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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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E M E N T A. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS POR INDÍGENAS. INDENIZAÇÃO. BENFEITORIAS. Em sede de ações possessórias é possível fundar a defesa da posse no domínio real. A FUNAI é o órgão federal responsável pela administração de terras da União Federal, ocupadas por índios. Caracterizado o esbulho, o titular do domínio que almeja ver restituída a posse do bem tem como meio adequado o ajuizamento da reintegratória, esteja o possuidor de boa ou de má-fé. O pagamento de benfeitorias exime o réu da condenação à indenização por perdas e danos.

 

S E N T E N Ç A:

 

 

A União Federal e a FUNAI intentam ação de reintegração de posse do imóvel situado no município de Porto da Folha, denominado de Terra da Caiçara, aduzindo o seguinte:

 

1. Os índios Aramurus, ora sucedidos pelos Ceocoses ou Xocó, adquiriram a posse da Fazenda Caiçara desde que lhes foi concedido morar naquelas terras, em virtude de haverem colaborado na expulsão dos holandeses.

 

2. Freqüentemente expulsos daquelas terras, os Xocó insistiam: retornavam. Os poderes públicos municipal e estadual, contudo, declararam devolutas as terras, sob alegação de que as comunidades indígenas haviam sido extintas.

 

3. Reza a Carta Magna serem bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios".

 

4. As terras reivindicadas não são devolutas e nula será qualquer transação por meio da qual se lhes transfira o domínio para terceiros, uma vez que este pertence à União e sua posse aos indígenas.

Apresentam estudos científicos sobre a origem etnológica dos Xocó.

Requerem a devolução da terra esbulhada, com a conseqüente reintegração dos índios Xocó na posse, e a condenação dos réus ao pagamento dos danos ocasionados ao imóvel.

A inicial veio acompanhada dos documentos que compõem o volume I dos autos, encerrado com a decisão que determina a citação por carta, dentre outras diligências.

 

 

 

Citação, de todos os réus, levada a termo, conforme segue:

1. Réus citados por carta precatória;

2. Réus citados por edital;

3. Citação da ré Elizabeth Guimarães de Brito.

4. Requerida a habilitação dos herdeiros de João Guimarães Brito. A pedido da autora, citação dos herdeiros habilitados.

Em face de pedido do MPF, retificada a distribuição, consignando-se como autora a União Federal.

Inclusão da FUNAI como litisconsorte ativa.

Exclusão de dois dos litisconsortes passivos: Antônio Guimarães de Brito e Hélcio Guimarães de Brito.

Certidão de revelia de todos os réus.

União solicita nomeação de curador especial. Nomeado o curador, compromisso prestado.

Intimação da FUNAI, para, querendo, realizar a demarcação das terras pretendidas. A FUNAI solicita Agentes da Polícia Federal que lhe assegurem os trabalhos de demarcação das terras. Ofício encaminhado à DPF, em atendimento ao pleito da FUNAI.

Relatórios parciais da PF a respeito do seu apoio aos servidores da FUNAI durante a demarcação das terras..

Planta e memorial descritivo da Fazenda Caiçara, acostados ao processo.

 

 

 

Trazida para os autos, cópia do decreto que homologou a demarcação da terra mais certidão dos registros imobiliários em cartório, em nome da União, das terras Ilha de São Pedro e Caiçara.

Ao longo da instrução, verifica-se a distribuição dos seguintes incidentes:

    1. exceção de incompetência. Suspensão do processo até julgamento do incidente. Rejeitado o pedido;
    2. agravos de Instrumento não providos;

3. embargos de terceiros rejeitados.

Na contestação, os requeridos argúem, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, alegando a ausência de provas da efetiva posse dos indígenas sobre a terra.

Em seguida, sustentam a legitimidade de sua posse ( deles, atuais ocupantes dos imóveis), uma vez que nos autos se encontra farta documentação comprobatória do domínio sobre as terras ora pleiteadas.

Por isso, requerem a improcedência total do pedido.

A contestação veio acompanhada de documentos.

Instadas as partes a manifestarem-se a respeito da audiência para realização de provas, apenas a FUNAI solicita o depoimento pessoal dos réus e a oitiva de testemunhas.

Apresentado o laudo pericial nos atentados (cópia no principal), determinação do juiz para que a FUNAI se manifeste a respeito de seu interesse na manutenção do pedido de audiência. Transcurso de prazo, sem a devida manifestação da FUNAI.

Saneado o processo.

 

 

 

Réus atravessam petição, solicitando esclarecimento sobre eventual acordo entre as partes.

Instadas a manifestarem-se a respeito do possível acordo, União Federal e FUNAI prestaram, respectivamente, os esclarecimentos consignados nos autos.

A União requereu a extinção do feito, com julgamento do mérito, enquanto o MPF opinou pelo arquivamento do feito.

Quanto ao pagamento das indenizações pelas benfeitorias, efetuado pela FUNAI, temos, em suma, o seguinte quadro:

    1. à exceção de João Guimarães Brito, Zélia Guimarães Brito e Iracema Guimarães Brito, cujos pagamentos encontram-se pendentes, os réus e/ou herdeiros habilitados já se encontram ressarcidos das benfeitorias realizadas na área reintegrada;
    2. não obstante, há notícia nos autos de que os ocupantes das terras desmembradas por Elizabeth Guimarães de Brito (Fazenda Belém), cujos nomes não se incluem como réus, também foram indenizados. Verifica-se, porém, que da lista consignada na folha 1280, restam alguns nomes de posseiros não indenizados.

Instada a prestar esclarecimento a respeito de eventual pendência no pagamento das benfeitorias, a FUNAI ratifica a informação de que todos os réu encontram-se devidamente indenizados pelas benfeitorias, restando, ainda pagamento a alguns posseiros da terra, desmembrada pela senhora Elizabeth Guimarães Britto.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

 

 

 

 

Decido.

A preliminar argüida guarda estreiteza com a matéria meritória, pelo que o conteúdo será analisado no momento propício.

Para facilitar a análise da demanda, faz-se necessário algum esclarecimento prévio a respeito da distribuição do processo no aspecto das partes envolvidas.

Assim, temos, desde o início, os seguintes réus: Elizabeth Guimarães de Brito, Antônio Guimarães de Brito e Hélcio Guimarães de Brito, Jorge de Medeiros Pacheco e Maria Tereza de Araújo Pacheco, Zélia Guimarães de Brito, Wilton Ribeiro da Silva, Manoel Elício da Cruz, Espólio de Darcy Cardoso de Souza, Agenor Dantas e João Guimarães de Brito, todos ocupantes do imóvel, portadores de Registro Imobiliário.

Os réus Antônio Guimarães de Brito e Hélcio Guimarães de Brito, Jorge de Medeiros Pacheco e Maria Tereza de Araújo Pacheco foram excluídos da lide.

Efetivados alguns atos processuais, constatou-se a necessidade de retificar-se a distribuição. Desta feita, temos, além daqueles acima elencados, os réus: Rita de Souza Santana, Neuza Maria de Souza Cardoso Teixeira, Maria José de Souza Barbosa, Maria Aparecida de Souza Dantas, João Cardoso Neto, Maria Izabel Cardoso de Souza, Marlene Silva Cardoso, José Correia Dantas, Tânia Maria da Conceição Brito, Antônio Soares Barbosa, Antenor Albuquerque Lima, Maria Izabel de Souza Lima, Rogério Lucena de Britto, Maria Prazeres Dantas, Elizabeth Lucena de Britto Lima, Antônio Fernandes Lucena de Britto e Maria das Graças Lucena de Britto.

Aprofundando a análise dos autos, verifiquei que a herdeira no Espólio de Darcy Cardoso de Souza - Maria Izabel de Souza Cardoso - e Maria Izabel de Souza Lima são, na verdade, a mesma pessoa que, todavia, aparece duas vezes como ré, com o nome de solteira e, posteriormente com o nome alterado pelo casamento. Deve-se retificar a distribuição.

Resta ainda o Espólio de Darcy Cardoso de Souza, que, representando a universalidade, deixou de existir com a partilha dos bens entre os herdeiros, os quais já integram o pólo passivo da ação. Deve, pois, ser excluído da demanda.

 

 

 

Inicialmente, cabe analisar o fato de alguns posseiros da terra, elencados na folha 1280, não haverem ainda recebido pagamento por eventuais benfeitorias realizadas na área. Apesar das informações trazidas ao processo a respeito dessa indenizações, verifica-se a ilegitimidade absoluta para qualquer ato, daqueles posseiros que não constituem partes na ação e sequer figuram como terceiros interessados. Portanto, a ausência do pagamento pelas supostas indenizações não têm qualquer efeito prático nesta demanda.

Quanto aos réus ainda não ressarcidos na esfera administrativa, entendo que as indenizações em virtude de benfeitorias realizadas na Terra Indígena Caiçara foge ao objeto deste processo, em que União e FUNAI pleiteiam a reintegração de posse e indenização por perdas e danos, às expensas dos réus, portanto.

Repudio quaisquer alegações de que os Xocó não formam uma comunidade indígena. Os documentos e estudos científicos anexados ao processo são perfeitamente aptos ao convencimento do mais exigente magistrado. Além disso, esse é um tema amplamente debatido em nossa comunidade, de maneira que se tornou público e notório o reconhecimento dos Xocó como grupo indígena inserido no espaço geográfico pertencente ao estado de Sergipe.

Dos elementos trazidos aos autos, constata-se a existência do imóvel denominado "Terra da Caiçara", estando suas características explicitadas, conforme documentos juntados ao processo.

Caracterizadas, por um lado, a legitimidade da FUNAI para defender direitos dos índios que disputam a posse e, por outro lado, a situação fática de o imóvel haver-se encontrado sob a posse dos réus durante vasto lapso temporal, verifica-se também a presença do decreto que reconhece o domínio da União sobre as terras administrativamente demarcadas, devidamente homologado pelo Presidente da República, sem insurgência das partes, e demais elementos que emprestam regularidade ao procedimento de reintegração de posse.

Quanto à existência da demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República mediante decreto, a orientação jurisprudencial colhida do STF dirime qualquer resquício de dúvida:

 

 

 

DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS – ÁREA DEMARCADA PELA FUNAI – DEMARCACAÇÃO ADMINISTRATIVA HOMOLOGADA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. (...) A importância jurídica da demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República – ato estatal que se reveste de presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade – reside na circunstância de que terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes ao patrimônio da União (CF, art. 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de destinação constitucional, a fins específicos voltados, unicamente, à proteção jurídica, social, antropológica, econômica e cultural dos índios, dos grupos indígenas e das comunidades tribais.

A QUESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS – SUA FINALIDADE INSTITUCIONAL. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. A carta política, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para esta, uma propriedade vinculada ou reservada, que se destina a garantir aos índios o exercício dos direitos que lhes foram reconhecidos constitucionalmente (CF, art. 231, §§ 2º, 3º e 7º), visando, desse modo, a proporcionar às comunidades indígenas bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundos seus usos, costumes e tradições. A disputa pela posse permanente e pela riqueza das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constitui fundamental da questão indígena no Brasil. A competência jurisdicional para dirimir controvérsias pertinentes aos direitos indígenas pertence à Justiça Federal comum.

O decreto presidencial somado aos outros documentos trazidos com a vestibular comprovam suficientemente que as terras pertencem à União. Além disso, os autos noticiam a luta pela posse da terra, desde tempos remotos. Os índios detinham a posse da terra, a qual lhes fora outorgada, inclusive, pelo poder imperial. Mas foram continuadamente esbulhados de sua posse.

Em sua peça contestatória, contudo, os réus afirmaram poder demonstrarem o domínio sobre as terras, mediante escrituras registradas em cartório. Afirmam haverem permanecido na posse das terras por cerca de cem anos.

 

 

 

Então, estamos diante de defesa da posse fundamentada na titularidade do domínio por ambas as partes. Realmente, conforme dispõe o art. 505 do Código Civil, é possível, em sede de ações possessórias, fundar a defesa da posse em justo título. A respeito do tema, consolidou-se entendimento sumular:

"Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada."

Ao aplicar a norma no caso concreto, o julgador deve ter em mente o disposto no artigo 507, do Código Civil:

Parágrafo único: Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será seqüestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque.

A clareza do dispositivo legal não pede outra interpretação além da literal. O decreto presidencial, conforme explicitado acima, constitui o justo título e favorece a União Federal.

A propósito da posse, colhi trecho da contestação do qual se infere que os próprios réus admitem que antes de ocuparem a área, aquelas terras eram ocupadas pelos índios, senão vejamos:

(...). A posse, assim como o esbulho, são requisitos essenciais para a propositura de ação de reintegração. Sem esses requisitos não há possibilidade jurídica para a presente ação, não podendo alguém ser reintegrado a uma posse que nunca deteve, pelo menos nos últimos cem anos.

As ações possessórias visam proteger a posse, mas não há como proteger uma posse que não se detém há mais de cem anos. (...)

O tempo decorrido na posse influencia quando se trata de pedido liminar. In casu, estamos em sede de análise do mérito. Não importa, pois, o tempo decorrido entre a posse mediante esbulho e o ajuizamento da ação.

 

 

Já a Emenda Constitucional nº 01, de 17/10/1969, em seus artigos 4º, IV, e 198, incluía dentre os bens da União, as terras ocupadas pelos silvícolas. Da mesma forma, a Lei 6001, de 19/12/1973, o Estatuto do Índio, relaciona as terras que se reputam indígenas. Logo, o reconhecimento do domínio da União sobre essas terras era pacífico, mesmo antes da promulgação da Carta Magna de 1988. Por isso, o ajuizamento da ação em janeiro de 1988, não altera o resultado. A Constituição Federal de 1988 até ampliou o que já se encontrava pacificado.

Não bastassem os argumentos já salientados, é oportuno uma rápida pincelada a respeito "dos direitos sobre as terras indígenas". Neste ínterim, é de se verificar, em princípio, o disposto no art. 20, XI, da atual CF o qual dispõe que as terras tradicionalmente ocupadas pelo indígenas são bens da União, assim como o conteúdo do art. 231, 2º e 5º, da mesma Carta Política. Partindo destas assertivas o doutrinador José Afonso da Silva in Curso de Direito Constitucional Positivo, traz algumas ponderações extremamente relevantes, merecendo, destarte, transcrição nesta sentença:

"A outorga constitucional dessas terras ao domínio da União visa precisamente preservá-las e manter o vínculo que se acha embutido na norma, quando fala que são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ou seja, cria-se aí uma propriedade vinculada à propriedade reservada com o fim de garantir os direitos dos índios sobre ela. Por isso, são terras inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

São terras da União vinculadas ao cumprimento dos direitos originários (art. 231), que, assim, consagra uma relação jurídica fundada no instituto do indigenato, como fonte primária e congênita da posse territorial, consubstanciada no art. 231, § 2º, quando estatui que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Disto também é que deriva o princípio da irremovibilidade dos índios de suas terras, previsto no § 5º do art. 231, só admitida a remoção ad referendum do Congresso Nacional e apenas em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco."

 

 

 

Coroando todas as defesas delineadas, as quais, já demonstram que a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, está além daquela regulada pelo direito civil, o § 6º do art. 231 da Carta da República de 1988 dispões que

"são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé."

Outrossim, o festejado autor já citado alerta para a exata compreensão da expressão "ocupadas tradicionalmente", recorrendo, inclusive ao Alvará de 1º de abril de 1680, afirmando que este reconhecia aos índios as terras onde estão tal qual as terras que ocupavam no sertão, com o que, a referida expressão, informa, não significa ocupação imemorial. E arremata:

"Não se trata, absolutamente, de posse ou prescrição imemorial, como se a ocupação indígena nesta se legitimasse, e dela se originassem seus direitos sobre as terras por eles ocupadas, porque isso, além do mais, é incompatível com o reconhecimento constitucional dos direitos originários sobre elas.

(...)

O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra".

Aduz José Afonso que os direitos dos índios sobre suas terras assentam no indigenato e que este não se confunde com a ocupação, com a mera posse, pois que:

"O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, ‘não é um fato dependente de legitimação (...)’.

 

 

 

A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios não é a simples posse regulada pelo direito civil; (...). É, em substância, aquela posse ab origine que, de início, para os romanos, estava na consciência do antigo povo (...).

Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam a sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre. ao seu habitat. Se se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque um direito sobre elas preexiste à posse mesma, e é o direito originário já mencionado".

De outro lado, esses mesmos réus, de quem inicialmente se pretende a posse da terra, deram, à FUNAI, quitação de valores devidos em virtude de benfeitorias realizadas nos respectivos imóveis. Reconheceram, assim, o domínio da União sobre aquelas terras.

Houve, portanto, o reconhecimento do pedido. Logo, parece-me que a questão tornou-se de fácil deslinde. Diante do texto constitucional, das preciosas lições doutrinárias e dos precedentes jurisprudenciais já explicitados, restou caracterizado o esbulho, com o que, as autoras têm direito a ver restituída a posse do bem, tendo, para isso, utilizado o meio jurídico adequado.

Ex positis, é de se acolher o pedido das demandantes para que sejam reintegradas na posse das terras, objeto deste processo.

Quanto ao pedido de condenação dos réus ao pagamento dos danos ocasionados ao imóvel, em sede de ação reintegratória é possível discutir eventuais perdas e danos, consoante disposição do art. 921, I, do CPC, verbis:

"Art. 921 - É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:

I- condenação em perdas e danos".

O que se verifica nos autos, todavia, é o pagamento de benfeitorias, efetivado pela FUNAI aos réus. Então, obviamente, sou levada a concluir que não houve perdas e danos. Ao contrário, pelas melhorias realizadas nas terras, os possuidores ainda mereceram indenização. Por isso, não vejo como acolher esse pedido autoral.

 

 

 

Diante de tudo quanto foi exposto, extingo o processo com julgamento do mérito, acolhendo, em parte o pleito das demandantes, para reintegrá-las na posse das terras objeto desta lide.

Em virtude da sucumbência parcial, e já fazendo as devidas compensações, por conta disto, condeno os réus em honorários de 5% sobre o valor atribuído à causa, pro rata.

Dois terços (2/3) das custas pelos demandados.

À SDEC, para exclusão de Maria Izabel Cardoso de Souza e Espólio de Darcy Cardoso de Souza.

Cópia desta sentença nos autos das ações diversas, das quais esta deve ser desapensada, certificando-se.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Aracaju, 28 de março de 2001.

 

 

TELMA MARIA SANTOS

Juíza Federal Substituta da 3ª Vara