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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Proc. JF/SE. Nº 2000.85.00.002472-0 - Classe XII- 2ª Vara.

Ação: "Cautelar".

Requerente: Antônio dos Santos Leite e outros.

Requerido: União Federal e outros. 

 

E M E N T A: CAUTELAR: AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PREAMAR, SEM AUTORIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Necessita de autorização atividade de construção inserida  em área caracterizada nos 300 metros da preamar máxima,  cujo gerenciamento cabe ao IBAMA, nos termos da lei federal pertinente. A responsabilidade de preservação do meio ambiente, todavia, por força de dispositivo constitucional, incumbe não somente ao poder público, mas também a todos cidadãos, pessoas físicas ou jurídicas, sem distinguir as da administração pública ou o particular. Ausente o fumus boni juris, indefere-se o pedido.

S E N T E N Ç A:


 

Os presentes autos versam sobre Ação Cautelar Preparatória, em que os requerentes informam a este juízo serem comerciantes estabelecidos na Praia de Aruana, nesta capital, explorando o ramo de bares e restaurantes naquela localidade.

Narram que, implantada a  Rodovia BR SE 100, ligando a Praia de Atalaia à Sarney, o Município de Aracaju, a ENSURB e a EMURB passaram a exigir-lhes regularidade na ocupação. A Prefeitura, todavia elaborou um projeto urbanístico para a região da Praia de  Aruana, com o que os autores viram-se prejudicados. Em contrapartida elaboraram outro projeto de urbanização daquela praia.

Após diversas tentativas de negociação junto àqueles órgãos,  o Ministério Público Federal, atendendo pedido dos moradores daquela localidade, interveio, promovendo algumas reuniões, nas quais faziam-se presentes, além do MPF e dos autores, representantes do IBAMA, ADEMA, DPU, Polícia Ambiental, Município de Aracaju, EMURB e ENSURB.

O IBAMA desautorizou o projeto urbanístico, sob o argumento de que se trata de área de praia marítima e, portanto, constitui-se de área de preservação permanente, nos termos da legislação ambiental.

Ante a ameaça, por parte de setores do poder público municipal, de terem seus estabelecimentos demolidos, em virtude do projeto urbanístico elaborado pelo Município de Aracaju, os requerentes pedem,  liminar e finalmente,  que os réus se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes à demolição de seus bares, até que o IBAMA se pronuncie definitivamente a respeito do projeto urbanísitico  da Aruana.[1]  

Com a inicial vieram documentos, inclusive comprovante de pagamento das custas iniciais.[2]

Deferido o pedido de concessão de liminar inaudita altera parte.[3]

Todos os réus foram regularmente citados.

Inicialmente, este processo fora distribuído para a 2ª Vara. Em virtude de impedimento do juiz daquela Vara, os autos foram conclusos a esta Juíza.[4]

Deixaram de apresentar contestação os réus Município de Aracaju, ADEMA e ENSURB.

Em suas respectivas contestações, em síntese, as demais requeridas argumentam, que:

CONTESTAÇÃO DA EMURB:

Os autores mantém seus estabelecimentos comerciais na praia de Aruana sem as necessárias licenças por parte do IBAMA, ADEMA, EMSURB E EMURB.

Em 13/01/2001, a Associação dos Donos de Bares da Praia de Aruana, na pessoa de seu presidente, assinou um Ajuste de Conduta com o MPF, comprometendo-se a regularizar a situação dos bares, até 30 de maio de 2000. No dia 31/05/2000, os autores foram comunicados de que deveriam desocupar a área.

Os autores apresentaram um projeto de urbanização que, todavia, após avaliação da Prefeitura, fora rejeitado, sob a alegação de que não atendia à perfeição urbanística e integridade ambiental da área da Praia da Aruana. Além disso, o projeto foi elaborado sem qualquer participação da Prefeitura Municipal, que detém a competência exclusiva para elaborar os projetos urbanísticos.

Há muito tempo, a EMURB e demais órgãos competentes vêm tentando regularizar a situação daqueles bares, sem obter êxito, em vista do descumprimento, empreendido pelos seus respectivos donos, às notificações expedidas pelos órgãos municiapis.

Cita o artigo 224, III e VIII, da Lei Orgânica do Município para esclarecer que os autores necessitariam de prévia licença para construir e fazer funcionarem os bares.

Entende não ser cabível medida liminar, quando o pedido envolve pessoa jurídica de direito público.[5]

CONTESTAÇÃO DO IBAMA: 

O IBAMA  informa que a área  em que se situam os bares  já fora objeto de diversas vistorias de que resultaram várias autuações, em decorrência de as construções terem-se efetivado na faixa de 300 metros da linha de preamar máxima, causando destruição de dunas e da vegetação nativa, mata de restinga.

Por esses motivos, o IBAMA  desautorizou os projetos urbanísticos apresentados tanto pela Prefeitura quanto pela Associação dos Donos de Bares da Aruana. Informa que o processo administrativo encontra-se sob a apreciação do DEREL/IBAMA/BSB.

Cita artigos da Constituição Federal e da legislação ambiental para explicar que o interesse público deve sobrepujar o interesse particular, mesmo em casos como o desta ação em que os requerentes já estão instalados na Praia de Aruana, ainda assim cabe ao poder público regularizar a situação.[6]

 

CONTESTAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL:

Após resumir os fatos,  pugna pela extinção do processo sem julgamento do mérito, em face de a representação apresentar irregularidades quanto a alguns autores.

Aduz que a liminar perdeu sua eficácia uma vez que, transcorridos mais de trinta dias da data em que se efetivou a liminar, os autores não ajuizaram a ação principal noticiada na inicial. Alega, ainda, estarem ausentes os requisitos para a concessão da medida liminar.

Entende que a ação perdeu seu objeto, no momento em que o IBAMA pronunciou-se definitiva e contrariamente à permanência dos estabelecimentos na área .

No mérito, elenca artigos da Constituição Federal e da legislação ambiental, inclusive Resolução do CONAMA, para fundamentar o seu entendimento de que se trata de área de preservação ambiental.[7]

Todos os contestantes requerem a improcedência do pedido, cominando-se aos autores as verbas de sucumbência

A União Federal noticia haver interposto agravo da decisão de que concedera o pedido de liminar.[8]

Excluídos o DPU e o MPF, em virtude de ilegitimidade passiva. Regularizada a distribuição, a União Federal passou a integrar o rol dos  demandados, em substiuição ao DPU.[9]

Os autores atravessam petição regularizando as respectivas procurações.[10]

As partes optaram  não realizar prova em audiência.

É o Relatório.


Fundamento e Decido.

A União Federal invocou preliminares. Rejeito-as, todas, com os seguintes fundamentos:

1)                a ação principal foi ajuizada no dia 30/06/2000. Antes, portanto, de expirar-se o prazo para seu ajuizamento;

2)                as representações foram devidamente regularizadas pelos autores;

3)                da perda do objeto da ação: não obstante já conhecermos o pronunciamento definitivo do IBAMA,  isso ocorreu após proferir-se a decisão. Aliás, essa informação foi colacionada ao processo junto com a contestação daquele órgão. Portanto, permanece, de fato, a iminência de os autores terem seus estabelecimentos demolidos pelo poder público. A sentença que ora se prolata constitui o momento apropriado para decidir a respeito da provisoriedade ou permanência da medida cautelar adotada, mas o objeto da ação persiste até esse momento.

Deixaram de apresentar contestação os réus Município de Aracaju, ADEMA e ENSURB. Apesar disso, os efeitos da revelia, preconizados no art. 319 do CPC, não se configuram. Trata-se de pessoas jurídicas de direito público[11]. Sobre o tema, o processualista Ernane Fidélis dos Santos, comentando o art. 330,II, do CPC, assim se pronuncia:

 “(...) Referindo-se, porém a direito indisponível, a lei não cuida apenas daqueles que são inerentes ao indivíduo, mas também dos que interessam à família,  à  sociedade e  ao  Estado.    No  direito moderno, a tendência é de prevalecer sempre o interesse público sobre o privado (...).  Há direitos que, por si mesmos, não são indisponíveis, mas, conforme seja seu titular, adquirem indisponibilidade; indisponibilidade relativa.. Tal ocorre com os direitos dos incapazes e das pessoas jurídicas de direito público.  O incapaz não pode confessar; tampouco seu representante ou assistente.  O mesmo se diga com relação à pessoa jurídica de direito público.  Mas, no que se relaciona com os efeitos da revelia e com a presunção de verdade dos fatos não impugnados, a justificativa de não admiti-los encontra-se exclusivamente no interesse público que sobrepuja o particular na proteção de tais direitos.” [12]

 

Passo, então, ao mérito.

Discorrendo sobre a necessidade do processo cautelar, o preclaro José Carlos Barbosa Moreira, argumenta que

resulta da possibilidade de ocorrerem situações em que a ordem jurídica se vê posta em perigo iminente, de tal sorte que o emprego de outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se revelaria eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para repará-la de modo satisfatório[13].

Quanto aos fins das ações cautelares, ensina o magistério do Doutor Humberto Theodoro Júnior,

Não é o direito material que assegura o exercício dessa ação, mas o risco processual de ineficácia da prestação definitiva sob influência inexorável do tempo que se demanda para alcançar o provimento definitivo no processo principal[14].

Como se vê, os provimentos cautelares constituem-se em mecanismos processuais através dos quais se procura assegurar a efetividade do resultado definitivo no processo principal, evitando-se, por essa via, que a força corrosiva do tempo torne inócua a lide.

Analisemos, então, os requisitos da tutela cautelar:

Segundo o art. 798, do Código de Processo Civil, um dos parâmetros para a concessão de medida cautelar é a existência de fundado receio de lesão grave, iminente e irreparável, a um determinado direito da parte.

Passo, portanto, a analisar, neste caso concreto, o pedido cautelar e a existência ou não do direito alegado, à luz das provas carreadas aos autos.

O conteúdo do pedido liminar é a permanência dos autores no comércio de bares e restaurantes, estabelecidos na Praia de Aruana, até que o órgão competente para autorizar o funcionamento dos bares se pronunciasse a respeito dos projetos urbanísitcos elaborados para reorganização daquela localidade.


 

A área ocupada pelos autores encontra-se inserida naquela caracterizada nos 300 metros da preamar máxima,  cujo gerenciamento cabe ao IBAMA, nos termos da lei federal pertinente. A responsabilidade de preservação do meio ambiente, todavia, por força de dispositivo constitucional[15], incumbe não somente ao poder público, mas também a todos cidadãos, pessoas físicas ou jurídicas, sem distinguir as da administração pública ou o particular.

Vejamos a letra da lei a respeito da ocupação do bem público de uso comum do povo de que cuida essa demanda:

“Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º - Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º  - A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

§ 3º  - Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tais como areais, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”[16]

A Resolução nº 004/85 c/c a Resolução nº 004/1993 estabelece que atividades, obras, planos e projetos a serem instalados na faixa de preservação permanente devem ter prévio licenciamento. Aliás, os autores demonstram estarem cientes dessa responsabilidade ao encomendar projeto de urbanização da localidade que almejam continuar explorando economicamente.


 

Na condição de órgão executor do SISNAMA, compete ao IBAMA executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente[17]. Encerrada, pois, a questão quanto à necessidade de licenciamento prévio para construir naquela área, a qual, por encontrar-se em zona costeira, situada a 300 metros da preamar, caracteriza-se como de preservação ambiental permanente.

Acrescente-se a necessidade de licenciamento junto a órgãos do serviços públicos municipal e estadual, tais como a ENSURB,  a EMURB e a ADEMA.

Vejo como dissipada qualquer dúvida a respeito da possibilidade ou não de construir  em áreas de preservação permanente, mas esta possibilidade não está livre das imposições oriundas do ordenamento jurídico.

O pedido consiste tão somente em que a administração pública se abstenha de demolir os bares, sem que se tenha o posicionamento definitivo do IBAMA. Pois bem, já o temos. Conforme informa a autarquia em sua contestação, o projeto de ocupação da área foi desautorizado por aquela autarquia desde a informação técnica nº 10/2000 – DITEC/IBAMA/SE. Apenas submeteu-se o projeto à apreciação do DEREL/IBAMA/BSB para dar maior respaldo ao posicionamento da Representação do IBAMA em Sergipe. Assim, temos o seguinte posicionamento do IBAMA a respeito do assunto:

Diante do que foi relatado e considerando o nível de ocupação registrado atualmente na orla marítima, no trecho ocupado pelo projeto Orla e às margens da Rodovia José Sarney, proximidade da área pretendida com o Parque das Dunas e, como esta área também já foi motivo de diversas intervenções deste instituto, inclusive gerando autos de infração e pareceres que fundamentados na legislação vigente, desautorizam quaisquer iniciativas de ocupação, principalmente quando se trata de projetos privados com amplitude social discutível, em área da União, entendemos que estas áreas mais próximas do mar, devem ser  resguardadas do tipo de ocupação proposta no Projeto em pauta, estando garantidas suas condições de preservação permanente no art. 2º da lei 4.771 (Código Florestal) e na Resolução Conama nº 004/85.[18]

Cabe ao poder público, utilizando-se se deu poder discricionário, praticar atos, visando o bem estar e o interesse coletivo. Neste caso, trata-se de ato de autorização, com efeito constitutivo, porque há de modificar uma situação do administrado.  Vejamos o que nos ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro:


 

“Num primeiro sentido, (autorização) designa o ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos.

(...)

Nesse sentido, a autorização abrange todas as hipóteses em que o exercício de atividade ou a prática de ato são vedados por lei ao particular, por razões de interesse público concernentes à segurança, à saúde, à economia ou outros motivos concernentes à tutela do bem comum. (...)”[19]

Entendo que a divergência sobre a possibilidade ou não de se construir naquela área ou se ela se caracteriza ou não como bem público de uso comum do povo, não altera o resultado desta lide, uma vez que o cerne do pedido é tão somente a permanência ou não dos autores na exploração comercial da localidade, até decisão do IBAMA.

Isto posto,  julgo improcedente o pedido, cassando a liminar de folha nº 301.

Condeno os autores no pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC.

À SDEC para exclusão do MPF.

Cópia desta sentença nos autos da ação declaratória nº 2000.85.00.2984-5.

Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.

Aracaju, 11 de setembro de 2001.

 

Telma Maria Santos

Juíza Federal Substituta da 3ª Vara



[1] Fls. 02/18

[2] Fls. 18/299 e 300.

[3] Fls. 301.

[4] Fls. 379.

[5] Fls. 320/330.

[6] Fls. 332/346.

[7] Fls. 356/367.

[8] Fls. 369/378.

[9] Fls. 380.

[10] Fls. 382/386.

[11] art. 320, II, do CPC

[12] SANTOS, Ernane Fidélis dos, Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed., editora Saraiva.

[13] O novo processo civil brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, pág. 410

[14] Processo cautelar. São Paulo: LEUD, 1976, pág. 60

[15] Constituição Federal, 1988, art. 225, § 3º.

[16] Lei 7.661/88.

[17]  - Lei 6.938, de 31/08/1981.

[18] Fls. 339.

[19] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª Edição, pág.: 210. São Paulo Editora Atlas S/A.