser validamente exercidos
na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente
requerido para o atendimento do escopo legal a que estão vinculados.
Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento da sua configuração
jurídica. É a final, a extralimitação da competência (nome que se dá, na
esfera pública, aos “poderes” de quem titulariza função). É abuso, ou
seja, uso além do permitido, e, como tal, comportamento inválido que o
Judiciário deve fulminar a requerimento do interessado”.
Daí
decorrem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que nada mais
são que a observância da própria regra legal, constitucional, da supremacia
mesmo do interesse público sobre o interesse particular, porque, ao contrário
do que pensam certos administradores, a preservação do interesse público
insere-se no respeito ao direito do administrado, para que a Administração Pública
imponha-se pela credibilidade.
Ainda
é Celso Antônio[5]
quem realça a regra da razoabilidade, afirmando:
“Com
efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de
discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade
de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual
delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de
agir ao sabor exclusivo do seu líbito, de seus humores, paixões pessoais,
excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que
liberou a Administração para manipular a regra de direito, de maneira a
sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em
outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei
que esta sufrague as providências insensatas que o Administrador queira
tomar, é dizer, que avalie previamente condutas desarrazoadas, pois isto
corresponderia a irrogar dislates à própria regra de Direito”.
Vale ressaltar, ainda com relação ao laudo, que a
admissibilidade, pela Administração, do seu proceder por analogia não
constituiu em procedimento absurdo. Havia uma certa razoabilidade em
tolerar-se laudos analógicos nas hipóteses admitidas, como bem ressaltou a
testemunha Marli, ao afirmar que os referidos laudos eram seguros, eis que se
baseavam em documentação fornecida pela empresa e, “no caso de Xingó, onde
os empregados eram barrageiros, sabia-se que o ambiente de trabalho tinhas
aquelas características comuns a todos, daí porque procurava se agilizar, até
porque os barrageiros viviam em vilas, de barragem em barragem” (fls. 169).
Esclarece ainda que os laudos por analogia eram relativos “a
empresas que não mais existiam ou de setores que não mais existiam, como no
caso de Xingó que, em determinando momento, não era mais possível
inspecionar trabalho em túneis, porque estes não mais existiam em ambiente
de trabalho, por estarem inundados” (fls. 169)
O que se extrai da prova coligida é que mesmo os laudos
realizados por analogia, com a tolerância da Administração, revelavam
alguma segurança, tanto que não há registro de laudos graciosos.
Evidentemente que a inspeção no local é mais segura, mas a Administração
tolerava esse modo de proceder e, até mesmo para essa tolerância havia
razoabilidade, ausente, portanto, a ofensa ao princípio da moralidade.
Finalmente, se desarrazoada não fosse a punição do autor,
revela-se ilegal, posto que a sua possível falta não se enquadraria em
qualquer das hipóteses elencadas no art. 132, da Lei 8.112/90.
Relativamente à indisponibilidade dos bens, cuja tutela
deferi para que não se efetivasse, remanescem as razões alí contidas. Ao
contrário do que pensa a Ré, no Decreto de demissão (fls. 02, dos autos
apensos) há referência expressa à regra do art. 136, da Lei 8.112/90,
integrando-se portanto, a esta sentença, o despacho de fls. 58 a 60, e 95,
onde acolhi os embargos de declaração.
Quanto à indenização pelos danos morais, antes de adentrar
no mérito, convém afastar a idéia de coisa julgada que a sentença de fls.
78 a 82, do MM. Juiz Edmilson Pimenta pudesse fazer crer ao leitor menos
atento.
O autor propôs ação de indenização por danos morais
contra a Delegada Célia Maria de Souza Andrade e a União Federal. Afastada a
primeira relação processual, as partes restaram idênticas. A causa de
pedir, entretanto, se não é diversa, é bem mais restrita que a dos
presentes autos.
Ali, o pedido foi julgado improcedente por não vislumbrar o
Juiz “dano moral ou material decorrente de ofício que solicita
informações funcionais acerca da pessoa do autor junto ao órgão do Poder
Judiciário.” Aqui, o pedido de indenização,
decorre da demissão injusta. Causa diversa, não há coisa julgada.
No mérito, desnecessário maiores comentários sobre a relação
de causa e efeito, decorrente da demissão ilegal, valendo os mesmos
fundamentos.
Quanto à indenização, entretanto, penso que, no caso, não
deve ser fixada. Explico.
O escopo da indenização por danos morais – já definiram
a doutrina e a jurisprudência pátrias – é o de reparar, por meio de uma
compensação financeira, a dor, o sofrimento experimentado pela vítima.
No caso, se não há dúvida de que a demissão ilegal do
autor causou-lhe sofrimento, a reintegração ao cargo com a condenação ao
pagamento dos salários atrasados tem também o efeito de reparar a dor
sofrida. É que a indenização por danos morais jamais poderá visar a
melhoria das condições financeiras da vítima.
Evidentemente que se cuida de indenizações natureza
distintas, mas o autor não demonstrou que, nesses anos em que esteve afastado
do cargo, tenha sofrido as agruras de um desempregado. As parcelas dos
vencimentos atrasados, atualizadas e com juros, por certo reparar-lhe-ão o
sofrimento experimentado, tendo em vista que não houve contraprestação –
trabalho - ainda que não seja responsável pelo fato.
Isto
posto, julgo procedente a ação para declarar nulo o ato de demissão do
autor constante do Decreto de 26 de março
de 1997, publicado no Diário Oficial de 27 de março do mesmo ano, em função
da nulidade do Processo Administrativo instaurado através da Portaria 816/95.
Condeno
a Ré a reintegrar o autor aos quadros da Administração Pública Federal ao
cargo que ocupava, garantindo-lhe a contagem de tempo de serviço.
Condeno
a Ré, ainda, a pagar ao autor os valores que resultarem da integralidade dos
seus vencimentos, desde a demissão até a data da reintegração, valores que
deverão ser atualizados e acrescidos de juros de 0,5% ao mês, tudo a ser
apurado em liquidação.
Antecipo,
parcialmente, os efeitos da tutela deferida, como requerido ás fls. 157 a
164, para que a reintegração ao cargo que ocupava proceda-se de imediato.
Ratifico
a tutela deferida nas fls. 58 a 60.
Condeno,
por fim, a Ré a ressarcir as custas e em honorários de advogado em 10% sobre
o valor do total que vier a ser apurado em liquidação.
P. R. I.
Aracaju,
30 de janeiro de 2002.
Ricardo
César Mandarino Barretto
[1] In “Direito Administrativo”, 11ª edição – Atlas, pg. 497
[2] In Direito Administrativo Brasileiro – 26ª edição – Malheiros, pg.
[3] Barbi, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 9.ª ed. rev. e aumentada – Rio de Janeiro, Forense, 2000, pp. 47 e 48.
[4]
In “Curso de Direito Administrativo” – 11ª edição
– Malheiros – pág. 58.
[5] Idem, pg. 66