JACKSON DA
SILVA LIMA – 70 ANOS
Vladimir Souza Carvalho (*)
De todos, o mais amplo e o mais profundo, com
disposição de, nas dúvidas, que são infinitas,
e nas pesquisas, de caráter permanentes, descer
até o fundo do poço, para resolver o enigma. A
redação prima pela precisão, na busca e no
alcance da perfeição, se a tanto puder chegar o
gênio humano. Ao falar, ou melhor, ao discursar,
o velho resquício de orador de tribuna de júri,
revestindo a voz de uma tonalidade austera e
elegante, senhor da palavra e do momento. E,
acima de tudo, a seriedade com que enfrenta as
temáticas que a paixão pela pesquisa vai lhe
colocar a frente, como obstáculos constantes
para a labuta do dia a dia, porque nunca está
parado. A inatividade funcional deu-lhe mais
tempo para o que gosta. Um quadro com a sua
assinatura, ou melhor, um texto com a sua
assinatura é algo que não cansa, mesmo que a
matéria abordada seja, dentro da literatura ou
do folclore, pouco agradável. Refiro-me a
Jackson da Silva Lima.
Eu, suspeitíssimo, para dele falar, pela amizade
que nos une, e, mais do que isso, pela admiração
que lhe devoto e pelo muito que lhe devo, desde
o ontem de muitas décadas atrás até os diálogos,
que não já são muitos, dos dias atuais. Foi a
sua presença na Justiça Federal, como Chefe de
Secretaria, que me atraía. Vivíamos o final da
década de sessenta. Como datilógrafo, regido
pela CLT, aprovado em concurso público,
inicialmente, em enfurnei na Seção Judiciária de
Sergipe, para onde, abrindo parênteses para a
passagem como juiz de direito em duas comarcas
interioranas e como juiz federal no Piauí e em
Alagoas, retornaria depois, encontrando-o
incansavelmente ativo na faina de escrever. O
meu retorno não era só do ex-servidor que se
transformara em magistrado, mas do ex-servidor
que fazia questão de retomar os velhos diálogos
sobre ... literatura.
E fruto desses diálogos, de repente, a minha
torneira voltava a jorrar, com Mulungu
Desfolhado (contos, 1995), Apelidos em
Itabaiana (folclore, 1996), Adivinhas
Sergipanas (folclore, 1999), sem contar com
a estrutura central de Competência da Justiça
Federal (direito), por Jackson da Silva Lima
sugerida, livro que, modestamente, já vai
atingindo a 7a. edição. Agora mesmo,
as Anotações do bodegueiro Vitoriano da
Ressurreição [título provisório],
minha primeira tentativa no romance, passa por
seu crivo, tesoura paciente e afiada na mão, a
sugerir, após a cansativa leitura de duzentas e
poucas páginas, este e aquele corte, essa e
aquela mudança, para depois retornar a sua
apreciação, empreitada na qual me encontro,
quando o tempo permite. Com República Velha
em Itabaiana (história, 2000) e Água de
Cabaça (contos, 2003), caminhei sozinho,
para não lhe roubar o tempo.
Mas, Jackson da Silva Lima foi só isso em minha
vida? Claro que não. Trabalhando com ele
diretamente, no cartório da Justiça Federal,
durante oito anos e cinco meses, de agosto de
1970 a dezembro de 1978, enchi minha paciência
de ouvir suas advertências, conselhos e
orientações. Ainda hoje, quando reúno a
secretaria da 2a. Vara, faço questão
de reiterar frases de sua autoria, que o tempo
não me apagou da cabeça. Cuidado com isso,
certifique aquilo, a certidão é o nó que se dá,
o ofício tem de ser assim e assado, o processo
não pode ficar em gaveta, senão se perde, e uma
série mais de lembretes necessários e
fundamentais na lide forense, no relacionamento
de cartório versus advogados e partes. Quem
trabalhou sob sua batuta há de manter vivas as
lições que, reiteradamente, proferia. O pouco
que sei e que me permite conduzir um feito a ele
devo e a ele credito, em parelho com incursões
no mundo dos compêndios processuais. Durante
todo o meu tempo de juiz, seja estadual ou
federal, quando me deparo com um problema de
ordem processual, vislumbrando a omissão de
qualquer coisa importante que não foi objeto de
uma certidão, a figura de Jackson da Silva Lima
vem à tona.
Autor da História da Literatura Sergipana,
com dois volumes publicados, premiado
nacionalmente com O Folclore em Sergipe,
vitoriosa a incursão no mundo da ficção com O
Monobelo, que lhe proporcionou um prêmio e
algumas chateações, confundido que foi pela
personagem central, além de inúmeros outros
livros de pesquisa, englobando a poesia inédita
e esparsa de José Sampaio, e também a poesia
esparsa de Fausto Cardoso, de José Jorge de
Siqueira Filho e de Pedro de Calasans, entre
outros, o estudo sistemático de Ode Órfica,
de Santo Souza (um dos poemas mais bonitos da
língua portuguesa), e coletâneas outras de prosa
por ele organizadas, como Os Palmares Zumbi &
outros trechos sobre a escravidão, a
participação ativa na republicação das Obras
Completas de Tobias Barreto, a elaboração de
Os estudos filosóficos em Sergipe, são
alguns dos livros e trabalhos nos quais sua
capacidade de criação e de pesquisa se revelam e
se materializam, na demonstração de uma produção
intelectual ativa, que o coloca em alto patamar
na história cultural sergipana. Poderia,
igualmente, enumerar as muitas e muitas
apresentações, orelhas e prefácios de livros,
nas quais seu gênio fecundo deixou marca, e os
livros inéditos, no campo folclórico e
bibliográfico sergipano.
Silencioso em seu tugúrio, cercado de livros e
de anotações, na concretização de projetos dos
mais diversos, Jackson da Silva Lima completa
setenta anos de idade, circunstância que me faz
lastimar não ter sido criada, ainda, entre nós,
a ordem especial com o título de Mestre, para,
em primeiro lugar, lhe ser outorgada. Contudo,
com ou sem a medalha, é, de fato e direito, um
verdadeiro Mestre.
(*) O autor é ficcionista e pesquisador,
responsável, quinzenalmente, aos sábados, por
essa coluna.