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PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

 

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Processo nº 2000.85.805-2- classe 02000 - 1ª Vara

Ação: Mandado de Segurança

Impte: Nadja Maria Teles dos Santos

Impdo: Reitor da Universidade Federal de Sergipe

Juiz Federal: Ricardo César Mandarino Barretto

 

Administrativo. Servidor Público. Aposentadoria por invalidez. LER – Lesão por Esforço Repetitivo. Havendo a previsão legal (art. 20, da Lei n.º 8.213/91), de doença profissional descrita como LER, tem-se como atendidos os requisitos do art. 40, I, da Constituição Federal, para efeito de concessão aposentadoria por invalidez. Segurança concedida.

 

SENTENÇA:

Vistos, etc...

Nadja Maria Teles dos Santos, qualificada na inicial de fls. 02, impetra o presente "writ", com pedido de liminar, contra ato do Magnífico Reitor da Universidade Federal de Sergipe, objetivando seja assegurado seu direito à aposentadoria por invalidez com proventos integrais.

Em sua explanação, alega que é funcionária da UFS, exercendo o cargo de digitador, tendo adquirido, ao longo do exercício de suas funções, a patologia conhecida popularmente como LER (Lesão por Esforço Repetitivo).

Sustenta que a Junta Médica daquele órgão reconheceu o nexo de causalidade entre a patologia e o desempenho de suas atividades profissionais, manifestando-se no sentido de que lhe fosse concedida a aposentadoria por invalidez com proventos integrais, face à previsão do art. 40, I, da Constituição Federal e art. 186, da Lei n.º 8.112/90. A autoridade apontada como coatora, entretanto, concedeu-lhe o benefício com proventos proporcionais, alegando ausência de previsão legal para concessão de aposentadorias relativas às moléstias profissionais.

Ampara sua tese em ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, junta documentos, pede a liminar e, ao final, a concessão da segurança.

Reservei-me para apreciar a liminar após a notificação da impetrada.

Em suas informações, a autoridade coatora alega, preliminarmente, ilegitimidade passiva, afirmando que a competência para homologação dos atos de concessão de aposentadoria é da Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda.

No mérito, sustenta a legalidade do ato atacado, aduzindo que a LER não consta no rol de doenças graves, incuráveis ou contagiosas, previstas no art. 186, I, da Lei n.º 8.112/90, não havendo, portanto, base legal para concessão do benefício com proventos integrais.

Diz, por fim, que o reconhecimento da LER, como doença profissional ou do trabalho, só se deu no âmbito do Regime Geral da Previdência, do qual estão excluídos os servidores públicos.

Junta documentos, pede o indeferimento da liminar e denegação da segurança, ao final.

Em decisão de fls. 96, indeferi a liminar.

A autora manifestou-se sobre os documentos acostados.

Em manifestação de fls. 114, o MPF requereu a inclusão da União como litisconsorte passivo.

Citada, a União Federal contesta o pedido, aduzindo, em preliminar, a ilegitimidade passiva e, no mérito, repete a argumentação trazida nas informações da autoridade coatora.

Intimada, a impetrante manifestou-se acerca da contestação da União e a UFS, embora também intimada, silenciou.

Em seu parecer, o MPF opina pela rejeição da preliminar de de ilegitimidade passiva da autoridade coatora, do acolhimento da preliminar de ilegitimida passiva da União e, no mérito, pela concessão da segurança.

É o relatório.

 

Não há ilegitimidade de parte da autoridade coatora, pelo simples fato de tratar-se de ato complexo, dependente da homologação da Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda, eis que competiu, ao Reitor da Universidade, baixar Portaria concedendo à impetrante aposentadoria com vencimentos proporcionais.

Ora, se tem competência para conceder aposentadoria proporcional, terá para negar a aposentadoria por invalidez, que é o obejtivo da autora.

Rejeito a preliminar.

Acolho a preliminar de ilegitimidade da União, por representar, a autoridade coatora, uma autarquia, com autonomia financeira e administrativa, em nome de quem pratica os atos administrativos na condução dos interesses das pessoa jurídica pública.

Assim, excluo a União da lide.

No mérito, a razão está com a impetrante.

Demonstrou ela ser portadora da doença profissional cervicobraquialgia à esquerda, conhecida como LER – lesão por esforço repetitivo, típica dos digitadores, como é o caso da servidora.

O laudo médico da própria Universidade não deixou margem para dúvida, ao concluir de peremptoriamente que "do ponto de vista neurológico, a paciente não tem condições para exercer suas funções profissionais."

A autoridade impetrada apega-se ao fato de inexistir lei específica dirigida ao servidor público incluindo a LER entre as doenças incapacitantes, entendendo inaplicável o art. 20, I, da Lei n.º 8.213/91, por ser diploma legal regulador de previdência privada.

Há, por parte da autoridade coatora, um equívoco interpretativo do texto constitucional. É que o art. 40, I, da Constituição concede o direito à aposentadoria por invalidez permanente, com proventos integrais "quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos."

Ao utilizar-se o constituinte da expressão especificadas em lei, valeu-se de um critério genérico, podendo ser qualquer lei federal e não apenas uma lei específica, que fizesse referência expressa à disposição constitucional referida.

A lei existe, é a lei n.º 8.213/91, que contém preceitos de ordem pública, não sendo razoável aplicá-la apenas ao empregado celetista, porque, aí sim, estar-se-ia a inobservar um princípio maior isonomia constitucional.

O Dr. Procurador da República, Dr. Paulo Jacobina desmonta, de forma magistral, toda a criatividade da elocução da autoridade impetrada ao afirmar, em seu parecer:

 

"A Constituição Federal, no seu artigo 40, parágrafo 1º, inciso I, garante a aposentadoria com proventos integrais no caso de invalidez permanente causada por moléstia profissional, como prevista em lei.

A lei n.º 8.112/90 não previu esse tipo de LER, especificamente, como doença profissional, mas a própria União Federal, no art. 20 da lei n.º 8.213/91, a previu como tal, para fins de reconhecimento de acidente de trabalho.

Inexistem duas espécies de ser humano, como quer fazer parecer o impetrado. Não existe o "homo sapiens privadus", que trabalha no setor privado, e o "homo sapiens publicus", que trabalha no setor público. Somos todos seres humanos, independente do setor de atividade a que estamos vinculados. Assim, somos dotados da mesma fisiologia, eis porque a União Federal não pode reconhecer que um ser humano que realiza uma atividade que pode desencadear LER, no setor privado, é diferente de um ser humano que desempenha essa mesmíssima atividade no setor público.

Inexistem, outrossim, duas Uniões Federais. Inexistem, portanto, dois ordenamentos jurídicos federais, mas apenas um, que deve ser interpretado como um estamento uno e indivisísel.

A Constituição Federal, ao ressalvar, no art. 40, § 1º, I, as doenças decorrentes de atividade profissional, "como previsto na lei", não determinou que apenas a "lei administrativa" em sentido estrito poderia prever essas enfermidades. Por outro lado, a interpretação extensiva dos casos de aposentadoria por invalidez decorre de um mandamento expresso do próprio estatuto dos servidores, ao determinar, no art. 186, § 1º, que o servidor será aposentado com proventos integrais nos casos ali relacionados e "em outros que a lei indicar", deixando, mais uma vez de distinguir entre leis administrativas e leis trabalhistas. Ibe eade ratio, ubi eadem jus, quer dizer, onde há a mesma razão, deve existir o mesmo direito.

O servidor público não é uma coisa, uma máquina que a União usa e esgota e depois atira fora, esquivando-se de sua responsabilidade através da atitude de escamotear um direito por ela mesma reconhecido, empurrando, além disso, a responsabilidade entre órgãos da sua enorme burocracia, como se a integridade física do servidor, perdida no cumprimento de seu dever em benefício da coisa pública federal não significasse nada.

Isso é um tratamento indgino à pessoa humana, mormente aquela que, havendo se esforçado no cumprimento do seu dever em tal grau, viu-se privada da sua saúde por desempenhar seu dever acima do que lhe permitiam os limites do seu corpo."

 

Acrescento. Ainda que não houvesse disposição legal definindo as doenças que incapacitam a continuidade no trabalho, penso que, embora de eficácia contida, a norma do art. 40, inciso I, da Constituição é norma de princípio. Se não o fosse, chegaríamos ao absurdo de negar aposentadoria por invalidez ao servidor público exercente de atividade de limpeza que houvesse pedido as pernas em um acidente. Afinal, nem todos podem ser incluídos na categoria do genial físico inglês Stephen Hawking, um inválido extraordinariamente válido.

Com esses fundamentos, concedo a segurança, para determinar que a autoridade coatora aposente a impetrante por invalidez, com proventos integrais.

Custas pelo impetrado.

Sem honorários por força da Súmula 512, do STF.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Aracaju, 16 de maio de 2001.

 

Ricardo César Mandarino Barretto

Juiz Federal - 1ª Vara