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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2001.85.00.1-0 - Classe 10000 - 1ª Vara

Ação: Sumária

Autor: José dos Santos

Réu: União Federal

Juiz Federal: Dr. Ricardo César Mandarino Barretto

 

Administrativo e Previdenciário - Pensão especial de ex-combatente. Possibilidade de acumulação com outro benefício previdenciário. Inteligência do art. 53, II e III, do ADCT. Precedentes dos Tribunais. Termo de opção. Conteúdo inválido pela superveniência da CF/88. Distinção de vícios entre atos administrativos e regidos pelo direito privado. Modificação de entendimento. Procedência.

 

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

José dos Santos, qualificado na inicial de fls. 02, propõe, em face da União Federal, a presente ação sumária, objetivando continuar a perceber a pensão especial de que trata o art. 53, II e III, do ADCT, acumulada com a aposentadoria auferida na condição de ex-servidor estatutário. Postula, seqüencialmente, o pagamento das diferenças financeiras decorrentes.

Participando da 2ª Guerra Mundial, por haver sido integrante da Força Expedicionária Brasileira, tomara parte efetiva, no teor de suas palavras, em operações bélicas, fazendo jus, portanto, à qualificação de ex-combatente.

Em 1972, aposentara-se como servidor público vinculado ao Ministério da Saúde, mas, em 1981, fora levado a assinar um termo de opção pelo benefício militar, renunciando ao civil. Enxerga, aí, coação moral irresistível, a viciar o ato desde sua formalização.

Discorre sobre as disposições do corpo transitório da Constituição Federal de 1988, nelas respaldando a possibilidade de acumulação.

Enuncia precedentes jurisprudenciais e requer antecipação dos efeitos da tutela, com juntada de documentos ao final.

Deferido o pleito antecipativo nas fls. 18 e 19.

Citada, a ré comparece a audiência, oferecendo impugnação ao valor da causa e defesa, sob a forma de contestação.

Solucionado o incidente (fls. 24), ficou consignada na peça de resposta a preliminar de prescrição e, no mérito, salientou-se que, nos termos da legislação vigente à época do termo de opção (Lei 4.242/63), a acumulação de pensão especial com quaisquer outras rendas oriundas dos cofres públicos era expressamente vedada.

Nesse tom, entende ser impertinente a alegação de coação moral irresistível.

As partes ratificaram suas razões, oralmente.

É o relatório.

Configurada aqui a hipótese do art. 330, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide.

Cumpre, de início, o exame da preliminar argüida pela União Federal.

A prescrição, na hipótese, é regida pelo Decreto nº 20.910/32, que estabelece o prazo qüinqüenal para a cobrança das dívidas passivas das entidades de direito público, ressalvadas algumas exceções aqui irrelevantes.

Acerca de tal prazo, é de se anotar a súmula nº 85, do STJ, verbis:

 

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.

 

O direito à aposentadoria civil do demandante jamais fora negado. Vale dizer, sua condição de aposentado, vínculo de direito público, nunca sofreu impugnação.

O termo de opção, lavrado para que gozasse da pensão militar especial, não desconstituiu referida situação jurídica, a qual representa o fundo de direito, por isso mesmo incólume. Tal termo fez cessar apenas os consectários financeiros da aposentadoria civil, isto é, suas prestações mensais.

Além disso, é corrente na jurisprudência – e por diversas vezes o tenho reiterado em minhas decisões – que as verbas de caráter alimentar são imunes, em seu fundamento, ao evento prescricional, recainte apenas sobre as parcelas periódicas.

Merece aplicação a súmula transcrita, portanto, para, em resposta à preliminar, reconhecer prescritas apenas as parcelas mensais anteriores à 02.01.1996.

No mérito, vem à reflexão as palavras da defesa, afirmando que, ao tempo da opção pela pensão especial, a legislação de regência vedava a acumulação pretendida.

A assertiva, contudo, não se coaduna com a realidade implantada pelo poder constituinte originário em 1988, conferindo, aos ex-combatentes, o direito a cumular a pensão especial com outra verba de caráter previdenciário.

Os pressupostos da cumulação, são, portanto, dois: a) condição de ex-combatente; e b) verba cumulada de caráter previdenciário.

Por ser inicial, autônomo, incondicionado, não podem ser opostas, ao poder constituinte originário, as balizas do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. São esses limites dirigidos apenas ao direito pós-constituição.

Nesse tom, pouco importa se a opção pela pensão especial ocorrera antes ou depois da CF/88, como também é irrelevante se o diploma legal citado pela ré vedava ou não a percepção conjunta. Para a Constituição Federal, o direito ao cúmulo contempla todos aqueles que preencherem os pressupostos descritos, porquanto as restrições desbordantes não foram recepcionadas pela ordem jurídica nascida em 05 de outubro de 1988.

Assim, a solução da lide consiste em se aferir se é possível a acumulação da pensão prevista no art. 53, II e III, do ADCT, com uma aposentadoria paga diretamente pelos cofres públicos e, a partir dessa aferição, verificar a validade atual dos efeitos advindos do termo de opção.

De logo, esclareça-se que a ré não impugna a qualidade de ex-combatente do demandante, admitindo essa circunstância, de resto demonstrada pela documentação de fls. 12 e 13, onde é revelada, por certidão do antigo Ministério do Exército, a participação de operações de guerra na Itália.

O art. 53, II, do ADCT, estabelece a inacumulabilidade de pensão especial aqui discutida com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários.

Isso significa dizer que a pensão especial não pode ser acumulada com vencimentos percebidos pelos cofres públicos, mas é possível a acumulação com outros benefícios previdenciários, entendendo-se estes como toda e qualquer pensão.

É verdade que o parágrafo único, do mesmo dispositivo legal, estabelece que a pensão especial do inciso II substitui qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente, o que praticamente, torna letra morta a regra do inciso II, a se admitir a sua prevalência.

O texto, no particular, parece-me incoerente, fruto de algum equívoco do legislador, devendo prevalecer a regra geral que admite a acumulação, mesmo porque quem quer que se debruce sobre as leituras dos debates na época da Constituinte de 1988 observará que a pensão especial de ex-combatente foi instituída como uma vantagem a mais àqueles que arriscaram suas vidas na 2ª. Guerra Mundial.

Se não fosse possível a acumulação, a pensão deixaria de ser um prêmio em reconhecimento ao sacrifício dos que participaram da Guerra.

Na hipótese, o direito de opção a que se refere o inciso II, não diz respeito à pensão especial com outro benefício previdenciário, mas, sim, com rendimentos outros recebidos dos cofres públicos.

Ressalte-se, no particular, que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais, "ex vi" , das decisões seguintes:

 

"4 - É legítima a acumulação da pensão especial de que trata o art. 53, II, do ADCT da CF de 1988, com aposentadorias pagas diretamente pelos cofres da União, dos Estados ou dos Municípios. Tais aposentadorias se enquadram no conceito de benefícios previdenciários, estando a cumulação, assim, expressamente autorizada pela própria norma constitucional."

(TRF 5ª. Região/ Apelação Cível 583590-95/ UF:PE/ 1ª. Turma/ Rel. Juiz Hugo Machado/ pub. DJ 29.09.95/ pág.:66263).

 

"Ementa: Previdenciário - Ex-combatente - Pensão militar - Cumulatividade.

A atual legislação pertinente, além do art. 53, inciso 2 e inciso 3 do Ato das Diposições Constitucionais Transitórias, permitem a cumulatividade da pensão militar com a aposentadoria previdenciária. Apelação provida."

(TRF 4ª. Região/ Apelação Cível 417796-89/ UF:SC/ 1ª. Turma/ Rel. Juiz Cal Garcia/ pub. DJ 09.05.90).

 

O Egrégio STF, recentemente, pôs fim à discussão, conforme noticiado no informativo de jurisprudência de nº 208. Vejamos:

 

"A pensão especial concedida a ex-combatente pelo art. 53, II, do ADCT, é acumulável com os proventos de aposentadoria de servidor público, em face do caráter previdenciário deste benefício (ADCT, art. 53: "Ao ex-combatente que tenha efetiva mente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei n.º 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: ... II - pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção;"). Precedente citado: RE 236.902-RJ (DJU de 1º.10.99)."

(RE 263.911-PE, rel. Min. Ilmar Galvão, 31.10.2000)

 

Constatada a possibilidade de acumulação, necessário agora é analisar se há respaldo à manutenção dos efeitos do termo de opção.

Em outra oportunidade, considerei aplicável, à espécie, a teoria das nulidades concernente ao direito civil, reconhecendo a existência de coação e, por isso, anulando o termo com efeitos ex nunc (Processo nº 98.4324-1 – 1ª Vara).

Contudo, analisando o tema mais detidamente, percebo que a resposta remanesce nas lindes do direito administrativo, escusando-me, agora, do equívoco anterior.

Foi visto acima que a Constituição Federal, no ADCT, possibilitou a acumulação da pensão especial com outra prestação de caráter previdenciário, de forma a abranger tanto aqueles que gozassem de tal pensão antes de sua promulgação, como aqueles que a requeressem após. A Carta Magna previu, também, a possibilidade de opção, restrita aos casos de impossível acumulação.

Ora, tendo que o permissivo constitucional retroage, alcançando os pensionistas anteriores a 1988, como é o caso do autor, todas as opções de "renúncia", efetuadas na hipótese de acumulação admitida pelo art. 53, do ADCT, perderam seu fundamento legal. Sobreveio ordenamento jurídico a tornar incompatível a manutenção dos efeitos do termo de opção.

Caracterizada, portanto, na ótica do direito administrativo, a caducidade do ato. A caducidade é geralmente relacionada, nos compêndios de doutrina, com a retirada de um ato negocial, até então favorável ao administrado, em decorrência de legislação superveniente, que traz óbice irremovível à sua permanência.

Evidentemente, a hipótese dos autos é um pouco diversa, porque o ato caduco, de inegável caráter negocial, é prejudicial ao administrado. Essa circunstância, porém, longe de afastar o instituto da caducidade, parece-me justificá-lo ainda mais, pois o perpetuar de tal restrição beneficia somente um interesse secundário da administração (economia risível, às custas de transgressão da legalidade), conflitante com o interesse público primário (assistência social, na modalidade de previdência, concedida de forma particularizada aos que arriscaram suas vidas pelo País) – e, destarte, superior – insculpido na Constituição Federal de 1988, no art. 53, de seu corpo transitório.

 

 

Isto posto, julgo procedente o pedido, para declarar o direito do autor quanto à percepção cumulativa da pensão especial prevista no art. 53, do ADCT, com a aposentadoria que lhe é devida na condição de ex-servidor civil.

Condeno a União Federal no pagamento das prestações vencidas, observada a prescrição e, desse modo, compreendidas entre 02.01.1996 e o reimplante mensal da referida aposentadoria.

O respectivo montante deverá ser apurado em liquidação, contabilizando-se correção monetária e juros, estes devidos com a citação, no percentual de 1% ao mês (precedentes do STJ: RESP 265.729/SC – rel. Min. Jorge Scartezzini; AGRESP 265.989/SC – rel. Min. Edson Vidigal; RESP 280.230/PR – rel. Min. Fernando Gonçalves; RESP 280.368/SC – rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

Condeno, a ré, por fim, em honorários, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação.

Ratificada a antecipação de tutela.

Sentença sujeita a reexame.

P. R. I.

 

Aracaju, 15 de maio 2001.

 

 

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal da 1ª Vara